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O que devemos pregar sobre o inferno? 
- Sinclair Ferguson
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Dr. Sinclair Ferguson é nascido na Escócia, obteve seu PhD pela Universidade de Aberdeen. Atualmente pastoreia a First Presbyterian Church (Primeira Igreja Presbiteriana), em Columbia, na Carolina do Sul e serve como professor de Teologia Sistemática no Westminster Theological Seminary, na Filadéfila (EUA). Ferguson é autor de diversos livros e atua como preletor em conferências, seminários e igrejas em diversos países.

Falar sobre o inferno significa falar sobre coisas tão impressionantes, que isso não pode ser feito com tranqüilidade.

No entanto, o inferno existe. Esse é o testemunho das Escrituras, dos apóstolos e do próprio Senhor Jesus. Aquilo que é emocionalmente intolerável também é verdade – e nisso está o seu terror.

Cumpre ao pastor cristão familiarizar-se com o ensino sobre o inferno, sentir a sua importância, pregar sobre ele e aconselhar seu rebanho em relação ao seu significado e suas implicações.

PECAMINOSIDADE REVELADA

O pregador fala como alguém consciente de que ele mesmo tem de apresentar-se diante do tribunal de Cristo: “Importa que todos nós compareçamos perante o tribunal de Cristo, para que cada um receba segundo o bem ou o mal que tiver feito por meio do corpo” (2 Co 5.10). Talvez mais do que qualquer outra coisa, isso tem de se tornar a atmosfera a partir da qual os servos de Deus abordam suas tarefas como pregadores e pastores. Eles comparecerão no tribunal de Cristo. Somente aqueles que estão plenamente cônscios de que se apresentarão diante do tribunal de juízo podem falar com um senso de relevância sobre as questões da vida e da morte, do céu e do inferno.

É nesse ponto que aprendemos para nós mesmos a terrível revelação de nossa pecaminosidade. E isso, por sua vez, nos capacita a enfatizar três coisas essenciais à nossa pregação.

• A justiça de Deus

• A pecaminosidade de nosso pecado

• A absoluta justiça da condenação de Deus sobre nós

A menos que estabeleçamos esses princípios coordenados e os inculquemos na mente e consciência de nossos ouvintes, há pouca probabilidade de que lhes impressionaremos com a pregação sobre o inferno.

Todo membro da raça humana decaída precisa ter colocada diante de si a total e radical inescusabilidade do pecado e da absoluta justiça da condenação da parte de Deus. Somente assim o homem caído pode levar e levará a sério o inferno. A pregação dessas verdade tenciona remover a cegueira, despertar e aguçar a consciência dormente. Do contrário, persistimos em nossa suposição de que, não importando o destino que sobrevenha a outros (um Nero, um Hitler ou um Idi Amin), nós mesmos estamos seguros em relação à condenação divina.

O QUE DEVEMOS PREGAR SOBRE O INFERNO?

Então, o que devemos pregar sobre o inferno? Há várias coisas que precisamos afirmar.

1. O inferno é real.

Uma das características da pregação de Jesus foi advertir quanto a perspectiva do inferno, assim como lhe foi característico falar sobre os elevados privilégios do céu. Pelo menos para ele o inferno era tão real quanto o céu.

2. O inferno é descrito vividamente nas passagens do Novo Testamento.

No decorrer dos séculos, os teólogos têm debatido se o vocabulário bíblico referente ao inferno deve ser tomado literal ou metaforicamente. Minha opinião é que, em qualquer aspecto do ensino bíblico em que várias descrições contêm elementos que se encontram em tensão com outros, essas descrições são provavelmente metafóricas. Mas, havendo dito isso, precisamos afirmar também – e este é um fato crucial – que as metáforas são empregadas precisamente para descrever realidades maiores do que elas mesmas.

O inferno é uma esfera de separação e privação, de sofrimento e punição, de trevas e destruição, de desintegração e perecimento. O vocabulário do Novo Testamento inclui: trevas exteriores, choro e ranger de dentes, destruição do corpo e da alma, fogo eterno, fogo do inferno, condenação do inferno, perder a vida eterna, a ira de Deus, eterna destruição longe da presença do Senhor, perecer, separação, negridão das trevas.

O que o pregador deve fazer com essa linguagem? Deve fazer exatamente o que fazemos com qualquer linguagem bíblica: usá-la até aos limites de seu significado no texto, nem mais, nem menos. Em particular, a palavra “eterno” ressalta a magnitude do que está em vista. Essa condição não é somente uma condição de separação de Deus e desintegração de tudo que é agradável; é tudo isso com duração perpétua e permanente. Foi isso que levou Thomas Brooks, grande pregador do século XVII, a clamar em palavras que encontramos também nos lábios de seus contemporâneos:

Oh! esta palavra eternidade, eternidade, eternidade! Esta palavra eterno, eterno, eterno! Esta palavra para sempre, para sempre, para sempre, espedaçará o coração dos condenados em inúmeras partes... No inferno, os pecadores impenitentes terão fim sem fim, morte sem morte, noite sem dia, lamento sem consolo, tristeza sem alegria e escravidão sem liberdade. Os condenados viverão por tanto tempo no inferno quanto Deus mesmo viverá no céu.

3. O inferno, embora preparado par o Diabo e seus anjos, é compartilhado por seres humanos.

O inferno é o deserto da humanidade, habitado por aqueles que rejeitam a Cristo e sua revelação. Aqueles que não pertencem ao reino de Deus estão lá: “Fora ficam os cães, os feiticeiros, os impuros, os assassinos, os idólatras e todo aquele que ama e pratica a mentira” (Ap 22.15; cf. 1 Co 6.9). O homem rico está lá (Lc 16.19-31); aqueles que não amaram os irmãos de Cristo estão lá (Mt 25.41-46); alguns que profetizaram, expulsaram demônios, realizaram milagres em nome de Cristo estão lá (Mt 7.21-23); “os que não conhecem a Deus e... não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus” estão lá (2 Ts 1.8); Judas Isacriotes está lá (At 1.25), porque melhor lhe fora não haver nascido (Mt 26.24); o Diabo e seus anjos, a besta e o falso profeta estão lá, “atormentados... pelos séculos dos séculos” (Ap 19.19-20; 20.10, 15).

A perspectiva desse juízo é tão terrível que, ao ser revelado:

Os reis da terra, os grandes, os comandantes, os ricos, os poderosos e todo escravo e todo livre se esconderam nas cavernas e nos penhascos dos montes e disseram aos montes e aos rochedos: Caí sobre nós e escondei-nos da face daquele que se assenta no trono e da ira do Cordeiro, porque chegou o grande Dia da ira deles; e quem é que pode suster-se? (Ap 6.15-17)

De fato, isso é muito terrível para ser contemplado – é mais terrível do que o vocabulário usado para descrevê-lo, assim como o céu é mais glorioso do que nossas palavras talvez possam descrever.

Como milhões de outras pessoas, assisti em 11 de setembro de 2011, com horror e presságio, em tempo real, pela televisão, no Reino Unido, ao segundo avião se chocando nas Torres Gêmeas, em Nova Iorque; e, depois, vi os prédios caindo em escombros, enquanto as pessoas corriam para salvar sua vida. Foi um dos mais horríveis acontecimentos que testemunhamos “ao vivo”. Enquanto eu assistia ao acontecimento, perguntei-me: que tipo de horror cataclísmico faria homens fortes correrem para aqueles escombros cadentes a fim de acharem proteção, preferindo esse holocausto à ira do Cordeiro?

4. O mais importante em expormos e aplicarmos o ensino bíblico sobre o inferno é isto: temos de enfatizar que há um caminho de salvação. Há um lugar de abrigo para nos escondermos da ira do Cordeiro.

O evangelho não é essencialmente uma mensagem sobre o inferno. Contudo, não podemos ser fiéis às Escrituras se não pregamos sobre o inferno pela simples razão de que o próprio evangelho não pode ser entendido sem a realidade do inferno.

“Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós” (2 Co 5.21). Em resumo, o evangelho é isto: Cristo tomou o nosso lugar, levando sobre si o nosso pecado, provando o nosso julgamento, morrendo a nossa morte – para que compartilhemos do seu lugar, sejamos vestidos de sua justiça, provemos sua vindicação e experimentemos sua vida.

No entanto, ser feito pecado implica sujeição à condenação de Deus e ao justo juízo da punição do inferno. De fato, essa é maneira como o Novo Testamento (sempre à luz do Antigo) vê o significado da morte de Jesus.

O QUE OS PASTORES PRECISAM PARA PREGAR SOBRE O INFERNO?

É nesse contexto que a pregação sobre o inferno faz parte da pregação do evangelho. Quando entendemos que isso é o que a morte de Cristo significa, quando isso domina nossa alma, começamos a ver o modelo da pregação dos apóstolos reproduzida em nosso próprio ministério. Assim, constrangidos pelo amor, temos algumas implicações.

1. Coragem e compromisso

Pregar sobre o inferno exige coragem e compromisso. Coragem é necessária porque em alguns contextos contemporâneos apenas uma menção do inferno é suficiente para garantir a acusação de que temos um espírito severo e mente intolerante.

Compromisso é necessário porque esse ministério exige um desejo de viver para Cristo (2 Co 5.15) e de ver homens e mulheres vindo a Cristo. E isso é superior ao nosso desejo natural por segurança e popularidade. Não é possível ser apreciado por pregar a verdade sobre o inferno (embora seja possível, de modo paradoxal e com gratidão, ser amado por pregá-la).

2. Uma perspectiva verdadeiramente bíblica

A humanidade pecaminosa olha naturalmente para a vida por meio da extremidade errada do telescópio. Para eles, o tempo é longo, e a eternidade, curta; esta vida é extensa, e a vida por vir, breve; este mundo é real, e o mundo por vir, irreal. Isso é o que significa viver kata sarka(“segundo a carne”), e não kata pneuma (“segundo o Espírito” – Rm 8.4). Todavia, os olhos do cristão foram abertos e estão fixos em Cristo e na eternidade.

Um cristão olha para vida à luz do destino ao qual ela conduz e vê cada pessoa nesse contexto. As famosas palavras escritas por volta de 1834 pelo ainda jovem, mas que morreria em breve, Robert M’Cheine expressam bem esse ponto de vista e suas implicações: “Enquanto andava pelos campos, sobreveio-me, com poder quase avassalador, o pensamento de que cada pessoa de meu rebanho estará em breve no céu ou no inferno. Oh! como desejei que tivesse uma língua semelhante a um trovão, para que fizesse todos ouvir; ou que tivesse uma estrutura física como que de ferro, para que visitasse cada um deles e lhe dissesse: fuja, por amor à vida”. Por trás de todos que conhecemos e encontramos está a sombra do julgamento.

Sabendo isso, como podemos nos manter em silêncio – ou em covardia? Só podemos fazer isso se nós mesmos vivemos em negação da realidade que sabemos foi revelada no evangelho.

3. Uma profunda consciência de nossa vocação

“Deus... nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação... e nos confiou a palavra da reconciliação. De sorte que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus” (2 Co 5.18-20).

O pregador cristão é um devedor porque, por meio de Cristo, ele mesmo foi liberto do juízo vindouro. Ele é um mordomo porque a mensagem de reconciliação lhe foi confiada. Ele tem de empregar os recursos providos por seu Senhor, não para diminuir, nem para acrescentar, nem para transformá-los. Ele é, também, um embaixador cuja tarefa consiste em representar sempre seu Senhor e anunciar fielmente a sua mensagem.

Essa é a razão por que nossas próprias desculpas jamais devem prevalecer (“Eu não sou esse tipo de pregador”; “a congregação não receberia bem essa mensagem”; “as pessoas não levam mais essas coisas muito a sério”; “estamos vivendo numa época em que esse tipo de ênfase não atrai as pessoas para Cristo”).

Quando Robert M’Cheyne encontrou-se com seu querido amigo Andrew Bonar numa segunda-feira e perguntou-lhe o que havia pregado no dia anterior, recebeu esta simples resposta: “O inferno”. Em seguida, perguntou-lhe mais: “Você pregou com lágrimas?”

CONCLUSÃO

Portanto, somos chamados a pregar como representantes de Cristo: pregar com equilíbrio bíblico, com um foco cristocêntrico, com a humanidade daqueles que reconhecem sua própria necessidade de graça perante o tribunal de Cristo, com uma disposição de sofrer à luz da glória vindoura, com amor e compaixão em nosso coração e de um modo que recomenda e adorna a doutrina de Deus, nosso Salvador.


(Este artigo é uma condensação do capítulo “Pastoral Theology: The Preacher and Hell”, escrito por Sinclair Ferguson e publicado no livro Hell Under Fire: Modern Scholarship Reinvents Eternal Punishment, editado por Christopher W. Morgan e Robert A. Peterson. Copyright © 2004 Christopher W. Morgan e Robert A. Peterson. Usado com permissão de Zondervan.)


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Traduzido do original em inglês: What Then Shall We Preach on Hell?.


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A Santidade de Deus
- Stephen Charnock
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Uma das mais sublimes descrições da majestade e excelência de Deus que encontramos está no cântico de Moisés e dos filhos de Israel, feito logo após a vitoriosa travessia do Mar Vermelho. Ó SENHOR, quem é como tu entre os deuses? Quem é como tu glorificado em santidade, admirável em louvores, realizando maravilhas? (Êxodo 15: 11). A santidade de Deus é a Sua glória, assim como a Sua graça são as Suas riquezas. Um deus com um grau mínimo de impiedade seria um monstro, inclinando-se mais a ser um diabo do que realmente um Deus.

Este atributo possui um grau de excelência acima das outras perfeições de Deus. Ele é o único que ao ser mencionado é repetido três vezes, e isso tanto no Velho quanto no Novo Testamento. Santo, Santo, Santo é o SENHOR dos Exércitos; toda a terra está cheia da sua glória (Isaías 6: 3). Santo, Santo, Santo, é o Senhor Deus, o Todo-Poderoso, que era, e que é, e que há de vir (Apocalipse 4: 8). Deus o escolhe para jurar por ele, como se ele fosse o Seu atributo mais querido. Uma vez jurei pela minha santidade que não mentirei a Davi (Salmo 89: 35). Jurou o Senhor DEUS, pela sua santidade (Amós 4: 2). Nenhum outro atributo poderia dar uma garantia paralela a ele. A santidade é a beleza e a glória de Deus. É a sua própria vida, pois Deus jura por Sua vida e por Sua santidade. Ele jura por diversas vezes “Como eu vivo, diz o Senhor” (Números 14: 21; Ezequiel 5: 11; Sofonias 2: 9; Romanos 14: 11). A santidade é a coroa e beleza de todas as Suas outras perfeições. O Seu poder é um poder santo. A Sua sabedoria é uma sabedoria santa. Sem santidade, Sua paciência se transformaria em indulgência, Sua misericórdia em afeto, Sua ira em maldade, Seu poder em tirania, e sua sabedoria em sutileza. O seu nome, que significa tudo o que Ele é, é santo (Salmo 103: 1). Santo é o seu nome (Lucas 1: 49). Todas as Suas ações são feitas em santidade. Justo é o SENHOR em todos os seus caminhos, e santo em todas as suas obras (Salmo 145: 17).

I. A NATUREZA DA SANTIDADE DE DEUS.

De um modo geral, a santidade é a mais perfeita e pura liberdade do mal. É integridade e retidão moral. Deus age para que tudo redunde em Sua própria excelência. De um modo mais específico, vamos observar os seguintes pontos:

A santidade é essencial à natureza de Deus. Aparte disso, Ele não seria Deus. Ele não escolheu ser santo, pois então Ele também poderia ter escolhido não o ser. Ele também não foi compelido de alguma maneira a ser santo. Porém, ao invés disso, a santidade é um atributo necessariamente livre. É simplesmente inconcebível que Deus não seja outra coisa a não ser santo.

Somente Deus é absolutamente santo. Não há santo como o SENHOR (I Samuel 2: 2). Quem te não temerá, ó Senhor, e não magnificará o teu nome? Porque só tu és santo (Apocalipse 15: 4). Nenhuma criatura pode ser totalmente santa porque todas as criaturas são mutáveis. Qualquer santidade presente em nós é proveniente de Deus, sendo tudo por graça. Até aos anjos eleitos Deus atribui loucura (Jó 4: 18), pois a santidade deles é finita e separada da Sua essência, enquanto a santidade de Deus é infinita em sua essência.

Deus odeia perfeitamente o mal, ao passo em que Ele também ama aquilo que é justo. Ele tem prazer nas boas coisas que produz a partir do pecado, mas este prazer está em Sua própria bondade e sabedoria e não propriamente no pecado. Desde que o mal é o oposto da santidade, Deus tem que necessariamente odiá-lo. Se Ele não o fizesse, acabaria odiando a si mesmo, e se tornando um inimigo da Sua própria natureza. Além disso, Ele odeia intensamente o mal, que lhe é tremendamente odioso. Ele odeia os obreiros da iniquidade por causa de sua natureza ímpia (Salmo 5: 5). A Sua ira é tão infinita quanto o Seu amor e misericórdia, sendo tão perfeita como elas são. Deus odeia o mal onde quer que este se encontre. Ele muitas vezes castiga os pecados dos Seus remidos mais do que os de outros homens nesta vida. Não lemos de nenhuma outra alma sendo lançada no ventre de um peixe como o foi o profeta Jonas. Cristo repreendeu os Fariseus chamando-os de filhos do Diabo, mas não chamou nenhum deles de Satanás, como o fez com Simão Pedro (Mateus 16: 23). Deus odeia perpetuamente o mal, sem interrupção alguma. Deus é juiz justo, um Deus que se ira todos os dias (Salmo 7: 11). Deus pode se reconciliar com o pecador, mas nunca com o pecado. A Sua reconciliação com o pecador ocorre somente por causa da remissão dos pecados feita por Cristo.

Deus é tão santo que não pode deixar de amar a santidade em outros. Porque o SENHOR é justo, e ama a justiça; o seu rosto olha para os retos (Salmo 11: 7). Ele não está em débito com ninguém por causa da Sua justiça. Antes, os homens é que estão em débito com Ele. Mas Deus ama a estampa ou o selo que Ele mesmo coloca em uma pessoa.

Deus é tão santo que não pode de maneira alguma desejar ou encorajar o pecado a ninguém. Não há contradição em Deus. A santidade não pode ser a causa da impiedade. Por isso lemos em Tiago 1: 13 que Deus não tenta nenhum homem a pecar. Nem comanda ou ordena alguém a pecar. E também não inspira secretamente nenhum mal em alguém, pois Deus é a verdade, e não há nele injustiça; justo e reto é (Deuteronômio 32: 4). Deus também não coage nenhum homem a pecar. O pecado é um ato voluntário da parte do ímpio. É claro que isso não diminui em nada a soberania absoluta de Deus, mas somente deixa claro que Deus não tem cumplicidade alguma quanto ao pecado. Como Deus poderia nos incitar para aquilo que, quando feito, Ele certamente condenará? Se Deus fosse o autor do pecado, por que então a nossa consciência nos acusaria? Que diremos pois? que há injustiça da parte de Deus? De maneira nenhuma (Romanos 9: 14).

Deus é incapaz de praticar o mal. Não há imperfeição alguma na santidade de Deus. Nele não há mudanças nem sombra de variação (Tiago 1: 17).

II. A DEMONSTRAÇÃO DA SANTIDADE DE DEUS.

Primeiro, nós vemos a santidade de Deus no estado original da criação. O primeiro estado dos anjos era santo (Judas 6). O primeiro estado do homem era santo também. Deus fez ao homem reto (Eclesiastes 7: 7). O homem foi feito à imagem moral de Deus, ou seja, em verdadeira justiça e santidade (Colossenses 3: 10; Efésios 4: 24). A cristalinidade da água aponta para a pureza da fonte.

Segundo, nós vemos a santidade de Deus em Sua obra como legislador e juiz. Todas as Suas leis e administração da justiça refletem a retidão da Sua natureza. Moisés perguntou a Israel: E que nação há tão grande, que tenha estatutos e juízos tão justos como toda esta lei que hoje ponho perante vós? (Deuteronômio 4: 8).

1. A lei moral aponta para a santidade de Deus. E assim a lei é santa, e o mandamento santo, justo e bom (Romanos 7: 12). A lei do Senhor é perfeita (Salmo 19: 7). A lei de Deus ordena todo o bem e renega todo o mal, não meramente para o simples benefício do homem como o fazedor das obras, e nem para o simples benefício da humanidade como sendo o recipiente das obras, mas porque a lei de Deus é santa em seu próprio caráter, quando considerada isoladamente. As leis dos homens visam somente o comportamento exterior, enquanto a lei de Deus está interessada no coração e atitudes. A lei é espiritual (Romanos 7: 14). Ela não somente requer a frente da casa isenta de lama, como também o quarto dos fundos sem teia de aranha. Deus mesmo não viola a Sua santa lei, pois isso o faria um inimigo de si mesmo. Ele preferiu expor Seu Filho a vergonha e morte, do que perdoar a culpa violando o Seu padrão de santidade e justiça.

2. A lei cerimonial aponta para a santidade de Deus. O povo de Israel, diariamente, se não de hora em hora, testemunhava a lembrança do santo caráter de Deus nos sacrifícios levíticos, nas ordenanças, na purificação com água, nas leis dietéticas, e etc.

3. Deus revelou a Sua santidade nas promessas e ameaças anexadas à Sua lei. O pecado era visto como odioso e destrutivo, enquanto a justiça era recomendada e promovida. A finalidade da ameaça era inculcar temor no homem e detê-lo da prática do mal. O fim das promessas era inculcar esperança no homem e direcioná-lo a obediência. ORA, amados, pois que temos tais promessas, purifiquemo-nos de toda a imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoando a santificação no temor de Deus (II Coríntios 7: 1).

4. Na santidade, Deus infringe julgamento sobre aqueles que violam a Sua lei. A santidade divina é a raiz da justiça divina, e a Justiça divina é o triunfo da santidade divina. Ambos os conceitos são expressos nas Escrituras por uma só palavra, justiça. O primeiro pensamento que vem à mente do homem, quando diante de uma forca ou guilhotina, é a atrocidade do seu crime, e a justiça do juiz. Portanto, quando consideramos a expulsão daquele que um dia foi um anjo glorioso e a condenação que sobreveio sobre toda a raça humana, por causa de um pecado, não podemos deixar de ver em tudo isso a santidade de Deus. Até os instrumentos utilizados na prática do pecado são detestáveis para Deus. Ele pronunciou uma maldição especial contra a serpente, pois foi utilizada como um instrumento do Diabo. Ele proibiu Israel de utilizar do ouro que os Cananeus tinham usado na idolatria. As imagens de escultura de seus deuses queimarás a fogo; a prata e o ouro que estão sobre elas não cobiçarás, nem os tomarás para ti, para que não te enlaces neles; pois abominação é ao SENHOR teu Deus (Deuteronômio 7: 25). A própria terra foi amaldiçoada por causa do homem. Infantes pereceram no fogo que caiu sobre Sodoma. A família de Acã e seu gado foram apedrejados juntamente com ele. Tudo isso e muitos outros eventos manifestam a santidade de Deus.

Terceiro, nós vemos a santidade de Deus na restauração do homem. Todo cenário da redenção nada mais é do que a revelação da santidade, justiça, e retidão de Deus. Considere a modo como esta redenção foi feita. Não há nada que demonstre mais a santa ira de Deus como o fato dEle castigar o Seu próprio Filho. Seria muito melhor que o Filho de Deus morresse do que o pecado permanecesse vivo. O Pai não diminuiu a Sua ira pelo fato de Seu Filho ser o objeto dela, mas a derramou completamente. A santidade infinita não tem lugar para a indulgência paternal. É como se as afeições de Deus por Sua santidade suplantassem as afeições por Seu Filho. Todavia, ao SENHOR agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando a sua alma se puser por expiação do pecado (Isaías 53: 10). Enquanto Cristo estava pendurado na cruz, o Pai parece ter deixado de lado o Seu coração de pai, e se revestido com os trajes de um inimigo. Isso só foi possível, porque Cristo se revestiu com os trajes de um pecador. A morte de Cristo reivindicou a honra de Deus. Ela restaurou o crédito da santidade divina no mundo ao destruir o pecado e restaurar novamente a imagem de Deus no homem. Portanto, o Pai ressuscitou a Seu Filho da sepultura e o exaltou nas alturas. Amaste a justiça e odiaste a iniquidade; por isso Deus, o teu Deus, te ungiu Com óleo de alegria mais do que a teus companheiros (Hebreus 1: 9). Em última análise, Deus demonstra valorizar mais a Sua ira santa contra o pecado do que qualquer outro atributo. A misericórdia e a graça não podem ser demonstradas a menos que a Sua ira também o seja. Deus não irá demonstrar misericórdia à custa da justiça.

Podemos ver mais profundamente a santidade de Deus nas condições que Ele exige para a justificação, a saber; o arrependimento e a fé. Devemos condenar a nossa própria justiça, e nos despirmos de tudo o que possuímos. Devemos nos curvar pela fé diante da justiça de Deus, isto é, a justiça que Ele aponta e aceita, e que foi feita por nós na Pessoa de Cristo. Todo o plano da redenção visa nos restabelecer à semelhança da santidade de Deus. A regeneração, a santificação, e a perfeição final são a felicidade do povo de Deus, ou seja, ser santo como Ele é santo.

III. A SANTIDADE DE DEUS EM TODOS OS SEUS TRATOS COM O PECADO.

Caminhamos em um terreno perigoso e delicado aqui. Não devemos ser curiosos, mas ao invés disso, não ficar especulando aquilo que Deus não nos revelou. Entretanto, vamos colocar algumas proposições a fim de defendermos o caráter de Deus de certas acusações de impiedade, em virtude da existência do pecado.

Primeiro, Deus não deixou de ser santo por ter feito o homem um ser mutável. Tudo o que Deus criou, como já vimos anteriormente, criou com grande sabedoria. Foi do agrado dEle dar ao homem, como criatura racional, a liberdade de escolha. Se ele obedecesse, a sua obediência seria muito valiosa; e se ele pecasse, o seu pecado seria indesculpável. Deus não era obrigado a criar o homem imutável. De fato, nenhuma criatura pode ser imutável e infinitamente perfeita. Nenhum homem ou anjo foi forçado a pecar. Eles pecaram voluntariamente. No livro de Eclesiastes, as palavras “porém eles buscaram muitas astúcias”, comprovam esta verdade (7: 29). Embora Deus tenha feito o homem mutável, Ele não criou o mesmo em um estado de pecado, mas muito bom (Gênesis 1: 31). Adão não tinha motivos para pecar. Ele possuía a tendência natural para a obediência. Ele era dotado por Deus de todos os recursos para resistir à tentação. Deus não foi a causas da sua queda. Deus não ofereceu o fruto a Eva. Além disso, foi ela, e não Deus, quem tomou do fruto e o deu a Adão. A ruína da casa produzida por um inquilino desleixado não é culpa do construtor que no início entregou a casa em boas condições.

Segundo, Deus não deixou de ser santo ao entregar ao homem a lei que ele não guardaria.

A lei não estava acima das forças de Adão. No estado original, ele podia muito bem guardá-la. Será que um magistrado se negaria a promulgar leis justas só porque ele sabe de antemão que alguns em seu reino não as obedeceriam? Agora, embora o homem se encontre caído no pecado, Deus em Sua santidade mantém a Sua lei. Alguns pensam que isso seja injusto, e que Deus deveria relaxar a Sua lei, já que o homem não pode obedecê-Lo. Mas será que Deus deve deixar a sua santidade porque o homem deixou a dele? O conhecimento antecipado de Deus de todas as ações dos homens, de modo algum é a razão ou a causa da ocorrência dessas ações. O homem voluntariamente corre em direção ao pecado. A presciência de Deus não elimina a liberdade das ações dos homens.

Terceiro, Deus não deixou de ser santo por ter decretado a rejeição de alguns homens. A reprovação se deu para alguns que já eram considerados ímpios. A reprovação não os tornou ímpios. Não é a decretação de um crime, mas a sua punição. Deus poderia muito bem ter rejeitado toda a raça humana, e de forma justa, condenar a nós todos ao inferno. Ele tem o direito de restringir o Seu poder como bem lhe parecer. A reprovação não é uma ação, mas uma cessação, deixando assim o homem entregue a si mesmo. Se ao homem for permitido a realização dos seus próprios desejos, então ele não poderá culpar a Deus pelos problemas que se seguirão. Qualquer outra posição coloca Deus em débito com a criatura, roubando-Lhe assim a Sua Divindade.

Quarto, Deus não deixou de ser santo por permitir que o pecado entrasse no mundo. Não foi por Sua vontade que o pecado veio à existência, mas foi da Sua vontade não impedi-lo. Dizer que Deus desejou criar o pecado, assim como fez com as outras coisas, é negar a Sua santidade. Por outro lado, dizer que o pecado entrou na criação sem a permissão de Deus, é negar a Sua onipotência. Ele não desejou de forma direta o pecado, antes decretou não dar a graça necessária para impedi-lo. Ele não pode desejar o mal como mal, mas sim para produzir um bem maior, de acordo com a Sua infinita sabedoria. Embora Deus não aprove o pecado, Ele aprova o ato da Sua vontade, por meio do qual Ele permite o pecado. E Ele aprova o resultado final que Ele determinará, a saber; a exaltação de si mesmo como o Salvador dos pecadores. Ele nunca poderia ficar desapontado com qualquer um dos Seus decretos. Se por acaso alguém ainda quiser questionar a santidade de Deus, pelo fato dEle ter permitido a entrada do pecado, então não deixe de considerar os seguintes argumentos adicionais. Deus, nos tempos passados deixou andar todas as nações em seus próprios caminhos (Atos 14: 16). Esta permissão não foi uma permissão de libertinagem moral, onde os homens poderiam pecar impunemente. Mas foi da determinação de Deus não impedir um ato que Ele eventualmente poderia ter impedido. Vale lembrar que Deus impediu Abimeleque de pecar contra Sara dizendo: e também eu te tenho impedido de pecar contra mim; por isso não te permiti tocá-la (Gênesis 20: 6). Entretanto, Ele não impediu que Adão pecasse. Ele deixou satanás livre para tentar Adão, assim como deixou Adão livre para resistir. Deus de forma alguma é causa eficiente do pecado. Permissão não é ação, nem a causa da ação. A pessoa que comete a ação é a que é a causa. Além disso, Deus não é obrigado a impedir os homens e anjos de pecarem. Quando falamos da nossa obrigação de ajudar ao necessitado ou evitar um desastre, estamos falando daquela obrigação que recai sobre nós por causa dos nossos laços sanguíneos naturais, que nos torna “guardador de nosso irmão.” Mas este tipo de laço não se aplica a Deus. Ele não é obrigado a impedir o pecado mais do que o foi primeiramente ao nos criar. Ao conceder a Adão a força para resistir à tentação, Deus deixou de estar sob a obrigação de ampliar ainda mais a Sua graça. A graça nunca é um assunto de débito! Estando sob essa condição, mesmo que Adão tivesse orado a Deus para que o impedisse de pecar, Deus não seria obrigado a fazê-lo. Ele já havia feito o suficiente por Adão, e não estaria sendo injusto em deixá-lo entregue aos princípios de sua natureza.

Havendo retirado o nome de Deus de qualquer ato iníquo quanto à existência do mal, não podemos ressaltar o fato dEle impedir o pecado muito mais do que permiti-lo. O Salmista declara: Certamente a cólera do homem redundará em teu louvor; o restante da cólera tu o restringirás (Salmos 76:10). Se Deus não limitasse o pecado, o mundo se transformaria literalmente em uma fossa, um mar de Sodomia, um covil de assassinos. Somente através da entrada do pecado no mundo é que nós pudemos ver as maravilhas da graça salvadora. Além disso, a justiça de Deus revelada na condenação do ímpio seria para nós uma perfeição desconhecida.

Quinto, Deus não deixa de ser santo por sustentar a vida dos pecadores. Todas as criaturas dependem de Deus no que diz respeito a todas as suas faculdades. Ninguém vive, se move, ou existe fora Dele. Entretanto, Deus não instiga o mal em Suas criaturas. Ele nos capacita a agir, mas a maldade ou bondade moral de nossas ações é determinada pelo objeto, circunstâncias, e motivos do ato. Nenhuma ação, em si mesma, é má. Por exemplo: comer é bom, se a comida for obtida de forma justa, desfrutada com moderação, e recebida com ações de graças a Deus. Mas comer é um mal se isso for um ato de rebelião, como o fez Adão. Entretanto, Deus não teve participação no pecado de Adão só porque deu à ele mãos para pegar do fruto e levá-lo a boca para comer. Consideremos ainda o seguinte exemplo: tirar a vida humana é um mal, se isso for feito com malícia ou por motivo torpe, mas é um bem quando se está fazendo justiça ou lutando numa guerra justa. Portanto, devemos fazer distinção entre a essência e a pecaminosidade de qualquer ato. O pecado pode ser comparado com a lepra que ataca um braço, sendo que o braço em si mesmo não é o problema. O solo, a chuva, e o brilho do sol não são culpados pelo veneno que algumas plantas produzem, pois estas mesmas coisas também nutrem aquelas plantas que produzem bons frutos. O problema está na natureza da planta. Da mesma forma, a natureza do homem é o que produz o pecado, e não Deus, que deu a vida a ele. As manchas de tinta contidas em um papel devem ser atribuídas a uma caneta defeituosa, e não às mãos daquele que eventualmente escreve. O relógio que atrasa não é reflexo daquele que o ajusta todo dia. Certamente que Deus poderia aniquilar o homem pecador, mas Ele tem mais prazer em governá-lo e mantê-lo com sua natureza, ainda que seja uma criatura caída. Embora o objetivo final das ações do homem seja má, Deus, no entanto, tem um objetivo bom em permitir estas ações. Os irmãos de José planejaram destruí-lo, mas Deus preservou tanto a ele como a seus irmãos, cumprindo assim o Seu propósito, embora eles pensassem que fosse o deles. Vós bem intentastes mal contra mim; porém Deus o intentou para bem, para fazer como se vê neste dia, para conservar muita gente com vida (Gênesis 50: 20). Deus concordou que satanás arruinasse a vida de Jó, mas com diferentes objetivos, Satanás pensava que iria fazer com que Jó blasfemasse contra Deus, mas Deus pensava em fazer com que Jó o adorasse. Judas pensou em satisfazer suas cobiças às custas de Cristo, mas Deus pensou em satisfazer Sua justiça e manifestar o Seu amor às custas de Cristo.

Sexto, Deus não deixa de ser santo quando provê os objetos que o homem usa para pecar. Deus colocou a árvore do conhecimento do bem e do mal no meio do jardim, mas isso não teve nenhuma influência interna na vontade de Adão. A árvore, por si mesma, não poderia forçar Adão a pecar. Os objetos que em si mesmos são bons, podem ser utilizados pelos homens para fins malignos. Por exemplo: algumas pessoas não utilizam suas riquezas somente para o próprio benefício, mas também para o de outros, entretanto, elas também podem ser utilizadas com propósitos egoístas e para o detrimento de outras pessoas. O caráter de Deus não fica manchado pelo fato dEle colocar estes objetos nas mãos de homens que irão utilizá-los impiamente. Deus tem o direito de utilizar as corrupções dos homens para o cumprimento dos Seus propósitos. Ele pode usar as Suas criaturas, independentemente da natureza que possuam, de acordo com a Sua vontade. Já que a semente do pecado está presente em toda natureza humana, Deus tem o direito de impedir o surgimento de algumas sementes e permitir o crescimento de outras, remover alguns objetos que o homem possa utilizar para pecar, e oferecer outros, para no fim cumprir a Sua própria vontade.

Sétimo, Deus não deixa de ser santo por restringir a graça comum de certos homens pecadores, ainda que com isso eles venham a pecar ainda mais. Deus deu graça a Eli para que reprovasse os pecados dos seus filhos, mas Ele não deu graça para que eles prestassem atenção a isso. Mas não ouviram a voz de seu pai, porque o SENHOR os queria matar (I Samuel 2: 25). Quando as Escrituras falam do endurecimento do coração do homem, isso não se refere a uma ação positiva sobre este, mas o abandono do homem à sua própria dureza de coração, embora esteja com Deus o poder de amolecer, avivar, e mudar tal homem. Deus endurece o homem quando não remove seus estímulos pecaminosos, quando não contém os desejos que operam no cumprimento desses estímulos, quando não permite que Suas admoestações sejam eficazes, e quando não condena mais as suas consciências como tinha feito anteriormente. Por conseguinte lemos: Por isso também Deus os entregou às concupiscências de seus corações, à imundícia, para desonrarem seus corpos entre si (Romanos 1: 24). Enquanto o retirar da graça pode vir a ser considerada a causa lógica, no entanto, não é a verdadeira e natural causa, pois o coração ímpio e a causa do crescimento do pecado. Sendo assim, as Escrituras relatam que tanto Deus quanto Faraó é que endureceram o coração do Faraó (Êxodo 7: 13; 8: 32). Mas em nada disso Deus é a causa real do primeiro ou do subsequente pecado, assim como o por do sol não é o causador das trevas. Portanto, Deus não é culpado de nenhum crime por deixar de deter o pecado que brota de dentro do homem. Além disso, Deus não se retira do homem até que o homem se retire dEle. Em Adão, todos nós o provocamos. Será que nós culparíamos um pai que através de repetidos conselhos e correções deixasse o seu filho desobediente entregue aos seus próprios planos, e retirasse a assistência que ele rejeitou e zombou? Deus é obrigado a manter a Sua graça uma vez que esta é tratada com desprezo? Não, pois a graça não conhece obrigações, de outra forma a graça de maneira nenhuma seria graça. Deus pode estendê-la ou restringi-la como bem lhe parece. Se queremos exigir os nossos direitos, também deveríamos exigir a nossa condenação e miséria, pois isso é o que Deus teria que nos dar como obrigação.

Oitavo, Deus não deixa de ser santo por nos ordenar a fazer algo que pareça naturalmente contrário, ou estar em conflito, com os Seus preceitos. Por exemplo: Ele disse a Abraão para oferecer Isaque em sacrifício. Também disse aos Israelitas que pedissem joias aos Egípcios. Ele mesmo fez com que os Egípcios voluntariamente as entregassem (Êxodo 11: 2-3; 12: 36). É muito simples, a autoridade de Deus sobrepuja toda e qualquer autoridade pública ou privada. Ele, que é o legislador, pode dispor de Suas próprias leis assim como bem lhe agrada. Como Criador e proprietário de tudo, Ele pode administrar Suas propriedades como bem quiser. Ele não pode mandar que alguém peque, mas pode dispor das vidas e bens de Suas criaturas da maneira que lhe parecer mais adequada.

Vamos agora observar o que devemos aprender deste atributo.

I. INSTRUÇÃO E INFORMAÇÃO.

A humanidade despreza este atributo de Deus mais do que qualquer outro. O homem fabrica deuses com várias qualidades, mas nunca esta perfeição. Nós aceitaríamos qualquer tipo de deus, menos um Deus santo. Isto é um testemunho da natureza depravada do homem, ou seja, o atributo mais glorioso de Deus é o mais odiado. Todo pecado ataca especialmente a santidade de Deus.

Vamos observar as maneiras como o homem despreza esta perfeição.

- Quando temos pensamentos indignos em nossa mente. Os pagãos atribuem aos seus deuses os mesmos pecados e paixões que possuem, esperando desta forma obter proteção contra os seus próprios pecados. Entretanto, quantos cristãos professos são culpados deste mesmo erro ao imaginarem um Deus segundo os seus próprios desejos, ao invés do que Ele realmente é! Invariavelmente, o “novo deus” é menos santo e mais propenso a fechar os olhos para o pecado. Estas coisas tens feito, e eu me calei; pensavas que era tal como tu, mas eu te arguirei, e as porei por ordem diante dos teus olhos (Salmo 50: 21).

- Quando distorcemos a imagem de Deus em nossa própria alma. Nós fomos feitos à imagem de Deus, e aos nos entregarmos ao pecado, desprezamos o nosso Criador. Na mente de muitos, ser um homem verdadeiro é ser ímpio, imoral, e equivalente a um demônio encarnado.

- Quando culpamos a Deus por nossos pecados. Todos nós queremos dar desculpas por nossos pecados, e no final, esta é na verdade a desculpa: “Deus foi um acessório para o meu crime”. Foi exatamente isso que Adão fez ao dizer: A mulher que me deste por companheira, ela me deu da árvore, e comi (Gênesis 3: 12).

- Quando torcemos as Escrituras a fim de encontrar apoio para o nosso pecado. Quantos defendem a devassidão e a bebedeira ao citarem Eclesiastes 2: 24, que diz: Não há nada melhor para o homem do que comer e beber, e fazer com que sua alma goze do bem do seu trabalho. Também vi que isto vem da mão de Deus. Ou Mateus 5: 11: O que contamina o homem não é o que entra na boca, mas o que sai da boca, isso é o que contamina o homem.

- Quando oramos para que Deus nos ajude em nosso pecado. Alguns ladrões ficaram conhecidos por pedirem para que Deus lhes abençoasse em seus maus feitos. Alguns homens, em suas cobiças, pedem para Deus os abençoe em seus injustos negócios. Tudo isso nada mais é do que pressupor que Deus é um amigo do crime, ao invés de dizer: Santificado [santo] seja o teu nome.

- Quando debochamos da santidade dos Cristãos sinceros. A santidade do Cristão é parcial, ou imperfeita no momento. Mas aqueles que debocham desta santidade parcial, na verdade desprezam mais ainda a perfeita santidade de Deus. O rebelde que não ousa injuriar pessoalmente o rei, frequentemente injuria os seus súditos mais leais quando estes estão por perto.

- Quando adoramos a Deus de maneira relaxada, sem a devida preparação e purificação dos nossos corações de todos os pecados já conhecidos. Um Deus santo, merece uma adoração santa, feita por adoradores santos. Nos achegarmos a Deus sem a devida confissão dos nossos pecados, é como se o Sumo Sacerdote Aarão se apresentasse nos Santos dos Santos com balde de esterco para oferecer em sacrifício a Deus.

- Quando dependemos da nossa justiça própria para agradar a Deus. Os homens imaginam que Deus pode ser satisfeito com tão pouco, umas poucas orações de um ritual frio e externo, ou até mesmo construindo um hospital. Sacrifícios pacíficos tenho comigo; hoje paguei os meus votos, disse a mulher adúltera de Provérbios 7: 14, ao retornar para o seu adultério.

- Quando nos queixamos de que a lei de Deus é muito dura, restrita. Isso é como desejar que Deus fosse tão impuro como nós mesmos. Isso equivale a culpar a Deus, como se fossemos consultores e conselheiros da Sua justiça. Por detrás disso está o desejo de pecarmos impunemente.

- Quando acrescentamos opiniões vazias às Santas Escrituras. Os Romanistas fazem isso com o ensino dos pecados perdoáveis, ou seja, aqueles pecados que não são tão sérios, que merecem mais ser perdoados do que castigados. Mas a verdade é essa: Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las (Gálatas 3: 10). Os Romanistas também ensinam a respeito das obras de supererrogação, isto é, obras que Deus não exigiu, as quais beneficiam aos seus praticantes e a outros também. Sendo assim, eles flagelam seus corpos e se vestem de trapos. Até os Judeus, que desprezam a santidade de Deus, nunca sonhariam e praticar tamanha perversão como esta. Este ensino presume que a lei de Deus não é suficiente, e que o homem pode suplantar o padrão da santidade de Deus. Sendo assim, aqueles que decretam a própria falência imaginam ter o suficiente para emprestar aos seus vizinhos.

Nossa queda foi excessivamente grande. A distância entre nós e Deus não é menor do que a distância entre Deus e satanás. Em Adão, nós perdemos a santidade que era a glória da nossa natureza e o único meio de glorificarmos a Deus. Que ninguém pense que a queda do homem não passou de um pequeno escorregão!

Toda impiedade é um ato contra a natureza de Deus. Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal, e a opressão não podes contemplar (Habacuque 1: 13). O pecado é exposto em termos vis, é uma coisa abominável que Deus odeia como: o vômito do cão, um defunto exposto em uma cova aberta, esterco (Jeremias 44: 4; II Pedro 2: 22; Romanos 3: 13; Filipenses 3: 8). Devemos odiar o pecado e amar a Deus. Vós, que amais ao SENHOR, odiai o mal (Salmo 97: 10).

Nenhuma impiedade escapará do juízo de Deus. A Sua ira contra o pecado deve ser manifestada. A Sua santidade assim o exige, pois de outra forma, Ele estaria negando a Sua própria essência. As Suas ameaças de punir o pecado não são vazias. Se não for encontrado um caminho para separar o pecador do pecado, então ele será condenado eternamente. Como Deus pode odiar o pecado e amar o pecador quando as naturezas desses dois partidos lhe são tão opostas? O homem ímpio pensa que Deus deveria odiar a Si mesmo a fim de ter comunhão com eles.

Para que qualquer pecador pudesse ser salvo, a santidade de Deus teria que ser satisfeita através de um suficiente mediador. A lei não poderia ser abolida para que a culpa pudesse ser perdoada. Deus não poderia abrir mão de Sua santidade a fim de acomodar a impiedade do homem. Deus só poderia justificar a culpa se a Sua justiça fosse mantida. A expiação feita por Cristo foi a única maneira de demonstrar ao mesmo tempo a santidade e a misericórdia de Deus. Deus é tanto justo como justificador daquele que tem fé em Jesus (Romanos 3: 26).

O pecador não tem como justificar a si mesmo. Após o pecado colocar os seus pés neste mundo, o homem não tinha mais nada para oferecer a Deus. Daquele ponto em diante, a nossa reivindicação só poderia ser: não entres em juízo com o teu servo, porque à tua vista não se achará justo nenhum vivente (Salmo 143: 2). E, ai de mim! Pois estou perdido (Isaías 6: 5). Mas Deus providenciou essa justiça, feita pelo Seu Filho, a qual satisfez perfeitamente a Sua santidade.

A divindade de Cristo pode ser confirmada por este atributo. Ele é chamado de o Santo (Atos 2: 27; 3: 14). O apóstolo João, inspirado pelo Espírito Santo, mostra que o clamor do serafim de Isaías 6: 3; Santo, santo, santo, era uma referência ao Filho de Deus (João 12: 37-41).

A santidade de Deus o torna apto a governar o mundo. O apóstolo pergunta: E, se a nossa injustiça for causa da justiça de Deus, que diremos? Porventura será Deus injusto, trazendo ira sobre nós? (Falo como homem.) De maneira nenhuma; de outro modo, como julgará Deus o mundo?(Romanos 3: 5-6). Assim como a Sua onisciência o torna apto a ser um juiz, assim também a Sua santidade o torna apto a ser um juiz justo.

O cristianismo é de origem divina. É a única e verdadeira religião, pois revela um Deus santo e torna o homem santo como Ele. É a doutrina que é segundo a piedade (I Timóteo 6: 3). Deus nos ordena: sede santos, porque eu sou santo (I Pedro 1: 16).

II. CONFORTO.

Embora sendo amarga para a alma perdida, esta doutrina é doce para os santos. O meu coração exulta ao SENHOR... porquanto me alegro na tua salvação... Não há santo como o SENHOR (I Timóteo 2: 1-2). E o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador... E santo é seu nome (Lucas 1: 47-49). Através da aliança de misericórdia de Deus, os que creem em Cristo também podem compartilhar deste atributo, pois Ele nos tornou participantes da sua santidade (Hebreus 12: 10). Que conforto nós teríamos se Ele não nos tornasse santos?

Deus é digno da nossa confiança. Quem poderia confiar em um Deus que não é santo? Nós bem poderíamos pensar que Seu poder nos esmagaria a qualquer momento; Sua misericórdia nos abandonaria; ou Sua sabedoria tramaria algo contra nós; caso não houvesse este atributo de santidade. Mas Deus jura pela Sua santidade: Uma vez jurei pela minha santidade (Salmo 89: 35), colocando-a como uma garantia da segurança de Sua promessa. É em razão da Sua santidade que oramos. Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará bens aos que lhe pedirem? Mateus (7: 11). Nós podemos ir até Ele com nossas angústias e encontrar socorro, que na verdade é um excelente socorro. Podemos depender dEle no que diz respeito à Sua promessa de nos proteger e preservar, pois a Sua santidade não permite que Ele viole a aliança feita conosco através de Cristo.

Deus valoriza grandemente aquilo que é santo. Nada é mais precioso no céu do que aquilo que mais se assemelha com a santidade de Deus. Sabei, pois, que o SENHOR separou para si aquele que é piedoso (Salmo 4: 3).

Que todos os crentes em Cristo encontrem conforto no fato de serem participantes da natureza divina, e terem escapado da corrupção, que pela concupiscência há no mundo (II Pedro 1: 4). Se Deus se deleita em nós hoje, imagine quão maior não será esse deleite quando formos glorificados!

Deus não permitirá que a obra da redenção, iniciada em nós, fique inacabada. Tendo por certo isto mesmo, que aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo (Filipenses 1: 6). Portanto, podemos orar com a mesma confiança com que Davi orou ao dizer: Guarda a minha alma, pois sou santo: ó Deus meu, salva o teu servo, que em ti confia (Salmo 86: 2). O propósito de Deus é santificar a Sua igreja e apresentá-la a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível (Efésios 5: 26-27), não deixando de nos purificar até que Ele possa dizer: Tu és toda formosa, meu amor, e em ti não há mancha (Cantares 4: 7).

III. EXORTAÇÃO.

Vamos dedicar e manter toda a nossa atenção neste atributo. Sem ele nunca poderemos exaltar a Deus em nossos corações.

Ele nos convence de nossos pecados. A profundidade da nossa convicção é proporcional ao senso que temos da santidade de Deus.

Ele nos mantém humildes, a despeito de quão santos nós sejamos. Até os anjos eleitos, ou sem pecado escondem seus rostos da Santidade infinita. O homem mais santo é detestável em si mesmo.

Ele faz com que nos aproximemos de Deus de maneira mais reverente e sincera. Santo e tremendo é o seu nome (Salmo 111: 9). Um conhecimento crescente da Sua santidade nos preparará para o cumprimento dos nossos deveres com um fervor mais profundo.

Ele nos guardará de pecar ao infundir o temor de Deus em nós. O homem tende a ficar semelhante ao Deus que ele adora. Poucos são os que percebem que os pagãos são cheios de vícios e concupiscências, pois os seus deuses possuem esse mesmo caráter. Mas o Deus vivo e verdadeiro é puro e justo, e isso faz com que nos desfaçamos de todos os nossos ídolos, mortifiquemos todo o desejo mau, e fiquemos em alerta contra toda tentação.

Ele cria em nós o desejo ardente de ser conformado à imagem de Deus. Um bom exemplo estimula um admirador a imitá-lo. Aqui temos o Supremo exemplo, que desafia todo coração regenerado a tê-Lo como modelo. Mas todos nós, com rosto descoberto, refletindo como um espelho a glória do Senhor, somos transformados de glória em glória na mesma imagem, como pelo Espírito do Senhor (II Coríntios 3: 18).

Ele faz que sejamos mais pacientes e contentes quanto às providências de Deus. Como Rei, Deus governa os Seus súditos em perfeita justiça. Nosso Salvador, quando em profunda agonia e humilhação, adorou a Deus em Sua santidade. Deus meu, eu clamo de dia, e tu não me ouves; de noite, e não tenho sossego. Porém tu és santo, tu que habitas entre os louvores de Israel (Salmo 22: 2-3). É como se Ele dissesse: “Não vejo erro algum em Seus planos. Tu és santo em tudo o que fazes.” Deus nos derrete como o ouro para que possamos receber a marca da Sua graça. Todos os Seus tratos para conosco são feitos em santidade e para santidade.

Vamos honrar e glorificar este atributo na natureza de Deus. Toda criatura está em débito na adoração a Deus por conta da Sua santidade. Louvem o teu nome, grande e tremendo, pois é santo (Salmo 99: 3). Ao honrarmos a santidade de Deus, honramos todas as Suas perfeições.

Nós exaltamos este atributo:

- Quando ele é a base do nosso amor a Deus. Aquilo que faz com que Deus seja amável em si mesmo, também deve fazê-Lo amável para nós. Não devemos amar a Deus por razões puramente egoístas, mas pela Sua beleza intrínseca.

- Quando reconhecemos que a santidade está por detrás de cada julgamento temporal neste mundo. O julgamento severo de Seus inimigos aqui é apenas um ligeiro sopro da sua santidade.

- Quando prestamos atenção a cada promessa cumprida e a cada ato de misericórdia da parte de Deus. A Sua fidelidade no cumprimento da aliança feita com Seu povo, deve ser motivo de louvor e ações de graças.

- Quando confiamos em Sua aliança e promessa a despeito das circunstâncias externas serem contrárias a isso.

- Quando demonstramos grande amor pela santidade mesmo que outros a desprezem. Vamos juntar nossas vozes com a do salmista que disse: eles têm quebrantado a tua lei. Por isso amo os teus mandamentos mais do que o ouro, e ainda mais do que o ouro fino (Salmo 119: 126-127). Se honrarmos a Deus pelo reconhecimento da Sua santidade, então Ele também nos honrará ao compartilhá-la conosco. porque aos que me honram honrarei, porém os que me desprezam serão desprezados (I Samuel 2: 30).

Vamos nos esforçar para sermos conformarmos à imagem de Deus, nessa que é a Sua perfeição mais excelente. A pureza de nosso Senhor nos leva a purificarmos a nós mesmos. E qualquer que nele tem esta esperança purifica-se a si mesmo, como também ele é puro (I João 3: 3).

Embora a criatura nunca possa se igualar em santidade ao Seu criador, no entanto, podemos e devemos ter o mesmo tipo de santidade. Adão desejou ser igual a Deus em conhecimento, mas deveria ter desejado ser igual a Deus em santidade. Verdadeiramente, Deus é o nosso único padrão de santidade. Os Seus preceitos nos instruem muito, mas os Seus exemplos nos afetam mais. Ser conformado à Sua imagem significa uma imitação da Sua Lei, que é uma transcrição da Sua santidade, e uma imitação do Seu Cristo, que é a imagem da Sua santidade. Assim como Ele morreu na cruz, assim também devemos morrer para o pecado; assim como Ele se levantou do túmulo, assim também devemos nos levantar de nossas concupiscências; assim como Ele ascendeu às alturas, assim também as nossas afeições devem se ascender para as coisas celestiais.

Somos ordenados a nos tornarmos semelhantes a Deus somente na perfeição moral, pois nenhuma criatura tem a capacidade de ser mais do que isso. Os demônios estão mais próximos da força e conhecimento de Deus do que nós, mas estão muito longe da Sua santidade. Nossa principal maneira de glorificar a Deus não é aplaudindo a Sua santidade, mas nos conformando a ela. Quando Deus nos ordena: Ao SENHOR dos Exércitos, a ele santificai; e seja ele o vosso temor e seja ele o vosso assombro (Isaías 8: 13), Ele está dizendo: “Manifeste a pureza da minha natureza através da santidade da sua vida.” Devemos manter a reputação de Deus no mundo.

A santidade é a nossa beleza. A beleza das coisas que são copiadas está na sua semelhança com o original, nem tanto pelo fato de ser a obra de Deus, mas por ter a Sua marca estampada sobre nós. Santidade é a nossa vida. A vida da nossa alma, que é a nossa parte primária, não consiste em sua existência, mas em suas ações morais. O que a vida é para o corpo, a santidade é para a alma. Sem santidade estamos mortos. A santidade nos torna aptos à comunhão com Deus. Sem ela, ninguém verá o Senhor (Hebreus 12: 14). Deus e o homem não podem desfrutar um do outro a menos que sejam semelhantes um ao outro. Da mesma maneira, a santidade é a evidência da nossa eleição e adoção em Cristo. Ele nos escolheu em Cristo, antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos (Efésios 1: 4). Ele não nos receberá como Seus filhos se não houver esta marca em nós.

Portanto, vamos estudar a santidade de Cristo. Olhares ocasionais não são suficientes. Vamos envolver amorosamente os nossos corações em Sua santidade. Vamos fazer de Deus o nosso objetivo final, e então perceberemos passo a passo, que uma semelhança silenciosa ocorrerá sobre e dentro de nós. Façamos da santidade de Deus o padrão para cada uma das nossas atitudes. Se fizéssemos essas coisas, quão felizes nós seríamos!

Vamos trabalhar no fortalecimento das áreas em que temos fraquezas, crescendo sempre em santidade.

Quanto mais formos semelhantes a Deus, mais desfrutaremos dEle. Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado de meu Pai, e eu o amarei, e me manifestarei a ele (João 14: 21).

Vamos nos comportar de maneira santa sempre que nos aproximarmos de Deus. Mui fiéis são os teus testemunhos; a santidade convém à tua casa, SENHOR, para sempre (Salmo 93: 5). Assim como fez Moisés, devemos tirar nossas sandálias, que representam o abandono de toda e qualquer impureza da nossa parte.

Vamos nos dirigir a Deus na busca da santidade, pois Ele é a nossa única fonte. Eu sou o SENHOR que vos santifica (Levítico 20: 8). A santidade é o Seu atributo favorito, e Ele se deleita em compartilhá-la. Sem Deus, não poderemos alcançá-la ou mantê-la. Mas devemos nos alegrar por alcançá-la em pequenas medidas e graus. E o mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e todo o vosso espírito, e alma, e corpo, sejam plenamente conservados irrepreensíveis para a vinda de nosso SENHOR Jesus Cristo (I Tessalonicenses 5: 23).


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Autor: Stephen Charnock 
Compilado para o seculo 21: Daniel A. Chamberlin
Tradução: Eduardo Cadete 2011 
Fonte: Palavra Prudente

15:13
Manuseando sabiamente os sábios dizeres da Bíblia
- R. C. Sproul
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Toda cultura parece ter a sua própria e única coletânea de sabedoria - breves insights de seus sábios. Muitas vezes, essas porções de sabedoria são preservadas na forma de provérbios. Nós temos provérbios na cultura americana. Refiro-me a ditados como “um homem prevenido vale por dois” ou “dinheiro poupado é dinheiro ganho”.

A Bíblia, obviamente, tem um livro inteiro desses pequenos dizeres – o livro de Provérbios. No entanto, essa compilação de sábios dizeres é diferente de todas as outras coletâneas, visto que tais palavras refletem não apenas a sabedoria humana, mas a sabedoria divina, pois esses provérbios são inspirados por Deus. Ainda assim, é preciso ter muito cuidado na forma como abordamos e implementamos esses sábios dizeres. Simplesmente o fato de serem inspirados não significa que os provérbios bíblicos são como leis, que impõem uma obrigação universal. Mas algumas pessoas os tratam como se fossem mandamentos divinos. Se nós os considerarmos dessa forma, incorreremos em todos os tipos de problemas. Os Provérbios, mesmo sendo divinamente inspirados, não se aplicam necessariamente a todas as situações da vida. Antes, refletem percepções que são, em geral, verdadeiras.

Para ilustrar esse ponto, deixe-me lembrá-lo de dois provérbios da nossa própria cultura. Primeiro, dizemos frequentemente: “Pense bem antes de agir!”. Essa é uma percepção valiosa. Mas nós temos outro provérbio que parece contradizê-lo: “Quem não arrisca, não petisca”. Se tentarmos aplicar esses dois provérbios ao mesmo tempo e da mesma forma, em todas as situações, ficaríamos completamente confusos. Em muitas situações, a sabedoria sugere que examinemos cuidadosamente onde devemos pisar, de forma que não nos movamos cegamente. Ao mesmo tempo, não podemos ficar tão paralisados, analisando os prós e contras do nosso próximo passo, que hesitemos demasiadamente antes de tomar uma decisão, ao ponto de perdermos as oportunidades quando elas se apresentarem a nós.

Naturalmente, não nos incomoda encontrar provérbios aparentemente contraditórios em nossa própria sabedoria cultural. Mas quando os descobrimos na Bíblia, nos encontramos lutando com perguntas sobre a confiabilidade das Escrituras. Deixe-me citar um exemplo bem conhecido. O livro de Provérbios diz: “Não responda ao insensato com igual insensatez” (26:4a). No versículo seguinte, lemos: “Responda ao insensato como a sua insensatez merece” (26:5a). Como podemos seguir essas instruções opostas? Como ambas podem ser declarações de sabedoria?

Novamente, conforme o exemplo dado acima, a resposta depende da situação. Há certas circunstâncias nas quais não é sábio responder ao tolo segundo a sua tolice, mas há outras circunstâncias nas quais é sábio responder ao tolo segundo a sua tolice. Provérbios 26:4 diz: “Não respondas ao insensato segundo a sua estultícia, para que não te faças semelhante a ele” (grifo nosso). Se alguém está falando tolices, geralmente não é sábio tentar falar com ele. Tal discussão não levará a lugar nenhum, e aquele que tenta continuar a discussão com o insensato está em perigo de cair na mesma tolice. Em outras palavras, há circunstâncias em que é melhor ficarmos calados.

Em outras ocasiões, todavia, pode ser útil responder ao tolo segundo a sua tolice. Provérbios 26:5 diz: “Responda ao insensato como a sua insensatez merece, do contrário ele pensará que é mesmo um sábio” (grifo nosso). Apesar de ser mais conhecida como uma forma de arte utilizada pelos antigos filósofos gregos, os hebreus já entendiam e usavam, por vezes no ensino bíblico, uma das formas mais eficazes de argumentação. Refiro-me a reductio ad absurdum, que reduz o argumento da outra pessoa ao absurdo. Por meio dessa técnica é possível mostrar a uma pessoa a conclusão necessária e lógica que flui de seu argumento e, então, demonstrar que as suas premissas levam, em última análise, a uma conclusão absurda. Portanto, quando uma pessoa possui uma premissa tola e dá um argumento tolo, isso, às vezes, pode ser usado de forma muito eficaz para responder ao tolo segundo a sua tolice. Você entra em seu território e diz: “Certo, eu vou assumir o seu argumento, levá-lo à conclusão lógica e te mostrarei a tolice que há nele”.

Assim, o livro de Provérbios tem o objetivo de nos dar orientações práticas para experiências diárias. É um tesouro negligenciado do Antigo Testamento, com riquezas incalculáveis em suas páginas, que está à nossa disposição, com o intuito de guiar as nossas vidas. Ele detém conselho real e concreto, que vem da mente do próprio Deus. Se quisermos sabedoria, esta é a fonte da qual devemos beber. Aquele que é tolo negligenciará esta fonte. Aquele que está com fome da sabedoria de Deus beberá sempre dela. Precisamos ouvir a sabedoria de Deus para darmos fim às muitas distrações e confusões da vida moderna. Porém, como deve acontecer em toda a Palavra de Deus, precisamos ser zelosos para aprender a lidar com o livro de Provérbios corretamente.


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O leitor tem permissão para divulgar e distribuir esse texto, desde que não altere seu formato, conteúdo e / ou tradução e que informe os créditos tanto de autoria, como de tradução e copyright. Em caso de dúvidas, faça contato com a Editora Fiel.

FONTE: EDITORA FIEL

R. C. Sproul nasceu em 1939, no estado da Pensilvânia. É ministro presbiteriano, pastor da igreja St. Andrews Chapel, na Flórida. É fundador e presidente do ministério Ligonier, professor e palestrante em seminários e conferências, autor de mais de sessenta livros, vários deles publicados em português, e editor geral da Reformation Study Bible.

O ministério Ligonier, fundado pelo pastor R.C. Sproul, tem como objetivo principal apresentar fielmente a verdade das Escrituras, através de cursos, materiais de estudo e diversos recursos multimídia, a fim de que pessoas possam crescer no conhecimento de Deus e em Sua santidade.

10:22
Amor maravilhoso - Matthew Henry
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"Senhor, a ti ofereço meu coração sincero e espontaneamente." - Moto de João Calvino
Ninguém jamais viu a Deus; se amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu amor 
é, em nós, aperfeiçoado. — 1João 4.12


O Pai enviou o Filho, pois quis que ele viesse a este mundo. É disso que o apóstolo dá testemunho. E todo aquele que confessa que Jesus é o Filho de Deus, Deus habita nele e ele, em Deus. Essa confissão tem por alicerce a fé no coração, os lábios a manifestam para a glória de Deus e de Cristo e a vida e a conduta dão testemunho dela, contra lisonjas e desaprovações do mundo. Haverá, sem dúvida, um dia de juízo universal. 

Felizes os que terão ousadia santa diante do Juiz naquele dia, por saberem que ele é seu Amigo e Advogado! Felizes os que têm ousadia santa na antevisão desse dia, que anseiam e esperam por ele e pelo surgimento do justo Juiz! Para os crentes, o verdadeiro amor a Deus é garantia do amor de Deus por eles. O amor nos ensina a sofrer por Cristo e com ele, assim podemos ter a certeza de que também seremos glorificados com ele. 

Precisamos distinguir entre o temor a Deus e ter medo de Deus. O temor a Deus significa elevadas consideração e veneração por Deus. A obediência e as boas obras motivadas pelo princípio do amor não são como a labuta servil dos que trabalham árdua e de má vontade por temerem da ira de seu senhor, são como as ações praticadas com boa vontade pelo filho solícito que serve a um pai amoroso e faz o bem a seus irmãos. 

Quando nossas dúvidas, temores e apreensões acerca de Deus forem muitas, é sinal que nosso amor está longe de ser perfeito. Que o céu e a terra se extasiem perante o amor de Deus [...] O amor de Deus em Cristo, no coração dos crentes, motivado pelo Espírito de adoção, é a grande prova de conversão.


[Leia 1João 4.14-21]


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Autor: Matthew Henry (1662–1714)
Fonte: Daily Readings, Randall J. Perderson (org.), Chistian Focus 
Fonte 2: Mens Reformata
Publications, 2009, "August 23".
Tradutor: Marcos Vasconcelos

11:43
John MacArthur
Confrontação ou Entretenimento?

Há milhares de igrejas, ao redor do mundo, que não querem ouvir a sã doutrina. Não agüentariam, por duas semanas, um ensino bíblico firme que refutasse seus erros doutrinários, que confrontasse o seu pecado, que lhes trouxesse convicção e as exortasse a obedecer a verdade. Não desejam ouvir pregação sadia. Por quê? Porque os que se encontram nas igrejas desejam possuir a Deus sem abrir mão de seu estilo de vida pecaminoso; por isso não toleram que alguém lhes diga o que a Palavra de Deus declara a esse respeito.

Então, o que desejam eles ouvir? "Cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos" (2 Tm 4.3). Ironicamente, eles procuram mestres. Aliás, cercam-se de mestres, mas não aqueles que ensinam a sã doutrina. Escolhem mestres que lhes ensinem o que desejam ouvir, ou seja, aquilo que satisfaz a coceira de seus ouvidos. Desejam aquilo que os faz sentirem-se bem consigo mesmos. Pregadores que os ofendem, esses são rejeitados. Ajuntam ao redor de si uma porção de professores que satisfazem seus apetites insaciáveis e egoístas. O pregador que traz a mensagem que mais necessitam ouvir é aquele que eles menos gostam de ouvir.

Infelizmente, pregadores com mensagens que satisfazem as coceiras nos ouvidos são abundantes em nossos dias. "Em épocas de fé instável, de ceticismo e de mera especulação curiosa em relação aos aspectos espirituais, mestres de todo tipo proliferam, tal como as moscas da praga no Egito. A demanda gera o suprimento. Os ouvintes convidam e moldam os seus próprios pregadores. Se as pessoas desejam um bezerro para adorar, o ministro 'que fabrica bezerros' logo é encontrado".

Esta avidez por mensagens que agradem a coceira nos ouvidos conduz a um final terrível. O versículo 4 diz que, por fim, essas pessoas "se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se às fábulas". Tornam-se vítimas de sua própria recusa em ouvir a verdade. A frase "recusar-se-ão a dar ouvidos" está na voz ativa. Isto significa que as pessoas deliberadamente escolhem essa atitude. A frase "entregando-se às fábulas" está na voz passiva, descrevendo o que acontece a elas. Tendo dado as costas à verdade, tornam-se instrumentos de Satanás. A ausência de luz são as trevas.

Isso está acontecendo na igreja contemporânea. O evangelicalismo perdeu sua tolerância para com a pregação confrontadora. A esta altura, a igreja flerta com os mais graves erros doutrinários. Os cristãos buscam imprudentemente a revelação extra-bíblica na forma de profecias e sonhos. Os pregadores negam ou ignoram a realidade do inferno. O evangelho moderno promete o céu sem uma vida de santidade. As igrejas ignoram o ensinamento bíblico acerca do papel da mulher, do homossexualismo e de outras questões sensíveis. Os recursos humanos substituíram a mensagem divina. Isso tudo compromete a doutrina seriamente. Se a igreja não se arrepender e retornar ao caminho de ascendência (como diria Spurgeon), estes e outros erros semelhantes se tornarão epidêmicos.

Observe novamente a frase-chave no versículo 3: "Como que sentindo coceira nos ouvidos". Por que não suportam a sã doutrina? Por que cercam-se de mestres e voltam as costas para a verdade? Porque no seu íntimo o que pretendem é satisfazer a coceira de seus ouvidos. Não querem ser confrontados. Não querem sentir convicção de pecado. Desejam ser entretidos; querem pregações que produzam sentimentos agradáveis. Desejam sentir-se bem. Querem satisfazer a coceira dos seus ouvidos com anedotas, humor, psicologia, palestras motivacionais, estímulos, pensamento positivo, auto-satisfação e sermões que fortalecem o ego. Correção, repreensão e exortação bíblicas são inaceitáveis.

Mas a verdade de Deus não faz cócegas em nossos ouvidos; ela esbofeteia os nossos ouvidos. Ela os queima. Primeiramente, ela corrige, repreende e traz convicção; depois, ela exorta e encoraja. Os que pregam a Palavra precisam ter o cuidado de manter esse equilíbrio.

Em João 6, após Jesus ter pregado um sermão bastante severo, a Bíblia nos diz: "À vista disso, muitos dos seus discípulos o abandonaram e já não andavam com ele" (v. 66). Enquanto as multidões se retiravam, nosso Senhor voltou-se a seus discípulos e perguntou: "Porventura, quereis também vós outros retirar-vos?" (v. 67). A resposta de Pedro, em nome dos demais apóstolos, é significativa: "Senhor, para quem iremos? Tu tens as palavras da vida eterna" (v. 68). Esta é a resposta correta. Revela a diferença entre os verdadeiros discípulos e os demais: a fome pela Palavra. Jesus afirmou: "Se vós permanecerdes na minha palavra, sois verdadeiramente meus discípulos" (Jo 8.31). Pessoas que buscam ser alimentadas ou entretidas, curiosos e gente que apenas segue as multidões não são, de forma alguma, discípulos verdadeiros. Os que amam a Palavra são os verdadeiros seguidores de Cristo. Esses não desejarão ouvir pregadores que cocem seus ouvidos.


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FONTE: http://www.josemarbessa.com

02:11
No presente, existe grande controvérsia a respeito da vontade de Deus. Sobre este assunto surgem muitas perguntas. A principal delas refere-se à conexão entre a vontade de Deus e a vontade do homem. Qual a relação entre elas? Qual a ordem que uma ocupa em relação a outra? Qual delas está em primeiro lugar? Não existe qualquer debate sobre a existência dessas duas vontades. Deus possui uma vontade, e, igualmente, o homem. Elas se encontram em constante exercício — Deus quer, e o homem quer. Nada ocorre no universo sem a vontade de Deus. Todos admitem isso; mas surge a pergunta: a vontade de Deus é o primeiro fator em todas as coisas?

Eu respondo “sim”. Não pode haver qualquer coisa boa que Deus não desejou que existisse; não pode haver qualquer coisa má que Deus não desejou permitir. A vontade de Deus vem antes de todas as outras vontades. Aquela não depende destas, mas estas dependem daquela. O exercício da vontade de Deus regula as outras vontades. O “Eu quero” de Jeová é aquilo que põe em atividade todas as coisas no céu e na terra; é a fonte e a origem de tudo que, grande ou pequeno, ocorre no universo, entre as coisas animadas ou inanimadas. Este “Eu quero” trouxe os anjos à existência e os sustem até agora. Este “Eu quero” originou a salvação para um mundo perdido, providenciou um Redentor e realizou a redenção. Este “Eu quero” começa, desenvolve e conclui a salvação de cada alma redimida; abre os olhos dos cegos e os ouvidos dos surdos; desperta aquele que dorme e ressuscita os mortos. Não estou dizendo que Deus simplesmente declarou a sua vontade a respeito dessas coisas; estou afirmando que cada conversão e cada atitude que a constitui originou-se neste supremo “Eu quero”. Quando Jesus curou o leproso, Ele disse: “Quero, fica limpo”; assim também, quando uma alma é convertida, ocorre a mesma, distinta e especial manifestação da vontade divina: “Quero, seja convertido”. Tudo que pode ser chamado bom no homem, ou no universo, tem sua origem no “Eu quero” de Jeová.

Não estou negando o fato de que na conversão o homem também exerce a sua vontade. Em tudo que o homem sente, pensa e faz, ele necessariamente exercita seu querer. Tudo isso é verdade. O contrário é absurdo e irreal. No entanto, enquanto o admitimos, surge outra pergunta de grande interesse e implicação. Os movimentos da vontade humana em direção ao bem são efeitos da operação da vontade divina? O homem deseja a salvação porque ele mesmo se tornou propenso a isto ou porque Deus o dispôs? O homem se torna completamente desejoso pela salvação por uma atitude de sua própria vontade, ou por causa do acaso, ou por persuasão moral, ou por que agiu motivado por causas e influências exteriores à sua pessoa?

Respondo sem hesitação: o homem se torna desejoso porque uma vontade distinta e superior — ou seja, a vontade de Deus — entrou em contato com a vontade dele, alterando sua natureza e sua propensão. Esta nova propensão resulta de uma mudança produzida sobre a vontade do homem por Aquele que, entre todos os seres, tem o direito irrestrito de afirmar, em referência a todos os acontecimentos e mudanças: “Eu quero”. A vontade do homem seguiu os movimentos da vontade divina. Deus o tornou desejoso. A vontade de Deus é a primeira a agir, não a segunda. Mesmo uma vontade santificada e aperfeiçoada depende da vontade de Deus, para receber orientação; e, depois de regenerada, a vontade do homem ainda é uma seguidora, e não um guia. E, no que se refere à vontade de uma pessoa não-regenerada, muito mais necessário é que sua propensão tenha de ser primeiramente mudada. Como isto pode acontecer, se Deus não interpuser sua mão e seu poder?

Isto não significa tornar Deus o autor do pecado? Não. O fato de que a vontade de Deus originou tudo que é bom no homem não implica em que essa mesma vontade dá origem ao que é mau. A existência de um mundo santo e feliz prova que Deus o criou com suas próprias mãos. A existência de um mundo impuro e infeliz comprova que Deus permitiu que esse mundo caísse nesse estado; porém não comprova mais nada. As Escrituras nos dizem que Jesus foi “entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus” (At 2.23). A vontade de Deus estava ali. Ele permitiu que as obras das trevas se realizassem; porém, mais do que isso, a morte de Jesus foi o resultado do “determinado desígnio” de Deus. Isto demonstra que Deus foi o autor do pecado de Judas ou de Herodes? Se não fosse a eterna vontade de Deus, Jesus não teria sido entregue; mas isto prova que Deus compeliu Judas a trair, Herodes a desprezar e Pilatos a condenar o Senhor da Glória? Ainda, outra passagem bíblica afirma: “Porque verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pilatos, com gentios e gente de Israel, para fazerem tudo o que a tua mão e o teu propósito predeterminaram” (At 4.27-28). É possível perverter esta passagem, a ponto de provar que ela não possui qualquer referência à predestinação? Ela significa que Deus foi o autor dos atos aos quais ela se refere? Deus é o autor do pecado, porque este relato afirma que judeus e gentios se ajuntaram “para fazerem tudo o que” a mão e o propósito divinos predeterminaram? Permitamos que os nossos oponentes expliquem esta passagem bíblica e digam-nos como ela pode se harmonizar com a teoria deles.

Talvez alguém argumente que Deus age através dos meios na transformação da vontade do homem. Pode ser dito: “Não há necessidade de que ocorra uma especial e direta intervenção da vontade e do poder de Deus. Ele estabeleceu os meios, deu-nos sua Palavra, proclamou seu evangelho; através desses meios, Ele realiza a mudança. A vontade de Deus não entra em direto contato com a nossa vontade. Ele permite que esses instrumentos realizem a mudança”. Bem, vejamos quanta verdade existe nessa afirmação. Creio que ninguém dirá que o evangelho é capaz de produzir a alteração na vontade do homem, enquanto este rejeita o evangelho. Nenhum remédio, ainda que seja o melhor, pode ser eficaz, se não for tomado. A vontade do homem rejeita o evangelho; opõe-se à verdade de Deus. Então, como a vontade torna-se capaz de recebê-la? Admitindo que, ao recebê-la, ocorre uma mudança, ainda surge uma pergunta: de que maneira a vontade do homem foi transformada, a ponto de se tornar disposta a receber a verdade de Deus? A pior característica de uma enfermidade é a determinação de não querer tomar o remédio. E como ela pode ser sobrepujada? Ora, alguém dirá, esta resistência será vencida com argumentos. Argumentos! O evangelho em si mesmo não é o grande argumento? No entanto, ele é rejeitado. Que argumentos você espera prevaleçam com um homem que rejeita o evangelho? Admitimos que existem outros argumentos, mas o homem se coloca em oposição a todos eles. Não existe qualquer argumento utilizado que o homem não odeie. Sua vontade resiste e rejeita qualquer argumento e motivo persuasivos. Como pode ser vencida esta resistência e expulsa esta oposição? De que maneira a propensão da vontade humana pode ser alterada, para aceitar aquilo que rejeitava? É evidente que isto ocorre somente quando a vontade humana entra em contato com uma vontade superior — uma vontade capaz de remover a resistência, uma vontade semelhante àquela que disse: “Haja luz; e houve luz”. A própria vontade tem de sofrer uma mudança, antes que possa escolher aquilo que rejeitava. E o que pode mudá-la, senão o dedo de Deus?

Se o homem rejeitasse o evangelho apenas porque não o entende corretamente, eu poderia deduzir que, se o evangelho lhe fosse plenamente esclarecido, cessaria a resistência. Mas não acredito que esta seja a situação do homem, pois isto nos levaria a concluir que o homem rejeita não a verdade, e sim apenas aquilo que não entende; se o que ele não entende for esclarecido, ele aceitará a verdade! O homem não regenerado, ao invés de ser inimigo da verdade, seria exatamente o oposto! Haveria tão pouca depravação no coração do homem, tão pouca perversidade em sua vontade e um tão instintivo amor à verdade e repúdio ao erro, que, se a verdade lhe fosse esclarecida, ele imediatamente a aceitaria! Todas as suas hesitações anteriores resultavam de erros que estavam mesclados à verdade apresentada! Poderíamos imaginar que a causa de tal hesitação era qualquer coisa, exceto a depravação. Talvez era a ignorância, mas não poderíamos chamá-la de inimizade à verdade, e sim inimizade ao erro. Pareceria que a principal característica do coração e da vontade do pecador não é a inimizade à verdade, e sim o ódio ao erro e o amor à verdade!

O coração do homem é inimigo de Deus — o Deus revelado no evangelho, o Deus da graça. Que verdade pode haver na afirmação de que toda a falta de confiança do pecador para com Deus e de que todas as suas trevas espirituais resultam do fato de que o homem não pode ver Deus como o Deus da graça? Asseguro que, com freqüência, esta é a situação do homem. Sei que, constantemente, um mau entendimento do misericordioso caráter de Deus, demonstrado e vindicado na cruz do Calvário, é a causa de trevas para uma alma ansiosa por Cristo; também reconheço que uma simples contemplação da abundante riqueza da graça de Deus repeliria tais nuvens de trevas. Mas isto é muito diferente de afirmar que tal contemplação, sem o poder regenerador do Espírito Santo sobre a alma do homem, transformaria a inimizade em amor e confiança. Pois sabemos que a vontade não-regenerada opõe-se ao evangelho; é inimiga de Deus e de sua verdade. Se a verdade for apresentada com muita clareza à vontade do homem e insistida sobre ela, logo despertará e suscitará o seu ódio. A proclamação da verdade, embora seja feita de maneira vigorosa e compreensível e seja a verdade sobre a graça de Deus, apenas deixará exasperado o homem não-convertido. Ele odeia o evangelho; quanto mais claramente o evangelho lhe for apresentado, tanto mais ele o odiará. O homem não-convertido odeia a Deus; quanto mais Deus se aproxima dele, quanto mais vividamente Deus é apresentado ao homem, tanto mais surge e cresce sua inimizade para com Ele. Com certeza, aquilo que estimula a inimizade não pode removê-la por si mesmo. Então, qual a utilidade dos instrumentos mais eficazes? A vontade humana precisa sofrer uma operação direta do Espírito de Deus: Aquele que fez a vontade do homem precisa refazê-la. Fazê-la foi uma obra de Deus; o refazê-la também é uma obra dEle. Fazer a vontade humana foi uma obra da onipotência divina; o refazê-la também precisa ser uma obra da Onipotência. De nenhuma outra maneira as propensões da vontade humana podem ser mu- dadas. A vontade de Deus precisa entrar em contato com a vontade do homem; então, a mudança se realiza. A vontade de Deus não tem de ser a primeira nessa mudança? A vontade do homem apenas seguirá; ela não pode guiar.

Esta é uma afirmativa muito difícil de ser compreendida? Em nossos dias, alguns querem que assim pensemos. Perguntemos em que consiste a sua dificuldade. Em afirmar que a vontade de Deus precede a vontade de homem? Em dizer que Deus deve ser o líder e o homem, o seguidor, em todas as coisas pequenas e grandes? Em afirmar que somos obrigados a encontrar na vontade de um soberano Jeová a origem de cada movimento do homem em direção ao bem?

Se esta doutrina é difícil de ser compreendida, isto deve ocorrer porque ela retira do homem qualquer fragmento de bondade ou qualquer inclinação para com Deus. Cremos que esta é a fonte secreta das queixas contra essa doutrina. Ela diminui e esvazia completamente o homem, tornando-o não apenas nada, e sim pior do que nada — um pecador perdido —, nada além de um pecador, que possui um coração repleto de inimizade contra Deus, um coração que se opõe a Ele como o Deus da justiça e, mais ainda, como o Deus da graça; um coração que possui uma inclinação tão distante da vontade de Deus e tão rebelde contra ela, que não tem a mínima propensão para aquilo que é bom, santo e espiritual. Isto o homem não pode tolerar.

Admita que o homem é totalmente indigno e desamparado; então, onde está a complexidade de entendimento dessa doutrina? É difícil entendermos que um Deus bendito e santo adianta-se à nossa vontade miserável e corrupta, para conduzi-la no caminho do bem? É difícil compreendermos que pessoas destituídas de tudo são devedoras a Deus por todas as coisas? Visto que todos os movimentos de nossa vontade dirigem-se para baixo, é difícil entendermos que a poderosa vontade de Deus deve intervir e erguer, de maneira onipotente, nossa vontade em direção às coisas elevadas e celestiais?

Se admitimos que a vontade de Deus regula os grandes movimentos do universo, temos de aceitar o fato de que ela também regula os pequenos movimentos. O mais insignificante movimento de minha vontade é regulado pela vontade de Deus. Nisto eu me regozijo. Se assim não fosse, quão miserável eu seria! Se me esquivo de tão ilimitado controle e orientação, é evidente que desprezo a idéia de estar completamente à disposição de Deus. Em parte, desejo estar à minha própria disposição. Tenho a ambição de regular os menores movimentos de minha vontade, enquanto entrego os maiores ao controle de Deus. Isto resulta em que desejo ser um deus para mim mesmo. Não gosto do pensamento de entregar a Deus toda a disposição de meu destino. Se Ele faz a sua própria vontade, tenho receio de que não terei oportunidade de fazer a minha própria. Além disso, concluímos que o Deus a cujo amor eu costumava me referir é um Deus a quem eu não posso implicitamente confiar a mim mesmo para a eternidade. Sim, esta é a verdade. A insatisfação do homem em referência à vontade de Deus surge do fato de que o homem suspeita do amor de Deus. No entanto, os homens de nossos dias, que negam a absoluta soberania de Deus, são os mesmos que professam regozijar-se no amor de Deus e falam sobre este amor como se em Deus não houvesse mais nada além de amor. Quanto mais eu compreendo o caráter de Deus, conforme revelado nas Escrituras, tanto mais percebo que Ele tem de ser soberano e tanto mais me regozijarei, em meu íntimo, com o fato de que Ele é soberano.

A soberana vontade determinou a época de meu nascimento, bem como o dia de minha morte. Não foi também essa vontade que certamente determinou o dia de minha conversão? Ou não serão apenas os tolos que afirmarão que Deus determinou o dia de nosso nascimento, bem como o de nossa conversão, mas deixou à nossa mercê determinar se nos converteríamos ou não? Se o dia de nossa conversão foi estabelecido, ele não pode ser determinado por nossa própria vontade. Deus determinou onde, quando e como nasceríamos; de modo semelhante, Ele determinou onde, quando e como seríamos nascidos de novo. Se isto é verdade, a vontade dEle tem de vir antes da nossa, em referência ao nosso crer. A vontade dEle vem antes da nossa, para que nos tornemos dispostos a crer. Se não fosse assim, jamais teríamos crido. Se a vontade do homem precede a de Deus em todas as coisas que se referem ao próprio homem, não posso compreender como qualquer dos planos de Deus pode ser levado a efeito. O homem teria sido deixado a administrar o mundo conforme ele quisesse. Deus não teria de fixar o tempo da conversão do homem, pois isto seria uma interferência na responsabilidade dele. Na realidade, Ele não teria de determinar que o homem seria convertido de maneira alguma, visto que isto transformaria seu próprio convite em uma simples zombaria e tornaria a responsabilidade do homem uma pretensão! Por meio de uma simples manifestação de poder, Deus pode trazer de volta ao seu curso uma estrela perdida e permanecer inalterado diante da interferência das leis da natureza. Mas, como afirmam eles, estender Deus a sua mão e resgatar a vontade humana de seu caminho errado, para trazê-la de volta ao caminho de santidade, é um exercício injustificável de seu poder e uma usurpação da liberdade do homem! Que mundo! Neste mundo o homem segue todo o seu próprio caminho, e Deus não tem a permissão de interferir, exceto naquilo que o homem chama de legítimo! Que mundo! Neste mundo tudo se volta à vontade do homem, todos os acontecimentos no mundo ou na igreja são regulados, moldados, impulsionados somente pela vontade do homem. A vontade de Deus é algo secundário; seu papel é apenas contemplar os acontecimentos e seguir os passos da vontade humana. Neste mundo o homem deseja, e Deus tem de dizer: Amém!

Em toda esta absoluta oposição à vontade de Deus, vemos a vontade própria dos últimos dias manifestando-se a si mesma. No princípio, o homem quis ser um deus e continua a lutar por isso nos últimos dias. Ele está decidido a fazer que sua vontade tome a precedência que pertence à vontade de Deus. No último anticristo esta vontade própria será sumariada e revelada. Ele é o rei que fará “de acordo com sua vontade”. E na atual controvérsia do “livre-arbítrio”, vemos demonstrado esse mesmo espírito. O Anticristo está nos falando, exortando-nos à independência orgulhosa. A vontade própria é a essência da religião anticristã. É a raiz de amargura que hoje brota em muitas igrejas. Ela não procede do alto, e sim de baixo; é terrena, animal e diabólica.

Assim diz o Senhor:
“Terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia e me compadecerei de quem eu me compadecer” (Êx 33.19 – cf. Rm 9.8-24);

“Eu Sou, Eu somente, e mais nenhum deus além de mim; eu mato e eu faço viver; eu firo e eu saro; e não há quem possa livrar alguém da minha mão” (Dt 32.39);

“O que ele deitar abaixo não se reedificará; lança na prisão, e ninguém a pode abrir” (Jó 12.14);

“Segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?” (Dn 4.35);

“Que nos salvou e nos chamou com santa vocação; não segundo as nossas obras, mas conforme a sua própria determinação e graça que nos foi dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos” (2 Tm 1.9).


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Horatius Bonar
Horatius Bonar (1808 - 1889) foi ministro da Igreja da Escócia. Doutor em Divindade pela Universidade de Aberdeen (1853), Bonar é conhecido por seu rico e extenso trabalho poético, o compositor de dezenas de hinos que até os dias de hoje são cantados por igrejas cristãs do mundo todo; todavia, Bonar era, igualmente, um mestre da teologia, tendo escrito várias obras importantes em seu tempo.

Reforma Radical

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