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A pergunta do Senhor aos cegos
C. H. Spurgeon

"Saindo Jesus dali, dois cegos o seguiram, clamando: 'Filho de Davi, tem misericórdia de nós!' Entrando ele em casa, os cegos se aproximaram, e ele lhes perguntou: 'Vocês crêem que eu sou capaz de fazer isso?' Eles responderam: 'Sim, Senhor!' E ele, tocando nos olhos deles, disse: 'Que lhes seja feito segundo a fé que vocês têm!' A visão deles foi restaurada" (Mateus 9.27,30). 

Nas nossas ruas encontramos, aqui e ali, um mendigo cego, mas nas cidades do Oriente eles existem em profusão. A oftalmia é o flagelo do Egito e da Síria, e Volney declara que no Cairo, entre uma centena de pessoas, vinte eram totalmente cegas, a dez delas faltava uma das vistas, e mais vinte sofriam de diversos males nos olhos, em maior ou menor grau. Nos dias atuais, todos reparam no grande número de cegos nos países orientais, e a situação era provavelmente pior nos tempos do Salvador. Devemos nos sentir muito gratos porque a lepra, a oftalmia e outras enfermidades tenham sido maravilhosamente extirpadas dentre nós nos tempos modernos, de modo que a peste que devastou a nossa cidade há duzentos anos é agora desconhecida, e nossos hospitais já não se encontram superlotados com leprosos.
Existe hoje muita prevenção contra a cegueira, e muitas vezes ela é curada, não sendo mais de ocorrência tão freqüente que se torne causa da pobreza do país. Havia muitos cegos nos dias do Salvador, e diversos se reuniam a seu redor; por isso lemos com tanta freqüência a respeito da cura de cegos. A misericórdia foi ao encontro da desgraça em seu terreno. Onde a tristeza humana mais se evidenciava, o poder divino era mais compassivo. Porém, nos dias de hoje, é muito comum as pessoas serem espiritualmente cegas, e por isso acalento grande esperança de que o Senhor Jesus agirá da mesma forma daquela época, e demonstrará seu poder em meio ao mal que sobeja. Confio haver algumas pessoas, neste momento, que desejam obter a visão espiritual, ansiando especialmente, como os dois cegos do texto, por ver a Jesus, pois vê-lo é a vida eterna.
Falaremos aos que têm consciência de sua cegueira espiritual e que almejam ver a luz de Deus a luz do perdão, do amor e da paz, a luz da santidade e pureza. Nosso grande desejo é que o manto das trevas seja levantado, que o raio divino consiga adentrar nas sombras internas da alma, e banir para sempre a noite da natureza carnal. Quem dera que o momento do raiar do dia estivesse bem perto de muitos de vocês "cegos por dentro". A iluminação imediata é a bênção que imploro a favor de vocês. Sei que a verdade pode permanecer na memória durante anos, e finalmente produzir frutos; mas nesta ocasião, oramos por resultados imediatos, pois somente eles estão à altura da natureza da luz mencionada.
No princípio, o Senhor disse apenas: "Haja luz", e houve luz; e quando o Senhor Jesus habitou temporariamente aqui embaixo, bastava-lhe tocar nos olhos dos cegos, e eles imediatamente recobravam a visão. Quem dera que semelhante obra rápida fosse realizada nesta hora! Homens levados pela mão até Jesus, ou que seguiam tateando pelas paredes até o lugar onde sua voz lhe anunciava a presença, recebiam um toque do seu dedo, e voltavam para casa por conta própria, regozijando-se porque Jesus lhes abrira os olhos. Jesus permanece poderoso para operar semelhantes maravilhas; e, em dependência do Espírito Santo, pregaremos sua palavra e aguardaremos os sinais que se seguirão, na expectativa de vê-los de imediato. Por que centenas de vocês que entraram neste Tabernáculo, nas trevas da natureza carnal, não poderão sair daqui abençoados com a luz do céu? Esse, certamente, é o desejo mais íntimo e urgente do nosso coração, e o desejo que almejamos com nossas faculdades concentradas. Venham conosco, portanto, ao texto, e usem logo de bondade suficiente consigo mesmos para se deixarem influenciar pelas verdades que ele lhes apresentará. 
  
I. Primeiro, ao explicar nossa passagem, devemos chamar a atenção de vocês para os próprios interessados--os dois cegos. Neles há um aspecto digno de imitação por todos os que quiserem ser salvos. 

Notamos, de imediato, que os dois cegos estavam totalmente sérios. A palavra que descreve o apelo feito a Cristo é "clamando" falavam algo em alta voz! Clamar subentende implorar, rogar e suplicar, com sinceridade, energia e paixão. Sua forma e postura indicavam não se tratar de uma vontade passageira, mas de um anseio profundo e apaixonado. Imaginem vocês como seria estar em semelhante situação. Como ansiariam pela luz bendita se tivessem sido obrigados a permanecer nas "trevas de duração perpétua", como diz Milton. Eles tinham fome e sede da luz. Ora, nós não podemos ter esperança de salvação antes de a buscarmos com igual vigor, mas quão poucos levam a sério essa salvação. Quão sérios alguns homens são no tocante ao dinheiro, à saúde ou aos filhos! Como são fervorosos nas questões da política ou dos negócios do seu bairro; porém, tão logo você os questione a respeito da verdadeira piedade, ficam tão frios quanto as neves árticas. Meus senhores, como isso é possível? Vocês podem esperar ser salvos enquanto estiverem meio adormecidos? Esperam achar perdão e graça enquanto continuam na indiferença? Se for assim, vocês estão muitíssimo enganados, pois "o Reino dos céus é tomado à força, e os que usam de força 
se apoderam dele" (Mt 11.12b).
A morte e a eternidade, o juízo e o inferno, não são brincadeira; o destino eterno da alma não é algo desprezível, e a salvação pelo sangue precioso de Cristo não é bagatela. Os homens não são salvos de descerem ao inferno mediante um simples aceno de cabeça ou uma piscada de olho. Não bastará um "pai-nosso" murmurado, um "Senhor, tem misericórdia de mim" apressado. Os cegos teriam permanecido nesse estado sem o desejo sincero de ter abertos os olhos; e, da mesma forma, muitos continuam em seus pecados por falta de seriedade quanto ao desejo de escapar deles. Esses cegos estavam plenamente acordados. E você, caro leitor? Pode me acompanhar nessas duas estrofes? 

"Jesus, que agora está passando, 
nosso Profeta, Sacerdote, e Rei és tu; 
escuta o clamor do pobre incrédulo, 
e sara a cegueira do meu coração; 
"Insto em meu pedido apaixonado. 
Imploro tua misericórdia perdoadora, 
mesmo criticado, não descansarei, 
até restaurares a vista a meu espírito." 

Os cegos perseveravam como conseqüência da sinceridade, pois "seguiram" a Cristo, e assim continuavam a apresentar seu caso. Como conseguiram seguir os movimentos do Senhor? Não sabemos, pois eram cegos; entretanto, por certo, perguntavam pelo caminho seguido por Jesus, e mantinham os ouvidos abertos ao mínimo som. Sem dúvida, diziam: "Onde está ele? Onde está Jesus? Leve-nos, guie-nos. Precisamos achá-lo". Não sabemos a distância percorrida pelo Senhor, mas pelo menos sabemos que, por onde o Senhor passasse, eles o seguiriam. Perseveravam com tanta coragem que, tendo chegado à casa onde Jesus estava, não ficaram do lado de fora até que ele saísse de novo, mas entraram de forma pressurosa na sala onde ele estava sentado. Eram insaciáveis para recuperar a vista. Seus clamores insistentes interromperam a pregação de Jesus, e ele fez uma pausa e escutou o que diziam: "Filho de Davi, tem misericórdia de nós". Assim prevalece a perseverança: ninguém que conheça a arte da oração inoportuna se perderá. Caso você resolva nunca se afastar do portão da misericórdia até o porteiro o atender, ele certamente o abrirá. Se agarrar o Anjo da Aliança com esta resolução: "Não te deixarei ir, a não ser que me abençoes", você sairá mais que vencedor do lugar da luta. A boca aberta em oração incessante resultará em olhos abertos na plena visão da fé. Ore, portanto, nas trevas, mesmo que não haja esperança de luz, pois quando Deus a própria luz, leva um miserável pecador a implorar e clamar diante dele com a séria intenção de continuar a proceder assim até vir a bênção, não intenta minimamente fazer pouco do pobre coração que clama. A perseverança na oração é o sinal seguro de que se aproximou o dia da abertura dos olhos.
Os cegos tinham um objetivo específico nas orações. Sabiam o que queriam, não eram crianças que choravam por nada, nem cobiçosos que choravam por tudo; queriam enxergar, e sabiam disso. Existem demasiadas almas cegas sem consciência de sua cegueira e, portanto, quando oram, pedem tudo menos a única coisa necessária. Diversas das supostas orações consistem em dizer palavras muito agradáveis, frases 
piedosas e muito bonitas; entretanto, não são orações. A oração, "para os salvos", é comunhão com Deus e, para as pessoas que buscam a salvação, a petição do que desejam e a espera do recebimento em nome de Jesus em nome de quem pleiteiam diante de Deus. Mas que tipo de oração é a que não tem nenhuma noção da necessidade, nenhum pedido direto, nenhum pleito consciente? Caro leitor, você já pediu, em termos específicos, que o Senhor o salve? Você já expressou a necessidade de um novo coração, a necessidade de ser lavado no sangue de Cristo, a necessidade de ser feito filho de Deus, e adotado em sua família?
Não existe oração, até que o homem saiba a favor do quê ora, e use a oração com esse propósito, como se não se importasse com qualquer outra coisa. Se já for sincero e inoportuno, instruído e cheio de desejos específicos, terá certeza de ser bem-sucedido no pleito. Com braço forte, ele estica o arco do desejo, e coloca na corda a flecha afiada do anseio apaixonado e, depois, com olho treinado na percepção, mira deliberadamente e, portanto, poderemos esperar que ele atinja o centro do alvo. Ore pedindo luz, vida, perdão, salvação, e ore por essas coisas como toda a alma, e tão certamente como Cristo está no céu, ele lhe dará suas boas dádivas. A quem ele já recusou?
Aqueles cegos, nas suas orações, honravam Cristo, pois diziam: "Filho de Davi, tem misericórdia de nós". Os grandes da terra não queriam reconhecer que o Senhor era de descendência real, mas os cegos proclamavam com muito ânimo o Filho de Deus. Eram cegos, mas conseguiam enxergar muito mais que as pessoas com vista aguçada; isso porque enxergavam o Messias no Nazareno, enviado por Deus para restaurar o reino a Israel. Dessa crença, entenderam que Jesus, por ser o Messias, abriria os olhos dos cegos, e poderia abrir os olhos cegos deles; e assim, pediram-lhe para realizar as obras próprias do seu messiado, e o honraram com fé prática e genuína. Esse é o tipo de oração que sempre terá atendimento rápido no céu, a oração que coroa o Filho de Davi. Ore, glorificando a Cristo Jesus, engrandecendo-o, pleiteando muito o mérito da sua vida a morte, dando-lhe títulos gloriosos porque sua alma tem alta reverência e vasta estima por ele. Orações de adoração a Jesus possuem a força e a rapidez das asas de águias; forçosamente sobem até Deus, pois os elementos do poder celestial sobejam nelas. A oração que atribui pouco valor a Cristo é a oração à qual Deus dará pouco valor; mas a oração na qual a alma glorifica o Redentor sobe como coluna perfumada de incenso do Santo dos Santos, e o próprio Senhor a acolhe como perfume suave.
Observe também que os dois cegos, na oração, confessaram sua falta de merecimento: "Filho de Davi, tem misericórdia de nós!". Seu único apelo era à misericórdia. Ninguém falou em mérito, nem usava como argumento os sofrimentos do passado, a perseverança, as boas resoluções quanto ao futuro, mas somente: "Tem misericórdia de nós". Quem exige da parte de Deus uma bênção como se tivesse direito a ela, nunca a 
conseguirá. Devemos implorar a Deus como o criminoso apela ao soberano e implora pelo exercício da prerrogativa real do livre perdão. Como o mendigo pede esmolas na rua, ao pleitear sua necessidade, solicita uma oferta por amor à caridade, também devemos requerer ao Altíssimo apelando a misericórdia e dirigir nossas súplicas à bondade amorosa e ternas misericórdias do Senhor. Devemos pleitear da seguinte maneira: "Ó Deus, se tu me destruíres, eu o mereço. Se tu nunca me dirigires um olhar de consolo, não tenho de que me queixar. Mas, Senhor, salva um pecador, por tua misericórdia. Não tenho o mínimo direito de pedir nada, mas oh, porque tu és cheio de graça, olha para uma miserável alma cega que deseja contemplar-te".
Meus irmãos, não sei juntar palavras altissonantes. Nunca me dediquei à escola da oratória. Na realidade, meu coração acha repugnante a própria idéia de falar com delicadeza quando as almas passam perigo. Pelo contrário, meu empenho é falar diretamente ao coração e à consciência de vocês, e se houver, nesta multidão de ouvintes, alguém que esteja escutando da maneira certa, Deus abençoará a palavra pregada. "E que tipo de escutar é este?", diz você. É claro: é o escutar no qual o homem diz: "À medida que eu perceber que o pregador proclama a Palavra de Deus, eu o seguirei, e farei o que, segundo sua descrição, o pecador que busca a Deus deve fazer. Nesta noite, orarei e pleitearei, e perseverarei nas minhas súplicas, esforçando-me para glorificar o nome de Jesus, e, ao mesmo tempo, confessarei minha indignidade. Dessa maneira, rogarei por misericórdia da parte do Filho de Davi". Bem-aventurado o pregador que souber que assim acontecerá. 
  
II. Agora, faremos uma breve pausa para lidar, em segundo lugar, com a pergunta que lhes foi postulada. Desejavam a abertura dos seus olhos. Os dois estavam em pé diante do Senhor, a quem não conseguiam ver, embora ele pudesse enxergá-los e se revelar a eles mediante a audição. Começou a fazer-lhes perguntas, não com o intuito de conhecê-los, mas a fim de que eles conhecessem a si mesmos. Fez uma única pergunta a eles: "Vocês crêem que eu sou capaz de fazer isso?". A pergunta tocou na única coisa que se interpunha entre eles e sua vista. Da resposta deles dependia se sairiam daquele local como homens dotados de visão, ou cegos: "Vocês crêem que eu sou capaz de fazer isso?". Ora, acredito que entre todo pecador que está buscando e o próprio Cristo existe apenas essa única pergunta: "Você crê que eu sou capaz de fazer isso?", e se alguma pessoa puder responder com sinceridade, como os homens da narrativa, "Sim, Senhor!", certamente receberá a resposta: "Que lhe seja feito segundo a fé que você tem!" 
Examinemos, portanto, essa pergunta muito importante com a máxima atenção. Diz respeito à sua fé: "Vocês crêem que eu sou capaz de fazer isso?". Ele não lhes perguntou sobre seu caráter no passado, pois quando as pessoas vêm a Cristo, o passado lhes é perdoado. Não lhes perguntou se experimentaram vários meios de obter a abertura dos olhos, por que, pelo sim ou pelo não, permaneciam cegos. Nem lhes perguntou se consideravam a existência de um médico misterioso que levasse a efeito a cura em algum estado futuro. Não. Perguntas derivadas da curiosidade e especulações vãs nunca são sugeridas pelo Senhor Jesus. Suas perguntas concentravam-se no exame de um único assunto: a fé. Criam que ele, o Filho de Davi, pudesse curá-los? Por que nosso Senhor, em todos os lugares, não só no ministério, mas também no ensino dos apóstolos, sempre ressalta a fé? Por que a fé é fundamental? Por sua capacidade receptiva. A bolsa não deixará ninguém rico; porém, sem lugar para colocar o dinheiro, como o homem poderá acumular riquezas? A fé, por si só, não pode contribuir com um tostão para a salvação, mas ela se serve da bolsa que contém em si o Cristo precioso sim, ela guarda todos os tesouros do amor divino.
Se alguém tiver sede, a corda e o balde, por si sós, não têm muita utilidade, mas, senhores, se houver um poço por perto, exatamente o que se precisa é de um balde e uma corda, por meio dos quais a água possa ser tirada. A fé é o balde por meio do qual o homem pode tirar água dos poços da salvação, e beber até satisfazer-se totalmente. Talvez você tenha feito uma breve parada em uma fonte pública na rua, desejoso de beber, mas verificou não ser possível, pela ausência da taça de metal. A água fluía, mas você não podia alcançá-la. Era terrível postar-se à saída da fonte, e continuar com sede pela falta da pequena taça. Ora, a fé é a taça pequena, que seguramos para receber as correntezas da graça de Cristo: enchemo-la, e então bebemos e recebemos o refrigério. Daí a importância da fé. Para nossos antepassados, teria parecido algo vão deitar um cabo sob o mar desde a Inglaterra até a América do Norte, e permaneceria inútil até hoje, se a ciência não nos tivesse ensinado a falar por meio da eletricidade; porém, agora o cabo é da máxima importância, pois a telegrafia não teria a mínima utilidade para a comunicação transatlântica, se não existissem os fios de conexão entre os dois continentes. A fé é exatamente isso: a ligação entre a alma e Deus, e a mensagem viva passa rapidamente por ela até atingir a alma. A fé às vezes é fraca, comparável ao fio muito fino, mas ela não deixa de ser algo muito precioso, por ser o início de grandes coisas. Há muitos anos, queriam lançar uma ponte suspensa sobre um abismo imenso, através do qual fluía, abaixo, um rio navegável. Entre uma ponta rochosa e outra, o propósito era fixar uma ponte de ferro, lá nas alturas. Mas, como começar? Atiraram uma flecha de um lado para o outro, e ela levou um fio que atravessou o abismo. Aquele fio, quase invisível, foi suficiente para o começo. A conexão foi estabelecida; pouco tempo depois, o fio puxou um barbante, e o barbante puxou uma corda, e a corda não demorou em levar um cabo para o outro lado e, no tempo devido, seguiram-se correntes de ferro e todas as coisas necessárias para a via permanente. Ora, a fé é muitas vezes fraca; mesmo nessa situação, mantém o valor máximo, por formar uma 
comunicação entre a alma e o Senhor Jesus Cristo. Caso creia nele, haverá uma ligação entre ele e você; sua pecaminosidade descansa na graça dele, sua fraqueza depende da força dele; o nada que você é, esconde-se na suficiência total dele; entretanto, se não crer, estará separado de Jesus, e nenhuma bênção poderá fluir até você. Dessa forma, a pergunta que quero dirigir, em nome do meu Mestre, a cada pecador que o busca, diz respeito à sua fé, e nada mais. Não me importa se você é milionário, ou se ganha pouquíssimo por semana, se é nobre ou plebeu, da realeza ou do campo, erudito ou ignorante. Temos o mesmo evangelho para entregar a cada homem, mulher e criança, e precisamos ressaltar a mesma questão: "Você crê?". Caso creia, será salvo, mas se não crer, não poderá participar das bênçãos da graça.
Note, em seguida, que a pergunta dizia respeito à fé em Jesus: "Vocês crêem que eu sou capaz de fazer isso?". Se perguntássemos ao pecador despertado: "Você acredita poder salvar a si mesmo?", sua resposta seria: "Não, nada disso: estou bem informado. Minha auto-suficiência está morta". Se lhe perguntássemos, em seguida: "Acredita que as ordenanças, os meios da graça e os sacramentos poderão salvar você?". Se for alguém arrependido, inteligente e consciente, responderá: "Sou bem informado. Experimentei-os, mas por si só são total vaidade". Realmente é assim, nada permanece em nós, e à nossa volta, sobre o qual a esperança possa edificar, sequer por uma hora. Mas essas perguntas ultrapassam o ego e nos colocam somente em Jesus, ao mandar-nos escutar o próprio Senhor dizer: "Vocês crêem que eu sou capaz de fazer isso?". Ora, amados, não falamos a respeito de mera pessoa histórica quando nos referimos ao Senhor Jesus Cristo; falamos de alguém que está acima de todos os outros. Ele é o Filho do Altíssimo, mas, mesmo assim, veio até esta terra e nasceu em Belém. Dormia ao peito de uma mulher, e cresceu como as outras crianças. Tornou-se um homem na plenitude da estatura e da sabedoria, e viveu aqui trinta anos ou mais, praticando o bem. No fim, esse glorioso Deus em carne humana "sofreu [...] o justo pelos injustos, para conduzir-nos a Deus" (1Pe 3.18), e assumiu o lugar e a vez do homem culpado, para suportar-lhe o castigo a fim de que Deus seja justo e justificador do que crê. Ele morreu e foi sepultado, mas por pouco tempo o sepulcro o pôde manter ali; ressuscitou na manhã do terceiro dia, saiu dentre os mortos, para nunca mais morrer. Permaneceu aqui por tempo suficiente para ser visto vivo, no próprio corpo, por muitos.
Nenhum acontecimento da História é tão bem documentado quanto a ressurreição de Cristo visto por pessoas que estavam sós e por grupos de dois, vinte e mais de quinhentos irmãos de uma só vez. E tendo vivido aqui por breve tempo, subiu ao céu na presença dos discípulos, quando uma nuvem o encobriu da vista deles. Agora está sentado à destra de Deus, em forma humana: o mesmíssimo homem que morreu no madeiro está entronizado nos mais altos céus como Senhor de tudo, e todos os anjos se deleitam em lhe prestar homenagem. A única pergunta que ele lhes faz, por meio destas modestas palavras, é: "Você crê que eu seja capaz de salvá-lo? Eu, o Cristo de Deus que agora habito no céu, sou capaz de salvá-lo?". Tudo depende da resposta a essa pergunta. Sei qual deve ser sua resposta. Por certo, sendo ele Deus, nada é impossível nem difícil para ele. Por ter entregado a vida para realizar a expiação, e pela aceitação divina desse ato, permitindo-lhe ressuscitar dentre os mortos, deve haver, portanto, eficácia no seu sangue para purificar a mim, até mesmo a mim. A resposta deve ser: "Sim, Senhor Jesus, creio que tu és capaz de fazer isso".
Agora, porém, quero ressaltar outra palavra do meu texto, e quero que você a ressalte também: "Vocês crêem que eu sou capaz de fazer isso?". Ora, não teria sido muito útil para esses cegos dizerem: "Cremos que tu és capaz de ressuscitar os mortos". "Não", diz Cristo, "a questão em pauta é a abertura dos seus olhos. Vocês crêem que eu sou capaz de fazer isso?". Eles poderiam ter respondido: "Bom Mestre, cremos que estancaste o fluxo de sangue da mulher quando ela tocou na tua roupa". "Não", diz ele, "essa não é a questão em pauta. Agora, são seus olhos que precisam ser atendidos. Vocês querem enxergar, e a pergunta a respeito da sua fé é: "Vocês crêem que eu sou capaz de fazer isso?". Ah, alguns de vocês conseguem crer a favor de outras pessoas, mas devemos aplicar essa pergunta mais plenamente a vocês e dizer: "Você crê que eu sou capaz de salvar você --você mesmo? Ele é capaz de fazer isso?". É possível que eu esteja falando com alguém que foi muito longe no pecado. Pode ser, meu amigo, que você tenha concentrado muita iniquidade em um espaço pequeno. Talvez você tenha desejado uma vida breve, mas bastante animada e, segundo as perspectivas atuais, você tenha grande probabilidade de viver brevemente, mas o divertimento quase acabou com você e, ao relembrar sua vida, reflita que nunca um jovem jogou fora a vida de forma mais estulta do que você. Agora, pois, você deseja ser salvo? Pode dizer de todo o coração que você assim deseja? Responda, portanto, a essa pergunta adicional: Você crê que Jesus Cristo é capaz de fazer isso, especificamente: apagar todos os seus pecados, renovar seu coração, e salvar você hoje? "Oh, senhor, creio mesmo que ele é capaz de perdoar o pecado". Mas você crê que ele é capaz de perdoar o seu pecado? Você, pessoalmente, é o caso em pauta; neste aspecto, sua fé está firme? Deixe de lado as outras pessoas, neste momento, e considere a si mesmo. Você crê que ele é capaz de fazer isso? Isso seu pecado, essa vida desperdiçada, Jesus é capaz de lidar com isso? Tudo depende da sua resposta a esta pergunta. É inútil a fé que sonha em crer no poder do Senhor no tocante a outras pessoas, mas não confia em Jesus para si mesma. Você deve crer que ele é capaz de fazer isso--isso que diz respeito a você, senão, para todos os fins práticos, você não passa de um incrédulo.
Sei que estou falando a numerosas pessoas que nunca cederam aos vícios do mundo. Dou graças a Deus, em nome de vocês, por terem sido conservados nos caminhos da moralidade, sobriedade e honestidade; mas já conheci alguns de vocês que quase desejaram, ou pelo menos lhes ocorreu que poderiam quase desejar--ter sido grandes pecadores descarados, a fim de receber as pregações dirigidas a esses pecadores flagrantes, para ver em si mesmos a transformação igual à vista em alguns deles, a respeito de cuja conversão vocês nunca poderiam duvidar. Não se permitam semelhante desejo pouco sábio, mas escutem enquanto postulo também esta pergunta. Vocês estão no caso do moralista que obedeceu a todo o dever externo, mas negligenciou seu Deus o caso do moralista que se sente como se o arrependimento lhe fosse impossível, porque já faz tanto tempo que está sendo devorado pelo próprio farisaísmo, que nem sabe mais 
extirpar a gangrena. O Senhor Jesus Cristo pode tão facilmente salvar você do seu farisaísmo, quanto pode salvar outra pessoa de seus hábitos culpáveis. Você crê que ele é capaz de fazer isso? Vamos, pois você crê que ele pode atender a isso, o caso específico em que você está? Quero a resposta, "sim" ou "não" a essa pergunta. "Ai de mim!", exclama um de vocês, "meu coração é tão duro". Você acredita que ele pode amolecê-lo? Suponhamos que seja tão duro como o granito: você agora acredita que o Cristo de Deus poderá transformá-lo em cera em um só momento? Concedamos que seu coração seja tão instável como o vento e as ondas do mar: você consegue crer que Cristo lhe poderá dar mente estável e firmar você na Rocha Eterna para sempre? Se você crer nele, ele o fará a seu favor, visto que lhe será feito de acordo com a fé que tem. Mas sei que é justamente aqui o aspecto difícil. Todos procuram se refugiar no conceito de que realmente confiam no poder de Cristo para os outros, mas estremece quanto a si mesmo; entretanto, preciso fazer cada um enfrentar a questão que diz respeito a si mesmo, preciso pegar cada um pelos colarinhos e submeter ao teste genuíno. Jesus pergunta a cada um de vocês: "Você crê que eu sou capaz de fazer isso?".
Alguém diz: "Ora, seria a coisa mais surpreendente que o Senhor Jesus fez, se ele fosse me salvar hoje". Você crê que ele o pode fazer? Quer confiar nele agora? "Mas semelhante milagre será uma coisa tão estranha!". O Senhor Jesus opera coisas maravilhosas: é o jeito dele. Sempre foi um operador de milagres. Você consegue crer que ele é capaz de fazer isso a favor de você isto que agora é necessário para salvá-lo? 
É maravilhoso o poder que a fé possui--poder para influenciar o próprio Senhor Jesus. Já experimentei muitas vezes, à minha maneira, como a confiança domina as pessoas. Vocês não foram conquistados pela confiança de uma criancinha? O pedido singelo estava demasiadamente cheio de confiança para ser recusado. Já ocorreu um cego agarrar-se a você em uma travessia da rua, e dizer-lhe: "Senhor, pode me ajudar a atravessar a rua?". E depois, talvez, ele tenha acrescentado de modo quase sutil: "Sei pelo tom da sua voz que o senhor é gentil. Acho que posso confiar-me a seus cuidados". Em semelhante momento, você se sentiu envolvido; não poderia abandoná-lo. E quando uma alma diz a Jesus: "Sei que podes me salvar, meu Senhor: sei que és capaz disso e, portanto, em ti confio", ele não poderá repudiá-lo, não poderá desejar fazer assim, pois já disse: "quem vier a mim eu jamais rejeitarei". Às vezes conto uma história para ilustrar esse fato; o conto é bastante singelo, mas demonstra como a fé vence em todas as circunstâncias. Há muitos anos, meu jardim tinha uma cerca viva, bastante verdejante, mas que pouco protegia. O cachorro de um vizinho gostava de visitar meu jardim e, visto que ele nunca cultivou minhas flores, jamais lhe ofereci boas-vindas cordiais.
Andando quieto por ali, certo fim de tarde, vi-o fazendo algum dano. Joguei nele uma vara e o aconselhei a volta para casa; mas como a boa criatura me respondeu? Virou-se em minha direção, abanou o rabo e, da maneira mais brincalhona, pegou a vara, trouxe-a a mim, e a colocou a meus pés. Eu bati nele? Não, não sou monstro. Teria me envergonhado se não lhe tivesse afagado o dorso e o convidado a voltar a meu jardim sempre que quisesse. Ele e eu passamos imediatamente a ser amigos porque, como vocês percebem, ele confiou em mim e me conquistou. Ora, por mais singela que seja essa história, é exatamente essa a filosofia da fé singela em Cristo da parte do pecador. Como o cachorro conquistou o homem ao confiar nele, também o miserável pecador conquista, com o efeito, o próprio Senhor ao confiar nele e dizer: "Senhor, sou um miserável cachorro de pecador, e poderás me expulsar, mas creio que tu és bondoso demais para isso. Creio que podes me salvar e eis que me confio às tuas mãos. Quer eu seja perdido ou salvo, confio minha pessoa a ti". Ah, amado, você não permanecerá perdido se assim confiar. Quem confia em Jesus já deu a resposta à pergunta: "Você crê que eu sou capaz de fazer isso?", e nada mais lhe falta senão seguir pelo caminho, regozijando-se, porque o Senhor lhe abriu os olhos e o salvou. 
  
III. Agora, em terceiro lugar, a pergunta era muito razoável: "Vocês crêem que eu sou capaz de fazer isso?". Em um só minuto, quero demonstrar a razoabilidade de Cristo postulá-la, e igualmente se me é permitido aplicá-la insistentemente a muitas pessoas. O Senhor Jesus poderia ter dito: "Se vocês não acreditam que eu sou capaz de fazer isso, por que me seguiram? Por que seguiram a mim mais e não a outra pessoa? Vocês me seguiram pelas ruas, e entraram nesta casa à minha procura. Por que fizeram assim, se não acreditam que posso lhes abrir os olhos?". Da mesma forma, muitos de vocês frequentam lugares de culto; gostam de estar presentes, mas por quê, se não acreditam em Jesus? Para que vocês frequentam cultos? Comparecem para procurar um Salvador que não pode salvá-los? Procuram tolamente uma pessoa em quem não poderão confiar? Nunca ouvi falar de tamanha loucura como o doente correr atrás do médico em quem não tem a mínima confiança. E vocês que frequentam lugares de culto em outras ocasiões sem ter a mínima fé em Jesus? Então, por que frequentam? Que pessoas incoerentes vocês devem ser!
Além disso, esses cegos tinham orado a Jesus para ele lhes abrir os olhos, mas por que oraram? Se não acreditassem que Jesus os poderia curar, suas orações seriam zombaria. Você pediria que um homem fizesse uma coisa que você sabe ser ele incapaz de fazer? A oração não deve ser sempre medida de acordo com a quantidade de fé nela colocada? Pois bem, sei que alguns de vocês costumam orar desde criança; quase nunca vão dormir à noite sem repetir a oração ensinada pela mãe. Para que fazem isso, se não acreditam que Jesus Cristo pode salvá-los? Para que pedir o que vocês não acreditam que ele pode fazer? Que incoerência estranha orar sem fé!
Esses dois cegos também tinham chamado Jesus Cristo "Filho de Davi". Por que confessaram seu messiado desse modo? A maioria de vocês faz a mesma coisa. Suponho que pouquíssimas pessoas da sua congregação duvidem da divindade de Cristo. Vocês acreditam na Palavra de Deus: não duvidam de sua inspiração, acreditam que Jesus Cristo viveu, morreu e passou para a glória. Pois bem: se vocês não acreditam que ele é capaz de salvá-los, qual é o significado de afirmar que ele é Deus? Um Deus incapaz? Sacrifício expiador sangrento e mortal, mas sem a capacidade de salvar? Oh, homem, seu credo nominal não é o verdadeiro. Se você escrevesse por extenso seu credo verdadeiro, seria algo assim: "Não creio que Jesus Cristo seja o Filho de Deus, nem que ele realizou plena expiação pelo pecado, pois não acredito que ele possa me salvar". Isso não seria correto e coerente?
Pois bem, insto com vocês, em nome das freqüentes vezes que escutam a Palavra, em nome das orações freqüentes e da profissão de crerem na grandiosa velha Bíblia, que me respondam: Como vocês não crêem em Jesus? Senhores, ele é capaz de salvá-los. Vocês sabem que já se passaram mais de 27 anos desde que coloquei nele minha confiança, e devo falar dele segundo minha experiência com ele. Em todas as horas de trevas, em cada período de desânimo, em cada ocasião de provação, achei-o fiel e verdadeiro; e quanto a confiar-lhe minha alma, se eu tivesse mil almas as confiaria às mãos dele; e se tivesse tantas almas quanto há grãos de areia na praia, não pediria um segundo ao Salvador, simplesmente colocaria todas elas na querida mão traspassada pelo prego, a fim de que ele nos agarrasse e nos segurasse com firmeza para sempre. Ele é digno da confiança de vocês, e ele só lhes pede essa confiança -- e não duvidem de que ele está disposto, já que entregou sua vida com esse propósito ele pede que vocês ajam à altura da crença de que ele pode salvá-los, e que confiem nele. 
  
IV. Ora, não devo detê-los por muito mais, e por isso quero destacar a resposta que os cegos deram à sua pergunta. Responderam-lhe: "Sim, Senhor!". Pois bem, já andei lhe fazendo com instância, e a repito de novo. Você acredita que Cristo é capaz de salvar você, e que ele é capaz de fazê-lo de modo a cuidar do seu caso em sob todos os aspectos especiais? Agora vem sua resposta. Quantos dirão "Sim, Senhor"? Estou quase disposto a pedir que vocês o façam em voz alta, mas prefiro rogar-lhes a dizê-lo no recôndito da alma: "Sim, Senhor". E, agora, que Deus o Espírito Santo os ajude a dizê-lo de forma muito distinta, sem hesitação nem reservas mentais: "Sim, Senhor. O olho cego, a língua muda, o coração frio creio que tu és capaz de transformar a todos, e confio totalmente em ti, para ser renovado pela tua graça divina". Diga isso com toda a sinceridade. Diga-o de modo decidido e distinto, de todo o coração: "Sim, Senhor".
Repare que os dois homens responderam imediatamente. Tão logo a pergunta foi feita por Jesus, deram a resposta: "Sim, Senhor". Nada se compara a ser pronto para responder; isso porque, quando você apresenta uma pergunta a alguém, e diz: "Você crê que sou capaz de fazer isso?", e a pessoa pára, esfrega a testa, passa a mão na cabeça, e finalmente diz: "S...sim", esse "sim" não se assemelha ao "não?". O melhor "sim" no mundo é o que sai pulando, de imediato. "Sim, Senhor; por pior que eu seja, creio que tu podes me salvar, pois sei que teu sangue precioso pode remover toda mancha. Embora eu seja um pecador de longo tempo, de caso agravado, alguém que se desviou da religião que professava, agindo como desviado, embora eu pareça a escória da sociedade, não tenha os sentimentos que gostaria de sentir, creio, porém, que Cristo morreu em prol de pecadores, e que o eterno Filho de Deus entrou no céu a fim de pleitear a favor deles, logo ele deve ser poderoso para "salvar definitivamente aqueles que, por meio dele, aproximam-se de Deus" (Hb 7.25), e nesta noite me aproximo de Deus por meio dele, e creio que ele é capaz de salvar até mesmo a mim". Esse é o tipo de resposta que anseio ouvir da parte de todos vocês. Que o Espírito de Deus produza uma essa resposta! 
  
V. Vejamos, agora, a reação do Senhor à resposta deles. Disse: "Que lhes seja feito segundo a fé que vocês têm!". É bom como se ele tivesse dito: "Já que vocês crêem em mim, há luz para seus olhos cegos. Como é perfeita a fé, assim são perfeitos os olhos. Se vocês crerem de modo decidido e pleno, não receberão a visão de um só olho, nem a semi-abertura, mas a visão lhes será concedida integralmente". A fé firme e decidida limpará toda mácula, e deixará sua vista forte e nítida. Se vocês apresentarem uma resposta rápida, assim será rápido meu modo de corresponder. Vocês recuperarão a vista em um só instante, pois creram de imediato. O poder do Senhor simplesmente acompanhou a fé da parte deles. Por terem fé firme, foi genuína a cura da parte dele. Tinham fé completa, e a cura da parte dele também o foi; já que disseram "sim" imediatamente, ele lhes concedeu a visão imediatamente.
Se você demorar muito tempo até dizer "sim", também demorará muito para obter a paz; mas se você disser neste dia: "Vou me entregar, pois percebo que é assim; Jesus é capaz de me salvar; eu me entregarei a ele"; se você fizer assim de imediato, terá a paz imediata -- sim, nesse mesmo assento, jovem, você está sentindo um fardo nesta noite e achará o descanso. Ficará imaginando aonde foi o fardo, e olhará ao redor e descobrirá que sumiu, porque você olhou para o Crucificado e confiou-lhe todos os seus pecados. Os maus hábitos que procurava vencer, em vão, e que forjaram novas correntes para mantê-lo preso, você os verá cair como teias de aranha. Se tão-somente confiar em Jesus para rompê-las, e se entregar a ele para ser renovado, assim será feito, e agora; e a abóbada eterna dos céus reverberará com gritos de graça soberana. Assim, coloquei a questão eterna diante de vocês. Minha única esperança é que Deus, o bendito Espírito, os oriente enquanto buscam, como os cegos buscaram e, de forma especial, que confiem como eles confiaram. 
A última palavra: existem algumas pessoas especialmente diligentes em procurar razões para não serem salvas. Já debati com algumas pessoas assim, por uns trinta minutos, e sempre terminam a conversa dizendo: "Sim, isso é verdade, senhor, mas...". E então procuramos despedaçar aquele "mas"; no entanto, descobrem outro, e dizem: "Sim, agora entendo isso, mas...". E fortalecem sua incredulidade com o "mas". Se alguém aqui quisesse lhe dar bastante dinheiro, você poderia me apresentar alguma razão por que ele não deveria fazê-lo? Ora, imagino que se ele se chegasse até você e lhe oferecesse o montante em dinheiro vivo, você não se preocuparia em descobrir objeções; não ficaria repetindo: "Gostaria do dinheiro, mas...". Ao contrário, se existisse alguma razão por que você não o devesse receber, deixaria outras pessoas descobri-la. Você não labutaria nem faria um grande esforço mental para procurar descobrir argumentos contra si mesmo; você não é tão inimigo seu. No entanto, no tocante à vida eterna, infinitamente mais preciosa que todos os tesouros deste mundo, os homens agem do modo mais absurdo e dizem: "Desejo-o com muita sinceridade, e Cristo é capaz de fazê-lo, mas...". Quanta estultícia, argumentar contra si mesmo! Se um homem estivesse no corredor da morte em Newgate, e tivesse que subir ao cadafalso na manhã seguinte, e o xerife viesse e dissesse: "Há perdão total para você"; acha que esse homem levantaria objeções? Exclamaria: "Gostaria de mais meia-hora para considerar meu caso e descobrir razões para eu não ser perdoado?". Não, ele aceitaria a oferta de imediato. Que você também aceite, de um só pulo, o perdão hoje. Que o Senhor lhe conceda sentir tamanha convicção de perigo e culpa que você clame prontamente: "Creio, sim; em Cristo ponho a minha confiança".
Os pecadores não têm a metade do bom senso dos pardais. Davi disse: "Não durmo, e sou como o pardal solitário no telhado" (Sl 102.7). Pois bem, você já observou o pardal? Ele mantém os olhos abertos, e no mesmo momento em que vê um grão de trigo ou outra coisa comestível na rua, voa para pegá-lo. Nunca soube que ele espera por um convite, e muito menos que alguém rogue e implore para ele vir alimentar-se. O pardal vê a comida e diz para si mesmo: "Aqui está um pardal faminto, e ali um pedacinho de pão. Essas coisas ficam bem juntas, e não permanecerão separadas por muito tempo". Desce voando, e devora tudo o que consegue achar, tão logo o ache. Se você tivesse metade do bom senso do pardal, diria: "Aqui está um pecador culpado, e ali está o Salvador precioso. Essas coisas ficam bem juntas, e não permanecerão separadas por muito tempo. Creio em Jesus, e Jesus é meu".
Que o Senhor lhe conceda encontrar Jesus agora. Oro para que assim aconteça. Onde você está você pode olhar para Jesus Cristo, e crer. A fé é o simples olhar, o olhar de confiança simples. É depender de Cristo, crer que ele poderá fazê-lo, e confiar que ele o fará, agora. Deus abençoe a cada um de vocês, e que nos encontremos no céu, por causa de Cristo. Amém. 

15:38
O caminho à paz do homem comum
C.H. Spurgeon
"Saindo Jesus dali, dois cegos o seguiram, clamando: 'Filho de Davi, tem misericórdia 
de nós!' Entrando ele em casa, os cegos se aproximaram, e ele lhes perguntou: 'Vocês 
crêem que eu sou capaz de fazer isso?' Eles responderam: 'Sim, Senhor!' E ele, tocando 
nos olhos deles, disse: 'Que lhes seja feito segundo a fé que vocês têm!' E a visão deles 
foi restaurada. Então Jesus os advertiu severamente: 'Cuidem para que ninguém saiba 
disso' " (Mateus 9.27-30).
Não estou para fazer uma exposição desse incidente, nem para tirar ilustrações dele, mas só quero dirigir a sua atenção a um único aspecto dele, que é a sua extrema simplicidade. Existem outros casos de cegos, e temos vários incidentes ligados com eles, tais como, em um caso, o fazer barro, e o envio do paciente para se lavar no tanque de Siloé, e assim por diante. Mas aqui, a cura é extremamente simples: os homens estão cegos, clamam a Jesus, aproximam-se, confessam a sua fé, e recebem de imediato a vista. Em muitos outros casos de milagres operados por Cristo, havia circunstâncias de dificuldade; em certo caso, um homem foi descido através de um buraco no telhado, tendo sido levado para lá por quatro homens; em um segundo caso, uma mulher vem por trás dele na multidão apertada, e, com grande esforço, toca na fímbria das suas vestes; lemos a respeito de outro, que já estivera morto fazia quatro dias, e parecia haver nítida impossibilidade para ele chegar a sair do túmulo; mas no presente caso tudo acontece com singeleza. Aqui temos cegos, conscientes da sua cegueira, confiantes de que Cristo pode lhes restaurar a vista, clamam a ele, chegam até ele, crêem que ele pode lhes abrir os olhos, e recebem imediatamente a vista. Vocês percebem que houve, no caso deles, os seguintes elementos singelos:--a consciência da cegueira, o desejo pela vista; depois, a oração, e depois, a vinda até Cristo e, ainda, uma confissão aberta da fé, e em seguida, a cura. A questão se acha bem resumida. Não há pormenores, nenhum aspecto de cuidados e delicadezas que porventura sugerissem a ansiedade: o acontecido é da pura singeleza, e este é o único aspecto que me deterá na presente ocasião. 

Existem casos de conversão tão simples como o presente caso da abertura dos olhos dos cegos; e não devemos duvidar da realidade da obra da graça neles, só por causa da ausência de incidentes singulares e de pormenores notáveis. Não devemos supor que uma conversão é uma obra menos genuína do Espírito Santo, porque é extremamente singela. Que o Espírito Santo abençoe a nossa meditação. 
  
I. Para tornar esse nosso estudo útil a muitos, começarei notando, em primeiro lugar, que é um fato indubitável que muitas pessoas ficam bastante perturbadas ao chegar a Cristo. É fato que devemos reconhecer, que nem todos vêm a Cristo tão prontamente como esses cegos. Existem casos registrados nas biografias--existem muitas que nos são conhecidas, e talvez nossos próprios casos estejam entre eles--em que vir a Cristo era questão de luta, de esforço, de decepção, de longa espera e, finalmente, de um tipo de desespero que nos obrigou a vir. Vocês devem ter lido a descrição de John Bunyan de como os peregrinos chegavam à porta estreita. Como vocês se lembram, Evangelista lhes indicava uma luz e uma porta, e seguiram por aquele caminho a convite dele. Contei a vocês, algumas vezes, a história de um jovem em Edimburgo, que estava muito ansioso para falar com outras pessoas a respeito da alma delas; de modo que, certa manhã, dirigiu-se a uma velha vendedora de peixes em Mussellburgh, e ele começou dizendo a ela: "Aqui está você com seu fardo". "Sim", disse ela. Ele lhe perguntou: "Você já sentiu um fardo espiritual?". "Sim", disse ela, descansando um pouco, "senti o fardo espiritual há muitos anos, antes de você ter nascido, e me livrei dele, também; mas não fui lidar com o assunto da mesma maneira que o 'Peregrino' de Bunyan". Nosso jovem amigo ficou grandemente surpreso ao ouvi-la dizer assim, imaginava que ela devesse estar gravemente enganada, e por isso, pediu que ela explicasse. "Não", disse ela, "quando senti preocupação no tocante à minha alma, escutei um verdadeiro ministro do evangelho, que me mandou olhar para a cruz de Cristo, e ali perdi meu fardo de pecado. Não fui escutar um daqueles pregadores de água com leite, como o 
Evangelista de Bunyan". Nosso jovem amigo perguntou a ela: "Como você chega a essa conclusão?". "É porque, aquele Evangelista, ao encontrar aquele homem que carregava um fardo nas costas, disse-lhe: 'Você vê aquela porta estreita?'. 'Não', disse ele, 'não a vejo'. 'Você vê aquela luz?'. 'Acho que sim'. Ora, homem", disse ela, "ele não deveria ter falado a respeito de portas estreitas ou de luzes, mas deveria ter dito: 'Você vê Jesus Cristo pendurado na cruz? Olhe para ele, e seu fardo cairá do seu ombro'. Mandou o homem pelo caminho errado ao mandá-lo procurar a porta estreita, e não lhe fez muito bem com isso, porque tinha a probabilidade de afogar no pântano do desânimo antes de chegar ali. Posso lhe dizer que olhei de imediato para a cruz, e meu fardo sumiu". "O que?", disse esse jovem, "você nunca passou pelo pântano do desânimo?". "Ah", disse ela, "muitas vezes, mais do que quero contar. 

Mas logo de início escutei o pregador dizer: 'Olhe para Cristo', e olhei para Cristo. Já passei pelo pântano do desânimo depois disso; mas posso lhe dizer, senhor, que é muito mais fácil passar por aquele pântano sem fardo, do que com o fardo amarrado nas costas". E é assim mesmo. Bem-aventurados aqueles cujos olhos se fixam única e exclusivamente no Crucificado. Quanto mais velho fico, tanta mais certeza tenho disso, que devemos acabar com o próprio-eu em todas as suas formas e ver somente a Jesus, se quisermos ter paz. John Bunyan estava enganado? Certamente não; descrevia as coisas como são. A senhora idosa estava errada? Não, ela estava com toda a razão: descrevia as coisas como devem ser, do modo que eu desejaria que sempre fossem. No entanto, a experiência nem sempre é o que deveria ser, e boa parte da experiência dos cristãos não é experiência cristã. É um fato que lamento, mas mesmo assim, deve reconhecer que grande número de pessoas, antes de chegar à cruz e perder o fardo, vão contornando por uma caminhada interminável, experimentando um plano e outro, mas com sucesso muito limitado, afinal, em vez de chegarem imediatamente a Cristo, assim como estão, confiando nele e achando imediatamente a luz e a vida. Como é, pois, que algumas pessoas demoram tanto em chegarem até Cristo? Respondo, primeiramente, que em alguns casos se trata de ignorância. Talvez não exista outro assunto a respeito do qual as pessoas sejam tão ignorantes, tanto quanto do evangelho. Ele não é pregado em centenas de lugares? Sim, ele o é, graças a Deus! E ilustrado em livros sem fim; mas, apesar disso, não é dessa forma que chegam até ele; nem ouvindo, nem lendo, poderão descobrir o evangelho por si mesmos. É necessário o ensino do Espírito Santo, senão, as pessoas permanecem na ignorância quanto a essa simplicidade -- simplicidade da salvação mediante a fé. As pessoas estão no escuro, e não sabem o caminho; e por isso correm para cá e para lá, e não raro procuram um Salvador que esteja disposto a abençoá-las de imediato. Clamam: "Quem dera eu soubesse onde achá-lo!", ao passo que, se tão-somente compreendessem a verdade, perceberiam que a salvação está bem perto delas: "na sua boca e no seu coração". E se quiserem crer no Senhor Jesus, de coração e com a boca o fizerem e confessarem Cristo, serão salvas de imediato. 

Em muitos casos, também, os homens sofrem o empecilho do preconceito. As pessoas são ensinadas a crer que a salvação deve ser por meio de cerimônias; e caso se vejam obrigadas a sair dessa posição, ainda concluem que, certamente dependerá, em certo sentido, das suas boas obras. Muitas pessoas aprenderam um evangelho do tipo meio a meio, parcialmente pela lei, e parcialmente pela graça, e ficam em uma névoa espessa no tocante à salvação. Sabem que a redenção tem alguma coisa que ver com Cristo, mas com elas se trata de uma mistura total; não conseguem enxergar bem que se trata de Cristo inteiramente, ou de nenhum Cristo. Têm alguma idéia de ser salvos pela graça, mas ainda não enxergam que a salvação deve ser totalmente pela graça; não conseguem enxergar que, para a salvação ser pela graça, deve ser recebida pela graça e não mediante as obras da lei, nem pelas artes dos sacerdotes, nem por quaisquer ritos e cerimônias. Tendo sido ensinadas, desde a infância, que decerto há alguma coisa para realizarem por conta, demoram muito tempo antes de chegarem à plena luz clara e bendita da Palavra, onde o filho de Deus vê Cristo e acha a liberdade. "Creia e viva" é uma expressão estrangeira para a alma persuadida de que suas obras devem em certa medida, conquistar a vida eterna. 

Com muitas pessoas, na realidade, o empecilho se acha na instrução totalmente errônea. O ensino por demais comum hoje em dia é muito perigoso. O culto não faz distinção entre santos e pecadores--entre crentes e ímpios. Determinadas orações são proferidas todos os dias para crentes e ímpios igualmente--roupas prontas, feitas para servir para todos, sem servir para ninguém. Essas orações, por belíssimas e grandiosas que sejam, não são adequadas para os crentes, nem para os ímpios, pois ensinam as pessoas a ter o conceito e a ilusão de estar em algum ponto entre salvas e perdidas--não realmente perdidas, por certo, mas ainda não bem santificadas -- estão no meio, são híbridos de raças mistas -- do tipo dos samaritanos que temem ao Senhor e servem a outros deuses, e que esperam ser salvos mediante o amálgama de graça e de obras. É difícil levar as pessoas à graça e à fé somente; estão desejosas de ficar em pé, mantendo um dos pés no mar, e o outro na terra. Boa parte do ensino serve para sustentar nelas a idéia de que há algo no homem, e algo a ser feito por ele, e assim não ficam sabendo, na própria alma, que devem ser salvas por Cristo, e não por si mesmas. Além disso, há o orgulho natural do coração humano. Não gostamos de ser salvos por caridade, queremos fazer nossa contribuição. Ficamos encurralados; somos forçados cada vez mais longe da autoconfiança, mas ainda agarramo-nos com unhas e dentes, se não conseguimos nos segurar por outros meios. Terrivelmente desesperados, confiamos em nós mesmos. Mesmo com os cílios queremos nos agarrar a algo parecido com a autoconfiança: não abriremos mão da confiança carnal se for possível mantê-la. Então vai entrando, com o orgulho, a oposição a Deus; pois o coração humano não ama a Deus, e muitas vezes demonstra sua oposição por meio da rejeição a Deus no tocante ao plano da salvação. A inimizade da parte do coração não renovado não é demonstrada, em todos os casos, por pecados flagrantes, por serem muitos, pela própria educação; foram ensinados a serem morais, mas odeiam o plano da graça de Deus, apenas pela graça somente, e é nesta questão que seu fel de amargura começa a operar. Como se contorcem no assento da igreja, se o ministro pregar a soberania divina; odeiam este texto: "Terei misericórdia de quem eu quiser ter misericórdia e terei compaixão de quem eu quiser ter compaixão" (Rm 9.15). Falam a respeito dos direitos dos homens caídos, e a respeito de serem todos tratados igualmente; e quando se trata da soberania de Deus, e de Deus manifestar sua graça em conformidade com sua vontade absoluta, não aguentam tal coisa. Se for para tolerar a Deus, não será no trono; se for para reconhecer a existência de Deus, não o tratarão como Rei dos reis e Senhor dos senhores que age segundo a própria vontade, e quem tem o direito de perdoar a quem ele acolhe, e de deixar os culpados, se assim lhe agradar, para perecerem na culpa de rejeição ao Salvador. Ah, o coração humano não ama a Deus como Deus, como ele é revelado nas Escrituras, mas cria um deus para si mesmo, e exclama: "Eis aí, ó Israel, os seus deuses" (Êx 32.8). 

Em alguns casos, a dificuldade do coração em chegar a Cristo surge de uma singularidade de conformação mental, e tais casos devem ser considerados exceções, e não regras. Agora, vejamos, por exemplo, o caso de John Bunyan, ao qual já referimos. Se você ler Grace Abounding [Graça abundante], descobrirá que, durante cinco anos ou mais, ele sofria do mais tremendo desespero,--tentado por Satanás, pelo próprio eu, sempre levantando dificuldades contra si mesmo; e custou-lhe muitíssimo tempo antes de conseguir chegar até a cruz e achar paz. Por outro lado, caro amigo, é muito improvável que você ou eu viremos a ser um John Bunyan. Poderemos ser funileiros, mas nunca poderemos escrever O peregrino. Poderemos imitá-lo na sua pobreza, mas não teremos a probabilidade de ser um gênio como ele: um homem com tamanha imaginação, cheio de sonhos maravilhosos, não nasce todos os dias, e quando surge alguém assim, sua herança cerebral não é, de forma nenhuma, uma conquista no sentido de uma vida tranquila. Depois de a imaginação de Bunyan ter sido purificada, suas obras produzidas passaram a ser vistas nas alegorias maravilhosas; mas enquanto ele ainda não fora renovado e reconciliado com Deus, com mente semelhante, formada de modo tão estranho e destituída de toda a cultura, tendo sido ele mesmo criado na sociedade mais grosseira, a herança recebida foi pavorosa. A imaginação maravilhosa poderia lhe ter causado desgraças impensáveis se não tivesse sido controlado pelo Espírito divino. Você estranha que, ao chegar à luz do dia, os olhos cobertos de trevas tão densas que mal podiam suportar a luz, o homem considerasse as 
trevas mais escuras à medida que a luz começou a brilhar sobre ele? Bunyan era incomparável; não a regra, mas a exceção. Ora, você, caro amigo, pode ser uma pessoa estranha. É muito provável que você o seja; e eu posso sentir comiseração por você, pois eu mesmo sou bastante estranho; mas não defina uma regra no sentido de todas as demais pessoas deverem forçosamente ser estranhas também. Caso aconteça que você e eu, andemos por caminhos irregulares, não pensemos que todas as pessoas devam seguir nosso mau exemplo. Devemos nos sentir muito gratos por que a mente de algumas pessoas são menos retorcidas e enodadas que a nossa, e não estabeleçamos nossa experiência como padrão para outras pessoas. Sem dúvida, dificuldades poderão surgir com base em uma qualidade mental extraordinária com a qual Deus pode ter dotado alguns, ou de uma depressão de espírito natural para outras pessoas, e estas podem deixar tais pessoas estranhas enquanto viverem. 

Além disso, existem os impedidos de vir a Cristo mediante os notáveis ataques de Satanás. Você se lembra da história do menino que o pai quis levar até Jesus, mas "quando o menino vinha vindo, o demônio o lançou por terra, em convulsão" (Lc 9.42)? O espírito maligno sabia que seu tempo seria curto, que em breve seria expulso da sua vítima, e por isso, lançou o menino por terra, em um ataque de epilepsia, deixando-o semimorto. E assim faz Satanás com muitos homens. Ataca-os com toda a brutalidade de sua natureza demoníaca, e descarrega neles sua maldade, porque teme que estão para escapar do seu serviço, não podendo mais tiranizá-los. Como diz Watts: "Ele atormenta a quem não consegue devorar, e isso com júbilo malicioso". 
Ora, se alguns chegam a Cristo, e ao Diabo não é permitido atacá-los, se alguns chegam a Cristo, e nada há de estranho na sua experiência, se alguns chegam a Cristo, e o orgulho e a oposição foram conquistados na sua natureza, se alguns chegam a Cristo, e não são ignorantes, mas bem instruídos, e facilmente enxergam a luz, regozijemo-nos que assim acontece. É a respeito de tais pessoas que estou para falar um pouco mais prolongadamente. 
  
II. Admite-se como fato indubitável que muitas pessoas têm grande dificuldade em vir a Cristo; mas agora, em segundo lugar, isso não é essencial, de modo algum, para alguém chegar real e salvificamente ao Senhor Jesus Cristo. Menciono isso porque já conheci cristãos aflitos de coração porque receiam ter chegado a Jesus por demais facilmente. Têm quase imaginado, ao relembrar o passado, ser possível que sequer tenham sido realmente convertidos, porque sua conversão não foi acompanhada de tamanha agonia e tormento mentais aos quais outros se referem. 
Eu gostaria de observar, em primeiro lugar, que é muito difícil entender que sentimentos de desespero possam ser essenciais para a salvação. Examinemos o caso, por alguns momentos. Seria possível a incredulidade ajudar a alma a chegar à fé? Não é certo que a angústia experimentada por muitos antes de chegarem a Cristo surge do fato da sua incredulidade? Não confiam--dizem que não conseguem confiar--, e assim são como o mar perturbado que não sossega. Sua mente é jogada para cá e para lá, e dolorosamente atormentada pela incredulidade; esse é um alicerce para a santa confiança em Cristo? Para mim, pareceria a coisa mais estranha no mundo inteiro, se a incredulidade fosse o preparativo para a fé. Como seria possível que semear o terreno com cardos o deixasse mais bem preparado para os bons grãos de trigo? O fogo e a espada ajudam na prosperidade nacional? O veneno mortífero é uma ajuda para a saúde? Não compreendo 
isso. Parece-me muito melhor a alma crer imediatamente na Palavra de Deus, e esta seria provavelmente uma obra mais genuína quando a alma, convicta do pecado, aceita o Salvador. 

É esse o caminho da salvação que Deus oferece, e ele exige que eu realmente confie no seu Filho amado, que morreu a favor de pecadores. Percebo que Cristo é digno de confiança, pois ele é o Filho de Deus, de modo que seu sacrifício forçosamente deve ter a capacidade de remover meu pecado; percebo, também, que ele entregou sua vida a favor do seu povo, no lugar deste, e em vez deste, e por isso confio nele de todo o meu coração. Deus me manda confiar nele, e realmente confio nele sem mais questionamento. Se Jesus Cristo satisfaz as exigências de Deus, certamente me satisfaz a mim; e, sem fazer mais perguntas, venho a ele e me confio às mãos dele. Esse tipo de ação não parece ter em si tudo o que possa ser necessário? Será possível que o desespero violento e gritante possa ajudar a alcançar uma fé salvífica? Não consigo enxergar assim. Não consigo pensar assim. Alguns já foram acossados pelos pensamentos mais terríveis. Pensaram não haver a mínima possibilidade de Deus os perdoar; chegaram a imaginar que, mesmo que Deus pudesse perdoar-lhes, não o faria, posto não serem seus eleitos, nem redimidos. Embora tenham visto o convite evangélico escrito com letras de amor: "Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados, e eu lhes darei descanso" (Mt 11.28), ousam questionar se acharão mesmo descanso caso realmente viessem, e inventam suspeitas e suposições--algumas das quais chegam a ser contra o caráter de Deus e da pessoa do seu Cristo. 

Que semelhantes pessoas foram perdoadas segundo as riquezas da graça divina, realmente acredito, mas não posso imaginar que seus pensamentos pecaminosos tenham-nas ajudado a obter perdão. Que meus pensamentos sombrios a respeito de Deus, que deixaram muitas cicatrizes no meu espírito, foram lavados junto com todos os meus outros pecados, isso eu sei; mas não posso saber se houve algo de bom nesses pensamentos, nem poderei relembrá-los sem vergonha e lástima. Não consigo enxergar qual préstimo específico poderão ter oferecido a pessoa alguma. Será que um banho de tinta poderá remover a mancha deixada por outro? Nosso pecado pode ser removido por meio de pecarmos mais? É impossível que o pecado possa ajudar a graça, e que o maior deles, o da incredulidade, contribua para a fé. 

Mas repito, caros amigos, que boa parte dessas lutas e tumultos dentro da pessoa, que alguns têm experimentado, é obra do Diabo, como já disse. É essencial para a salvação que o homem fique sujeito à influência de Satanás? É necessário o Diabo se interpor para ajudar a Cristo? É essencial que os dedos sujos do Diabo sejam vistos cooperando como as mãos, imaculadas como lírios, do Redentor? Impossível! Não é assim que avalio a obra de Satanás; e acho que nem será esta a avaliação feita por vocês, se examinarem o caso. Se você nunca foi forçado por Satanás à blasfêmia ou ao desespero, dê graças a Deus por isso. Você não teria conseguido nenhuma vantagem por essa atitude; sairia perdendo muito com isso. Que ninguém imagine que, se tivesse sido vítima de sugestões atormentadoras, sua conversão teria tido mais sinais de legitimidade: nenhum erro poderia ser mais destituído de fundamento. Não é possível que o Diabo tenha qualquer utilidade a algum de vocês. Sem dúvida ele lhes provoca danos, e nada, senão danos. 

O próprio Sr. Bunyan diz, ao falar a respeito de Cristão lutando contra Apoliom, que, embora tenha conquistado a vitória, não ganhou nada com isso. Teria sido melhor o homem fazer um longo contorno, passando por sebes e fossos, que entrar em conflito, uma só vez, com Apoliom. Tudo o que é essencial para a conversão se acha no modo mais singelo de chegar imediatamente a Jesus, e quanto às demais coisas, devemos enfrentá-las se aparecerem diante de nós, mas certamente não devemos procurá-las. É fácil perceber como a tentação satânica estorva, e como mantém as pessoas sujeitas enquanto, de outra forma, poderiam estar em liberdade, mas é difícil encontrar o que de bom essa tentação poderia fazer por si mesma. 

Repetimos: muitos exemplos comprovam que toda a obra da lei, bem como as dúvidas e os temores, e ser atormentado por Satanás, não são essenciais, pois existem vintenas e centenas de cristãos que vieram a Cristo, da mesma forma que esses dois cegos, e que até hoje ficaram sabendo bem pouco a respeito dessas coisas. Eu poderia, se fosse adequado, convocar irmãos que estão a meu redor neste momento, que contariam a vocês que, quando preguei a respeito da experiência dos que vêm a Cristo com dificuldade, ficaram contentes com essas explicações no sermão, mas que pessoalmente sentiram: "Nada sabemos a respeito de tudo isso na nossa experiência". Ensinados desde a infância a respeito dos caminhos de Deus, criados por pais piedosos, sentiram as influências do Espírito Santo bem cedo na vida, ficaram sabendo que Jesus Cristo podia salvá-los, sabiam querer a salvação, e simplesmente iam até ele, e eu quero dizer que quase tão naturalmente como recorriam à mãe ou ao pai quando passavam por alguma necessidade: confiavam no Salvador, e acharam imediatamente a paz. Vários líderes honrados desta igreja chegaram ao Senhor desta maneira singela. Ontem mesmo fiquei muito contente com várias pessoas que vi confessando sua fé em Jesus de maneira que me deixou encantado. No entanto, na sua experiência cristã, havia pouco sinal de terríveis queimaduras e cicatrizes. Ouviram o evangelho, perceberam sua adequação para o caso delas, e o aceitaram no mesmo instante, e entraram imediatamente na paz e na alegria. Ora, não declaramos a existência de poucos desses casos tão claros, mas asseveramos com firmeza conhecer multidões de casos semelhantes, e existem milhares dos servos mais honrados de Deus que andam diante dele em santidade, de utilidade eminente, e cuja experiência é tão singela quanto A, B ou C. Toda a sua história pode ser resumida na estrofe: 
"Fui a Jesus, tal como era, 
Cansado, desgastado e triste; 
Achei nele um bom repouso, 
E ele me deixou feliz". 
Além disso, posso assegurar-lhes que muitos dos que podem apresentar as melhores evidências de renovação pela graça não conseguem definir a data em que foram salvos, nem atribuem a sua conversão a qualquer texto individual das Escrituras, ou a qualquer acontecimento específico na sua vida. Não ousamos duvidar da sua conversão, pois a vida deles comprova tratar-se de conversão genuína. Talvez você tenha muitas árvores no pomar, sabe quando foram plantadas; mas, se você obtiver bastantes frutos delas, você não se preocupará muito com a data em que brotaram raízes. Conheço várias pessoas que não sabem a própria idade. Conversei, um dia desses, com uma mulher que se imaginava dez anos mais velha que a idade real. Não lhe falei que ela não estava com vida, por não conhecer seu aniversário. Se eu tivesse lhe falado assim, ela teria rido de mim; no entanto, há alguns que imaginam não serem convertidos, por imaginarem a data da conversão. Ora, se você confiar no Salvador -- se ele é sua salvação e seu desejo, e se sua vida é afetada pela fé, de tal maneira que você produz os frutos do Espírito, você não precisa se preocupar com tempos e estações. 
Milhares de pessoas que estão no aprisco de Jesus podem declarar que ali estão, embora a data da entrada pela porta lhes seja totalmente desconhecida. Há milhares de pessoas que vieram a Cristo, não nas trevas da noite, mas na luz forte do dia, e não podem falar sobre esperas e vigílias cansativas, embora possam cantar da livre graça de Cristo e seu grande amor revelado na sua morte. Chegaram com júbilo ao lar do Pai; a tristeza do arrependimento foi adocicada com o deleite da fé, que lhes chegou ao coração simultaneamente com o arrependimento. Sei que é assim. Estamos contando a simples verdade. Muitos jovens são trazidos ao Salvador com o som de música doce. Muitos, também, de outro tipo, os de mentalidade singela, vêm da mesma maneira. Poderíamos todos querer pertencer àquela classificação. 

Alguns crentes professos talvez sintam vergonha de serem considerados simples, mas eu me gloriaria nisso. Existem em demasia os que duvidam e criticam, e produzem grandes enigmas, e esse esforço somente os leva a serem tolos. Os semelhantes a crianças bebem o leite, enquanto os outros o analisam. Parecem que, todas as noites, eles se desmontam analiticamente antes de recolherem à cama, e sentem dificuldade, na manhã seguinte, em ajuntar os pedaços. Para algumas mentalidades, a coisa mais difícil no mundo é crer em uma verdade evidente por si mesma. Precisam sempre, se puderem, levantar poeira e neblina, para se encher de enigmas; de outra forma, não se sentem contentes. Na realidade, nunca se sentem seguros sem ter incertezas, e nunca se sentem à vontade a não ser quando estão sendo perturbados. Bem-aventurado quem crê que Deus não pode mentir, e tem certeza de que o que Deus disse é necessariamente a verdade; este se entrega a Cristo, quer nadando, quer se afundando, porque a salvação em Cristo é o modo divino de salvar o homem, portanto, é o modo certo, e ele o aceita. Muitos, digo eu, chegaram a Cristo dessa maneira. Agora, prosseguindo adiante, existe a essência da salvação na maneira singela, agradável, e feliz de chegar a Jesus assim como você é. Porém, quais são os elementos essenciais? O primeiro é o arrependimento, e essas pessoas queridas, mesmo que não sofram remorso, odeiam o pecado que antes amaram. Embora não conheçam o horror do inferno, não deixam de sentir horror do pecado, o que é muito melhor. Embora não tenham ficado em pé, trementes, no cadafalso, o crime é mais pavoroso para elas que essa condenação. Foram ensinadas pelo Espírito de Deus a amar a justiça e a buscar a santidade, e essa é a própria essência do arrependimento. Os que assim chegam a Cristo certamente obtiveram a fé verdadeira. Não passaram por nenhuma experiência na qual pudessem confiar, e por isso são mais totalmente obrigadas a confiar no que Cristo sentiu e fez. Não confiam nas próprias lágrimas, mas no sangue de Jesus; não nas próprias emoções, mas nas dores sofridas por Cristo; não na consciência da própria ruína, mas na certeza de que Cristo veio salvar quem confiar nele. Possuem fé do tipo mais puro. 

E vejam, também, com quanta certeza têm amor. "A fé que atua pelo amor" (Gl 5.6), e essas pessoas demonstram esse fato. Muitas vezes, parece terem mais amor, já de início, que os tão terrivelmente sobrecarregados e açoitados pelas tempestades; isso porque, na quietude da sua mente, conseguem uma visão mais completa das belezas do Salvador, e ardem de amor por ele, e começam a servir-lhe, ao passo que outros, que ainda estão recebendo a cura das suas feridas, tentam fazer seus ossos quebrantados se regozijarem. 

Não estou desprezando uma experiência dolorosa, mas só quero demonstrar, quanto à segunda classificação, que a simples chegada a Cristo, como vieram os cegos, com sua simples crença de que ele lhes pudesse outorgar a visão, não é em nada inferior à primeira classificação, e que contém em si todos os elementos essenciais da salvação. Isto porque, segundo devemos notar o mandamento contido no evangelho não subentende, em si mesmo, nada do tipo que alguns têm experimentado. O que somos ordenados a pregar aos homens--"Sejam arrastados para cá e para lá pelo Diabo, e serão salvos?". Não, mas: "Creiam no Senhor Jesus Cristo, e serão salvos". Qual é o meu comissionamento nestes tempos? Dizer-lhes: "Desesperem-se, e serão salvos?". Certamente que não, mas: "Creiam, e serão salvos". Demos vir para cá a fim de dizer: "Torturem a si mesmos, triturem o coração, flagelem o espírito, e reduzam a própria alma a pó no seu desespero?". Não, ao contrário: "Creiam na infinita bondade e misericórdia de Deus na pessoa do seu Filho amado, e venham confiar nele". Esse é o mandamento do evangelho. Essa afirmação é feita de várias formas. Uma delas é a seguinte: "Voltem-se para mim e sejam salvos, todos vocês, confins da terra" (Is 45.22). Ora, se eu dissesse: "Arranquem os olhos", isso não seria o evangelho, seria? Não, mas "Olhem". O evangelho não diz: "Chorem até os olhos ficarem inflamados", mas "Olhem". E não diz: "Ceguem seus olhos com um ferro em brasas". Não, mas "Olhem, olhem, olhem". Trata-se do próprio inverso de qualquer coisa semelhante ao remorso, desespero, e pensamentos blasfemos. Trata-se apenas de "olhar". Depois, o convite é feito de outra forma. Somos convidados a tomar livremente da água da vida; devemos beber da fonte eterna do amor e da vida. 

O que devemos fazer? Somos ordenados a esquentar a água da vida até ferver e escaldar? Não. Devemos beber dela na medida em que flui livremente da fonte. Devemos fazê-la gotejar segundo a maneira da Inquisição, uma gota por vez, e devemos ficar deitados debaixo dela, para sentir o gotejar perpétuo do fluir limitado? Nada disso. Devemos simplesmente descer até a fonte, e beber, e nos satisfazermos assim, pois isso saciará a sede. E ainda, o que é o evangelho? "Comam do que é bom". Aí está o banquete do evangelho, e devemos compelir os homens a entrar; e o que devem fazer depois? Contemplar em silêncio enquanto os outros comem? Ficar parados, esperando até ficar com mais fome? Experimentar quarenta dias de jejum, como fez o Dr. Tanner? Nada disso. A julgar pela maneira que algumas pessoas pregam e agem, vocês podem imaginar que o evangelho é assim, mas não é. Vocês devem se banquetear com Cristo de imediato; não precisam jejuar até se transformarem em esqueletos vivos, para então vir a Cristo. Não fui enviado com nenhuma mensagem assim, mas minha palavra de bom ânimo é a seguinte: "Escutem, escutem-me, e comam o que é bom, e a alma de vocês se deliciará com a mais fina refeição. Venham, todos vocês que estão com sede, venham às águas; e vocês que não possuem dinheiro algum, venham, comprem e comam! Venham, comprem vinho e leite, sem dinheiro e sem custo" (Is 55.2,1). Aceitem livremente o que Deus dá de graça, e apenas confiem no Salvador. Não é isso o evangelho? Por que, portanto, alguém diria: "Não posso confiar em Cristo, porque não tenho esta ou aquela sensação?". Asseguro a vocês, com solenidade, que fiquei sabendo de muitos que chegaram a Cristo exatamente como estavam--nunca sofreram as sensações horríveis tão comentadas, e nem por isso foram preteridas. Venham como vocês estão. Não tentem fazer sua iniquidade contar como justiça, a incredulidade como confiança, nem suas blasfêmias como Cristo--aparentemente o que alguns dentre vocês fazem; nem fiquem tão caducos e tolos a ponto de imaginar que o desespero possa ser fundamento da esperança. Não pode ser assim. Vocês devem sair do próprio eu, e passar para Cristo; nele, estarão seguros. Como disse o cego, quando Cristo lhe perguntou: "Você crê que eu sou capaz de fazer isso?", assim também você deve lhe dizer: "Sim, Senhor". Entregue-se nas mãos do Salvador, e ele será seu Salvador. 
  
III. Concluo com mais uma observação: as pessoas que têm o privilégio de chegar a Jesus de modo suave, agradável e feliz, nada perdem com isso. Há, com certeza, alguma coisa, mas não de muito valor. Perdem algo do aspecto pitoresco, e têm menos para contar. Quando um homem passou por uma série longa de provações para o arrancar de dentro de si mesmo, e finalmente ele vem a Cristo, como um navio naufragado, rebocado até o porto, tem muita coisa para contar nas conversas e por escrito, e talvez considere interessante poder narrar tudo; e, se conseguir contá-lo para a glória de Deus, é muito adequado que assim proceda. Muitas dessas histórias se acham nas biografias, por serem os incidentes que despertam interesse e contribuem para a vida que merece uma biografia; mas não se pode tirar a conclusão de que todas as vidas piedosas são do mesmo tipo. Felizes são aqueles cuja vida não formou semelhante literatura, por terem sido tão felizes que não houve acontecimentos dramáticos. Algumas vidas mais favorecidas não são registradas, por não ter havido nelas nada de muito pitoresco. Mas pergunto a vocês o seguinte: quando os cegos foram até Cristo exatamente como estavam, e disseram crer que ele era capaz de lhes abrir os olhos--como realmente o fez--, não houve tanto de Cristo na história deles quanto poderia haver? Os próprios homens pouco aparecem, mas o Mestre que os curou está em primeiro plano. Muitos outros pormenores poderiam quase remover a preeminência peculiar que Jesus tem na história inteira. Ali está Jesus, o bendito e glorioso abridor dos olhos dos dois cegos; ali ele consta sozinho, e seu nome é glorioso! Havia uma mulher que gastara todos os recursos financeiros nos médicos, e não melhorou em nada, pelo contrário, ficou pior. Ela poderia contar uma história bem prolongada dos vários médicos que a tinham atendido; mas não me convenço de que a narrativa das suas muitas decepções teria glorificado o Senhor nem um pouco mais que quando esses dois cegos podiam dizer: "Ouvimos falar nele, e fomos até ele, e ele nos abriu os olhos. Nunca gastamos um tostão em médicos. Fomos diretamente a Jesus, assim como estávamos, e tudo o que ele nos disse foi: 'Vocês crêem que eu sou capaz de fazer isso?', e respondemos: 'Sim, Senhor, cremos que pode', e ele abriu imediatamente os nossos olhos; e tudo foi feito". Ah, se minha experiência chegasse a ser colocada na luz do meu Mestre, que pereça minha melhor experiência! Que Cristo seja o primeiro, o último, e ainda ocupar a posição do meio; vocês não falam assim, meus irmãos? Se 
você, miserável pecador, chegar imediatamente a Cristo, sem a mínima qualificação da qual pudesse se jactar--ser você for alguém insignificante que se chega à Pessoa bendita para sempre,-- se você for um nada, acorrendo para quem é Tudo em todos; se você for uma massa informe de pecado e de desgraça, um grande vácuo, nada senão um vazio que não merece a mínima atenção, se você se aproximar e perder a si mesmo na sua graça infinitamente gloriosa--isso já seria o necessário. A mim me parece que você nada perderá pelo fato de não haver muito do pitoresco e do sensacional na sua experiência. Haverá, pelo menos, essa grandiosa sensação--perdido quanto ao eu, mas salvo em Jesus, glória ao seu nome! 

É possível supor que as pessoas que chegam a Jesus tão suavemente sintam, mais tarde, a perda de alguma evidência. "Ah", me disse alguém, "às vezes desejo ter sido um transgressor contumaz, a fim de poder ver a mudança no meu caráter; mas, visto que sempre vivi moralmente desde a juventude, e nem sempre consigo ver qualquer marca distintiva de transformação". Quero lhes dizer, amigos, que essa forma de evidência é de pouca utilidade em tempos de trevas, pois se o Diabo não pode dizer a um homem: "Você não mudou de vida"--pois há alguns aos quais ele não teria a impudência de dizer isso, pois a mudança é muito evidente para o Diabo negá-la--ele diz: "Você mudou as ações, mas o coração permanece o mesmo. Você transformou-se de pecador aberto e declarado em crente professo, hipócrita e artificial. É só isso o que você fez: abriu mão do pecado flagrante porque suas paixões entraram em declínio, ou por pensar que gostaria de outro modo de pecar; e agora você faz apenas uma falsa profissão de fé, e vive muito distante do que deveria praticar". Bem pouco consolo pode ser obtido, quando o arquiinimigo se torna nosso acusador, mesmo com base na transformação que a conversão opera. 

Os fatos se reduzem ao seguinte: independentemente do modo de você ter chegado a Cristo, nunca poderá firmar sua confiança em como chegou. A confiança sempre deve se repousar naquele a quem você chegou--ou seja, em Cristo--quer você tenha chegado a ele voando, correndo, ou andando. Se você chegou até Jesus, tudo está bem com você, de qualquer jeito; mas a questão não é como você chegou, mas se você chegou mesmo a ele. Você chegou até Jesus? Você vem até Jesus? Se você já chegou a Jesus, e duvida se realmente chegou, passe para ele de novo. Nunca discuta com Satanás a respeito de você ser cristão, ou não. Se ele disser que você é pecador, responda-lhe: "É isso que sou, mas Jesus Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores, e eu começarei de novo". Satanás é um advogado com muita prática, e muito astuto, e sabe nos desconcertar, visto que não entendemos as coisas tão bem como ele. Sua atividade, nestes dois mil anos, é tentar levar os cristãos a duvidar da participação que têm em Cristo, e ele conhece bem seu trabalho. Nunca responda a ele. Encaminhe-o para a defesa que você tem, conte-lhe que você tem o Consolador nas alturas, que responderá a Satanás. Diga-lhe que você recorrerá a Cristo de novo; se nunca foi até Cristo antes, irá agora, e se foi antes, voltará a ele. Essa é a maneira de terminar a briga. Quanto às evidências, são coisas boas no bom tempo, mas quando a tempestade ruge, os mais sábios deixam as evidências para lá. A melhor evidência que alguém pode possuir no sentido de ser salvo, é ainda estar se firmando em Cristo. 

Finalizando, alguns podem supor que quem chega suavemente a Cristo pode perder bastante adaptação para sua utilidade posterior, visto que não poderão compadecer-se dos que estão em profunda perplexidade, e em terríveis apertos enquanto chegam até Cristo. Pois bem, há muitos entre nós que podem mesmo compadecer-se dessas pessoas; e estou certo de que todas elas estão obrigadas a se compadecer das demais, em todos os aspectos. Lembro-me de ter mencionado certo dia, a um homem dono de propriedades consideráveis, que seu pobre pastor tinha muitos filhos e com dificuldade conseguia ter uma roupa para lhe cobrir as costas. Falei que achava estranho como alguns cristãos, que obtinham muito proveito do ministério de semelhante homem, não supriam suas necessidades; o referido homem respondeu que achava bom os ministros serem pobres, pois assim poderiam compadecer-se dos pobres. Falei: "Pois bem, mas nesse caso, você não consegue perceber que deveria haver um ou dois pastores que não são pobres, para se compadecerem dos ricos". Certamente deveriam ter a oportunidade do revezamento, para deixar o pastor pobre aprender, de vez em quando, a compadecer-se das duas classes. Segundo parece, o homem não se deu bem com meu argumento, mas acha que tem conteúdo. É uma grande bênção termos entre nós alguns irmãos que, por causa de experiências dolorosas, podem compadecer-se dos que já passaram por aquela dor; mas vocês não acham que também é uma grande bênção termos outros que, embora não tenham passado por aquela experiência, possam se compadecer dos outros que também não passaram por ela? Não é útil ter alguns que podem dizer: Pois bem, querido, não fique perturbado porque o grande cão do inferno não uivou contra você. Se você passou pela porta do aprisco de modo calmo e tranqüilo, e Cristo o acolheu, não fique perturbado porque o Diabo não latiu contra você, pois eu, também, cheguei a Jesus de um modo tão suave, seguro e doce quanto o seu". Semelhante testemunho consolará a pobre alma; e assim, se você perder a capacidade de identificar-se de um jeito, você conseguirá o poder para fazê-lo de outro modo; e não haverá grande perda. Para resumir tudo em um só caso, eu gostaria que todo homem, mulher e criança, chegasse a confiar no Senhor Jesus Cristo. Parece-me que semelhante plano de salvação é incomparável, pois nele Cristo toma sobre si o pecado humano, e sofre no lugar do pecador, e neste plano nada nos sobra para fazer, a não simplesmente aceitar o que Cristo fez, e nos confiar totalmente a ele. Quem não quiser ser salvo por um plano assim, merecer perecer; e deve perecer. Já existiu um evangelho tão doce, seguro, claro como este? É uma alegria pregá-lo. Vocês querem aceitá-lo? Almas queridas, vocês não querem se entregar para ser nada, e deixar Jesus ser tudo em todos?
Deus conceda que ninguém entre nós rejeite esse caminho da graça, esse caminho aberto e seguro. Venham, sem mais demora. O Espírito e a noiva dizem "Vem". Senhor, atrai-os pelo amor de Jesus. Amém. 

FONTE: Retirado do e-book "Os milagres de Jesus" C.H. Spurgeon

01:50
Outro Evangelho 
 Arthur W.Pink

Satanás não é um iniciador; ele é um imitador. Deus tem um Filho unigênito, o Senhor Jesus Cristo; de modo similar, Satanás tem o “filho da perdição” (2 Ts 2.3). Existe uma Trindade Santa; de maneira semelhante, existe a Trindade do Mal (Ap 20.10). Lemos nas Escrituras a respeito dos “filhos de Deus”? Lemos também sobre os “filhos do maligno” (Mt 13.38). Deus realmente realiza em seus filhos tanto o querer como o executar a sua boa vontade? Somos informados que Satanás é o “espírito que agora atua nos filhos da desobediência” (Ef 2.2). Existe um “mistério da piedade” (1 Tm 3.16)? Também existe um “mistério da iniquidade” (2 Ts 2.7). A Bíblia nos diz que Deus, por meio de seus anjos, sela os seus servos em suas frontes (Ap 7.3)? Aprendemos igualmente que Satanás, por meio de seus agentes, coloca uma marca sobre as frontes de seus servidores (Ap 13.16). As Escrituras nos revelam que o “Espírito a todas as coisas perscruta, até mesmo as profundezas de Deus” (1 Co 2.10)? De maneira semelhante, Satanás possui as suas “coisas profundas” (Ap 2.24). Cristo realiza milagres? Satanás também pode fazer isso (2 Ts 2.9). Cristo está assentado em seu trono? De modo semelhante, Satanás tem o seu trono (Ap 2.13). Cristo possui uma Igreja? Satanás tem a sua sinagoga (Ap 2.9). Cristo é a luz do mundo? De modo similar, o próprio Satanás “se transforma em anjo de luz” (2 Co 11.14). Cristo designou os seus apóstolos? Satanás também possui os seus apóstolos (2 Co 11.13). Tudo isso nos leva a considerar o “Evangelho de Satanás”. 

Satanás é um arquiimitador. Ele está agora em atividade no mesmo campo em que o Senhor Jesus semeou a boa semente. O diabo está procurando impedir o crescimento do trigo, utilizando-se de outra planta, o joio, que em aparência se assemelha muito ao trigo. Em resumo, por meio de um processo de imitação, Satanás está almejando neutralizar a obra de Cristo. Portanto, assim como Cristo tem um evangelho, Satanás também possui um evangelho, que é uma imitação sagaz do evangelho de Cristo. O evangelho de Satanás se parece tanto com aquele que procura imitar, que multidões de pessoas não-salvas são enganadas por este evangelho. O apóstolo Paulo se referiu a este evangelho, quando disse: “Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo para outro evangelho, o qual não é outro, senão que há alguns que vos perturbam e querem perverter o evangelho de Cristo” (Gl 1.6,7). Este falso evangelho estava sendo proclamado mesmo nos dias do apóstolo, e uma terrível maldição foi lançada sobre aqueles que o pregavam. O apóstolo continuou: “Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado, seja anátema” (v. 8). Com a ajuda de Deus, nos esforçaremos para explicar, ou melhor, para desmascarar este falso evangelho. 

O evangelho de Satanás não é um sistema de princípios revolucionários, nem mesmo um programa de anarquia. Este evangelho não promove conflitos ou guerras, mas tem como alvo a paz e a unidade. Não procura colocar a mãe contra a filha, nem o pai contra o filho; ao invés disso, ele fomenta o espírito de fraternidade pelo qual a raça humana é considerada uma grande “irmandade”. Este evangelho não procura mortificar o homem natural, e sim aprimorá-lo e enaltecê-lo. O evangelho de Satanás defende a educação e a instrução, apelando ao “melhor que há no íntimo do ser humano”; tem como alvo fazer deste mundo um habitat tão confortável e agradável, que a ausência de Cristo não será sentida e Deus não será necessário. O evangelho de Satanás se esforça para manter o homem tão ocupado com as coisas deste mundo, que não tem ocasião nem inclinação para pensar no mundo por vir. Este evangelho propaga os princípios do auto-sacrifício, da caridade e da benevolência, ensinando-nos a viver para o bem dos outros e sermos bondosos para todos. Apela fortemente à mentalidade carnal, tornando-se popular entre as massas, porque ignora os solenes fatos de que, por natureza, o homem é uma criatura caída, está alienado da vida de Deus, morto em delitos e pecados, e de que a única esperança se encontra em ser nascido de novo. 

Em distinção ao evangelho de Cristo, o evangelho de Satanás ensina que a salvação se realiza por meio das obras; incute na mente das pessoas a ideia de que a justificação diante de Deus ocorre com base nos méritos humanos. A frase sagrada do evangelho de Satanás é: “Seja bom e faça o bem”; mas falha em reconhecer que na carne não habita bem algum. O evangelho de Satanás anuncia uma salvação que se realiza por meio do caráter, uma salvação que é o reverso da ordem estabelecida por Deus, em sua Palavra — o caráter se manifesta como fruto da salvação. As ramificações e organizações deste evangelho são multiformes. Temperança, movimentos de reforma, associações de cristãos socialistas, sociedades de cultura ética, congressos sobre a paz, todas estas coisas são empregadas (talvez inconscientemente) em proclamar este evangelho de Satanás — a salvação pelas obras. Cristo é substituído pelo cartão de apelo; o novo nascimento do indivíduo é trocado pela pureza social; e a doutrina e a piedade são substituídas por filosofia e política. A cultivação do velho homem é considerada mais prática do que a criação de um novo homem em Cristo Jesus, enquanto a paz universal é procurada sem a interposição e o retorno do Príncipe da Paz. 

Os apóstolos de Satanás não são donos de bares e negociantes de escravos brancos; em sua maioria, eles são ministros do evangelho ordenados por igrejas. Milhares daqueles que ocupam os púlpitos das igrejas modernas não estão mais engajados em apresentar as verdades fundamentais da fé cristã; eles deixaram de lado a verdade e se entregaram a fábulas. Em vez de magnificarem a grande vileza do pecado e revelarem as suas eternas conseqüências, tais ministros minimizam o pecado, por declararem que este é apenas uma ignorância ou uma ausência do bem. Em vez de advertirem seus ouvintes a fugirem da “ira vindoura”, tais ministros tornam Deus um mentiroso, por declararem que Ele é muito amável e misericordioso e que, por isso mesmo, não enviará qualquer de suas criaturas para o tormento eterno. Em vez de declararem que, “sem derramamento de sangue, não há remissão”, tais ministros apenas apresentam Cristo como o grande Exemplo e exortam seus ouvintes a seguirem os passos dEle. Temos de afirmar a respeito desses ministros: “Porquanto, desconhecendo a justiça de Deus e procurando estabelecer a sua própria, não se sujeitaram à que vem de Deus” (Rm 10.3). A mensagem deles talvez pareça bastante plausível, e seu objetivo, digno de louvor; todavia, lemos a respeito deles: “Porque os tais são falsos apóstolos, obreiros fraudulentos, transformando-se em apóstolos de Cristo. E não é de admirar, porque o próprio Satanás se transforma em anjo de luz. Não é muito, pois, que os seus próprios ministros se transformem em ministros de justiça; e o fim deles será conforme as suas obras” (2 Co 11.13-15).

Além do fato de que centenas de igrejas estão sem líderes que proclamem fielmente todo o conselho de Deus e apresentem o caminho de salvação dEle, também temos de encarar o fato de que a maioria das pessoas destas igrejas provavelmente têm de aprender a verdade por si mesmas. O culto familiar, onde uma porção da Palavra de Deus deveria ser lida todos os dias, é atualmente, mesmo nos lares de muitos crentes nominais, uma coisa do passado. A Bíblia não é exposta no púlpito, nem lida nos bancos das igrejas. As exigências de uma época repleta de atividades são inumeráveis, de modo que milhares de crentes têm pouco tempo e, menos ainda, inclinação de prepararem-se para o encontro com Deus. Por isso, a maioria dos que são muito indolentes para investigarem por si mesmos são deixados à mercê daqueles a quem eles pagam para examinarem as Escrituras no lugar deles; muitos deles negam a sua confiança em Deus, por estudarem e exporem os problemas econômicos e sociais, e não os oráculos de Deus. 

Em Provérbios 14.12, lemos: “Há caminho que ao homem parece direito, mas ao cabo dá em caminhos de morte”. Este “caminho” que termina em “morte” é uma ilusão do diabo — o evangelho de Satanás — um caminho de salvação por meio de realizações humanas. É um caminho que “parece direito”, ou seja, é um caminho apresentado de uma maneira tão plausível, que apela ao homem natural; e de uma maneira tão sutil e atrativa, que recomenda a si mesmo à inteligência de seus ouvintes. Multidões incontáveis são seduzidas e enganadas por este caminho, devido ao fato de que ele se apropria de uma terminologia religiosa, recorre, às vezes, à Bíblia, para sustentar a si mesmo (sempre que isto for conveniente aos seus propósitos), e defende ideais nobres diante dos homens, sendo proclamado por aqueles que foram graduados em nossas instituições teológicas. 

O sucesso de um falsificador de moedas depende de quão parecida a moeda falsa se torna com a genuína. A heresia não é uma negação completa da verdade, e sim uma perversão da verdade. Esta é a razão por que uma mentira incompleta é mais perigosa do que uma mentira completa. Por isso, quando “o pai da mentira” sobe ao púlpito, ele não costuma negar abertamente as verdades fundamentais do cristianismo; pelo contrário, ele as reconhece astutamente e, em seguida, apresenta uma interpretação errônea e uma falsa aplicação. Por exemplo, ele não manifestará uma tolice tão excessiva, a ponto de anunciar ousadamente sua incredulidade em um Deus pessoal; Satanás admite a existência de um Deus pessoal, mas, em seguida, apresenta uma falsa descrição do caráter deste Deus. Satanás anuncia que Deus é o Pai espiritual de todos os homens, quando as Escrituras nos dizem claramente que somos “filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus” (Gl 3.26) e que, “a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus” (Jo 1.12). Além disso, Satanás declara que Deus é extremamente misericordioso e jamais enviará qual- quer membro da raça humana para o inferno, quando Deus mesmo afirmou: “Se alguém não foi achado inscrito no Livro da Vida, esse foi lançado para dentro do lado de fogo” (Ap 20.15). 

Satanás não seria tão medíocre, a ponto de ignorar o personagem central da História da humanidade — o Senhor Jesus. Pelo contrário, o evangelho de Satanás reconhece o Senhor Jesus como o melhor homem que já viveu. Este evangelho atrai a atenção das pessoas às obras de compaixão e de misericórdia realizadas por Jesus, à beleza de seu caráter e à sublimidade de seus ensinos. A sua vida é elogiada, mas a sua obra vicária é ignorada; a importantíssima obra de expiação na cruz nunca é mencionada, enquanto a sua triunfante ressurreição física, dentre os mortos, é considerada como uma das credulidades de uma época de superstições. Este evangelho não contém o sangue da expiação e apresenta um Cristo sem cruz, que é recebido não como Deus manifestado na carne, e sim apenas como o Homem Ideal. 

Em 2 Coríntios 4.3-4, temos uma passagem bíblica que oferece muito esclarecimento sobre o nosso tema. Esta passagem nos diz: “Se o nosso evangelho ainda está encoberto, é para os que se perdem que está encoberto, nos quais o deus deste século [Satanás] cegou o entendimento dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus”. Satanás cega a mente dos incrédulos por ocultar-lhes a luz do evangelho de Cristo e por substituí-lo pelo seu próprio evangelho. Ele é apropriadamente chamado de “diabo e Satanás, o sedutor de todo o mundo” (Ap 12.9). Apenas em apelar ao “melhor que existe no homem” e em exortá-lo a “seguir uma vida nobre”, Satanás fornece uma plataforma geral sobre a qual as pessoas de diferentes tons de opinião podem se unir e proclamar esta mensagem comum. 

Citamos, novamente, Provérbios 14.12: “Há caminho que ao homem parece direito, mas ao cabo dá em caminhos de morte”. Alguém já disse, com considerável verdade, que o caminho para o inferno está pavimentado com boas intenções. Haverá muitos no lago de fogo que recomendaram suas próprias vidas com boas intenções, resoluções honestas e ideais elevados — aqueles que eram justos em seus relacionamentos, corretos em suas transações e caridosos em todos os seus procedimentos; homens que se orgulhavam de sua integridade, mas que procuravam justificar-se a si mesmos diante de Deus, por meio de sua justiça própria; homens de boa moralidade, misericordiosos, magnânimos, mas que nunca se viram como pecadores culpados, perdidos, merecedores do inferno e necessitados de um Salvador. Este é o caminho que “parece direito”; é o caminho que a si mesmo se recomenda à mente carnal e a multidões de pessoas iludidas em nossos dias. O engano do diabo afirma que podemos ser salvos por meio de nossas próprias obras e justificados por meio de nossos atos; enquanto Deus nos declara em sua Palavra: “Pela graça sois salvos, mediante a fé... não de obras, para que ninguém se glorie”; e: “Não por obras de justiça praticadas por nós, mas segundo a sua misericórdia, ele nos salvou”. 

Há alguns anos, conheci um homem que era um pregador leigo e obreiro cristão entusiasta. Durante sete anos, ele estivera engajado na pregação pública e em atividades religiosas. No entanto, por meio das expressões que ele utilizava, eu mesmo duvidei se ele era “nascido de novo”. Quando comecei a questioná-lo, descobri que ele tinha um conhecimento muito imperfeito das Escrituras e apenas uma vaga noção sobre a obra de Cristo em favor dos pecadores. Por algum tempo, procurei apresentar-lhe o caminho da salvação, de uma maneira simples e impessoal, e encorajá-lo a estudar a Palavra de Deus, na esperança de que, se meu amigo ainda não era salvo, Deus se agradaria em revelar-lhe o Salvador que ele necessitava. 

Uma noite, para nossa alegria, aquele que estivera pregando o evangelho por vários anos, confessou que havia encontrado a Cristo somente na noite anterior. Ele reconheceu (usando as suas próprias palavras) que estivera apresentando “o Cristo ideal”, e não o Cristo da cruz. Creio que existem milhares de pessoas semelhantes a este pregador, pessoas que, talvez, foram trazidas à Escola Dominical, aprenderam sobre o nascimento, a vida e os ensinos de Jesus Cristo; pessoas que crêem na historicidade da pessoa de Cristo; pessoas que esporadicamente se esforçam para obedecer os preceitos de Jesus e pensam que isso é tudo que é necessário para a sua salvação. Com freqüência, esse tipo de pessoa, quando atinge a maturidade e sai para o mundo, depara-se com os ataques de ateístas e infiéis, dizendo-lhes que Jesus de Nazaré nunca viveu neste mundo. Mas as impressões dos primeiros contatos com o evangelho não podem ser facilmente apagadas e tais pessoas permanecem firmes na confissão de que crêem em Jesus. Apesar disso, quando a sua fé é examinada, com muita freqüência descobre-se que, embora acreditem em muitas coisas sobre Jesus, tais pessoas realmente não crêem nEle. Em sua mente, elas acreditam que Ele realmente viveu neste mundo (e, por crerem nisso, imaginam que são salvas), mas nunca abaixaram as armas de sua guerra contra Jesus, sujeitando-se a Ele, nem creram nEle verdadeiramente, com todo o seu coração. 

A simples aceitação de uma doutrina ortodoxa sobre a pessoa de Cristo, sem o coração haver sido conquistado por Ele e sem a vida Lhe ser consagrada, é outra fase do “caminho que ao homem parece direito, mas ao cabo dá em caminhos de morte”; em outras palavras, é outro aspecto do evangelho de Satanás. 

E, agora, qual é a sua situação? Você está no caminho que “parece direito”, mas termina na morte, ou no caminho estreito que conduz à vida? Você abandonou verdadeiramente o caminho largo que conduz à perdição? O amor de Cristo criou em seu coração um ódio e horror por tudo aquilo que é desagradável a Deus? Você tem desejo de que Ele reine sobre você (Lc 19.14)? Você está descansando plenamente na justiça de Cristo e no sangue dEle para a sua aceitação diante de Deus? 

Aqueles que estão confiando em formas exteriores de piedade, como o batismo ou a “confirmação”; aqueles que são religiosos porque isto é considerado uma característica de respeitabilidade; aqueles que frequentam alguma igreja, porque fazê-lo está na moda; e aqueles que se unem a alguma denominação porque supõem que esse passo os capacitará a se tornarem cristãos — todos esses estão no caminho que “ao cabo dá em morte” — morte espiritual e eterna. Não importa quão puros sejam os nossos motivos; quão bem intencionados, os nosso propósitos; quão nobres, as nossas intenções; quão sinceros, os nossos esforços, Deus não nos reconhece como seus filhos enquanto não recebemos o seu Filho. 

Uma forma ainda mais ilusória do evangelho de Satanás consiste em levar os pregadores a apresentarem o sacrifício expiatório de Cristo e, em seguida, dizerem aos seus ouvintes que a única exigência de Deus para eles é que creiam no seu Filho. Por meio disso, milhões de almas que não se arrependem são iludidas, pensando que foram salvas. Mas o Senhor Jesus disse: “Se.... não vos arrependerdes, todos igualmente perecereis” (Lc 13.3). Arrepender-se significa odiar o pecado, sentir tristeza por causa do pecado e converter-se dele. É o resultado da obra do Espírito Santo em tornar o coração contrito diante de Deus. Ninguém, exceto a pessoa de coração quebrantado, pode crer de maneira salvífica no Senhor Jesus Cristo. 

Afirmamos, mais uma vez, que milhares estão iludidos, ao supor que “aceitaram a Cristo” como seu “Salvador pessoal”, quando na realidade ainda não O receberam como seu SENHOR. O Filho de Deus não veio ao mundo para salvar seu povo nos pecados deles, e sim para salvá-los “dos pecados deles” (Mt 1.21). Ser salvo dos pecados significa ser salvo do ignorar e do rejeitar a autoridade de Deus; significa abandonar o curso de vida caracterizado pelo egoísmo e pela satisfação pessoal; ou, em outras palavras, abandonar nosso próprio caminho (Is 55.7). Ser salvo significa sujeitar-se à autoridade de Deus, render-se ao domínio dEle, oferecer-nos a nós mesmos para sermos governados por Ele. Aquele que nunca tomou sobre si o jugo de Cristo; aquele que não está verdadeira e diligentemente procurando agradar a Cristo, em todos os aspectos da sua vida, e continua supondo que está confiando na obra consumada de Cristo, esse está iludido por Satanás. 

Em Mateus 7, há duas passagens que nos mostram os resultados aproximados entre o evangelho de Cristo e a falsificação de Satanás. Primeira, nos versículos 13 e 14: “Entrai pela porta estreita (larga é a porta, e espaçoso, o caminho que conduz para a perdição, e são muitos os que entram por ela), porque estreita é a porta, e apertado, o caminho que conduz para a vida, e são poucos os que acertam com ela”. Segunda, nos 
versículos 22 e 23: “Muitos, naquele dia, hão de dizer-me: Senhor, Senhor! Porventura, não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres? Então, lhes direi explicitamente: nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniquidade”. 

Sim, querido leitor, é possível trabalhar em nome de Cristo (até pregar em seu nome) e, embora o mundo e a igreja nos conheçam, não sermos conhecidos pelo Senhor! Quão necessário é que descubramos em que situação realmente estamos; que examinemos a nós mesmos, a fim de sabermos se estamos na fé; que nos julguemos pela Palavra de Deus e verifiquemos se estamos sendo enganados pelo nosso sutil inimigo; que descubramos se estamos edificando nossa casa sobre a areia ou se ela está construída sobre a Rocha, que é Jesus Cristo! Que o Espírito de Deus examine nosso coração, quebrante nossa vontade, destrua nossa inimizade contra Deus, produza em nós um profundo e verdadeiro arrependimento e faça os nossos olhos se fixarem no Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. 

Fonte: Editora Fiel (http://www.editorafiel.com.br/artigos_detalhes.php?id=131) 

Reforma Radical

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