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J. C. Ryle
A Regeneração 
6º capítulo do livro “Nós Desatados” de J.C.Ryle 1º Bispo da Diocese da Igreja da Inglaterra em Liverpool 

“Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”. (João 3: 3.)  

A regeneração é um dos assuntos mais importantes de todos os tempos. As seguintes palavras do nosso Senhor Jesus Cristo a Nicodemos são muito sérias. “Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”. (João 3: 3.) O mundo passou por muitas mudanças desde que essas palavras foram pronunciadas. Mil e oitocentos anos se passaram. Impérios e reinados surgiram e caíram. Grandes e sábios homens nasceram, trabalharam, escreveram e morreram. Mas ali está a lei do Senhor Jesus, que permanece inalterada. E assim continuará, mesmo que céus e terra passem: “Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”. 

Mas o assunto de hoje é de importância peculiar aos membros da Igreja da Inglaterra.  Muitas coisas se passaram nos últimas anos, as quais chamaram para si uma atenção especial. A mente dos homens está cheia dela e seus olhos a fixam. A regeneração tem sido discutida nos jornais. A regeneração tem sido falada em sociedades privadas. A regeneração tem sido debatida nas cortes da lei. Certamente esse é o tempo em que todo verdadeiro clérigo deve examinar-se a si mesmo neste quesito, e ter certeza de que suas opiniões estão sólidas. É chegado o tempo em que não podemos nos balançar entre duas opiniões. Devemos conhecer o que defendemos. Devemos estar prontos para explicar nossas crenças. Quando a verdade é atacada, aqueles que a amam devem agarrá-la mais firmemente do que nunca. 

Proponho nesse papel atentar para três questões:  

I. Primeiro, explicar o que é Regeneração, ou o que nascer de novo significa. 
II. Segundo, apresentar a necessidade da Regeneração. 
III. Terceiro, expor os sinais e as evidências da Regeneração. 

Se conseguir esclarecer esses três pontos, terei prestado um grande serviço aos meus leitores. 

I. Primeiro, explicar o que é Regeneração, ou o que nascer de novo significa. 
Regeneração é a mudança no coração e na natureza humanos pela qual um homem passa quando ele se torna um verdadeiro cristão. 

Não há dúvida alguma de que existe uma imensa diferença entre aqueles que professam e os que se autointitulam cristãos. Por trás de toda disputa, existem sempre duas classes de cristãos aparentes: 
os que são cristão apenas no nome e na forma e os que são cristãos em obras e em verdade. Nem todos os judeus eram realmente judeus, assim como nem todos os cristãos são realmente cristãos. “Na igreja manifesta”, afirma um artigo da Igreja da Inglaterra, “o mau estará sempre misturado ao bom". 

Alguns, como o Artigo 39 declara, são “ruins e estão isentos de uma fé viva", outros, ainda conforme o artigo diz, são feitos conforme a imagem do único filho de Deus, Jesus Cristo, e caminham corretamente em boas obras. Alguns adoram a Deus de forma pífia, outros O fazem em espírito e em verdade. Alguns dão seu coração a Deus, outros o dão ao mundo. Alguns acreditam na Bíblia e vivem conforme suas ordenanças, outros, não. Alguns pecam e condoem-se por isso, outros, não. Alguns amam o Cristo, confiam nEle e servem-nO, outros, não. Resumindo, como pregam as Escrituras, alguns andam pelo caminho estreito, outros, pelo largo; alguns são os bons peixes da rede do Evangelho, outros, os ruins; alguns são o 
trigo no campo de Cristo, outros, o joio.

Acredito que homem algum, estando ele com os olhos bem abertos, deixará de enxergar isso, tanto na Bíblia quanto no mundo que o rodeia.  Seja lá o que ele pense sobre o assunto que escrevo, ele não pode simplesmente negar que existe uma diferença.  

Agora, qual é a explicação dessa diferença? Respondo sem hesitar: regeneração ou nascer de novo. Respondo que verdadeiros cristãos são como são porque foram regenerados, e cristãos formais são como são porque não são regenerados.  O coração do cristão foi verdadeiramente mudado.  Já o coração do cristão apenas no nome, não sofreu alterações. A mudança no coração faz toda a diferença.

Tal mudança no coração é continuamente relatada na Bíblia, sob vários emblemas e figuras.  

Ezequiel identifica-a por "tirarei da sua carne o coração de pedra e lhes darei coração de carne” e "dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo." (Ezequiel 11:19; 36:26.). 

O apóstolo João algumas vezes a chama por “nascido de Deus”, outras vezes por “nascido de novo" e, ainda, por "nascido pelo Espírito" (Jo 1:13, 3:3,6.). 

O apóstolo Pedro, em Atos, chama de “arrependei-vos e convertei-vos.” (At 3:19.). 

A epístola aos Romanos fala sobre ela como sendo “ressurretos dentre os mortos." (Rm 6: 13.). 

A segunda epístola aos Coríntios chama de “nova criatura:  as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas.” (2 Co 5: 17.). 

A epístola dos Efésios fala sobre ela como a ressurreição juntamente com Cristo:  “Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados” (Ef 2: 1); como “despojeis do velho homem, que se corrompe, e vos renoveis no espírito do vosso entendimento, e vos revistais do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade” (Ef. 4: 22, 24.). 

A epístola dos Colossenses chama por “uma vez que vos despistes do velho homem com os seus feitos; e vos revestistes do novo homem que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (Cl 3: 9, 10.). 

A epístola de Tito chama de “o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo.” (Tt 3: 5.). 

A primeira epístola de Pedro fala sobre isso como “daquele que vos chamou das trevas para sua maravilhosa luz.” (I Pe 2: 9.). 

E a segunda epístola, como “coparticipantes da natureza divina” (II Pe 1: 4.). 

A primeira epístola de João chama por “passamos da morte para a vida.” (I Jo 3: 14.). 

Todas essas expressões, no final, significam a mesma coisa.  Elas todas são a mesma verdade, apenas vistas de lados diferentes.  E todas têm o mesmo e único significado.  Elas descrevem a mudança radical do coração e da natureza humana – uma perfeita mudança e transformação do interior humano - uma participação na ressurreta vida de Cristo; ou, tomando emprestadas as palavras do Catecismo da Igreja da Inglaterra, "Uma morte para o pecado e um novo nascimento para a retidão."

Essa mudança no coração do verdadeiro cristão é perfeita e completa, tão completa que nenhuma outra palavra se encaixaria tão perfeitamente do que "regeneração” ou “novo nascimento”.  Sem dúvida alguma não é nenhuma alteração corporal, externa, mas, indubitavelmente, uma alteração por completo no interior humano.  Ela não adiciona nenhuma outra faculdade mental ao homem, mas certamente dá uma nova disposição e inclinação às capacidades que ele já possui. Seu querer é tão novo, seu gosto é novo, suas opiniões são novas, sua forma de ver o pecado, o mundo, a Bíblia, o Cristo é tão nova, que ele se torna um novo homem em todas as suas intenções e propósitos. Tal mudança faz surgir um novo ser. Pode muito bem ser chamado de “nascido de novo”. 

Essa mudança não é sempre dada aos cristãos ao mesmo tempo em que se convertem.  Alguns nascem de novo ainda crianças e parecem, assim como Jeremias e João Batista, preenchidos com o Espírito Santo já desde o ventre de suas mães.  Alguns nascem de novo numa idade mais avançada.  A maior parte dos Cristãos provavelmente nasce de novo depois que crescem. Já a vasta multidão de pessoas, e isso é de recear, chega à cova sem nem mesmo ter nascido de novo.  

Essa mudança no coração nem sempre começa da mesma forma naqueles que passam pelo novo nascimento depois que crescem. Com alguns, como o apóstolo Paulo e o carcereiro em Filipo, foi uma mudança súbita e violenta, ocorrida com grande aflição de espírito.

Com outros, como Lídia e Tiatira, foi mais suave e gradual: seus invernos tonaram-se primavera de forma quase imperceptível por elas. Com alguns a mudança é trazida pelo Espírito trabalhando através de aflições e visitas providenciais. Com outros, e provavelmente aqui se encontra o grande número de verdadeiros cristãos, a Palavra de Deus, pregada ou escrita, é o meio pelo qual são influenciados.

Essa mudança só pode ser conhecida e discernida pelos seus frutos. Seus começos são algo escondido e secreto. Não podemos vê-los. Nosso Senhor Jesus Cristo nos diz da forma mais clara: “O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito” (João 3: 8.) Saberíamos se estivéssemos regenerados? Devemos tentar responder à questão examinando o que sabemos sobre os efeitos da regeneração. Esses efeitos são sempre os mesmos. Os caminhos pelos quais verdadeiros cristãos são levados, passando por grandes mudanças, certamente são vários. Mas o estado do coração e da alma para o qual eles são levados é sempre o mesmo. Pergunte-os o que eles acham sobre o pecado, Cristo, santidade, o mundo, a Bíblia e a oração e você os verá como uma única mente. 

Essa mudança nenhum homem pode dar a si mesmo ou a outro.  Isso seria tão razoável quanto esperar que os mortos se levantassem ou pedir para que um artista desse vida a uma estátua de mármore. Os filhos de Deus "não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus.” (Jo 1:13). Algumas vezes a mudança é designada por Deus, o Pai: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança." (I Pe 1:3). Algumas vezes atribuída a Deus, o Filho: “O Filho vivifica aqueles que (Ele) quer.” (Jo 5: 21.) “Se sabeis que ele é justo, reconhecei também que todo aquele que pratica a justiça é nascido dEle.” (I Jo 2: 29.) Algumas vezes é atribuída ao Espírito Santo, e Ele é, verdadeiramente, o grande agente pelo qual ela é sempre efetuada: “O que é nascido do Espírito, é espírito.” (Jo : 6.) Mas o homem não tem poder algum para trabalhar na mudança. Algumas vezes ela está longe, muito longe de seu alcance. “A condição do homem depois da queda de Adão,” diz o décimo artigo da Igreja da Inglaterra, "é tamanha que ele não pode mudar-se a si mesmo pela sua própria força e trabalho, mas pela fé e clamando por Deus”.
Nenhum ministro na terra pode dar graça a alguém de sua congregação pelo seu próprio juízo.  Ele pode pregar tão verdadeiramente e fielmente quanto Paulo e Apolo, mas de Deus “veio o crescimento" (I Co 3: 6.) Ele pode batizar com água no nome da Trindade, mas a não ser que o Santo Espírito acompanhe e abençoe a ordenação, não haverá morte para o pecado, tampouco nascimento para a retidão. Apenas Jesus, a Cabeça da Igreja, pode batizar com o Espírito Santo. Abençoados e felizes são aqueles que têm tanto o batismo interno quanto o externo.

Acredito que o relato precedente da Regeneração seja bíblico e correto. É essa mudança de coração que distingue a marca de um verdadeiro cristão, a companhia invariável de uma fé justificada em Cristo, a inseparável consequência de uma união vital com Ele e a raiz e o princípio de uma santificação do corpo. Peço a meus leitores que ponderem bem antes de irem mais além. É de extrema importância que nossas visões estejam claras nesse ponto, sobre o que a regeneração verdadeiramente é. 

Eu sei bem que muitos não permitirão que a Regeneração seja aquilo que eu acabei de descrever.  Eles dirão que a sentença que acabei de dar é, por definição, muito forte.  Alguns defendem que Regeneração significa apenas o acesso a um estado de privilégios eclesiásticos ao tornar-se membro da igreja, mas que não significa uma mudança no coração.  Alguns nos dizem que um homem regenerado tem certo poder dentro dele que o permite arrepender-se e acredita que seus pensamentos se encaixam, mas que ainda precisa de uma mudança mais ampla a fim de tornar-se um verdadeiro cristão.
Alguns dizem que há diferença entre regeneração e nascer de novo. Outros dizem que há diferença entre nascer de novo e conversão.  

A tudo isso, tenho uma simples resposta, ei-la: não consigo encontrar tal forma de regeneração falada em qualquer lugar da Bíblia. A regeneração que significa apenas admissão a um estado de privilégio eclesiástico pode ser antigo e primitivo, pelo que eu saiba. Mas algo mais do que isso é preciso. Alguns textos claros da Escritura são necessários, e tais textos ainda precisam ser encontrados. 

Essa noção de regeneração é completamente inconsistente com o que João nos dá em sua primeira epístola. Ela torna necessária a invenção de uma teoria ineficaz de que existem duas regenerações, e é altamente calculada com o intuito de confundir as mentes de pessoas sem conhecimento e introduzir falsas doutrinas. É um conceito que parece não corresponder a solenidade com a qual nosso Senhor introduz o assunto a Nicodemos. Quando Ele disse “Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”, Ele quis se referir que não poder ver o reino de Deus o que não é admitido para um estado de privilégio eclesiástico? Certamente Ele quis dizer muito mais do que isso. Tal espécie de regeneração um homem pode ter, como Simão, o Mago, e, mesmo assim, nunca ser salvo. Essa regeneração ladrão arrependido jamais poderia ter sentido ou experimento, mas mesmo assim, se acha ao Reino de Deus. Com certeza Ele quis dizer uma mudança de coração. Quanto à ideia de que existe alguma distinção entre ser regenerado e ser nascido de novo, essa não terá investigação. É de senso comum entre todos os que conhecem grego, que essas duas expressões significam a mesma coisa. 

Para mim, realmente, parece existir muitos conflitos de ideias e apreensões indistintas na mente humana quanto a essa questão - o que a regeneração realmente é - e todas surgindo simplesmente por não aderirem à Palavra de Deus. Que um homem é admitido a um estado de grande privilégio quando ele se torna membro de uma pura Igreja de Cristo, isso eu não nego em momento algum. Que sua alma está numa posição muito melhor e bem mais vantajosa do que se não pertencesse à igreja, isso eu nem sequer questiono. Que uma larga porta foi aberta perante sua alma, a qual não é posta diante do pagão, isso eu posso claramente ver. Mas em momento algum vejo a Bíblia nomeando esse acontecimento como Regeneração. E não encontro um único texto na Escritura que autorize tal suposição. É muito importante na teologia distinguir as coisas que se diferem. Os privilégios na Igreja são uma coisa; a Regeneração, outra. Quanto a mim, não ouso confundi-las.

Estou bem ciente de que grandes e bons homens tem se agarrado a essa baixa visão da Regeneração advertida por mim.8 Mas quando a doutrina do eterno Evangelho está em jogo, não posso chamar nenhum homem de mestre. As palavras do velho filósofo nunca devem ser esquecidas: “Eu amo Platão, eu amo Sócrates, mas amo a verdade mais do que a ambos”. Digo sem hesitar que aqueles que defendem a visão de que existem duas regenerações, não são capazes de trazer nenhum texto claro que comprove isso. Acredito firmemente que nenhum leitor da Bíblia jamais encontraria esse ponto de vista; e isso me é suficiente para suspeitar de que essa é uma ideia da cabeça humana. A única regeneração que vejo nas escrituras não é uma mudança de estado, mas de coração. Essa é a visão, mais uma vez afirmo, que o Catecismo da Igreja prega quando fala de “morte para o pecado e novo nascimento para a retidão”, e é nessa visão que eu acredito. 

A doutrina diante de nós é de vital importância.  Não é problema de nomes, palavras ou formas sobre o que escrevo.  Se seremos salvos, isso é algo que devemos sentir e saber por experiência, cada um por si só. Tentemos nos familiarizar com isso. Não deixemos que o rumor e a fumaça da controvérsia desvie nossa atenção de nossos corações.  Nossos corações estão mudados? É um trabalho difícil discutir, argumentar e disputar sobre regeneração se, no final, não sabemos nada sobre ela. 

II. Deixe-me mostrar, em segundo lugar, a necessidade que temos em ser regeneradores ou nascidos de novo. 

Essa necessidade fica mais clara através das palavras do nosso Senhor Jesus Cristo, no terceiro capítulo do evangelho de João. Nada pode ser mais claro e positivo do que o que Ele fala a Nicodemos: 
“Em verdade, em verdade te digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus”. “Não te admires de eu te dizer: importa-vos nascer de novo" (Jo: 3: 3, 7.) 

As razões para essa necessidade são o pecado e a corrupção excessiva de nossos corações primitivos. As palavras de Paulo aos Coríntios são perfeitas: “Ora, o homem natural não aceita as cousas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura” (I Co 2: 14.) Assim como os rios correm para a foz, faíscas voam pelos céus e pedras caem no chão, assim o coração do homem naturalmente se inclina para o mal. Amamos os inimigos de nossas almas e odiamos os amigos delas. Nós chamamos o bem de mau e o mau de bom. Regozijamo-nos no pecado, mas não vemos prazer algum em Cristo. Não apenas cometemos pecado, mas também o amamos. Não precisamos somente limpar-nos da culpa do pecado, mas também precisamos ser libertos de seu poder. O tom natural, o preconceito e a correnteza de nossas mentes devem ser completamente alterados. A imagem de Deus, que foi manchada pelo pecado, deve ser restaurada. A desordem e a confusão que reina em nós devem ser posta de lado. As primeiras coisas já não devem mais ser as últimas, nem as últimas as primeiras. O Espírito deve deixar entrar a luz em nossos corações, colocar tudo em seu devido lugar e criar coisas novas. 

Sempre deve ser lembrado que existem duas coisas distintas que o Senhor Jesus Cristo faz para todo pecador salvo por Ele. Ele o lava de todos os seus pecados com o Seu próprio sangue e dá o perdão de graça: isso é justificação. Ele coloca o Espírito Santo no seu coração e faz dele uma pessoa completamente nova: isso é regeneração. 

Ambas são absolutamente necessárias para a salvação. A mudança de coração é tão necessária quanto o perdão; e o perdão é tão necessário quanto a mudança de coração. Sem o perdão, não temos nem o 
direito nem o título para irmos ao céu. Sem a mudança, não deveríamos estar reunidos nem prontos para desfrutar do céu, mesmo se chegarmos nele. 

Regeneração e justificação nunca andam separadas.  Nunca são encontradas isoladas.  Todo homem justificado também é regenerado, e todo homem regenerado é justificado.  Quando o Senhor Jesus Cristo dá ao homem remissão dos pecados, Ele também dá arrependimento.  Quando Ele concede paz com Deus, Ele também concede "poder para se tornar filho de Deus”.  Existem duas grandes máximas do glorioso Evangelho que nunca devem ser esquecidas.  Uma é:  
“Quem crer e for batizado será salvo” (Mc 16: 16.), a outra: “E, se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dEle” (Rm 8: 9.) 

O homem que nega a necessidade universal da regeneração sabe pouquíssimo sobre a corrupção do coração.  Aquele que fantasia que o perdão é tudo o que precisamos para chegarmos ao céu, e não vê que o perdão sem a mudança de coração é um presente inútil, é um cego.  Bendito seja Deus, pois ambos nos são oferecidos gratuitamente pelo Evangelho de Cristo e porque Jesus está apto e disposto a nos dar tanto um, quanto outro! 

 A grande maioria das pessoas no mundo não vêem nada, não sentem nada e não sabem nada de religião como deveriam.  Como e por que isso ocorre, não é a presente questão.  Apenas a coloco no consciente de cada leitor deste volume. Não é isso verdade?  

Diga-lhes sobre o pecado em muitas ações que eles praticam continuamente, e o que é geralmente a resposta? "Eles não vêem mal algum". 

Avise-os sobre o grande perigo pelo qual suas almas passam, o pouco tempo que tem, a proximidade da eternidade, a incerteza da vida, a realidade do julgamento. Eles não sentem medo. 

Pregue-lhes sobre a necessidade de um Salvador poderoso, amoroso e divino e sobre a impossibilidade de serem salvos do inferno, exceto pela fé nEle. Tudo cai de pisado e morto em seus ouvidos. Eles não veem tamanha barreira entre eles e o céu. 

Fale sobre a santidade e o alto padrão de vida que a Bíblia exige.  
Eles não conseguem compreender a necessidade de tamanho rigor.  
Eles não veem utilidade em ser tão bom.  

Existem milhares e milhares de pessoas assim em cada um de nossos lados. Eles escutarão tudo isso durante toda sua vida. Eles irão até mesmo participar do ministério dos melhores pregadores e escutar aos apelos mais poderosos às suas consciências. E, ainda assim, quando você for visitá-los em seu leito de morte, eles serão como homens e mulheres que nunca escutaram essas coisas. Eles não conhecem nada sobre as principais doutrinas do evangelho por experiência. Elas não conseguem apresentar razão alguma para sua própria esperança. 

E por qual motivo tudo isso? Qual a explicação? Qual é a causa de tamanho estado? Tudo isso vem do fato de que, naturalmente, o homem não tem senso espiritual algum sobre as coisas. Em vão o sol da retidão brilha perante ele: os olhos de sua mente estão cegos, não podem ver. Em vão a música de Cristo convidando-o toca  ao redor dele: os ouvidos de sua alma estão surdos, não podem escutar. Em vão a ira de Deus contra o pecado é levantada: as percepções de sua alma estão paralisadas, como o viajante que dorme e não percebe a tempestade chegando. Em vão o pão e a água da vida são oferecidos a Ele: sua alma não está com fome para o pão e nem com sede para a água. Em vão ele é advertido escapar para o Grande Médico: sua alma está inconsciente dessa doença: por que ele deveria ir? Em vão você lhe dá uma quantia para que compre sabedoria: a mente de sua alma vagueia. Ele é como um lunático, que chama palha de coroa e poeira de diamantes. Ele diz "eu sou rico e tenho propriedades, não preciso de mais nada”.  Não há nada mais triste do que a tamanha corrupção de nossa natureza! Não há nada tão doloroso quanto a anatomia de uma alma morta. 

Agora, do que um homem assim precisa? Ele precisa nascer de novo e ser feito nova criatura. Ele precisa deixar completamente de lado o velho homem e transformar-se em novo. Não vivemos nossa vida terrena até nascermos para o mundo e não vivemos nossa vida espiritual até nascermos para o Espírito. 

Devemos estar cientes de que a grande maioria das pessoas estão incapacitadas de se alegrarem com o céu em seu presente estado.  Eu caracterizo isso como sendo um grande fato.  Não o é? 

Olhe a quantidade de homens e mulheres reunida em nossas cidades e observe-os.  São todas criaturas mortas, seres imortais, caminhando em direção ao julgamento de Cristo, indo certamente morar ou no céu ou no inferno.  Mas onde está a mais insignificante evidência de que a maioria delas está minimamente qualificada para esse encontro no julgamento e preparadas para o céu?   

Olhe para a melhor parte daqueles que são chamados cristãos, em qualquer lugar da terra. Pegue qualquer paróquia que quiser, não importa a cidade ou o país. Pegue aquela que você conhece melhor.

Quais os gostos e prazeres da maioria das pessoas que moram lá? 
Do que elas gostam mais quando tem uma escolha? O que elas desfrutam mais quando tem a chance de optar? Observe a forma com que elas vivem seus domingos.  Perceba o ínfimo prazer que sentem ao ler a Bíblia ou ao orarem.  Perceba as noções baixas e terrenas de prazer e alegria que prevalecem em todo lugar, seja entre jovens ou idosos, ricos ou pobres.  Marque bem esses pontos e, então, reflita sobre essa questão: “O que essas pessoas fariam no céu?” 

Você e eu, poderíamos dizer, sabemos pouco sobre o céu. Nossas noções de céu podem ser turvas e indistintas. Mas, de qualquer forma, acredito que concordamos em dizer que o céu é um lugar santo, porque Deus está lá, Cristo está lá e os santos e os anjos estão lá, porque o pecado não se faz presente de forma alguma e porque nada é dito, pensado ou feito se Deus não o permitir. Tome isto por certo, e então não haverá dúvidas de que a grande maioria das pessoas ao nosso redor está tão adequada a ir para o céu quanto um pássaro está para nadar no oceano, ou um peixe para viver sob a terra seca.

E o que eles precisam para estarem aptos a se regozijarem no céu? 
Eles precisam ser regenerados e nascidos de novo.  Não é uma mudança boba nem uma reforma externa que é exigida.  Não é meramente limitar paixões ferozes ou aquiescer afeições incontroláveis.  
Isso não é suficiente. Idade avançada, o desejo por uma oportunidade de indulgência e o medo humano podem causar tudo isso. O tigre continua tigre, mesmo quando é preso, e a serpente continua serpente, mesmo quando ela está imóvel e enrolada. A alteração necessária está muito mais distante e é bem mais profunda. Todos devem ter uma nova natureza em seu interior, todos devem ser feitos nova criatura, a nascente deve ser purificada, a raiz deve ser endireitada, todos requerem de um novo coração e uma nova vontade. A mudança requerida não é a da cobra, quando ela deixa sua pele e, mesmo assim, permanece um réptil; mas sim a mudança da larva quando ela morre e sua vida termina, porém do seu corpo uma borboleta se levanta. Um novo animal, uma nova natureza. 

Tudo isso e nada menos é exigido.  Bem fala a Homilia das Boas Obras10:  “Estão tão mortos para Deus os que não tem fé, como estão para o mundo os que não tem alma”. 

A verdade é que a vasta quantidade de cristãos professos no mundo não tem nada de Cristianismo, a não ser o próprio nome. A realidade do Cristianismo, a graça, a experiência, a fé, a esperança, a vida, o conflito, os gostos, a ânsia pela retidão, tudo isso são coisas que eles não tem um mínimo de conhecimento. Eles precisam ser convertidos tanto quanto os gentios a quem Paulo pregou, dissuadidos dos ídolos e renovados os espíritos de suas mentes verdadeiramente, se não literalmente. E uma parte principal da mensagem que deve ser continuamente falada a todas as congregações da terra é: “Precisais nascer de novo”. Escrevo isso deliberadamente. Sei que soará terrível e descaridoso a muitos ouvidos. Mas peço a qualquer pessoa que coloque o Novo Testamento em mãos e veja o que ele afirma sobre o cristianismo. Compare às formas de cristãos professos existentes e, aí, negue a verdade que escrevo agora, caso possa. 

Agora, que todos os que leem essas páginas se lembrem do grande princípio da religião bíblica: “Não há salvação sem regeneração, não há vida espiritual sem um novo nascimento e não existe céu sem um novo coração”.  

Não pensemos em momento algum que o objetivo desse texto é meramente questão de controvérsia, uma questão vazia a ser discutida por homens sábios, mas nada que nos importe realmente. Ela nos concerne profundamente, toca nossos próprios interesses eternos, é algo que precisamos saber por nós mesmos, sentir por nós mesmos, experimentar por nós mesmos, se formos realmente salvos. Nenhuma alma humana, seja ela de homem, mulher ou criança, entrará no céu sem que seja nascida de novo.

E não pensemos em momento algum que essa regeneração é uma mudança pela qual pessoas podem passar depois que já estão mortas, se nem sequer terem passado por ela quando estavam vivas. Tal ideia é um absurdo. Aqui e agora é o único momento para ser salvo.

Agora, nesse mundo de labuta e trabalho, de ganhar dinheiro e negócios. Se tivermos que nos preparar para o céu, agora é o momento.  Agora é o momento para ser justificado, para ser santificado e para ser nascido de novo.  Tão certo quanto a Bíblia é a verdade, o homem que morre sem essas três coisas se erguerá novamente apenas no dia final, quando será jogado no fogo por toda a eternidade.  

Podemos ser salvos e alcançar o céu sem muitas coisas que consideramos de grande importância: sem riquezas, aprendizado, livros, confortos mundanos, saúde, casa, terras e amigos, mas sem a regeneração, nunca seremos salvos. Sem nosso nascimento na terra, nunca teríamos vivido, mudado e lido essas páginas: sem o novo nascimento, jamais viveremos e nos mudaremos para o céu. Queira Deus que haverá mais santos na glória do que homem algum pode sequer imaginar. Eu me conforto com o pensamento de que, apesar de tudo, haverá muitas pessoas no céu. Mas de uma coisa tenho certeza, e estou persuadido pela Palavra de Deus, de que de todos os que alcançarem o céu, não haverá um único ser que não tenha sido nascido de novo.

III. Deixe-me, em terceiro lugar, apontar as marcas de um regenerado ou nascido de novo. 

É muito importante termos visões claras e distintas sobre o assunto que tratamos. Vimos o que é a regeneração e o porquê de sua necessidade para a salvação. O próximo passo é encontrar os sinais e 
evidências pelos quais um homem pode saber se ele é nascido de novo ou não, se o seu coração foi mudado pelo Espírito Santo ou se sua mudança ainda está por vir. 

Esses sinais estão claramente expostos para todos nós nas Escrituras.  Deus não nos deixou sem poder de conhecimento quanto a essa questão. Ele previu que muitos se torturariam com dúvidas e questionamentos e nunca acreditariam que estavam indo bem com suas almas. Ele previu que outros tomariam por certo o fato de serem regenerados, mas que não tinham direito algum a tamanha certeza. Ele, então, com sua infinita misericórdia, providenciou-nos teste de aferição de nossas condições espirituais, na primeira epístola de João. Lá ele escreveu para que aprendêssemos o significado de homem regenerado e quais são suas ações, seus caminhos, seus hábitos, sua forma de viver a vida, sua fé, suas experiências. Todos os que desejam possuir a chave para um correto entendimento do assunto deveriam estudar toda a Primeira Epístola de João. 

Eu os convido para prestar uma atenção particular às marcas e evidências de regeneração, enquanto tento expô-las em ordem.  Posso facilmente mencionar outras evidências fora essas que estou a referir.  Mas não o farei.  Prefiro me conter à Primeira Epístola de João, por causa da clareza peculiar de suas sentenças sobre o homem que nasce em Deus.  O que têm ouvidos que escute o que o amado apóstolo tem a dizer sobre as marcas da regeneração.  

(1) Primeiro de tudo, João afirma “Todo o que é nascido de Deus não vive na prática do pecado” e, novamente, “Todo aquele que é nascido de Deus não vive em pecado" (I Jo 3: 9; 5: 18.) 

Um homem regenerado não comete pecado como hábito. Ele já não peca com seu coração e com o desejo, com inclinação, como um homem não regenerado age. Havia provavelmente um tempo em que ele não pensava se suas ações eram pecaminosas ou não, e nunca se sentia aflito depois de fazer o mal. Não houve nenhuma luta entre ele e o pecado, eles eram amigos. Agora ele odeia o pecado, foge dele e luta contra ele, considera-o como a pior praga, geme pela carga de sua presença, lamenta quando cai em sua influência e demora para ser libertado disso. Em uma única palavra, o pecado já não o apraz e é até mesmo algo indiferente: tornou-se a coisa mais abominável odiada por ele. Ele não pode preveni-lo de habitar em seu interior. “Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos” (I Jo 1:8), mas ele pode afirmar cordialmente que o odeia e que o maior desejo de sua alma é não cometer pecado algum. Ele não pode prevenir que pensamentos ruins cresçam nele, falhas, omissões e defeitos aparecem tanto em suas palavras quanto ações. Ele sabe, assim como Tiago afirma, que “todos tropeçamos em muitas coisas”. (Tg 3: 2.) Mas ele pode dizer verdadeiramente, à visão de Deus, que tais atos o entristecem e afligem diariamente e que sua natureza não consente com eles, como é o caso do homem não regenerado. 

(2) Segundo, João afirma, “Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo, é nascido de Deus”.  (I Jo 5: 1.) 

Um homem regenerado acredita que Jesus Cristo é o único Salvador pelo qual sua alma pode ser perdoada e justificada, que Ele é a Pessoa Divina apontada e consagrada por Deus, o Pai, para esse propósito, e que à parte dEle, não existe nenhum outro Salvador. Em si, o homem não vê nada menos do que desmerecimento, mas em Cristo ele vê um terreno para a mais completa confiança, confiando nEle, ele acredita que todos os seus pecados são perdoados e suas iniquidades são lançadas fora. Ele acredita que pela graça do trabalho de Cristo e morte na cruz, ele é considerado reto à vista de Deus e pode olhar para a morte e o julgamento sem medo. Ele pode ter seus medos e dúvidas. Ele pode dizer algumas vezes que se sente como se não tivesse fé nenhuma. Mas pergunte se ele está disposto a confiar em qualquer coisa que não seja Cristo, e veja o que ele dirá. Pergunte-lhe se ele deixará a esperança na vida eterna à sua própria sorte, suas próprias emendas, suas orações, seu ministro, suas obras na igreja e fora dela, quer seja em parte ou completamente, e veja o que ele lhe responderá. Pergunte-o se ele desistiria de Cristo e colocaria sua confiança em qualquer outra forma de salvação. Ele diria que apesar de se sentir fraco e pecador, não desistiria de Cristo por nada nesse mundo. Ele diria que encontrou a preciosidade em Cristo, uma idoneidade para sua própria alma em Cristo, que em nenhum outro lugar ele encontrou e, por isso, deve agarrar-se nEle. 

(3) Terceiro, João diz “Se sabeis que Ele é justo, sabeis que todo aquele que pratica a justiça é nascido dEle” (I Jo 2: 29.) 

O homem regenerado é um homem santo. Ele se esforça para viver conforme a vontade de Deus, a fazer as coisas que agradam a Ele e evita as que Ele não gosta. O seu objetivo e desejo é amar a Deus com coração, alma, mente e força e amar o seu próximo como a si mesmo. O seu desejo é continuamente olhar para Cristo como exemplo e como Salvador, e mostrar-se como amigo de Cristo ao fazer tudo o que Ele ordena. Não há dúvidas de que tal homem é imperfeito. Ninguém o falará isso tão rapidamente quanto ele próprio. Ele sofre com a carga da corrupção que habita nele. Ele encontra em si próprio constantemente um princípio pecaminoso guerreando contra a graça e tentando tirar-lhe de perto de Deus. Mas ele não consente com isso, mesmo não podendo prevenir sua presença.

A média de inclinação e influência de seu caminho é santa, mesmo com todos os atalhos; seus feitos são santos, assim como seus gostos e hábitos, apesar de seus desvios; como um navio lutando contra um vento contrário, o curso normal de sua vida mira uma direção apenas: em direção a Deus e para Deus. E apesar de algumas vezes ele se sentir tão fraco a ponto de questionar se ele é cristão ou não, em seus momentos serenos ele estará geralmente apto a dizer com John Newton “Eu não sou o que deveria ser; não sou o que queria ser, não sou o que espero ser em outro mundo, mas ainda assim sou o que costumava ser, e pela graça de Deus, sou o que sou”13. 

(4) Quarto, João afirma “Nós sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os irmãos”. (I Jo 3: 14.) 

Um homem regenerado tem um amor especial por todos os verdadeiros discípulos de Cristo. Como o Pai no céu, ele ama todos os homens com amor genuíno, mas tem um amor especial por aqueles que, junto com ele, possuem a mesma mente. Como o seu Senhor e Salvador, ele ama o pior dos pecadores e poderia chorar por eles, mas ele tem uma forma distinta de amor por aqueles que são cristãos. Ele nunca se sente tanto em casa como quando está na companhia destes: ele nunca está tão feliz como quando está entre os santos e a excelência da terra. Alguns podem valorizar o conhecimento ou a inteligência, a agradabilidade, a riqueza ou classes na sociedade em que escolherem. O homem regenerado valoriza a graça. Aqueles que têm mais graça e amam mais a Cristo, são os que ele mais ama. Ele sente como se fossem membros da mesma família, seus irmãos, irmãs, filhos do mesmo Pai. Ele sente como se fossem companheiros de guerra, lutando sob o poder do mesmo capitão e guerreando contra o mesmo inimigo.

Ele sente como se fossem companheiros de viagem, andando pela mesma estrada, tentados pelas mesmas dificuldades, e breve repousarão juntos no mesmo lar eterno. Eles se entendem.

Existe uma espécie de camaradagem espiritual entre eles. Eles podem ser muito diferentes um dos outros, tanto em classe social, quanto cargos ou riquezas. O que importa? Eles são os eleitos de Cristo Jesus: eles são os filhos e filhas de Seu Pai. Portanto, não conseguem não se amar. 

(5) Quinto, João afirma “Porque todo o que é nascido de Deus, vence o mundo” (I Jo 5: 4.) 

Um homem regenerado não faz da opinião mundial a sua regra de certo ou errado. Ele não se importa em ir de encontro ao mundo, suas noções e costumes. “O que os homens dirão?” já não é uma pergunta importante para ele. Ele supera o amor do mundo. Ele não encontra prazer no que muitos ao seu redor chamam de felicidade. Ele não desfruta de seus regozijos, eles o cansam, eles aparentam ser vão, inútil, indigno de um ser imortal. Ele supera o medo do mundo.  Ele está contente em fazer muitas coisas que vários ao seu redor chamariam de desnecessário, para não dizer algo pior.  Eles o culpam: mas isso não o move. Eles o ridicularizam, mas ele não desiste. Ele ama adorar a Deus mais do que ao homem. Ele teme ofender ao Pai mais do que ofender ao homem.

Ele sabe o preço. Ele já se posicionou. Para ele não importa mais se será censurado ou não. Seus olhos miram para Ele, que é invisível. É Ele que o homem regenerado está resoluto a seguir não importa onde Ele vá. Talvez seja necessário, durante essa caminhada, separarmo-nos do mundo. O homem regenerado não temerá em fazer isso. Diga-lhe que ele não é como as outras pessoas, que suas visões não são as da sociedade comum, e que ele está fazendo de si mesmo alguém singular e peculiar. Você não o abalará. Ele já não é mais servo da moda e dos costumes. Agradar o mundo é algo secundário para ele. Seu principal objetivo é agradar a Deus. 

(6) Sexto, João afirma “o que de Deus é gerado conserva-se a si mesmo” (I Jo 5: 18.) 

Um homem regenerado é cuidadoso com sua própria alma. Ele se esforça não apenas em se manter longe do pecado, mas também se afasta de tudo o que pode levá-lo a pecar. Ele é cuidadoso com suas 
companhias. Ele sabe que conversas maldosas corrompem o coração e que o mal é muito mais contagioso do que o bem, assim como a doença é mais infecciosa que a saúde. Ele é cuidadoso com a organização do seu tempo: seu principal desejo é desfrutar de seu tempo de forma proveitosa. Ele é cuidadoso com os livros que lê: ele teme que sua mente se envenene com livros nocivos. Ele é cuidadoso com suas amizades: para ele, as pessoas serem bondosas, amigáveis e de boa índole não lhe é suficiente. Tudo isso é muito bom, mas eles farão bem a sua alma? Ele é cuidadoso com seus hábitos diários e comportamentais: ele tenta lembrar que seu coração é enganoso, que o mundo é cheio de maldade, que o diabo está sempre trabalhando para causar dano e, portanto, ele deve estar sempre vigiando. Ele deseja viver como um soldado no país inimigo, vestir sua armadura o tempo todo e estar preparado para quando as tentações vierem. Por experiência, ele vê que sua alma está sempre rodeada por inimigos e ele aprende a ser atento, humilde e um homem de oração. 

Tais são as seis grandes marcas da regeneração que Deus nos deu para nosso aprendizado.  Que todos os que chegaram até aqui comigo, leia tudo com atenção e descanse essas palavras no coração.  

 Acredito que foram escritas com o intuito de responder à grande questão dos dias de hoje e prevenir discussões futuras. Mais uma vez, então, peço ao leitor que observe e considere o que foi escrito. 

Sei que existe uma grande diferença na profundidade e na distinção dessas observações entre aqueles que são “regenerados”.  Em algumas pessoas, elas são lânguidas, fracas e difíceis de serem percebidas.  Você praticamente precisa de um microscópio para entender.

Em outros elas são arrojadas, afiadas, claras, evidentes e inconfundíveis, de forma que até o que está apressado, correndo, ainda assim consegue ver.  Algumas dessas marcas são mais visíveis em certas pessoas, já outras são mais visíveis em outras.  É muito raro quando todas as marcas se manifestam igualmente numa única alma.  Mas tudo isto estou disposto a conceder.  

Ainda assim, depois de toda concessão, aqui encontramos corajosamente descritas as seis marcas de uma pessoa nascida de novo em Deus.  Aqui estão características positivas expostas por João como partes do caráter de um homem regenerado, tão claramente e distintamente quanto os traços do rosto humano.  Eis um apóstolo inspirado escrevendo uma das últimas epístolas gerais da Igreja de Cristo, dizendo-nos que um homem nascido de Deus não comete pecado, acredita que Jesus é o Cristo, pratica a retidão, ama os irmãos, supera o mundo e se guarda. E mais de uma vez na mesma Epístola, quando tais marcas são mencionadas, o apóstolo afirma que os que não possuem essas marcas, não pertencem a Deus. Eu vos peço para que observem isso. 

Agora, o que devemos dizer a essas coisas? O que eles dizem para comprovar o que acreditam, os que defendem a regeneração apenas como uma permissão para privilégios na igreja, isso eu não sei. Eu, entretanto, digo audaciosamente que só posso chegar a uma conclusão. Essa conclusão é a de que tais pessoas são regeneradas apenas caso tenham essas seis marcas e que homens e mulheres que não as possuem, não são regenerados ou nascidos de novo. Acredito firmemente que essa é a mesma conclusão que o apóstolo gostaria que todos nós chegássemos. 

Eu recomendo o que tenho dito e peço para que meus leitores considerem cada palavra. Não disse nada mais do que a verdade de Deus. Vivemos numa época de grande escuridão quando o assunto é regeneração. Milhares turvam o conselho de Deus ao confundir batismo com regeneração. Estejamos cientes disso. Deixemos os dois assuntos separados em nossa mente. Clareemos nossas visões sobre regeneração para que, dessa forma, estejamos menos propícios aos erros sobre batismo. E quando já estivermos com nossas visões claras, agarremo-las, para que nunca fujam de nós. 

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FONTE: Traduzido de http://www.tracts.ukgo.com/ryle_regeneration.pdf 

6 capitulo do livro KNOTS UNTIED - BEING PLAIN STATEMENTS ON DISPUTED POINTS IN RELIGION, FROM THE STANDPOINT OF AN EVANGELICAL CHURCHMAN 

Tradução: Sara de Cerqueira  
Revisão: Armando Marcos Pinto 
Capa: Victor Silva 

Projeto Ryle – http://bisporyle.blogspot.com

16:07 1

Mortificando o pecado pelo Espírito Santo
David Martyn Lloyd-Jones (1899-1981)


“Assim, pois, irmãos, somos devedores, não à carne como se constrangidos a viver segundo a carne. Porque, se viverdes segundo a carne, caminhais para a morte; mas, se, pelo Espírito, mortificardes os feitos do corpo, certamente, vivereis” (Romanos 8.12-13).

A santificação é um processo em que o próprio homem desempenha uma parte. Nessa parte, o homem é chamado a fazer algo “pelo Espírito”, que está nele. Consideraremos agora o que exatamente o homem tem de fazer. A exortação é esta: “Se, pelo Espírito, mortificardes os feitos do corpo”. O crente é chamado a mortificar os feitos do corpo.

Temos, primeiramente, de abordar a palavra corpo, que se refere ao nosso corpo físico, nossa estrutura física, conforme vemos também no versículo 10. A palavra não significa “carne”. Até o grande Dr. John Owen se enganou neste ponto e trata a palavra como uma alusão à “carne” e não ao “corpo”. Mas o apóstolo, que antes falara tanto a respeito de “carne”, agora fala sobre o “corpo”. Ele fez isso no versículos 10 e 11, assim como o fizera no versículo 12 do capítulo 6. Paulo se referia a este corpo físico em que o pecado ainda permanece e que um dia será ressuscitado em “incorruptibilidade” e glorificado, para tornar-se semelhante ao corpo glorificado de nosso bendito Senhor e Salvador.

Enfatizo novamente que temos de ser claros neste assunto, porque está sujeito a ser mal entendido. O ensino não é que o corpo humano ou a matéria são inerentemente pecaminosos. Já houve heréticos que ensinaram esse erro conhecido como dualismo. Ao contrário disso, o Novo Testamento ensina que o homem foi criado bom tanto em corpo, alma e espírito. Não ensina que a matéria é sempre má e que, por essa razão, o corpo é sempre mau. Houve um tempo em que o corpo era... totalmente livre do pecado. Mas, quando o homem caiu e pecou, todo o seu ser caiu, e ele se tornou pecaminoso no corpo, mente e espírito.

Temos visto que pelo novo nascimento o espírito do homem é liberto. Ele recebe vida nova — “O espírito é vida, por causa da justiça” (Rm 8.10). Mas o corpo ainda “está morto por causa do pecado”. Esse é o ensino do Novo Testamento! Em outras palavras, embora o crente seja regenerado, ainda permanece em um corpo mortal. Por isso enfrentamos problemas para viver a vida cristã, visto que temos de lutar contra o pecado enquanto estivermos neste mundo, pois o corpo é fonte e instrumento de pecado e corrupção. Nossos corpos ainda não foram redimidos. Eles o serão, mas agora o pecado ainda permanece neles.
Conforme vimos, o apóstolo deixa isso bem claro. Em 1 Coríntios 9.27, ele disse: “Esmurro o meu corpo” (1 Coríntios 9.27), porque o corpo nos impele a obras más. Isso não significa que os instintos do corpo são em si mesmos pecaminosos. Os instintos são naturais e normais, não sendo, inerentemente, pecaminosos. Mas o pecado que permanece em nós está sempre tentando levar os instintos naturais a direções erradas. O pecado tenta levá-los a “afeições imoderadas”, a exagerá-los; tenta fazer-nos comer demais, satisfazer em excesso todos os nossos instintos, de modo que se tornem “imoderados”. Vendo esse assunto de outro ângulo, esse princípio pecaminoso tenta impedir-nos de dar atenção ao processo de disciplina e autocontrole ao qual somos constantemente chamados nas páginas das Escrituras. O pecado remanescente no corpo tende a agir dessa maneira. Por isso, o apóstolo fala sobre os “feitos do corpo”. O pecado tenta tornar o natural e normal em algo pecaminoso e mau.

O termo “mortificar” explica-se a si mesmo. “Mortificar” significa matar, trazer à morte... logo, a exortação diz que temos de matar, por um fim nos “feitos do corpo”. De uma perspectiva prática, esta é a grande exortação do Novo Testamento em conexão com a santificação e se dirige a todos os crentes.

Como devemos fazer isso?... O apóstolo esclarece: “Se, pelo Espírito, mortificardes os feitos do corpo” — pelo Espírito! É claro que o Espírito é mencionado particularmente porque a sua presença e sua obra são características peculiares do verdadeiro cristianismo. Isto é o que diferencia o cristianismo da moralidade, do “legalismo” e do falso puritanismo — “pelo Espírito”. O Espírito Santo, conforme já vimos, está em nós crentes. Você não pode ser um crente sem o Espírito Santo. Se você é um crente, o Espírito Santo de Deus está em você, agindo em você. Ele nos capacita, nos dá forças e poder. Ele nos traz a grande salvação que o Senhor Jesus Cristo realizou, capacitando-nos a desenvolvê-la. Portanto, o crente nunca deve se queixar de falta de capacidade e poder. Se o crente diz: “Eu não posso fazer isso”, está negando as Escrituras. Aquele que é habitado pelo Espírito Santo nunca deve proferir tais palavras; fazê-lo significa negar a verdade a respeito dele mesmo.

Conforme disse o apóstolo João, o crente é alguém que pode dizer: “Temos recebido da sua plenitude e graça sobre graça” (Jo 1.16). No capítulo 15 de seu evangelho, João descreve os cristãos como ramos da Videira Verdadeira. Por isso, nunca devemos afirmar que não temos poder. Certamente, o Diabo está ativo no mundo e tem grande poder; contudo, “maior é aquele que está em vós do que aquele que está no mundo” (1 Jo 4.4). Ou considere novamente aquela importante declaração feita em 1 João 5.18-19: “Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não vive em pecado”. A expressão “não vive em pecado” expressa uma ação contínua no presente, e o sentido é este: “Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não vive pecando”. Por que não? Porque “Aquele que nasceu de Deus” — ou seja, o Senhor Jesus Cristo — “o guarda, e o Maligno não lhe toca”.

João afirmou que isso é verdade em relação a todos os crentes. O crente não vive no pecado porque Cristo está vivendo nele, e o Maligno não pode tocar-lhe. Isso significa não somente que o Maligno não exerce controle sobre o crente, mas também que o Maligno não pode nem mesmo tocar-lhe. O crente não está sobre o poder do Maligno. E, para incutir isso no crente, João afirmou em seguida: “Sabemos que somos de Deus”; e quanto ao mundo: “O mundo inteiro jaz no Maligno” (1 Jo 5.19). O mundo está nos braços e domínio do Maligno, que o controla... O Diabo tem completamente em suas mãos e controle o mundo e os homens que pertencem ao mundo, os quais são suas vítimas indefesas. Não há sentido em dizer a tais pessoas que mortifiquem “os feitos do corpo”; elas não podem fazer isso, porque estão sob o poder do Diabo. Mas a situação do crente é outra; ele pertence a Deus e o Maligno não lhe pode tocar. O Diabo pode rugir para o crente e amedrontá-lo ocasionalmente, mas não pode tocar-lhe e, muito menos, controlá-lo.

Essas são afirmações típicas que o Novo Testamento faz a respeito do crente. E, quando compreendemos que o Espírito está em nós, experimentamos o seu poder. Somos chamados a usar e exercitar o poder que está em nós pela habitação do Espírito Santo. “Assim, pois, irmãos, somos devedores, não à carne como se constrangidos a viver segundo a carne. Porque, se viverdes segundo a carne, caminhais para a morte; mas, se, pelo Espírito” — que habita em vós —, “mortificardes os feitos do corpo, certamente, vivereis.” A exortação diz que devemos exercitaro poder que está em nós “pelo Espírito”. O Espírito é poder e está habitando em nós. Por isso, somos instados a exercer o poder que está em nós.

Mas, como isso se realiza na prática?... Para começar, temos de entender nossa posição espiritual, pois muitos de nossos problemas se devem ao fato de que não compreendemos e não recordamos quem e o que somos como crentes. Muitos se queixam de que não têm poder e de que não sabem fazer isto ou aquilo. O que precisamos dizer-lhes não é que eles são absolutamente incapazes e que devem desistir. Pelo contrário, todos os crentes precisam ouvir estas palavras de 2 Pedro 1.2-4: “Graça e paz vos sejam multiplicadas, no pleno conhecimento de Deus e de Jesus, nosso Senhor. Visto como, pelo seu divino poder, nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade”. Tudo que “conduz à vida e piedade” nos foi dado por meio do “conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude”. E, outra vez: “Pelas quais nos têm sido doadas as suas preciosas e mui grandes promessas, para que por elas [por meio dessas mui grandes e preciosas promessas] vos torneis co-participantes da natureza divina, livrando-vos da corrupção das paixões que há no mundo”.

Apesar disso, há crentes que lamentam e se queixam de não terem forças. A respostas para esses crentes é esta: “Todas as coisas que dizem respeito à vida e à piedade lhes foram dadas. Parem de lamentar, murmurar e queixar-se. Levantem-se e usem o que está em vocês. Se vocês são crentes, o poder está em vocês pelo Espírito Santo. Você não estão desamparados”. Todavia, o apóstolo Pedro não parou ali. Ele disse também: “Aquele a quem estas coisas não estão presentes” — em outras palavras, o homem que não faz as coisas sobre as quais foi exortado — “é cego, vendo só o que está perto” (2 Pe 1.9). Ele tem uma visão curta, havendo “esquecido da purificação dos seus pecados de outrora”. Não possui uma visão verdadeira da vida cristã. Está falando e vivendo como se fosse uma pessoa não-regenerada. Ele diz: “Não posso continuar sendo cristão; é demais para mim”. Pedro exorta esse homem a compreender a verdade a respeito de si mesmo. Precisa ser despertado, ter seus olhos abertos e sua memória refrescada. Ele precisa se animar e fazer, em vez de lamentar as suas imperfeições.

Além disso, temos de compreender que, se somos culpado de pecado, entristecemos o Espírito Santo de Deus, que está em nós. Pecamos a todo momento. O fato deveras grave não é o de que pecamos e nos tornamos infelizes, e sim o de que entristecemos o Espírito de Deus que habita em nosso corpo. Quão frequentemente pensamos nisso? Acho que, ao falarem comigo a respeito desse assunto, as pessoas sempre falam sobre si mesmas — “meu erro”. “Estou sempre caindo nesse pecado.” “Este pecado está me desanimando.” Falam completamente a respeito de si mesmas. Não falam sobre o seu relacionamento com o Espírito Santo. E, por essa razão: o homem que compreende que o maior problema de sua vida pecaminosa é o fato de que está entristecendo o Espírito Santo, esse homem para de fazer isso imediatamente. No momento que o crente percebe que esse é o seu verdadeiro problema, ele lida com esse problema. Não se preocupa mais com seus próprios sentimos. Quando o crente compreende que está entristecendo o Espírito Santo de Deus, ele age imediatamente.

Outra consideração importante sobre este tema geral é o fato de que temos sempre de fixar-nos no alvo crucial. Pedro enfatizou isso no mesmo capítulo da sua epístola: “Procedendo assim, não tropeçareis em tempo algum. Pois desta maneira é que vos será amplamente suprida a entrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2 Pe 1.10-11). Se vocês fizerem o que exorto-os a fazer, ele disse, a morte, quando lhes chegar, será algo maravilhoso. Você não somente entrarão no reino de Deus; antes, terão uma entrada ampla. Haverá um desfile triunfante; os portões do céu serão abertos, e haverá grande regozijo. Pedro não estava se referindo à nossa salvação presente, e sim à nossa glorificação final, à nossa entrada nos “tabernáculos eternos” (Lc 16.9).

Portanto, temos de manter os olhos fixos nesse alvo. Nosso maior problema é que sempre estamos olhando para nós mesmos e para o mundo. Se pensarmos mais e mais sobre nós mesmos como peregrinos da eternidade (o que, de fato, somos), todo o nosso viver será transformado. Paulo afirmou isso no versículo 11 deste capítulo. Mantenham seus olhos nisso, eles disse em outras palavras; mantenham seus olhos no alvo. João disse a mesma coisa: “Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é. E a si mesmo se purifica todo o que nele tem esta esperança, assim como ele é puro” (1 Jo 3.2-3). A causa de muitos de nossos problemas, como crentes, é que vivemos demais para este mundo. Persistimos em esquecer que somos apenas “peregrinos e forasteiros” neste mundo. Pertencemos ao céu; nossa pátria está no céu (Fp 3.20), e estamos indo para lá. Se apenas mantivéssemos isso diante de nossa mente, o problema de nossa luta contra o pecado assumiria um aspecto diferente...

Devemos nos mover agora do geral para o específico, relembrando-nos de que tudo é feito “pelo Espírito”, com uma mente iluminada por Ele. O que temos de fazer especificamente? O ensino do apóstolo pode ser considerado sob dois aspectos: direto e negativo, indireto e positivo.

No aspecto direto ou negativo, a primeira coisa que o crente tem de fazer é abster-se do pecado. É bem simples e direto! Pedro disse: “Amados, exorto-vos, como peregrinos e forasteiros que sois, a vos absterdes das paixões carnais, que fazem guerra contra a alma” (1 Pe 2.11). Esse é um ensino bastante claro. Aqui não há qualquer sugestão de que somos incapazes, temos de desistir da luta e entregar tudo ao Senhor ressuscitado. Amados, exorto-vos, como peregrinos e forasteiros que sois, a vos absterdes...” — parem de fazer isso, parem imediatamente, não o façam mais! Vocês precisam se abster totalmente desses pecados, essas “paixões carnais, que fazem guerra contra a alma”. Vocês não têm o direito de dizer: “Sou fraco, não posso; as tentações são poderosas”.

A resposta do Novo Testamento é: “Parem de fazer isso”. Vocês não precisam de hospital e de um tratamento médico; precisam recompor-se e compreender que são “peregrinos e forasteiros”. “Exorto-vos... a vos absterdes.” Vocês não têm qualquer negócio com essas coisas. Lembrem outra vez o ensino de Efésios 4: “Aquele que furtava não furte mais... Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe”. Não haja em vocês nenhuma dessas conversas ou gracejos tolos! Não façam isso! Abstenham-se! É tão simples e claro como estas palavras: parem de fazer isso!

Em segundo lugar, de modo específico, citando outra vez as palavras do apóstolo em Efésios: “Não sejais cúmplices nas obras infrutíferas das trevas; antes, porém, reprovai-as. Porque o que eles fazem em oculto, o só referir é vergonha” (Ef 5.11-12). Observe o que ele disse: “Não sejais cúmplices nas obras infrutíferas das trevas”. Vocês não devem apenas abster-se dessas coisas, mas também não ter comunhão com pessoas que fazem essas coisas ou têm esse modo de vida. “Não sejais cúmplices nas obras infrutíferas das trevas; antes, porém, reprovai-as.” O princípio governante de sua deve ser o não associar-se com pessoas desse tipo. Fazer isso é ruim para você e lhe será prejudicial... Não devemos ter qualquer comunhão com o mal; antes, precisamos fugir dele e manter-nos tão distantes quanto pudermos.

Outro termo é “esmurrar” (1 Co 9.27). “Esmurro o meu corpo”, disse o apóstolo. “Todo atleta” — ou seja, aquele que compete nas corridas — em tudo se domina”. As pessoas que passam por treinos visando as grandes competições atléticas são bastante cuidadosas quanto à sua dieta; param de fumar e ingerem bebidas alcoólicas. Quão cuidadosos eles são! E fazem tudo isso porque desejam ganhar o prêmio! Se eles faziam isso, disse Paulo, por causa de coisas corruptíveis, quanto mais devemos disciplinar-nos a nós mesmos... O corpo tem de ser “esmurrado”. Nas palavras de nosso Senhor registradas em Lucas 21.34, há uma sugestão a respeito de como isso deve ser feito. Ele disse: “Acautelai-vos por vós mesmos, para que nunca vos suceda que o vosso coração fique sobrecarregado com as conseqüências da orgia, da embriaguez e das preocupações deste mundo, e para que aquele dia não venha sobre vós repentinamente”. Não coma bem beba demais; não se preocupe excessivamente com as coisas deste mundo. Coma o suficiente e o alimento correto; mas não se torne culpado de “excesso”. Se uma pessoas satisfaz em demasia seu corpo, com alimento, bebida ou outra coisa, ele achará mais difícil viver uma vida cristã santificada e mortificar os feitos do corpo. Portanto, evite todos esses obstáculos, pois, do contrário, seu corpo se tornará indolente, pesado, moroso e lânguido. Há uma intimidade tão grande entre o corpo, a mente e o espírito, que achará grande problema em seu conflito espiritual. “Esmurre o corpo.”

Outra máxima usada pelo apóstolo, na Epístola aos Romanos, se acha no capítulo 13: “Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e nada disponhais para a carne no tocante às suas concupiscências” (v. 14). Se querem mortificar os feitos do corpo, “nada disponhais para a carne no tocante às suas concupiscências”. O que isso significa? Em Salmos 1, achamos um discernimento claro quanto ao significado dessas palavras do apóstolo. Eis a prescrição: “Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores” (Sl 1.1). Se vocês querem viver esta vida piedosa e mortificar os feitos do corpo, não gastem tempo permanecendo nas esquinas das ruas, porque, se fizerem isso, provavelmente cairão em pecado. Se permanecerem no lugar por onde o pecado talvez passará, não se surpreendam se voltarem para casa em tristeza e infelicidade, porque caíram no pecado. Não se detenham no “caminho dos pecadores”. E, menos ainda, devem vocês assentar-se “na roda dos escarnecedores”. Se permanecerem em tais lugares, não haverá surpresa em caírem no pecado. Se vocês sabem que certas pessoas lhes são má influencia, evitem-nas, fujam delas. Talvez vocês digam: “Eu me ajunto com elas para ajudá-las, mas percebo que, todas as vezes, elas me levam ao pecado”. Se isso é verdade, não estão em condições de ajudá-las...

No livro de Jó, o homem sábio disse: “Fiz aliança com meus olhos” (Jó 31.1). Era como se dissesse: “Olhem diretamente, não olhem para a direita ou para a direita. Cuidem de seus olhos propensos a vaguear, esses olhos que se movem quase automaticamente e veem coisas que iludem e induzem ao pecado”. “Faça uma aliança com os seus olhos”, declara esse homem. Concorde em não olhar para coisas que tendem a levá-lo ao pecado. Se isso era importante naqueles dias, é muito mais importante em nossos dias, quando temos jornais, cinemas, outdoors, televisão e assim por diante! Se há uma época em que os homens precisam fazer aliança com seus olhos, esta época é agora. Tenham cuidado com o que leem. Certos jornais, livros e diários, se os lerem, eles lhes serão prejudiciais. Vocês devem evitar tudo que lhes prejudica e diminui sua resistência. Não olhem na direção dessas coisas; não queira nada com elas... Na Palavra de Deus, vocês são instruídos a mortificar “os feitos do corpo” e não satisfazer “a carne no tocante às suas concupiscências”. Agradeça a Deus pelo evangelho poderoso. Agradeça a Deus pelo evangelho que nos diz que agora somos seres responsáveis em Cristo e que nos exorta a agir de um modo que glorifica o Salvador. Portanto, “nada disponhais para a carne no tocante às suas concupiscências”.

Meu próximo assunto é sobremodo importante: enfrentem as primeiras movimentações e impulsos do pecado em vocês; combatam-nos logo que aparecerem. Se não fizerem isso, estão arruinados. Vocês cairão, conforme somos ensinados na epístola de Tiago: “Ninguém, ao ser tentado, diga: Sou tentado por Deus; porque Deus não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo a ninguém tenta. Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte”. O primeira moção do pecado é um encantamento, um leve incitação de cobiça e sedução. Esse é o momento em que temos de lidar com o pecado. Se deixarem de enfrentar o pecado nesse estágio, ele os vencerá. Cortem o mal pela raiz. Ataquem-no de imediato. Nunca lhes permitam qualquer avanço. Não o aceitem de maneia alguma. Talvez sintam-se inclinados a dizer: “Bem, não farei tal coisa”; mas, se aceitam a ideia em sua mente e começam a afagá-la e entretê-la em sua imaginação, vocês já estão derrotados. De acordo com o Senhor, vocês já pecaram. Não precisam realmente cometer o ato; nutri-lo no coração já é o suficiente. Permitir isso no coração significa pecar aos olhos de Deus, que conhece tudo a respeito de nós e vê até o que acontece na imaginação e no coração. Portanto, destruam o mal pela raiz, não tenham qualquer relação com ele, parem-no imediatamente, ao primeiro movimento, antes que comece a acontecer esse processo ímpio descrito por Tiago.

No entanto, lembrem-se de que isto — que será nosso próximo assunto — não significa repressão. Se vocês apenas reprimirem uma tentação ou esse primeiro movimento do pecado, ele provavelmente surgirá novamente com mais vigor. Nesse sentido, concordo com a psicologia moderna. A repressão é sempre má. “Então, o que devo fazer?”, alguém pergunta. Eu respondo: quando sentir aquele primeiro movimento do pecado, erga-se e diga: “Isto é mau; isto é vileza; é aquilo que expulsou do Paraíso os nossos primeiros pais”. Rejeite-o, enfrente-o, denuncie-o, odeie-o pelo que é. Assim, terá lidado realmente com o pecado. Você não deve apenas fazê-lo recuar, com um espírito de temor e de maneira tímida. Traga-o à luz, exponha-o, analise-o e, denuncie-o pelo que ele é, até que o odeie.

Meu último assunto neste tema é que, se você cair no pecado (e quem não cai?), não restaurem a si mesmos de modo superficial e apressado. Leiam 2 Coríntios 7 e considerem o que Paulo disse sobre a “a tristeza segundo Deus” que produz arrependimento. Outra vez, tragam à luz aquilo que fizeram, contemplem-no, analisem-no, exponham-no, denunciem-no, odeiem-no e denunciem a si mesmos. Mas não façam isso de um modo que os atire nas profundezas da depressão e desânimo! Sempre tendemos a ir aos extremos; ou somos muito superficiais ou muito profundos. Não devemos curar superficialmente a ferida (cf. Jr 6.14), mas tampouco devemos lançar-nos no desespero e melancolia, dizendo que tudo está perdido, que não podemos ser crentes, e retornar ao estado de condenação. Isso é igualmente errado. Temos de evitar ambos os extremos. Façam uma avaliação honesta de si mesmos e do que fizeram, condenando totalmente a si mesmos e seu ato; porém compreendam que, confessando-o a Deus, sem qualquer desculpa, “ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1 Jo 1.9). Se vocês fizerem essa obra de maneira superficial, cairão novamente no pecado. E, se vocês se lançarem em um abismo de depressão, hão de sentir-se tão desesperados que cairão em mais e mais pecado. Uma atmosfera de melancolia e fracasso leva a mais fracasso. Não caiam em nenhum desses erros, mas respondam à obra da maneira como o Espírito sempre nos instrui a fazê-la.


Extraído de Romans: Na Exposition of Chapter 8:15-17, The Sons of God, p. 132-144, publicado pela Banner of Truth Trust.
Tradução: Pr. Wellington Ferreira
© Editora FIEL 2009.

O leitor tem permissão para divulgar e distribuir esse texto, desde que não altere seu formato, conteúdo e / ou tradução e que informe os créditos tanto de autoria, como de tradução e copyright. Em caso de dúvidas, faça contato com a Editora Fiel.

20:19

Pensa-se freqüentemente que a pregação da santa Lei é a verdade das Escrituras que mais desperta os homens. E creio realmente que esta verdade é o meio que Deus mais utiliza para despertá-los. Todavia, parece-me que existe outra verdade mais despertadora: o divino Salvador oferecendo-se a Si mesmo a cada membro da raça humana. Neste clamor, existe algo que pode atingir o coração de pedra do homem — “A vós outros, ó homens, clamo; e a minha voz se dirige aos filhos dos homens” (Pv 8.4).

Com freqüência, pessoas despertadas se assentam e ouvem uma descrição viva de Cristo, de sua obra substitutiva pelos pecadores; mas a pergunta deles é: “Seria Cristo o Salvador para mim?” Ora, a esta pergunta, respondo: “Cristo está sendo oferecido gratuitamente a toda raça humana. “A vós outros, homens, clamo.” Não existe assunto mais incompreendido pelos não-convertidos do que a gratuidade incondicional de Cristo. Naturalmente compreendemos tão pouco a graça, que somos incapazes de crer que Deus pode nos oferecer um Salvador, enquanto estamos em nossa condição depravada, merecedora do inferno. Oh! É triste pensar como os homens argumentam contra a sua própria felicidade e não crêem na própria Palavra de Deus! 

“Se soubesse que sou um dos eleitos, eu viria; mas temo não ser.” Há alguém assim? Eu respondo: ninguém jamais veio a Cristo por saber que era eleito. É verdade que Deus, no seu beneplácito, elegeu alguns para a vida eterna, mas estes não o sabiam até virem a Cristo. Em nenhum lugar das Escrituras, Cristo convida somente os eleitos a virem a Ele. A pergunta para você não é: “Sou eu um dos eleitos?”, e sim “Faço parte da raça humana?”

“Se eu pudesse me arrepender e crer, Cristo seria livremente oferecido a mim, mas não consigo me arrepender e crer”. Eu digo: “Antes mesmo de você se arrepender e crer, você não é um homem a quem a voz de Deus se dirige?” Então, Cristo lhe foi oferecido antes de você se arrepender.

E, ao crente, posso afirmar: “Cristo não lhe foi oferecido porque você se arrependeu, mas porque era um pecador vil e perdido”. “A vós outros, ó homens, clamo.”

Se Cristo está se oferecendo gratuitamente a todos os homens, está claro que todos os que vivem e morrem sem aceitarem a Cristo receberão o juízo daqueles que rejeitaram o Filho de Deus. Oh, é algo muito triste o fato de que a verdade que é vida para cada alma que crê, é morte para as que não crêem... Meu amigo, você não tem desculpa aos olhos de Deus, se for para casa sem salvação hoje! Se você morresse e pudesse dizer que Cristo jamais lhe foi oferecido, talvez teria um inferno mais brando do que provavelmente terá! Vocês precisa sair daqui se regozijando em Cristo ou rejeitando a Cristo hoje; ou salvos, ou mais perdidos do que antes. “Como escaparemos nós se negligenciarmos tão grande salvação?” (Hb 2.3).

Editora Fiel

03:35
Edward Donnelly
“Pede-me o que queres que eu te dê”, disse o Senhor ao rei Salomão (1 Rs 3.5). E o filho de Davi pediu um “coração entendido” (v. 9-ARC). Ele não pediu os dons mais elevados, nem o que seu pai teria pedido (Sl 27.4). Salomão pediu coisas valiosas, perspicácia, bom senso, entendimento, a capacidade de compreender as pessoas e situações, sabedoria prática para “julgar a teu povo, para que prudentemente discirna entre o bem e o mal”.

E lemos: “Estas palavras agradaram ao Senhor, por haver Salomão pedido tal coisa” (v. 10). Discernimento é o que muitos crentes também parecem carecer intensamente.

Por que buscar um coração entendido?

As razões de Salomão para querer discernimento ainda são válidas. As responsabilidades dele eram pesadas, “Teu servo está no meio do teu povo... povo grande, tão numeroso, que se não pode contar... quem poderia julgar a este grande povo?” (vv. 8, 9.)

Ele estava ciente de suas limitações pessoais: “Não passo de uma criança, não sei como conduzir-me” (v. 7). Conforme ilustrado no caso dos bebês das prostitutas (vv. 16-28), Salomão precisava tomar decisões a respeito de assuntos desconcertantes e complexos.

De modo semelhante, os líderes cristãos cumprem responsabilidades importantes em situações pastorais complicadas, conscientes de sua própria incapacidade. Como sabemos quando podemos fazer concessões e quando devemos permanecer firmes?

Como discernimos, em um caso específico, quanto ocorreu por causa do pecado e quanto por causa de ignorância? Como podemos encontrar as pessoas onde elas estão e trazê-las aonde desejamos que estejam?

Todo crente precisa de entendimento, ou como pai, ou no lugar de trabalho, ou na vida da igreja. E um bom começo é admitir esta necessidade. Tenha cuidado com a pessoa que não tem dúvidas sobre si mesma (Pv 28.26). Matthew Henry comentou: “Absalão, que era tolo, quis ser juiz por conta própria. Salomão, que era sábio, tremeu ante à sua incumbência e duvidou que estivesse preparado para desempenhá-la”.

Como podemos obter um coração entendido?

Um dos meus professores de teologia costumava começar a ano letivo com uma advertência a respeito das limitações do currículo: “Rapazes, podemos ensinar grego a uma pessoa, mas não podemos lhe ensinar discernimento”.

É verdade. Algumas pessoas são dotadas com perspicácia, enquanto outras deixam uma trilha de danos em seu caminho, sentimentos magoados, mal-entendidos, ofensas. Elas não pretendiam isso, mas é a maneira como elas são. Não importa quais sejam nossos dons naturais, todos podemos obter mais discernimento.

Como? Peça a Deus um coração entendido. A oferta de Deus a Salomão não foi exclusiva, pois temos a promessa: “Pedi, e dar-se-vos-á” (Mt 7.7).

Tiago é mais específico: “Se, porém, algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e nada lhes impropera; e ser-lhe-á concedida” (Tg 1.5). Devemos orar fervorosamente ao nosso Pai celestial pedindo-Lhe grande medida de discernimento, a fim de que trabalhemos mais eficazmente com as pessoas.

A Bíblia nos fornece muito “senso comum”, pois “o Senhor dá a sabedoria, e da sua boca vem a inteligência e o entendimento” (Pv 2.6). A seção das Escrituras descrita como “Literatura de Sabedoria” tem este título apropriadamente, e um cristão que assimila, de modo regular, o livro de Provérbios, cresce especialmente por meio de uma fonte de tesouros de perspicácia prática.

Professores valiosos

A experiência, a nossa ou a de outros, é um professor valioso para aqueles que estão dispostos a aprender dela. Suas lições podem ser severas, erros cometidos e sofrimentos a serem suportados. Mas são singularmente valiosas. Algumas das pessoas de mais discernimento que já conheci sofreram provação, em algum grau, no passado. E o tempo de provação tornou-as mais sábias.

Também podemos aprender muito por ouvir. As palavras traduzidas “coração entendido” significam “um coração que tem a capacidade de ouvir”. Você é um bom ouvinte? Aqueles que não têm discernimento raramente o são. Eles são muito absorvidos por si mesmos para ouvir os outros com atenção.

Zenão, o filósofo estóico, não era cristão, mas não era um tolo. “Temos dois ouvidos e uma boca”, ele disse, “para que ouçamos duas vezes mais do que falamos”. Talvez o caminho mais proveitoso para obter discernimento é colocar-se no lugar da outra pessoa.

Esta foi a maneira como Salomão chegou à sua brilhante solução no caso dos dois bebês, um morto e o outro vivo. Que difícil julgamento ele teve de fazer! Testemunhos desconfiáveis, evidências conflitantes, nenhum modo claro de provar a qual mulher o bebê pertencia.

Até que ele assumiu imaginariamente o lugar da verdadeira mãe. “Como eu me sentiria”, perguntou a si mesmo, “se eu fosse a mãe do bebê vivo?” E concebeu o teste cruel, mas eficaz, para descobrir onde estava o instinto maternal.

O lugar do outro

Este é o caminho que nos leva a um coração entendido, que nos capacita a cumprir eficazmente as nossas responsabilidades. Marido, coloque-se no lugar de sua esposa, quando você retorna ao lar, vindo do trabalho. O que você acha que ela espera de você. Mãe, lembre o que é ser um adolescente, antes de conversar com sua filha a respeito de roupas ou amigos.

Pastores, enquanto realizam aquela difícil visita para disciplinar alguém, pare e, em oração, imagine os sentimentos daqueles com os quais você se encontrará. Eles ficarão amedrontados, com raiva, apáticos e procurarão se defender? O que lhe dizem o seu conhecimento e experiência a respeito deles?

Pregadores, enquanto preparam o sermão, tenham diante de si aquela viúva idosa, o atarefado homem de negócios, o adolescente confuso, todos os que ouvem a mensagem de vocês. Se estivessem no lugar deles, que tipo de sermão os ajudaria?

Coloque-se no lugar da outra pessoa. Este é o modo como desenvolvemos discernimento. Freqüentemente o chamamos de regra áurea: “Como quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles” (Lc 6.31).

É proveitoso porque, em efeito, é uma substituição e a substituição é o âmago da realidade eterna. É uma força restauradora e libertadora porque se molda nAquele que tomou o nosso lugar “o Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim” (Gl 2.20).

03:03
“Pelo que, tendo este ministério, segundo a misericórdia que nos foi feita, não desfalecemos; pelo contrário, rejeitamos as coisas que, por vergonhosas, se ocultam, não andando com astúcia, nem adulterando a palavra de Deus; antes, nos recomendamos à consciência de todo homem, na presença de Deus, pela manifestação da verdade. Mas, se o nosso evangelho ainda está encoberto, é para os que se perdem que está encoberto, nos quais o deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus. Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor e a nós mesmos como vossos servos, por amor de Jesus. Porque Deus, que disse: Das trevas resplandecer á a luz, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo.”

Queridos amigos, hoje faz cinco anos que comecei o meu ministério entre vocês, neste lugar. É bom que agora, na presença de Deus, vejamos como progredimos nestes anos. Vamos observar:

1. Todos os fiéis ministros do evangelho proclamam a Cristo

Jesus como Senhor.

.Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor. (v. 5). Ora, há duas coisas implícitas nesse tipo de pregação.

a. Não pregamos as imaginações de nossas mentes, mas a verdade sobre a pessoa de Cristo.

Muitos homens pregam a si mesmos e suas próprias teorias. Ainda antes da época dos apóstolos isto acontecia: muitos ensinavam as suas próprias imaginações. Mas, quando os apóstolos surgiram, pregaram de maneira diferente. João Batista testemunhou: .Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!. (Jo 1.29). De forma semelhante, os apóstolos disseram: .E nós somos testemunhas de tudo o que ele fez na terra dos judeus e em Jerusalém; ao qual também tiraram a vida, pendurando-o no madeiro. (At10.39). E lembramo-nos de Felipe, que desceu a Samaria e .anunciava-lhes a Cristo. (At 8.5). Foi exatamente isso que o apóstolo João afirmou em sua primeira carta: .O que temos visto e ouvido anunciamos também a vós outros, para que vós, igualmente, mantenhais comunhão conosco. Ora, a nossa comunhão é com o Pai e com seu Filho, Jesus Cristo. (1.3). Este é o início, o meio e o fim de um ministério de pregação do evangelho.

Olhando para os cinco anos de nosso ministério, acho que posso colocar a mão sobre o coração e humildemente pensar que tenho feito isso durante esse tempo. E por que devemos fazer isto? Porque o evangelho é a mais vivificante mensagem do mundo.

Em certa noite, estava passando ao lado de uma casa e ouvi um homem pregando, um homem que parecia demonstrar sinceridade. Parei e escutei . ele estava pregando sobre leis e política. Observei que um homem pode pregar até mesmo sobre o dia do juízo, mas ele nunca torna as pessoas santas. Mas, nós pregamos a Cristo Jesus como Senhor, para que vocês tornem-se santos.

b. Não pregamos a nós mesmos, e sim a pessoa de Cristo.

Creio que todos os ensinadores mundanos pregam a si mesmos; mas este não deve ser objetivo de ministros fiéis. É a Cristo Jesus, o Senhor, que devemos louvar e não aos homens. Novamente, considerando nosso ministério até agora, podemos afirmar que, embora tenha cometido tantas faltas quanto outros homens, eu não continuaria no ministério do evangelho por mais um dia sequer, se o fizesse apenas por causa de um título. Mas, se pertencemos a Cristo, Ele nos fará pregar a respeito de sua própria pessoa.

Às vezes, sinto que estaria disposto a ser morto, esquecido e desprezado, se tão-somente vocês se tornassem amigos de Cristo.

2. A pregação de todo fiel ministro do evangelho flui de sua experiência pessoal de conversão.

.Porque Deus, que disse: Das trevas resplandecerá a luz, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo. (2 Co 4.6). Queridos amigos, existem muitos ensinadores (acredito que são bem-intencionados) que não pregam com base em sua própria experiência; foram colocados no ministério do evangelho, mas não conhecem a Cristo. À semelhança de Balaão, falam sobre uma estrela que jamais viram (Nm 24.17). Este não era o caso de Paulo: Deus havia resplandecido em seu coração. E observem o que ele recebeu: a .iluminação do conhecimento da glória de Deus.. Não foi uma contemplação de Cristo com olhos carnais. Muitos que viram a face do Senhor Jesus estão lamentando no inferno. O que Paulo recebeu? Deus outorgou-lhe um verdadeiro, divino e espiritual conhecimento do poder, amor e beleza de Cristo, a fim de que ele, Paulo, pregasse somente o Senhor Jesus. Oh! amados, foi isto que capacitou o apóstolo a pregar aos gentios as .insondáveis riquezas de Cristo.. Foi isto que o fez permanecer sem temor diante de Nero.

Queridos amigos, vocês podem dizer que Deus resplandeceu em seus corações? Observem onde se inicia a conversão. Ela procede de Deus, que ordenou resplandecesse a luz onde havia trevas. Houve uma época quando o mundo era um caos. O que poderia trazer luz ao mundo naquela situação? Uma serena voz disse: .Haja luz.; e a luz passou a existir. O mesmo ocorre na conversão: .Deus, que disse: Das trevas resplandecerá a luz, ele mesmo resplandeceu em nosso coração, para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Cristo.. Vocês podem dizer isto? Se não, ainda se encontram nas trevas.

Oh! amados, orem para que ministros fiéis preguem como resultado de sua própria experiência com o Senhor. Somente aqueles que vêem a Cristo são capazes de fazê-Lo conhecido. Somente quando a água viva está fluindo, podemos falar sobre o seu poder santificador. Orem, então, para que tenhamos ministros fiéis. 3. A maneira como o ministro fiel prega.

.Pelo que, tendo este ministério, segundo a misericórdia que nos foi feita, não desfalecemos. (v. 1).

a. Pregamos sem desfalecer.

Há muitas coisas que tendem a desanimar um ministro do evangelho. O homem natural não é capaz de suportar o que os fiéis ministros do evangelho suportam. A reprovação da parte do mundo é uma das coisas que tende a nos desanimar. Você recorda como as pessoas qualificaram nosso Senhor; chamaram- no de .bebedor de vinho, amigo de publicanos e pecadores . (Mt 11.19). Estas são palavras desagradáveis. Não conheço nada mais difícil de suportar do que a reprovação dos homens mundanos e abastados. Eles interpretam como condenação todos os nossos esforços para salvá-los. Também desfalecemos quando pessoas abandonam nosso ministério, quando voltam para trás e não mais andam com Jesus. Outra causa de desânimo é ver muitas pessoas que permanecem na igreja mas vivem como incrédulos. Amados, estas são coisas que tendem a nos fazer desanimar.

Com freqüência tenho me sentido como se estivesse em terra firme e ouvisse um navio chocar-se contra as rochas; tenho gritado que existe um salva-vidas, mas as ondas o levam para longe. Quantas pessoas tenho visto se perderem desta maneira. Sim, amados, isto é suficiente para arrasar o ânimo de alguém. Também ficamos desanimados quando vemos que alguns de vocês assemelham-se aos solos rochosos. Apesar de tudo isso, não desfalecemos. E sabem por quê? Pregar é muitíssimo agradável. Juntamente com Henry Martin, podemos dizer: .Estou disposto a pedir esmolas durante seis dias, para que tenha a oportunidade de pregar no sétimo.. Cristo será glorificado, ainda que vocês não sejam salvos; vocês não desejam vestir as vestiduras brancas, mas outros vestirão..

b. Todo ministro fiel prega com santidade.

.Pelo contrário, rejeitamos as coisas que, por vergonhosas, se ocultam. (v. 2). Existem ministros do evangelho que em seu exterior são corretos, mas em seu íntimo não possuem essa qualidade. No entanto, este não foi o caso de Paulo. Creio que não podemos pregar se temos um coração mau; porém, já fomos à fonte e ali nossos corações foram lavados; nós temos rejeitado as coisas ocultas e desonestas. Oremos por ministros fiéis.

c. Pregamos não utilizando astúcia.

.Pelo contrário, rejeitamos as coisas que, por vergonhosas, se ocultam, não andando com astúcia, nem adulterando a palavra de Deus. (v. 2). A Palavra de Deus é confrontadora. Tenho receio de que muitos ministros do evangelho a utilizam enganosamente, não levando as pessoas a verem sua própria situação. Muitas vezes os melhores pregadores fazem isso! Oh! Amados, oremos para que levemos nossos ouvintes ao mesmo ponto a que Paulo conduziu aqueles para os quais pregava.

4. Muitas pessoas se perderão eternamente, embora estejam sendo abençoadas pelo ministério de pregadores fiéis.

.Mas, se o nosso evangelho ainda está encoberto, é para os que se perdem que está encoberto, nos quais o deus deste século cegou o entendimento dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus. (vv. 3-4). Destas palavras, você reconhecerá que muitos dos ouvintes de Paulo estariam perdidos, e assim aconteceu com eles. Quando Paulo chegou a Icônio, a cidade ficou dividida: uma parte estava a favor dos apóstolos, outra, a favor dos judeus (At 14.4).

Qual é a nossa experiência? Isto não é verdade em nossa congregação? Alguns já creram, mas outros não. Por quê? Porque Satanás cegou a sua mente, para que a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus, não resplandeça sobre você. As concupiscências de seu coração criaram um denso véu para ocultar-lhe a luz do evangelho. E qual será o final? Você estará perdido. Oh! que palavra terrível . alma perdida!

Perdido para os amigos crentes. Eles olharão ao redor das incontáveis hostes de pessoas no céu e você não estará lá. Perdido para Cristo; você não pertencerá a Ele. Perdido para Deus, que dirá: .Este não me pertence .. Ó, amado, se nosso evangelho ainda lhe está encoberto, você será uma alma perdida por toda a eternidade! Todos os anjos não lhe poderão contar a miséria de ser uma alma perdida por toda a eternidade!

Reforma Radical

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