A Sabedoria de Deus - Stephen Charnock

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A Sabedoria de Deus - Stephen Charnock
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Romanos 16: 27 diz: Ao único Deus, sábio, seja dada glória por Jesus Cristo para todo o sempre. Amém. A sabedoria é aqui atribuída somente a Deus. É Sua propriedade exclusiva. Nenhuma criatura pode reivindicá-la. Deus é tão sábio, que é a personificação da própria sabedoria. Portanto, como o verso diz, Deus é digno da nossa adoração.

Embora muitas pessoas confundam conhecimento com sabedoria, elas são bem distintas, assim como veremos a seguir.

I. O QUE É SABEDORIA.

Sabedoria consiste em agir para chegar a um fim correto. Deus determinou este fim, e está atualmente usando os meios apropriados para que isso ocorra. Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém (Romanos 11: 36).

Uma perfeita sabedoria exige um perfeito conhecimento de todas as circunstâncias, para nunca estar propenso a cometer um erro. O conhecimento é o fundamento da sabedoria. Alguns homens podem ter certa medida de conhecimento, mas sem sabedoria. A sabedoria toma o conhecimento e com extrema habilidade o utiliza da melhor forma, de acordo com o julgamento correto das coisas. A própria Escritura, em Romanos 11: 33, faz distinção entre conhecimento e sabedoria: Ó profundidade das riquezas, tanto da sabedoria, como da ciência de Deus! Quão insondáveis são os seus juízos, e quão inescrutáveis os seus caminhos!

II. ALGUMAS PROPOSIÇÕES GERAIS ACERCA DA SABEDORIA DE DEUS.

Primeiro, devemos fazer distinção entre a sabedoria essencial de Deus e a pessoal. A Sua sabedoria essencial é aquela qualidade intrínseca à Sua essência ou natureza. A Sua sabedoria pessoal é a pessoa de Jesus Cristo. Cristo, poder de Deus, e sabedoria de Deus (I Coríntios 1: 24).

Segundo, a sabedoria não é uma qualidade acrescentada à essência de Deus, mas é a Sua própria essência. Sem ela, Ele não seria Deus. Todas as perfeições de Deus são uma só nEle. Embora as consideremos separadamente, distinguindo uma das outras, temos que entender que Deus é um ser único e não composto.

Terceiro, a sabedoria de Deus é transcendente e infinita. Ao único Deus sábio, diz o apóstolo. Todas as outras pessoas são, no melhor delas, meros filósofos. O título de filósofo (ou amantes da sabedoria) surgiu em relação a Deus, que é o único digno do título sophos (ou sábio). Vamos considerar alguns pontos em que Deus é sábio.

- Deus é necessariamente sábio. A sabedoria não pode ser separada dEle. Ela é a Sua primeira operação vital.

- Ele é originalmente sábio. Todas as outras formas de sabedoria provém dEle, mas Ele não as recebe de ninguém.

- Ele é perfeitamente sábio. Por outro lado, até mesmo a sabedoria dos anjos é limitada, e, portanto, imperfeita.

- Ele é universalmente sábio. Ele conhece tudo a respeito de todas as coisas, e faz uso perfeito deste conhecimento.

- Ele é perpetuamente sábio. Ao contrário dos homens, que adquirem sabedoria com o passar dos anos somente para envelhecer e perdê-la novamente.

- Ele é incompreensivelmente sábio. Seus juízos são insondáveis e seus caminhos inescrutáveis (Romanos 11: 33). Não há limites de como Ele possa demonstrar Sua sabedoria para nós.

- Ele é infalivelmente sábio. Não há enganos nEle. A trama mais sábia de um anjo contra Ele está fadada ao fracasso, e somente contribuirá para o cumprimento dos Seus propósitos. Não há sabedoria, nem inteligência, nem conselho contra o SENHOR (Provérbios 21: 30).

III. PROVAS DE QUE DEUS É SÁBIO.

Porque dele são a sabedoria e a força, declara Daniel 2: 20. Não há incerteza ou imprudência em Deus. Se Ele achasse necessário, poderia dar uma razão satisfatória para cada um dos Seus decretos. Vamos considerar algumas provas da Sua sabedoria.

Primeiro, Deus não poderia ser perfeito sem sabedoria. A sabedoria é um dos Seus atributos mais célebres e distintos. Sem sabedoria, todas as outras virtudes seriam imperfeitas, pois a paciência se transformaria em covardia, poder em opressão, e justiça em crueldade.

Segundo, Deus não poderia governar o mundo sem sabedoria. Tudo se transformaria em caos e confusão. Deus defendeu a Sua soberania diante de Jó ao chamá-lo para considerar a Sua grande sabedoria e poder em criar e governar todas as coisas.

Terceiro, a harmonia pela qual a criação trabalha para um determinado fim, mesmo sem ter conhecimento disso, demonstra a sabedoria de Deus. Podemos ver isso através de um microscópio ou de um telescópio.

Quarto, Deus é a fonte de toda sabedoria. Nossa excelência em sabedoria é apenas um reflexo da infinita e superior excelência da sabedoria de Deus. Ele dá sabedoria aos sábios e conhecimento aos entendidos (Daniel 2: 21). Nossa pequena sabedoria defende a existência de uma maior sabedoria em Deus.

IV. ONDE PODEMOS VER A SABEDORIA DE DEUS.

Primeiro, podemos ver a sabedoria de Deus na criação. O SENHOR, com sabedoria fundou a terra; com entendimento preparou os céus (Provérbios 3: 19). Considere a variedade da criação. Ó SENHOR, quão variadas são as tuas obras! Todas as coisas fizeste com sabedoria; cheia está a terra das tuas riquezas (Salmo 104: 24). Vemos uma infindável variedade de formas, cores, cheiros, sons, e configurações. Que artista extraordinário é Deus! Considere a beleza da criação. Tudo fez formoso em seu tempo (Eclesiastes 3: 11).

Deus poderia ter feito tudo plano e reto, mas a beleza e ordem da criação demonstram a Sua sabedoria. Nada é sem proveito, tudo tem o seu propósito. Os céus, a terra, os mares, as plantas, e os animais, tudo fala de Sua sabedoria. O próprio homem também é uma testemunha disso. Fomos maravilhosamente feitos (Salmo 139: 14), tanto na alma quanto no corpo. E por fim, considere como toda a criação está unida em torno de um fim comum. Deus em Sua sabedoria fez todas as coisas serem dependentes entre si. O ciclo da chuva e a cadeia alimentar são bons exemplos disso. Frequentemente o salmista fala da glória e sabedoria de Deus na criação! E como deveríamos, com mais frequência, admirar a Deus e nos humilharmos perante Ele, que por Sua sabedoria criou todas essas coisas!

Segundo, nós vemos a sabedoria de Deus no governo da Sua criação. Quando alguém pega um instrumento musical e toca uma linda melodia, isso reflete a sua habilidade de músico. Da mesma forma, quando contemplamos o que Deus fez na criação, vemos a Sua grande sabedoria. Embora pudéssemos mencionar uma gama de exemplos, vamos nos ater a coroa de Deus na criação, ou seja, o homem.

Deus sabiamente governa o homem como uma criatura racional. Ele nos deu Sua lei, a qual é santa e boa (Romanos 7: 12), perfeitamente adequada à singular natureza moral e racional do homem. Adão era capaz de obedecer esta lei. Era uma lei bem adequada à felicidade e benefício do homem. Toda a lei poderia ser resumida em uma só palavra: amor. A consciência do homem aprova esta lei. Deus em Sua sabedoria deu incentivos a quem guardá-la. Se o homem obedecesse esta lei, quão feliz seria o mundo. Além disso, Deus demonstrou a Sua sabedoria ao nos dar Sua revelação escrita a fim de nos guardar do erro. Para onde quer que olhemos, vemos a sabedoria de Deus em Seu governo sobre o homem, até mesmo na variedade de personalidades, habilidades, e condições econômicas da humanidade.

Deus sabiamente governa o homem como uma criatura ímpia. Embora o pecado seja em si mesmo um grande mal, com a tendência de destruir a glória de Deus, Ele o ordena e controla a fim de que o seu resultado culmine em um bem maior. Ele coloca limites em torno do pecado, para que a terra não se transforme em inferno. Certamente a cólera do homem redundará em teu louvor; o restante da cólera tu o restringirás (Salmo 76: 10). Ele glorifica a Si mesmo ao tratar com o pecado. Ele permitiu a queda de Adão a fim de demonstrar mais completamente A Sua própria natureza na redenção. De que outra forma nós poderíamos ter conhecido a Sua infinita bondade, misericórdia, poder, justiça, e sabedoria, sem o cenário de pecado nos quais todos estes atributos atuam. Deus também faz uso da instrumentalidade do pecado. Ele faz com que os artifícios do diabo sejam usados contra ele mesmo. Deus o derrota com as suas próprias armas. Que sabedoria incrível é preciso para fazer com que as coisas sirvam a um propósito totalmente contrário à sua própria natureza! Usar os demônios para concretizar o Seu propósito final, é algo mais incrível do que utilizar os anjos eleitos. Ele usou a ambição e cobiça dos Assírios para fazer justiça contra Judá. Ai da Assíria, a vara da minha ira, porque a minha indignação é como bordão nas suas mãos.

Enviá-la-ei contra uma nação hipócrita, e contra o povo do meu furor lhe darei ordem, para que lhe roube a presa, e lhe tome o despojo, e o ponha para ser pisado aos pés, como a lama das ruas.

Ainda que ele não cuide assim, nem o seu coração assim o imagine; antes no seu coração intenta destruir e desarraigar não poucas nações (Isaías 10: 5-7). Novamente, vemos a sabedoria de Deus ao fazer o bem para as criaturas por meio do pecado. Ele voluntariamente permitiu o pecado com propósitos sábios, que nem os homens e anjos nunca imaginaram, nem o próprio pecado poderia por si mesmo ter alcançado.

A queda do homem foi uma boa ocasião para elevar o homem a uma posição maior do que aquela que ele fora criado. A violação da velha aliança foi uma ocasião para a chegada de uma melhor. O pecado do primeiro Adão serviu de ocasião para a justiça do segundo Adão. A incredulidade dos Judeus serviu de ocasião para a entrada dos gentios na graça. O pecado que ainda habita no Cristão serve de ocasião para que ele aprenda a ser mais humilde, dependente, e um profundo apreciador do sangue e da justiça de Cristo, assim como ter um maior zelo para lutar pela glória de Deus. Embora o pecado nos torne mais apropriados para o inferno, Deus prevalece sobre ele, nos tornando mais aptos para o céu. Nós passamos a odiar mais ainda o pecado, a sermos mais vigilantes para não cair em pecado, a mortificar o pecado cada vez mais, e a lutar pela santificação e crescimento na graça. Portanto, embora Deus não seja o autor do pecado, Ele é o seu administrador, e pela Sua sabedoria concretiza propósitos maravilhosos.

Deus sabiamente governa o homem como criatura redimida. Ele toma o lixo deste mundo e o transforma em vaso de honra. Ele geralmente rejeita os nobres e poderosos e salva aqueles que parecem mais indignos. O Seu tempo mostra a Sua sabedoria, pois espera pela melhor ocasião para chamar pela Sua graça. Ele então trabalha através da Sua Palavra na faculdade racional da alma humana, de forma eficaz e permissiva, operando na vontade do homem sem ferir a natureza de sua vontade. Além disso, Deus mostra a Sua sabedoria ao disciplinar Seus filhos e punir Seus inimigos. A igreja nunca fica mais parecida com os céu do que quando é perseguida pelo inferno. Deus ilude satanás ao purificar Seus filhos através daquilo que ele intentou contaminá-los. As aflições dos santos servem para o melhor progresso do evangelho (Filipenses 1: 12). Cada vez mais vemos que enlaçado foi o ímpio nas obras de suas mãos (Salmo 9: 16). Os deuses do Egito se tornaram uma praga. O gigante Golias foi derrotado com uma pedra. A salvação dos Judeus cativos decorreu de uma noite de insônia do rei Assuero. O fariseu Paulo é o homem perfeito para expor o judaísmo após a sua conversão. Que sábio arquiteto é Deus!

Terceiro, nós vemos a sabedoria de Deus na redenção. Aqui encontramos sabedoria profunda, muito além daquela demonstrada na criação e providência. Colossenses 2: 3 diz: Em quem estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência. Esta sabedoria é oculta aos olhos do homem natural. Ela é chamada de sabedoria oculta em mistérios (I Coríntios 2: 7). Nem mesmo os anjos perceberam isso de antemão, Para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e potestades nos céus (Efésios 3: 10). Esta sabedoria também é multiforme ou de muitas faces, ou seja, a união de vários conselhos em torno da maravilha da redenção.

1. Deus em Sua sabedoria concilia a justiça com a misericórdia. A justiça apresenta suas razões: O pecador é miserável por causa da sua própria e obstinada rebelião. Ele foi criado perfeito. Ele não tem desculpas. Ele não pode reivindicar ignorância. Se ele não for condenado, a santa lei cairá em desgraça, e a mentira do Diabo será aprovada. O crime não pode ser ignorado. Afinal de contas, o que o impedirá de pecar novamente?

Mas a misericórdia apresenta suas razões: Será que toda a criação foi feita em vão e terminará em julgamento e destruição? Afinal de contas, não foi o homem tentado? Ele não foi feito mutável? Satanás será vitorioso com cada descendente de Adão? Nunca irei entrar em cena para mostrar a minha beleza (a misericórdia)?

Logo após, a verdade vem socorrer a justiça, e a graça vem ajudar a misericórdia. Mas Deus em Sua sabedoria idealiza um plano para satisfazer a ambas as partes; Cristo, o Filho de Deus, em expiação para o homem. Portanto, nenhum dos lados tem mais algum motivo para reclamar. A misericórdia e a verdade se encontraram; a justiça e a paz se beijaram (Salmo 85: 10). Ao invés de uma misericórdia injusta, ou uma justiça sem misericórdia, há uma misericórdia justa e uma justiça misericordiosa.

2- Deus em Sua sabedoria fez do Seu Filho o Redentor. A grande verdade da Trindade vem à tona aqui. Não era apropriado que o Pai, o próprio Juiz, tomasse o ofício de Mediador, ou fosse enviado e punido pelo Filho. Também não seria apropriado que o Espírito Santo fosse o Mediador, uma vez que Ele eternamente procede do Pai e do Filho, e não deveria proceder ao Filho na obra da redenção. Ao invés disso, o Espírito Santo aplica a obra do Filho nos corações dos homens. O Filho é a pessoa mais apropriada para exercer o ofício de Mediador. Por Ele todas as coisas foram criadas, e por Ele tudo se faz novo. Ele é a Palavra, e sendo assim, pode falar em nosso favor. Ele é o unigênito amado, e pode interceder por nós. Ele é o Filho, e pode assim nos apresentar como alguém a ser adotado. Quem poderia exercer melhor o papel de mediador do que o Deus o Filho?

3- Deus em Sua sabedoria uniu duas naturezas, a divina e a humana, em uma só Pessoa, a fim de cumprir a obra da redenção. Como é incrível o fato de duas coisas tão diferentes poderem ser unidas! Somente uma sabedoria muito acima da nossa compreensão é que poderia unir o finito com o infinito, o poder com fraqueza, a imortalidade com a mortalidade. Aquele que é eternamente espírito participou da carne e do sangue. O legislador é colocado debaixo da lei. Aquele que estava no seio do Pai, juntou-se ao ventre de Sua mãe. As Suas duas naturezas permanecem distintas e não se misturam. Do mesmo modo que a Sua natureza Divina não foi de forma alguma alterada quando se juntou à natureza humana. Essa união foi completa, pessoal, e perpétua. Porque nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade (Colossenses 2: 9). Sendo assim, Cristo foi exclusiva e perfeitamente preparado para ser o Mediador entre Deus e os homens, pois conhece pessoalmente as coisas pertencentes a Deus, e também as enfermidades dos homens (Hebreus 5: 1; 4: 15). Se Ele não tomasse a forma humana, não poderia sofrer em nosso lugar. Se Ele não fosse Deus, os Seus sofrimentos não poderiam ser aplicados em nosso favor. Se Ele fosse apenas humano, não poderia nos garantir acesso algum a Deus. Se Ele fosse apenas Deus, Sua justiça não nos permitiria ter acesso a Ele. Ele possui uma natureza que é para o nosso conforto, assim como uma que é para a nossa confiança. Que gloriosa sabedoria vemos na encarnação!

4- Deus em Sua sabedoria cumpriu as exigências da Sua lei, tanto em seus preceitos quanto em sua penalidade. O primeiro Adão teve este preceito: De toda a árvore do jardim comerás livremente, exceto uma. Ele também teve esta penalidade: porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás (Gênesis 2: 17). Desde que Adão pecou, a penalidade tem sido forçada. Mas qual é o preceito? As ordens de Deus nunca serão obedecidas? Aqui mais uma vez vemos a sabedoria de Deus, na maneira como Ele satisfez a ambos, ou seja, o preceito e a penalidade. Cristo cumpriu os preceitos da lei através de Sua obediência ativa, e sofreu a penalidade da lei, através da Sua obediência passiva. A maravilhosa sabedoria de Deus está muito além da nossa imaginação!

5. Deus em Sua sabedoria manifesta afeições contrárias em um só ato ao mesmo tempo. A redenção revela a Sua grande ira contra o pecado e o Seu grande amor para com o pecador. Nenhum ato de Deus demonstra melhor a Sua santa ira como o castigo do Seu próprio Filho, quando Jesus levou a culpa dos pecadores na cruz. Nenhum ato de Deus demonstra melhor o Seu amor como a imputação da justiça de Cristo aos pecadores, tornando-os cidadãos dos céus como filhos e filhas.

6. Deus em Sua sabedoria derrotou o Diabo ao utilizar os mesmos meios introduzidos por ele. Através do homem, Satanás destruiu a criação. Mas através do homem, ou seja, Deus-homem, Satanás e seus planos foram destruídos. Porque assim como a morte veio por um homem, também a ressurreição dos mortos veio por um homem (I Coríntios 15: 21). Embora satanás tenha se tornado um instrumento de morte na terra, a morte de Cristo foi um golpe mortal sobre ele. Através da morte, nosso Senhor destruiu aquele que tinha o império da morte (Hebreus 2: 14). Satanás transformou a glória original em vergonha, mas Deus em Sua sabedoria transformou a vergonha em uma glória muito maior do que a original.

7. Deus em Sua sabedoria assegura tanto o nosso conforto quanto a nossa obediência. Pelo mesmo sangue, a justiça de Deus é satisfeita e o pecador é santificado. Nada é tão eficaz para nos livrar do desespero e do apego ao pecado quanto o Cristo crucificado. Nada nos motiva mais a obediência como o fato de sabermos que fomos reconciliados com Deus. A graça de Deus nos ensina a abandonar a impiedade e as concupiscências mundanas (Tito 2: 11-12). O próprio Cristo se fez o nosso maior exemplo em santidade. Um padrão a ser imitado é maior do que a lei pela qual somos governados.

8. Deus em sua sabedoria fez da fé a condição necessária para se receber e desfrutar dos benefícios da redenção. A fé não requer um crente imaculado, pois se fosse assim, não teríamos esperança como pecadores. As obras nunca foram uma condição da aliança, já que o homem, em seu estado caído, é incapaz de praticar as boas obras. E nem mesmo a fé é um ato meritório, mas ao invés disso, é totalmente consistente com a graça. Esta graça humilha o homem e dá toda a glória a Deus. Já que a incredulidade foi a causa da nossa queda, não seria razoável que o ato de crer fosse a condição da nossa restauração. Além disso, a fé e o arrependimento respondem por aquilo que reside no mais profundo da consciência do homem. Já que o pecado opera profundamente em nós, assim também a graça da fé. Além disso, nós somos unidos ao primeiro Adão pelo nascimento natural, mas a nossa união com Cristo deve ser de caráter espiritual. A fé é apropriada a esta união, pois envolve a alma do homem por completo, ou seja, sua mente, emoções, e vontade.

9. Deus em Sua sabedoria determinou como tornar conhecida a verdade da redenção. A fraqueza do homem não poderia suportar uma súbita revelação acerca da redenção, por isso Deus a revelou gradualmente. Ele começou em Gênesis 3: 15 com Adão. Então revelou mais para Abraão, e um pouco mais para Moisés, depois para Davi, e muito mais através dos profetas. Finalmente isso foi amplamente desvendado por Cristo e Seus apóstolos. Os meios que Deus utilizou para revelar Sua verdade fez com que ela se tornasse simples de se crer. Muitas e detalhadas profecias foram feitas a respeito de Cristo. Ao se traduzir o Velho Testamento do Hebraico para o Grego, o mundo foi capaz de ler a verdade antes mesmo do nascimento de Cristo. Os fatos históricos quanto à vida, morte, e ressurreição de Cristo, foram incontestáveis para o mundo no primeiro século. Da mesma forma como deveriam ser em nossos dias. Deus tem preservado na mente do homem, quer Judeu ou pagão, certos princípios, tais como a necessidade de um sacrifício e a possibilidade de uma encarnação. Entretanto, foi a crucificação que se tornou a pedra de tropeço para ambos os povos, Judeus e Gentios. Deus mostrou a Sua sabedoria no que diz respeito ao tempo e ao método no grande ajuntamento de almas, que ocorreu no dia de Pentecostes, onde devotos do mundo todos estavam reunidos e testemunharam o dom de línguas. O evangelho não foi entregue aos filósofos, mas aos pescadores, para que o sucesso da verdade não fosse creditado à habilidade e engenhosidade do homem, mas somente ao poder de Deus. Quando vemos instrumentos tão frágeis proclamando uma doutrina tão repugnante à natureza caída homem ímpio, um Salvador crucificado que exige a nossa submissão e autonegação, nos chamando para sofrer reprovação e aflição, só podemos ficar maravilhados com a sabedoria de Deus, ao ver esta mensagem alcançar algum sucesso. Ele preparou a divulgação do evangelho através da dispersão dos Judeus. Ele facilitou a evangelização do mundo através da perseguição em Jerusalém (Atos 8: 4). As chamas dos mártires acabaram lançando luz nas trevas. O sequestro da Arca de Deus pelos filisteus foi a causa da queda de Dagom. Deus, de forma muito sábia, realiza a Sua obra desta maneira, a fim de que o homem apareça menos e a divindade mais.

Agora vamos considerar o que devemos aprender com este maravilhoso atributo.

I. Informação.

Aprendemos algumas coisas a respeito da divindade de Cristo. Sabedoria é um dos Seus títulos. Cristo, poder de Deus, e sabedoria de Deus (I Coríntios 1: 24). Ele é a sabedoria personificada em Provérbios 8: 12-36. Ele criou tudo e é o juiz de tudo, e, portanto, é a sabedoria.

Aprendemos que Deus é totalmente apto para governar o mundo. Nos assuntos de ordem pública, escolhemos os homens mais sábios para governar ou legislar. E não é Deus infinitamente superior por causa de sua sabedoria? Ele criou a terra com sabedoria (Salmo 104: 24). Aquele que fez todas as coisas é infinitamente mais capacitado a continuar a guiar e governar todas as coisas.

Aprendemos qual é o fundamento da paciência de Deus. Ele é paciente porque é sábio. Os homens fracos são impacientes, pois sentem que estão derrotados. Mas o homem sábio suporta com paciência, sabendo que alcançará o fim desejado. Deus faz com que todas as coisas cooperem para o bem. Ele não tem pressa. Ele suportou com muita paciência os pecados dos santos do Velho Testamento, sabendo que enviaria o Seu Filho para reconciliá-los consigo mesmo.

Aprendemos que os decretos de Deus são imutáveis. Sua sabedoria é eterna, portanto Ele determinou fazer as melhores coisas. Os homens muitas vezes falham em suas promessas devido a ignorância e tolice. Mas Deus nunca falha nem altera nenhum dos Seus planos, pois não há insensatez nEle, somente sabedoria.

Aprendemos que Deus é digno da nossa confiança. Nenhum imprevisto pode surgir diante dEle. Ele não pode ir além dos limites em Suas promessas, como homens bem-intencionados fazem às vezes.

Aprendemos a importância do julgamento público no fim do mundo. A Sua multiforme sabedoria e Seus outros atributos serão demonstrados com todo o seu esplendor naquele dia, e não antes. Deus será honrado quando todas as Suas criaturas finalmente compreenderem a sabedoria dos Seus atos naquele dia.

Aprendemos que há bons motivos para reverenciarmos e adorarmos a Deus. Nós admiramos um homem sábio que constrói uma máquina sofisticada. Deveríamos ficar maravilhados com Deus ao vermos a Sua sabedoria na criação do universo. E mais ainda, deveríamos nos inclinar em reverente adoração a Ele pela grande obra da redenção.

Aprendemos da nossa necessidade de buscá-Lo a fim de nos guiar. Já que Ele é a própria sabedoria, então é o nosso melhor conselheiro. Ele é Grande em conselho, e magnífico em obras (Jeremias 32: 19). Nós comumente buscamos nos aconselhar com homens sábios, mas a maioria de nós necessita da assistência e sabedoria de Deus.

II. CONVICÇÃO.

O homem ímpio despreza a sabedoria de Deus. Satanás quer ser igual a Deus em poder, e o homem em sabedoria. Todo pecado bate de frente com este atributo por pelo menos duas maneiras:

Primeira, por distorcer a sábia obra de Deus. Todo pecado é destrutivo, um insulto contra o Criador Soberano.

Segunda, o pecado menospreza a lei de Deus, questionando a Sua sabedoria em governar. Nós o reverenciamos de boca, mas cada vez que o desobedecemos, estamos lhe acusando de tolice ou incompetência naquilo que nos tem instruído. De fato, estamos dizendo: “Eu sei melhor do que Deus o que é bom para mim.” Mas contradizer a mais elevada sabedoria é provar a nós mesmos que não passamos de tolos. Sendo assim, um dos sinônimos mais comuns nas Escrituras para descrever o pecador é o “tolo”, e o pecado, a “tolice.”

Consideremos algumas maneiras como a sabedoria de Deus é desafiada:

- Ao introduzirmos inovações na adoração, como o fogo estranho de Nadabe e Abiú.

- Ao negligenciarmos os meios que Deus apontou e buscarmos maneiras que mais nos agradam, como Naamã, que pensava que as águas do seu país eram melhores para se lavar do que as do rio Jordão. Quantos homens falham em se submeter a Cristo para justificação dos seus pecados, ou em buscar a direção de Deus!

- Ao criticarmos as ações e revelações de Deus utilizando a nossa própria razão, ao invés da sabedoria de Deus. Os críticos sempre falam com um ar de superioridade. Eles dizem: “A Bíblia está abaixo da minha inteligência”. Se fossemos capazes de entender todas as razões de Deus em Suas ações, então seríamos iguais a Ele, ou por nos elevar a Sua sabedoria, ou por reduzi-Lo a nossa.

- Ao dizer a Deus aquilo que Ele deveria fazer. Devemos ser cuidadosos em nossas orações para não impormos a Deus o que pensamos, como se soubéssemos o que é melhor e Ele tivesse que se submeter às nossas ordens. Saul perdeu o seu reinado porque pensava que sabia melhor do que Deus o que deveria fazer com o gado dos Amalequitas.

- Ao sermos impacientes e murmuradores. “Por que tenho que sofrer desta maneira?”, as pessoas perguntam. Por que isso se arrasta por tanto tempo? Eles bem que poderiam dizer: “Deus não sabe o que está fazendo.” O descontentamento é fruto de um coração que não confia em Deus.

- Ao acalentarmos uma opinião elevada e soberba a respeito de nós mesmos. Então esperamos que os outros concordem conosco, e nos tenham em um alto grau de respeito. Queremos que eles nos estimem mais do que a Deus. Sendo assim, nós invertemos a ordem de Deus e o acusamos de falta de sabedoria. Mas o pensamento de Deus humilha o homem no pó e na cinza.

- Ao não andarmos por fé. Toda desconfiança contra a Palavra de Deus é uma crítica à Sua sabedoria.

III. CONFORTO.

Deus controla todos os acontecimentos da vida dos Seus filhos com infinita sabedoria. A Sua sabedoria permite as aflições e Sua sabedoria as remove. Tanto as aflições quanto o seu livramento são frutos da Sua sabedoria visando o nosso bem. Como um médico especialista, Ele prescreve o remédio de acordo com a nossa doença, e não com o nosso desejo. O nosso Senhor em tudo foi tentado, ficando bem familiarizado com as nossas enfermidades (Hebreus 4: 15). Paulo buscou livramento do eu espinho na carne, mas através deste mesmo espinho, ele se tornou mais consciente do poder de Cristo (II Coríntios 12: 9). Quando Deus diz não às nossas orações, ou não nos atende de imediato, Ele o faz em sabedoria. Talvez Ele esteja nos ensinando a valorizar ainda mais as respostas quando estas chegam. O Seu tempo é o melhor, e Ele oferece o melhor da sua misericórdia ao Seu povo. Embora os inimigos ameacem, assaltem, e até nos prejudiquem, no fim, a sabedoria de Deus irá prevalecer. Não há sabedoria, nem inteligência, nem conselho contra o SENHOR (Provérbios 21: 30). Não questionamos a sabedoria de um escultor quando ele lima a sua obra ao invés de polir. Da mesma maneira, não tema quando Deus pegar as limas e machados, pois Ele sabe como utilizar com extrema habilidade tais ferramentas. Ele nos ama muito para nos destruir, e pode nos embelezar mesmo utilizando as ferramentas mais brutas.

IV. EXORTAÇÃO.

Vamos meditar muito sobre a sabedoria de Deus manifestada na criação e providência.

Em todos os lugares podemos contemplar a sabedoria de Deus. Mas o quanto destas coisas nós temos por certo? A falha em glorificar a Deus como Criador, foi o primeiro passo para a ruína do homem descrito no primeiro capítulo do livro de Romanos.

Deus criou todas as coisas mais para a Sua glória do que para o nosso uso. Nós mesmos fomos criados com o fim de glorificá-Lo, e não simplesmente para a nossa própria satisfação. Se falharmos em contemplar a Sua glória através da criação, não seremos melhores do que as bestas selvagens. Meditar na criação aumenta a nossa humildade. O Salmo 8 declara: Quando vejo os teus céus, obra dos teus dedos, a lua e as estrelas que preparaste; Que é o homem mortal para que te lembres dele? e o filho do homem, para que o visites? Somos tão pequenos e ignorantes! Nunca poderíamos imaginar tais coisas, e nem possuímos o poder de formá-las. Além disso, deveríamos reconhecer a bondade de Deus para conosco em nos criar à Sua imagem e semelhança, acima do resto da criação. Enquanto meditamos na criação, podemos ver ilustrações da grande obra da redenção. Por exemplo, Cristo é chamado de Cordeiro e de Leão. Se pudermos ver a glória de Deus na criação, começaremos a desfrutar do céu aqui na terra, pois quando formos glorificados, gozaremos de um novo céu e uma nova terra não mais sujeitas aos efeitos do pecado. Adão teve somente um pequeno período para desfrutar da criação em sua perfeição, mas nós teremos toda a eternidade para desfrutarmos de coisas ainda melhores.

Vamos estudar e admirar a sabedoria de Deus na redenção. Ela é digna dos nossos melhores esforços. Não devemos negligenciar os nossos deveres terrenos, pois eles são necessários, assim como não devemos negligenciar o nosso crescimento no conhecimento de Deus. Na verdade, tais estudos nos preparam para os nossos deveres. Nossa ocupação eterna será admirar, louvar, e nos deleitar em Deus. A Sua sabedoria na redenção é um oceano esperando por nós, a fim de enchermos um copo de cada vez, nos maravilhando e deliciando nisso. Os anjos eleitos são muito interessados nisso! E nós seremos desinteressados em descobrir as riquezas da Sua graça? Vamos nos dedicar até a exaustão para sermos estudantes sérios de Deus. Aprendei de mim, disse o nosso Salvador. Que tipo de esperança teríamos sem Ele?

Vamos tomar cuidado com o orgulho ou confiança em nossa própria sabedoria. Ao tentar ser mais sábio do que Deus, o mundo caiu em ruína. Isso deveria nos humilhar. O que seis mil anos de história provam, exceto que o homem é simplesmente cego! Se não confiássemos em nós mesmos, provavelmente olharíamos para Outro a fim de sermos guiados. Vamos reconhecer a nossa tolice. Ninguém se engane a si mesmo. Se alguém dentre vós se tem por sábio neste mundo, faça-se louco para ser sábio (I Coríntios 3: 18).

Vamos pedir sabedoria a Deus. E, se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente, e o não lança em rosto, e ser-lhe-á dada (Tiago 1: 5). Deus mostra a Sua sabedoria na nossa salvação assim como em nossa vida diária. Mas aqueles que, a exemplo de Saul, buscam conselho com a feiticeira de En-dor, o buscam do inferno.

Vamos nos submeter à sabedoria de Deus em todas as situações. Devemos nos esvaziar a nós mesmos e nos submetermos à Sua Revelação escrita, que é a fonte do conhecimento de Deus e de todas as outras coisas. Devemos nos alegrar com aquilo que Ele não nos revelou, pois nisso também a Sua sabedoria está envolvida. Devemos nos submeter aos métodos como Ele cumpre a Sua vontade. Um homem meio cego é um juiz muito pobre dos caminhos de Deus. Devemos nos submeter à toda cruz que Ele nos der para suportar. As coisas agradáveis muitas vezes não são boas para nós. As coisas que ansiamos podem até nos destruir. A saúde corporal pode se transformar em doença da alma. Riquezas terrenas podem nos transformar em mendigos celestiais. Raquel disse que morreria se não tivesse um filho, e morreu ao dar a luz (Gênesis 30: 1; 35: 18). É mais sábio deixarmos que Deus escolha o que é melhor para nós.

Vamos deixar de murmurar contra a vontade Deus, seja ela qual for. Só podemos imaginar, em determinadas situações, quais serão os Seus desígnios. Quando Ele revela alguma coisa, Ele também oculta outras. Ele disse à Pedro: O que eu faço não o sabes tu agora, mas tu o saberás depois (João 13: 7). Assim como Pedro, devemos ficar contentes em esperar nEle. Ao invés de reclamar, deveríamos nos submeter e adorar. No fim, quando Deus revelar os Seus planos à nossa mente, então veremos que Ele fez tudo de maneira perfeita. No presente momento, vamos apenas antecipar aquele dia, e louvarmos a Deus como o Único Deus Sábio.


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Autor: Stephen Charnock 
Compilado para o seculo 21: Daniel A. Chamberlin
Tradução: Eduardo Cadete 2011 
Fonte: Palavra Prudente