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DEUS CONTROLA O HOMEM - A. W. Pink
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"O SENHOR tem estabelecido o seu trono nos céus, e o seu reino domina sobre tudo." Salmo 103:19

No Capítulo 2 vimos que Deus governa todas as coisas inanimadas no mundo, tais como a terra, o ar, o fogo e a água. Ele também governa os animais, os homens e os anjos.

Em primeiro lugar, Deus controla os animais. Isto é claramente ensinado na Bíblia. Em Gênesis 6:20 lemos que antes que Deus enviasse o dilúvio sobre a terra, Ele fez que dois animais de cada espécie entrassem na arca de Noé. Estes animais foram controlados por Deus. Em Êxodo capítulo 8 temos uma descrição das pragas que Deus enviou sobre a terra de Egito. Lemos acerca de como as rãs saíram do rio Nilo e entraram no palácio do rei e nas casas dos seus servos. Deus inclusive fez com que as rãs entrassem nos leitos dos egípcios, e ainda dentro de seus fornos (lugares onde comumente as rãs não entram). Muitas moscas invadiram também a terra de Egito, porém não se aproximaram de nenhum dos lugares onde o povo de Deus se achava. Seguidamente, Deus fez com que o gado dos egípcios adoecesse, mas nada do gado pertencente ao povo de Deus enfermou. Vemos que Deus teve o controle destes animais o tempo todo. Em 1 Reis 17:2-4 lemos que Deus disse ao seu profeta Elias que fosse viver perto de um ribeiro, onde uns corvos o alimentariam. Há muitas outras histórias como estas na Bíblia, que demonstram que Deus controla os animais. Por exemplo, Deus fechou a boca dos leões quando seu servo Daniel foi colocado no fosso dos leões; Deus fez com que o grande peixe engolisse seu servo Jonas, e depois, quando Deus quis, este peixe o vomitou em terra seca. Assim, sem lugar a dúvidas, é verdade que Deus controla os animais. Eles fazem exatamente o que Ele lhes manda fazer.

Em segundo lugar, Deus controla não só os animais, senão também os homens. Ainda que isto seja muito difícil de aceitar, desejo que compreendam que essa é a verdade. Porque só existem duas alternativas, ou Deus tem o controle o alguém mais o controla a Ele. Do mesmo modo, é a vontade de Deus a que sempre se cumpre, ou é a vontade dos homens.

Agora, qual destas alternativas é a certa? É verdade que muitas pessoas odeiam a Deus, mas isto não significa que Ele não possa usá-los como seus instrumentos quando Ele assim o deseje. Não é suficiente dizer que Deus pode deter os efeitos maus do que as pessoas más fazem. Também não basta simplesmente dizer que algum dia Deus castigará os maus pelos seus pecados. Deus é tão grande que cada coisa que as pessoas mais malvadas realizam está inteiramente sob o Seu controle. De fato, as pessoas más em realidade fazem o que Deus tem dito de antemão que eles fariam, ainda que a pessoa má não perceba isso. Isto é exatamente o que aconteceu com Judas, o homem que entregou a Jesus Cristo nas mãos de aqueles que o adiavam. Poderia alguém ser mais malvado do que foi Judas? Assim sendo, se Judas estava fazendo aquilo que Deus tinha decidido que fizesse, então não é difícil crer que todas as pessoas más estão igualmente realizando o que Deus falou que haveria de acontecer.

Não queremos argumentar sobre este assunto, só desejamos ver o que a Bíblia diz. Em Atos 17:28 lemos que em Deus vivemos e nos movemos e somos. Isto foi expresso pelos poetas gregos que não eram crentes e cujos discípulos zoaram da idéia de que Jesus ressuscitasse da morte. Mas parece a ainda o realizado por estas pessoas estava sob o controle de Deus. De Provérbios 16:9 aprendemos que a gente faz seus próprios planos para a sua vida, mas são os planos de Deus os que em realidade se cumprem: "O coração do homem planeja o seu caminho, mas o SENHOR lhe dirige os passos". A história do rico insensato no Novo Testamento (Lucas 12:16-21) mostra quão certa é esta afirmação. Nos fala de como um homem planejava construir grandes celeiros onde guardaria toda a colheita que levantara. Ele planejava desfrutar de sua vida, porém Deus tinha determinado algo diferente, e foi o plano de Deus o que se cumpriu. Deus declarou que aquele homem néscio morreria essa mesma noite, e assim aconteceu. Nunca é correto dizer que as pessoas podem atuar em contra da vontade de Deus. Tão somente pense nas seguintes passagens da Bíblia: Jó 23:13 diz: "Mas, se ele resolveu alguma coisa, quem então o desviará? O que a sua alma quiser, isso fará." Provérbios 21:30 diz: "Não há sabedoria, nem inteligência, nem conselho contra o SENHOR." Isaias 14:27 ensina que aquilo que Deus tem determinado, não pode ser alterado por ninguém: "Porque o SENHOR dos Exércitos o determinou; quem o invalidará? E a sua mão está estendida; quem pois a fará voltar atrás?"

A Bíblia ensina claramente que as ações de cada pessoa, sejam boas ou más, são controladas pelo Deus soberano. Os homens podem pensar que eles são mais fortes que Deus, rebelando-se talvez contra Ele, porém Deus ri de sua debilidade e do néscio que resultam. Ele é tão poderoso que pode destruí-los no momento em que assim o deseje. Terceiro, Deus controla também os anjos. Eles são mensageiros de Deus. Escutam o que Deus diz e fazem o que Ele lhes ordena. Ainda os anjos maus obedecem a Deus. Satanás mesmo está completamente sob o controle de Deus. Até que Deus lhe permitiu agir, Satanás foi incapaz de tocar em Jó. Em Mateus 4:11 lemos que Jesus disse a Satanás que fosse embora e este imediatamente o deixou. No fim do mundo, Satanás será lançado no lago de fogo que tem sido preparado para ele e seus anjos.

Deus reina. Ele controla tudo, as coisas inanimadas, os animais, as pessoas e os anjos, incluindo Satanás mesmo. Não pode suceder nada em todo o universo a menos que Deus tenha determinado que aconteça.

Aqueles que confiam num Deus tão grande têm paz em seus corações.

Confiar num Deus soberano dá um sentido de segurança que fortalece a fé. Não é a casualidade, nem o "azar", nem um homem, nem Satanás quem governam o mundo. É o Deus Todo Poderoso quem governa pela Sua boa vontade e para a Sua própria e eterna glória.

TEXTOS BÍBLICOS: 
Salmo 135:5-6: "Porque eu conheço que o SENHOR é grande e que o nosso Senhor está acima de todos os deuses. Tudo o que o SENHOR quis, fez, nos céus e na terra, nos mares e em todos os abismos".
Apocalipse 4:11: "Digno és, Senhor, de receber glória, e honra, e poder; porque tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas".
João 1:3: "Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez".
Salmo 115:3,15: " Mas o nosso Deus está nos céus; fez tudo o que lhe agradou. (...)Sois benditos do SENHOR, que fez os céus e a terra".
Hebreus 1:10: "E: Tu, Senhor, no princípio fundaste a terra, E os céus são obra de tuas mãos".
Romanos 11:36: "Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém".

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FONTE: Do ebook: "Deus é Soberano"

16:09

Ao jovem rico Jesus perguntou: Por que me chamas bom? Ninguém há bom senão um, que é Deus (Marcos 10: 18). Somente Deus é essencialmente bom e perfeito. Esta grande declaração nos mostra a futilidade das obras de justiça. Ninguém é naturalmente bom. O que poderíamos fazer para impressionar a Deus? Aqueles que tentam fazer isso gostariam que Deus estivesse em débito com eles. Os homens estão sempre prontos para transformar a fé em obras meritórias, negando assim a declaração feita por Cristo. Até a nossa fé não tem origem em nós mesmos, mas é um dom de Deus. Ele é a fonte de tudo o que é bom.

A noção de bondade é inseparável da noção de Deus. Ele não pode ser Deus se não for bom. VERDADEIRAMENTE bom é Deus para com Israel, para com os limpos de coração (Salmo 73: 1). O SENHOR, o SENHOR Deus, misericordioso e piedoso, tardio em irar-se e grande em beneficência e verdade (Êxodo 34: 6).

I.    O QUE ESTA BONDADE É.

Não estamos nos referindo à perfeição essencial de Deus ou a santidade, ou mesmo à Sua própria bem-aventurança ou plenitude. Não estamos nem mesmo nos referindo à Sua misericórdia, pois a bondade se estende além da misericórdia. A misericórdia pressupõe um objeto miserável, mas a bondade não necessita de forma alguma de um objeto. Por exemplo: a criação foi um ato de bondade e não de misericórdia.

Antes, estamos nos referindo à magnificência de Deus, Sua liberalidade e doação na administração de todas as coisas. Deus é benevolente com todas as Suas criaturas como criaturas. Esta é a mais prazerosa das perfeições da natureza de Deus, que faz com que Ele seja amado e desejado por nós. A bondade de Deus alcança todos os Seus atributos. Quando Deus revelou-Se a si mesmo a Moisés, de maneira que um ser humano fosse capaz de suportar, Ele disse: Eu farei passar toda a minha bondade por diante de ti (Êxodo 33: 19), como se a bondade fosse a fonte de todos os afluentes de Sua glória. Este é o atributo capitão que conduz o restante a agir.

II.    A NATUREZA DA BONDADE DE DEUS.

Deus é bom por Sua própria essência. Ele é mais do que bom em Sua própria essência, pois tudo o que Ele criou é bom neste sentido. Mas Ele é bom em Sua própria essência pelo fato ninguém ser a causa desta bondade. A bondade não é uma qualidade de Deus, mas a Sua própria natureza. Não é um hábito acrescentado à Sua essência, mas a Sua própria essência. A Sua bondade é infinita, ilimitada, eterna, e abundante.

Deus é a primeira e principal causa da bondade. Toda bondade na criatura deriva dEle, Tu és o meu Senhor, a minha bondade não chega à tua presença (Salmo 16: 2). Nossa bondade é mutável, mas Deus é imutável. Ele é o padrão da bondade, nada é realmente bom a não ser que se assemelhe a Ele. Não há uma partícula sequer do mal em Deus. Ele é todo e perfeitamente bom.

A bondade de Deus é comunicativa. Faz parte da própria natureza da bondade ser difusiva, distribuir. Deus não é invejoso de Sua bondade ou mesquinho com ela. Ele é mais propenso a comunicar a Sua bondade do que o sol espalhar os seis raios e calor.

Deus é necessariamente bom. Ele é bom por natureza e não somente por vontade. Não existe a mínima possibilidade de Deus ter escolhido ou escolher ser mau. Ele é bom em si mesmo, e não pode agir contra a Sua própria natureza. Ele não foi obrigado a criar o mundo, mas escolheu fazê-lo. E por isso Ele fez o mundo bom.

Entretanto, Deus é livremente bom. A necessidade de Sua bondade não impede a liberdade de Suas ações. Ele é totalmente livre nas comunicações de Sua bondade. Ele voluntariamente exerce a Sua bondade naquilo em que escolhe qual o bem, ou o grau de bem que fará. Ele não pode ser constrangido com respeito à Sua bondade.

Deus se deleita em comunicar Sua bondade. O Seu prazer em demonstrá-la é maior do que o nosso prazer em recebê-la. Ele não esconde os Seus tesouros como se tivesse inveja deles. Antes, Ele se regozija em compartilhar Suas riquezas. Ele se deleita no clamor dos homens por Sua bondade, mostrando-se desejoso em conceder as coisas que lhe pedem.

A demonstração da bondade foi o motivo e o fim de todas as obras de criação e providência de Deus. A Sua motivação e fim residem nEle mesmo, pois nada é maior do que Ele. Portanto, esta perfeição mais amável reivindica os seus melhores direitos de ser primeiramente demonstrada. Ao criar, Deus não aumentou a Sua excelência, mas manifestou-a. Se Deus não tivesse criado o mundo, Ele permaneceria desconhecido a todos, exceto para si mesmo, mas Ele produziu criaturas a fim de se tornar conhecido.

O reconhecimento de Sua bondade deve ser o motivo maior e o fim de todas as Suas obras.

III.    Deus é bom.

Quanto melhor uma pessoa for, maior será a sua caridade. Deus é o melhor e mais bondoso ser, pois não há ninguém acima dEle. Desde que toda a criatura de Deus é boa (I Timóteo 4: 4), e a bondade das criaturas procede do seu criador, Ele tem que ser o melhor, o supremo bem. Como a causa é mais rica do que o efeito, Ele é infinito em bondade. A fim de que ninguém duvide da bondade de Deus, vamos defender isso de pelo menos dois ataques.

Primeiro, a bondade de Deus não pode ser comprometida por Ele ter permitido a entrada do pecado no mundo. Deus em Sua bondade criou o homem com a capacidade de ser feliz. Mas, será que poderíamos chamá-la de “bondade” se Deus tivesse forçado o homem a ser feliz contra a sua vontade? Deus em Sua bondade não somente deu a Adão o poder de decisão, como também, pela mesma bondade, o deixou livre para usá-lo. Somente com a liberdade de escolha é que a obediência poderia ser considerada realmente como obediência. A bondade de Deus não é menos bondade porque o homem fez mau uso dela. Foi o homem, e não Deus, que caiu. Além disso, Deus em Sua bondade permitiu a queda do homem, para demonstrar a ele as riquezas ainda maiores da Sua glória, na obra da redenção.

Segundo, a bondade de Deus não pode ser comprometida por discriminar quem será o objeto da mesma.

Deus não distribui a Sua bondade de maneira uniforme, pois alguns recebem mais do que outros. Ele não fez todas as coisas igualmente boas, ainda que não tenha feito nada mal. Ele é bom para com todos, mas não na mesma medida ou grau. A bondade de Deus para com Suas criaturas é medida pela utilidade distinta do seu fim comum. Por exemplo: a faculdade da mente é melhor do que a faculdade do discurso, mas o discurso é bom no que diz respeito a comunicar o que está na mente. A desigualdade da bondade de Deus mostra mais a Sua bondade do que a igualdade o faria. Por exemplo: ela cria certos elos na sociedade humana, fazendo com que o pobre e o rico necessitem um do outro. Ela suscita motivos tanto para o louvor quanto para a petição a Deus. Nem todas as criaturas têm a mesma capacidade de bondade em suas naturezas. O homem tem uma capacidade maior do que, digamos, os pássaros; mas isso não implica em uma falha na bondade de Deus. Se Deus mostrasse toda a Sua bondade a qualquer uma de Suas criaturas, esta não seria capaz de suportá-la, pois nenhum homem pode ver a Deus e viver (Êxodo 33: 20). Deus tem o direito de manifestar a Sua bondade de acordo com o Seu soberano prazer. Ele é o Senhor dos Seus dons. Pelo fato de perdoar alguns rebeldes, Deus fica obrigado a perdoar todos? A bondade de Deus é diminuída quando Ele não a distribui para aqueles que o desprezam e não buscam o Seu favor? Ele não é livre para agir de acordo com a Sua sábia vontade, e não de acordo com os caprichos de homens ímpios?

Além disso, o castigo que Deus exerce sobre os malfeitores de maneira alguma viola a Sua bondade. Tudo o que Deus faz é bom, quer isso seja prazeroso ou doloroso às criaturas. O castigo não é uma distorção moral da pessoa que o infringe. Não punir o perverso seria um mal, e não um bem. A justiça de Deus faz parte da Sua bondade. Bondade sem justiça seria indulgência impotente, e encorajaria a rebelião e a confusão. Deus seria considerado bom se tratasse o mal e a justiça da mesma maneira? Fazer e impor leis faz parte da bondade de Deus, na medida em que isso promove a bondade e restringe a maldade. E assim a lei é santa, e o mandamento santo, justo e bom (Romanos 7: 12). A lei nunca seria lei se não houvesse a penalidade. Não se fazer cumprir a lei seria uma perversão da bondade. Isso seria uma fraca indulgência, e não bondade, conviver para sempre com alguém impenitente. O SENHOR é conhecido pelo juízo que fez (Salmo 9: 16). Como poderia parecer bom aos olhos de Deus ver a Sua bondade pisoteada e nunca reivindicar Sua honra? Se o homem fizer da bondade de Deus uma licença para pecar, então Ele transformará a Sua bondade em justiça. Entretanto, o castigo não é a Sua primeira intenção ao nos entregar a Sua lei. De outra maneira, Ele não impediria determinados pecados. O Seu castigo é chamado de a sua estranha obra, o seu estranho ato (Isaías 28: 21). O propósito primário da lei é o de encorajar a bondade no homem. A bondade Divina levanta primeiramente a sua ira sobre o pecado, e não sobre o pecador. O pecador é castigado porque o seu pecado está apegado a ele. Mas, Deus em Sua bondade chama por diversas vezes a atenção do pecador, dando-lhe oportunidade para arrepender-se. Quando o castigo falha, ele ainda assim serve o bom propósito de alertar os seus observadores e também as futuras gerações. Por exemplo, Cristo disse à Sua audiência: Lembrai-vos da mulher de Ló (Lucas 17: 32). O julgamento está muitas vezes misturado com a misericórdia para com os justos. Por exemplo: as águas do dilúvio, que destruíram o mundo, foram as mesmas que sustentaram a arca, salvando Noé e sua família. Alguns dizem que o castigo eterno de Deus é contrario a Sua bondade. Como Deus poderia ser bom sem não punisse os homens ímpios que insistem em continuar com suas naturezas ruins? Será que Deus teria que perverter a Sua justiça a fim de ser bondoso com Seus inimigos? O homem é melhor e mais bondoso do que Deus?

Finalmente, quando Deus aflige os Seus santos não está violando a Sua bondade. As aflições do justo são para o seu bem, para o seu crescimento na graça. Podemos acusar a Deus de maldade quando as aflições que Ele envia para a Sua igreja servem para remover as impurezas, curar os seus descuidos, aumentar os seus membros, fortalecê-la na graça, e provar o seu amor para com o Seu Salvador? As epístolas de Paulo, escritas na prisão, aparentemente possuem uma força maior do que aquelas que foram escritas em liberdade. Não seria uma falta de bondade, ou melhor, uma crueldade da parte de um pai deixar o seu filho sem disciplina alguma?! É um ato de grande bondade que nos torna mais útil aqui ao invés de envergonhados no futuro.

IV.    A MANIFESTAÇÃO DA BONDADE DE DEUS.

Primeiro, vemos a bondade de Deus manifestada na criação. De acordo com o primeiro capítulo de Gênesis, a bondade de Deus era uma característica proeminente na criação, sendo até mais destacada do que Seu poder. A criação é descrita como sendo “bom” pelo menos sete vezes, refletindo assim o caráter do Criador. Se Deus não fosse bom, a criação também não poderia ser. Mais do que qualquer outro atributo, a bondade é a Sua marca registrada sobre todas as coisas. A criação foi o Seu primeiro ato de bondade fora de Si mesmo.

Toda criatura possui alguma bondade em si pela virtude de ter sido criada por um Deus que é bom. O SENHOR é bom para todos, e as suas misericórdias são sobre todas as suas obras (Salmo 145: 9). Que grande demonstração de bondade é dar vida a uma mosca! Mas vamos nos concentrar na bondade do homem em particular.

O nosso corpo, com toda a sua variedade de membros e beleza de proporções, testifica da bondade de Deus. É um vaso de barro que abriga a nobre faculdade da alma, detentora da excelente faculdade do conhecimento e discernimento entre o bem e o mal. Deus criou o homem à Sua própria semelhança e santidade. Se este não tivesse caído em pecado, o homem seria eternamente feliz, assim como os anjos. Deus, em sua bondade, fez com que o homem fosse uma espécie de ligação entre o mundo superior e o inferior, entre o céu e a terra. Deus demonstrou livremente toda esta bondade para o homem, pois Ele não necessitava de nós para nada. Ele não tinha necessidade de criar absolutamente nada, e certamente não teve necessidade nenhuma de criar o homem, ainda que o tenha feito bom. O que poderia ser melhor do que ser feito à imagem de Deus? Vamos exclamar juntamente com o Salmista: Ó SENHOR, Senhor nosso, quão admirável é o teu nome em toda a terra... Que é o homem mortal para que te lembres dele? e o filho do homem, para que o visites? (Salmo 8: 1, 4).

Vamos considerar um pouco mais as conveniências que Deus livremente proveu para o homem. O mundo foi criado para a própria humanidade, e entregue a ela para sua subsistência e deleite. Deus proveu ricamente o mundo para o homem com coisas como a luz, para que ele pudesse enxergar; o ar, para que pudesse respirar; e a comida, para nutri-lo. Pense na variedade de cores, fragrâncias, e gostos, que Deus, em Sua bondade, criou para que o homem desfrutasse nessa magnífica mansão terreal! Sem dúvida alguma, o jardim do Éden foi um modelo das belezas e prazeres de outro mundo.

A bondade de Deus para com o homem aparece nas leis que lhe foram dadas e na aliança feita com o mesmo. A lei era perfeitamente adaptada à natureza do homem. A obediência não estava fora de seu alcance. Os preceitos eram fáceis e não eram penosos. Eles foram feitos para a felicidade e conforto dos homens. Quando pecou, o homem foi obrigado a ir contra tudo aquilo que lhe era natural. Em alguns textos, Deus parece demonstrar mais desgosto por o homem prejudicar a sua própria felicidade, do que de fato violar a Sua autoridade divina. Ah! se tivesses dado ouvidos aos meus mandamentos, então seria a tua paz como o rio, e a tua justiça como as ondas do mar! (Isaías 48: 18). Deus em Sua bondade encorajou Adão a obediência através da recompensa, e também ao ameaçá-lo pela desobediência. Ele poderia simplesmente agir como um soberano e não lhe dar estes incentivos. Entretanto, Deus parece valorizar o título de Benfeitor acima de Senhor, pois Ele gentilmente solicita a obediência de Adão. Mesmo depois da queda do homem, Deus, em Sua bondade, veio admoestá-lo. Comeste tu da árvore de que te ordenei que não comesses? .... Por que fizeste isto? (Gênesis 3: 11-13). As promessas e ameaças apelavam para a esperança e o temor, as duas paixões pelas quais a natureza do homem é conduzida neste mundo. Uma vez que a recompensa implicava em algo que Adão não merecia, então se tratava especificamente de um ato de bondade da parte de Deus. Assim como houve a ameaça da morte eterna, assim também houve a promessa da vida eterna. Esta vida eterna foi também um lampejo puro da bondade divina, pois não havia proporção entre a obediência de Adão e esta tão grande recompensa.

Segundo, vemos a bondade de Deus manifestada na redenção. O evangelho, como um todo, nada mais é do que um grande espelho da bondade de Deus. Boa vontade para com os homens, este foi o sumário da pessoa e obra de Cristo dado pelos anjos (Lucas 2: 14). A redenção tem sua origem na bondade de Deus. Quando o homem caiu em pecado, a bondade não foi um mero espectador, mas tratou de resgatar o homem de seu estado deplorável através de métodos extraordinários. O grande objetivo de Deus foi demonstrar a liberalidade da Sua natureza. Ele toma como nome para si mesmo o termo autêntico de amor, declarando em I João 4: 8, Deus é amor. Esta bondade é imerecida. Aquele que não tinha necessidade de nos criar, certamente não tinha a necessidade de nos remir. Longe de merecer a Sua bondade, a humanidade se mostra afoita em colocar um fim na mesma. Contudo, acima do Seu tribunal de justiça, Deus erigiu o tribunal de misericórdia. O pai, o Filho, e o Espírito Santo operam harmoniosamente na realização e na aplicação da obra da redenção. Esta bondade vai muito mais além do que poderíamos imaginar. Sem dúvida alguma que Adão, após cair em pecado, não esperava mais nada da parte de Deus a não ser a maldição, ainda que Deus lhe tivesse também feito uma promessa. O que mais poderíamos pedir do que aquilo que a bondade Deus já nos tem garantido?!

A obra de Deus na criação foi um ato da Sua bondade, mas a obra da redenção nos mostra muito mais bondade ainda. Na redenção, a bondade superou a justiça. A criação custou apenas algum fôlego da parte de Deus, mas a redenção custou o sangue do Seu Filho encarnado. Na redenção, Deus venceu a rebelião e a indignidade do homem, sendo que nenhuma das quais foram obstáculos na criação.

A bondade de Deus para com o homem, na redenção, é maior do que aquela demonstrada aos anjos. O estado de santidade dos anjos eleitos não se fez por intermédio da obra da cruz, mas foi divinamente determinado por Deus. Foi para os homens que Cristo morreu. Quanto aos anjos caídos, eles foram deixados para sempre em seus próprios pecados. Mas ao homem, a bondade Divina estendeu Suas mãos ensanguentadas a fim de resgatá-lo.

A bondade de Deus para com o homem, na redenção, é maior do que a bondade que eventualmente foi manifestada ao próprio Jesus por algum tempo. Na bem conhecida passagem de João 3: 16, a ênfase recai sobre a palavra tal, isto é: sobre a qualidade do amor de Deus para com os pecadores. Ele amou o mundo de tal maneira, que parece não ter amado o Seu próprio Filho em um determinado momento. Ele preferiu nos poupar ao invés de poupar Seu próprio Filho. Ele preferiu ouvir seus gemidos aos nossos. Ele preferiu que Seu Filho morresse ao invés de nós. Tamanha manifestação de amor poderia ser concebida por algum de nós?

Agora vamos frisar algumas maneiras particulares pelas quais a bondade de Deus aparece na redenção.

1.    Ela aparece na determinação de Deus em salvar o homem. Não deveríamos pensar que foi a expiação de Cristo que assegurou o amor de Deus aos pecadores, mas que o amor de Deus foi que assegurou a expiação. O amor foi a primeira engrenagem a se mover na obra da salvação. Mas Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores (Romanos 5: 8). As palavras de Isaías 32: 8 aplicam-se pessoalmente a Deus: Mas o liberal projeta coisas liberais.

2.    A bondade de Deus na redenção aparece no dom de Cristo. Nenhum presente melhor poderia nos ter sido dado, até mesmo por Deus. Aqui temos um presente de valor infinito. Milhões de mundos não poderiam se comparar a este dom. Os milhares de anjos não podem se comparar a ele. Estamos falando do unigênito do Pai, o único em quem Ele focou todo o Seu deleite. Este Filho condescendeu em suportar as fragilidades da vida humana, ser feito maldição, e também sofrer e experimentar o cálice amargo da morte por um mundo degenerado. E mais ainda, pois a bondade divina ressuscitou e exaltou o Filho, não somente para si mesmo como Redentor, mas também a nós como Seus redimidos. Portanto, a bondade divina foi nEle centralizada, tanto em Sua cruz, quanto em Sua coroa. Nós compartilhamos com os méritos da Sua humilhação, assim como nas glórias de Sua coroação. Ao nos dar Seu Filho, Deus se deu a si mesmo. Ele é nosso Deus. Em Cristo, nós herdamos todas as coisas. O que mais a bondade divina poderia fazer por nós? Poderia existir algo de maior valor para Deus nos dar que a si mesmo?

3.    A bondade de Deus na redenção aparece quando consideramos o estado pecaminoso em que o homem se encontra. O homem age de maneira irracional quando fica descontente com Deus, ou ingressando na liga do inferno contra Ele. Não há nada no homem que atraia ou encante o amor de Deus. Um mundo de deméritos e impiedade habita no homem. Todo pecado é infinito, pois é contrário a um Deus infinito. Se aquele que odeia a seu irmão é um homicida (I João 3: 15), então aqueles que odeiam a Deus são assassinos de Deus. Deus tem todo direito de nos abandonar em nossa condição totalmente baixa. Além disso, cada geração continua a multiplicar suas provocações contra Deus, afundando-se em suas idolatrias e superstições, depreciando a glória de Deus, e reduzindo-O ao nível de um mero animal. O homem não tem poder de mudar ou melhorar a si mesmo. Ele está em paz com satanás. Deveríamos esperar que todas as perfeições de Deus se unissem contra criaturas tão rebeldes. Ao invés disso, Deus abre a Sua fonte de bondade, a qual ultrapassa a altura do pecado, nos concedendo um Redentor.

4.    A bondade de Deus na redenção aparece na posição de exaltação na qual Ele nos coloca. Em Cristo, a natureza humana é elevada a um grau maior de dignidade do que aquela que o homem tinha na criação original. Adão foi chamado de filho de Deus, mas os redimidos serão chamados de irmãos de Cristo. Por cuja causa não se envergonha de lhes chamar irmãos (Hebreus 2: 11). Nós, que fomos feitos um pouco menor que os anjos, somos elevados acima deles. Aquilo que o homem impiamente desejou, Deus mais do que garantiu através da graça. O que mais Deus poderia fazer para manifestar Sua bondade?

5.    A bondade de Deus na redenção aparece no concerto da graça, a qual nos libertou do concerto das obras. Adão foi criado sob o concerto das obras, o qual uma vez quebrado, somente Deus pela graça poderia se condescender em providenciar um novo concerto. Se no primeiro concerto com Adão vemos Deus abrindo mão em parte de Sua soberania, no segundo O vemos despindo-se a si mesmo da Sua majestade, a fim de demonstrar bondade pura. O primeiro concerto estava baseado na obediência do homem, enquanto o segundo, no inexprimível amor e obediência de Cristo. A cabeça do primeiro concerto era um homem mutável, enquanto o do segundo, Deus-homem imutável. O concerto da graça implanta uma nova natureza no interior do homem. Por causa da perfeita obediência de Cristo por nós, Deus aceita a nossa obediência pessoal, se esta for sincera, mesmo não sendo perfeita. O segundo concerto está fundamentado em melhores promessas do que o primeiro (Hebreus 8: 6). Deus se entregou a si mesmo como bênção do concerto da graça. Por isso também Deus não se envergonha deles, de se chamar seu Deus (Hebreus 11: 16), mesmo que isso pudesse depreciar Sua Majestade, ao se dar a si mesmo por um povo tão indigno. Ele preferiu mostrar Sua bondade ao invés de Sua grandeza. Ele desceu ao nível mais baixo que poderia a fim de satisfazer nossas necessidades; Ele confirmou o concerto com um juramento para que não houvesse dúvida alguma de Sua bondade. Além disso, Ele fez com que a fé fosse a condição deste concerto, não a perfeita obediência da nossa parte, nem conhecimento perfeito, mas a condição mais fácil em sua própria natureza, cuja única dificuldade é o orgulho e obstinação do homem. O que poderia ser mais fácil do que levantar os olhos e olhar para a serpente de metal para ser curado de sua mordida fatal? A fé é também a condição mais razoável e necessária, pois é seria impossível que Deus salvasse o pecador e este ainda permanecesse em sua rebelião.

6.    A bondade de Deus na redenção aparece em Seus tratos com todo homem que abraça este concerto. Ele não utiliza Seus exércitos como Maomé, a fim de coagir os homens a uma submissão exterior. Antes, Ele de forma doce e gentil nos persuade com firmes demonstrações de afeto para cumprir os Seus propósitos. Ele apela para nós dizendo: Vinde então, e argui-me, diz o SENHOR (Isaías 1: 18). E Convertei-vos, convertei-vos dos vossos maus caminhos; pois, por que razão morrereis, ó casa de Israel? (Ezequiel 33: 11). Ele convida afetuosamente os pecadores! Os Seus evangelistas são embaixadores através dos quais Ele convida Seus inimigos a se reconciliarem com Deus (II Coríntios 5: 20). Deus recebe prontamente aqueles homens que se voltam para Ele! Como o pai na parábola do filho pródigo, Ele corre ao encontro do filho que retorna a casa. Porque tem prazer na sua benignidade (Miquéias 7: 18). E quão enternecidamente Ele lamenta a recusa que o homem faz da Sua graça! Oh! se o meu povo me tivesse ouvido! se Israel andasse nos meus caminhos! (Salmo 81: 13). Embora Deus não esteja sujeito as mesmas paixões dos homens, a sinceridade da Sua bondade nos é comunicada em termos que nos são familiares. A natureza de Deus não necessita de bondade.

7.    A bondade de Deus na redenção aparece nas ordenanças que Ele instituiu no novo concerto, especialmente a Ceia do Senhor. A festa com Deus é grande, mas a festa em Deus é maior. A encenação de um corpo moído e quebrado, e do precioso sangue remidor do Cordeiro que por nós foi derramado, nos são relembrados para que desfrutemos de conforto e segurança. A bondade de Deus acode os nossos sentidos e fraquezas, ao nos dar provas visíveis de um Salvador que não podemos contemplar com esses olhos carnais. O sangue de Cristo foi eficaz para confirmação do concerto da graça na expiação realizada pelos pecadores, e vemos assim, na Ceia do senhor, o selo visível deste concerto. O que mais Cristo poderia representar quando ele mesmo diz: Este cálice é o novo testamento no meu sangue, que é derramado por vós (Lucas 22: 20)? Deus nos deixou esta ordenança para que recordássemos sempre a Sua bondade e fidelidade. Quando o Espírito Santo acompanha sua observância, ela realmente se torna um instrumento da graça para as nossas almas. Em outras palavras, ela é um memorial, e mais ainda, pois quando os nossos corações estão envolvidos nela, nós desfrutamos de uma comunhão muito especial com Cristo. Assim como os Gentios que ao oferecerem seus sacrifícios tinham comunhão com os demônios (I Coríntios 10: 20), assim também os crentes têm comunhão com Cristo ao participarem da ceia do Senhor. O que diríamos daqueles que desprezam esta ordenança? Eles demonstram um certo desprezo pela bondade do Deus que a ordenou.

Finalmente, nós devemos observar que, na redenção, Deus nos restaura a uma posição mais excelente do que aquela que Adão tinha originalmente. Jesus disse: eu vim para que tenham vida, e a tenham com abundância (João 10: 10). Até os nossos corpos estarão em um estado superior. Uma abundante bondade teria nos restaurado ao estado de Adão, mas uma superabundante bondade nos elevou às alturas, para um novo céu e uma nova terra. A bondade de Deus na redenção se estende até mesmo àquela criação mais inferior. A mesma criatura será libertada da servidão da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus (Romanos 8: 21). Toda criação terrestre estava sob o domínio de Adão, e, portanto, foi amaldiçoada juntamente com ele. Mas, agora, o Segundo Adão fará a restauração de tudo (Atos 3: 21). Por isso a bondade divina espalha o seu triunfo sobre toda a criação, sendo a única exceção os anjos caídos, por quem não há redenção, nem mesmo para um.

Terceiro, vemos a bondade de Deus manifestada em sua providência. Qualquer homem se alegra em preservar aquilo que criou, quanto mais o grande Deus, que fez todas as coisas boas! Com a mesma bondade com que criou, Deus continua operando na criação com providencial cuidado. Vamos observar algumas maneiras como a bondade de Deus fica bem evidenciada na providência.

1.    Ela é evidente no cuidado que Deus com todas as Suas criaturas. Ele não cuida apenas das criaturas maiores ou mais nobres, mas também das inferiores. O Salmista proclama: cheia está a terra das tuas riquezas (Salmo 104: 24). Nenhum canto e recanto fica excluído da bondade de Deus. Ele preserva homens e animais (Salmo 36: 6). Vemos isso nas palavras de Paulo em Listra: E contudo, não se deixou a si mesmo sem testemunho, beneficiando-vos lá do céu, dando-vos chuvas e tempos frutíferos, enchendo de mantimento e de alegria os vossos corações (Atos 14: 17). Ele protege Suas criaturas de milhares de perigos que nem sequer imaginamos. Ele cuida dos animais, provendo-lhes alimento e habitação. Todos esperam de ti, que lhes dês o seu sustento em tempo oportuno. Dando-lho tu, eles o recolhem; abres a tua mão, e se enchem de bens. Escondes o teu rosto, e ficam perturbados; se lhes tiras o fôlego, morrem, e voltam para o seu pó (Salmo 104: 27-29). Ele instruiu Israel acerca do boi, para que os animais descansassem aos sábados e comessem enquanto trabalhavam (Êxodo 20: 10; Deuteronômio 25: 4). Se o boi caísse e ficasse preso em um poço, deveria ser acudido (Lucas 14: 5). Deus até ameaçou encurtar a vida do povo, se eles tratassem com crueldade os passarinhos (Deuteronômio 22: 6-7). Ele também cuida das coisas inanimadas, como as flores e a erva do campo (Mateus 6: 28-29). O Soberano desce ao nível mais baixo para cuidar da Sua criação! Além disso, Ele também cuida daqueles que são menos nobres, pois deu ordens aos senhores para que não abusassem dos seus escravos (Êxodo 21: 26-27). Ao pobre foi permitido colher nos campos após a colheita (Deuteronômio 24: 19-22). O criminoso não deveria ser açoitado com mais do que quarenta chicotadas (Deuteronômio 25: 3). Até mesmo o ímpio e ingrato, que não merece nada além de trevas e fogo, desfruta ainda das bênçãos do sol e da chuva (Mateus 5: 45). Neste sentido, Deus é o salvador ou preservador de todos os homens (I Timóteo 4: 10).

2.    A bondade de Deus na providência fica evidente na preservação da sociedade humana. Em Seu poder Ele é capaz de realizar isso, e em Sua bondade Ele deseja fazê-lo. Ele faz isso através da entrega da Lei moral, os Dez Mandamentos, que se aplica a cada pessoa e a toda forma de relacionamento. Ele ordenou o governo humano, sem o qual o mundo seria um covil de feras a devorar umas as outras. Ele restringe as paixões internas dos homens, as quais o governo humano sozinho não seria capaz de refrear. Ele equipa as pessoas com vários talentos e capacidades, para que sirvam a sociedade como um todo. Ele julga e castiga certos pecados, caso contrário, aniquilariam a sociedade. Não são poucos os governantes cruéis que tiveram um fim amargoso! Deus muitas vezes faz com que certos assassinos sejam pegos e levados a juízo. Em nossos dias parece que Deus é mais paciente com os crimes cometidos contra Ele mesmo do que com a humanidade. Às vezes parece que Deus leva certos homens a agir de forma contrária às suas paixões naturais, e também ajuda Seus inimigos em tempos de necessidade. Em certo sentido, Deus vai tão longe, que parece deixar de lado Seu próprio direito de governar, permitindo o exercício da autoridade humana por questão de ordem, ainda que Ele tenha todo direito de reivindicar Sua autoridade. Por exemplo: o pai ou o marido em Israel tinha o direito de anular qualquer voto feito a Deus por sua esposa ou filha (Números 30: 3-8).

3.    A bondade de Deus na providência fica evidente no fato dEle encorajar qualquer atitude de bondade moral na terra. Muitas vezes Deus fez Acabe se humilhar a si mesmo por algum tempo, para um maior proveito comum, ainda que seus motivos fossem egoístas.

4.    A bondade de Deus na providência fica evidente na disposição de Suas Santas Escrituras. A Bíblia que temos em nossas mãos é a Sua Palavra inspirada, nos servindo de regra de fé e prática. Ele não nos deixou sem uma revelação escrita da Sua mente e vontade. Ele nos forneceu o mapa da nossa jornada. Ele a tem preservado e traduzido em vários idiomas, a despeito dos esforços que os homens maus fizeram e fazem para destruí-la. Alguns homens, muito mais ferozes do que muitas bestas, acabaram sendo domados por ela.

5.    A bondade de Deus na providência fica evidente na conversão dos pecadores. Aqui o Seu poder e bondade se unem. Ele quebranta os corações mais endurecidos, convencendo-os do pecado; revelando a excelência de Cristo, e levando-os a provar da doçura do Seu sangue. Em Sua bondade Ele chamou a Paulo de Tarso, mas passou por seus companheiros de viagem. Ele é bom ao chamar alguém, mas não é obrigado a chamar ninguém. Ele se deleita em salvar o mais vil e pior dos pecadores. Porque, vede, irmãos, a vossa vocação, que não são muitos os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres que são chamados (I Coríntios 1: 26). Ele salva muitas vezes aqueles que são seus piores inimigos, como Saulo, que respirava ameaças e mortes contra os discípulos do Senhor (Atos 9: 1). Ele faz retornar os homens que estavam contentes em caminhar nas estradas da destruição. Deus é tão bondoso que vence a nossa rebelião, nos transformando a despeito de nós mesmos, e triunfando sobre nossa resistência, quando Ele poderia facilmente nos ter abandonado.

6.    A bondade de Deus na providência fica evidente nas orações atendidas. A eficácia da oração não é resultado da maneira como pedimos, nem do temperamento da nossa alma, mas da bondade dAquele à quem nós oramos. Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará bens aos que lhe pedirem? (Mateus 7: 11). Ele ama a oportunidade de mostrar Sua bondade acima daquela demonstrada pelos nossos pais terrenos. Ele prefere que nossas petições almejem as grandes coisas que os céus podem dispor, ao invés das coisas frívolas deste mundo. Ele é mais liberal em nos abençoar do que nós em desejarmos. Quantas vezes Ele nos dá mais nós tivemos a sabedoria ou confiança de pedirmos!

7.    A bondade de Deus na providência fica evidente no fato dEle suportar as enfermidades do Seu povo e aceitar a nossa obediência imperfeita. Ele não levou em conta a maldade de Jacó. Não viu iniquidade em Israel, nem contemplou maldade em Jacó (Números 23: 21). Quantos reis de Judá foram elogiados por fazer o que era reto, embora leiamos dos pecados cometidos por eles! A onisciência de Deus conhece muito bem os seus pecados, mas a Sua bondade aceita a pessoa deles, em Cristo.

8.    A bondade de Deus na providência fica evidente nas perseguições e aflições. Foi-me bom ter sido afligido, para que aprendesse os teus estatutos (Salmo 119: 71). Deus, em Sua bondade remove de nós, através das aflições, a nossa falsa segurança e apoio, a nossa impureza misturada ao ouro, e tudo aquilo que poderia impedir a nossa verdadeira felicidade e utilidade. É muito gentil da parte dEle impedir que o homem caia de um penhasco, embora isso possa ser feito através de um vento violento, que o lance por terra e o deixe prostrado. A partir disso, Deus aperfeiçoa a nossa fé, nos conduz a oração, revelando tanto a si mesmo quanto a nós, como nunca ocorrera antes. Ele é tão bom que acompanha Seu povo em suas piores aflições. Ele disse a Jacó: E descerei contigo ao Egito, e certamente te farei tornar a subir (Gênesis 46: 4).

9.    A bondade de Deus na providência fica evidente nas tentações. Ele se faz presente desde o início até ao final de cada uma. Mas fiel é Deus, que não vos deixará tentar acima do que podeis, antes com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar (I Coríntios 10: 13). Ele encurta o tempo das tentações. Quanto mais severa, menor será o tempo que Deus a permitirá. O sofrimento violento de Cristo é repetidamente mencionado nas Escrituras como hora. Ele nos garante forças para suportar as tentações quando passamos por necessidades. Ele nos concede uma armadura para que possamos resistir aos dardos inflamados e vencer o inimigo de nossas almas. Ele nos concede grande conforto durante e após as tentações. Jó desfrutou, após os ataques que sofreu, de um conhecimento mais profundo de Deus e das evidências do Seu amor, como nunca houvera desfrutado antes. Embora Pedro tenha se mostrado fraco quando tentado, o Senhor enviou a ele uma palavra especial através de um anjo: Mas ide, dizei a seus discípulos, e a Pedro... (Marcos 16: 7). Através das tentações, Deus faz com que a Sua graça avance em nós. Que alegria é provar a bondade de Deus, e descobrir que, ao resistir às tentações, nós recebemos mais graça do que poderíamos imaginar! A bondade de Deus transforma o Diabo em uma politriz, enquanto este pensa ser um martelete destruidor. O espinho na carne de Paulo refreava o seu orgulho. Finalmente, Deus em Sua bondade nos torna mais aptos ao Seu serviço através das tentações que enfrentamos. Ele nos tempera na fornalha para fazer de nós um material muito melhor para a Sua obra. Pedro estava mais bem preparado para fortalecer os irmãos ao ser fortalecido após a sua própria falha. Que o nosso bom Deus possa nos capacitar a aprender deste atributo e aplicá-lo a nós mesmos.

I.    INSTRUÇÃO

1.    É um grande pecado abusar da bondade de Deus ou mesmo desprezá-la. Este pecado é muito comum e frequentemente cometido por todos. Todo pecado é, em última análise, uma negação da bondade de Deus, como se Ele tivesse nos mandado fazer aquilo que não é do nosso melhor interesse. A insistência do homem em pecar, mostra que ele considera a justiça como algo ruim, e o pecado como algo bom. Todo pecado é uma ofensa contra Deus, mas os pecados cometidos contra a Sua bondade são especialmente abomináveis. Ou desprezas tu as riquezas da sua benignidade, e paciência e longanimidade, ignorando que a benignidade de Deus te leva ao arrependimento? Mas, segundo a tua dureza e teu coração impenitente, entesouras ira para ti no dia da ira e da manifestação do juízo de Deus (Romanos 2: 4-5). Os pecados cometidos contra a bondade de Deus clamam por uma maior indignação de Sua parte. Se deixardes ao SENHOR, e servirdes a deuses estranhos, então ele se tornará, e vos fará mal, e vos consumirá, depois de vos ter feito o bem (Josué 24: 20). Jerusalém, que outrora fora a Sua cidade querida, foi transformada em um campo de sangue, por causa do seu desprezo contra a bondade de Deus em Cristo.

Vamos observar algumas maneiras pelas quais o homem demonstra seu desprezo à bondade de Deus:

- Quando se esquecem dos Seus benefícios. Quão rapidamente Adão fez isso! E quão rapidamente nós o fazemos também! O fato de estes benefícios serem tão amáveis e frequentes, deveria nos fazer abundar em ações de graça, mas ao invés disso, a nossa tendência é desprezá-los, fazendo com que nos esqueçamos de quão bom Deus é para conosco.

- Quando são impacientes e murmuradores. Em tempos de dificuldade, o homem acusa Deus de crueldade, falhando em perceber que todos os caminhos de Deus são bons. Após uma grande demonstração de bondade em Êxodo, Israel murmurou repetidamente contra Deus. Eles tolamente falaram como se Deus tivesse dado a eles muito, e queriam voltar a escravidão e aos seus exatores do Egito. O homem pensa ser melhor do que Deus. Adão imaginou que Deus de alguma maneira o invejasse, privando-o de algo que lhe era bom.

- Quando são incrédulos e impenitentes. Por que o homem não viria a Deus, exceto por duvidar da Sua bondade? A vinda do Seu Filho foi um dos maiores atos de bondade que Deus poderia expressar, e a nossa recusa em recebê-Lo é uma das maiores reprovações a tamanha liberalidade.

- Quando duvidam da Sua providência. Confiar nEle é reconhecer Sua bondade, assim como desconfiar dEle é supor que Ele seja mal. Em I Pedro 5: 7 somos ordenados a lançar todos os nossos cuidados sobre Ele, pois Ele cuida de nós. Se não fizermos isso, estaremos negando Seu cuidado e bondade para conosco.

- Quando se omitem de seus deveres. Aquele que se recusa a obedecer a Deus está na verdade dizendo: “Posso fazer isso muito bem sem Deus; não necessito da Sua bondade para sustentar-me”.

- Quando contam com a sua própria ajuda para assegurar o favor de Deus. Por exemplo: Em tempos de grande angústia, o homem faz um voto extraordinário a Deus, esperando em troca que as portas de Sua bondade se abram, como se Deus estivesse retendo-a até que receba algum suborno.

- Quando servem a Deus em troca de algum benefício e não por Ele mesmo. Isso revela um amor egoísta e interesseiro; mais amigos dos deleites do que amigos de Deus (II Timóteo 3: 4). Isso equivale a declarar que Deus não é melhor do que nós somos e nem é o nosso Supremo bem.

- Quando continuam no pecado por causa da bondade de Deus, isto é, ao empregarem as bênçãos de Deus para satisfação de suas concupiscências ou na adoração de algum ídolo. Muitos que são abençoados com riquezas se tornam orgulhosos e pródigos. Muitos abusam do dom de Deus de uma paz e segurança terrena, como uma oportunidade para pecar ainda mais, por desacreditarem de qualquer forma de julgamento. Muitos acumulam seus bens e agarram-se as luxúrias dos seus corações, vivendo somente para si mesmos e desprezando a Deus, que nos dá todas as coisas.

- Quando atribuem seus benefícios a outras causas que não seja a bondade de Deus. Nós proclamamos a nossa própria sabedoria e esforços, descartando a bondade de Deus, como se Ele não tivesse nada a ver com o nosso sucesso. Isso sem dúvida é idolatria.

2.     Se Deus é bom, então o homem certamente é uma criatura caída. O estado atual da humanidade, cheia de pecados e também sofrendo suas consequências, prova que a maldição está em vigor. Deus revelou-se a si mesmo como Juiz, pois o homem violou a Sua lei.

3.    Não haverá nenhuma reclamação justificável contra Deus por Ele punir aqueles que abusam da Sua bondade. Deus desembainha Sua espada somente contra aqueles que primeiramente desdenharam dEle e de Sua bondade. Quem poderá culpar a Deus por não mais demonstrar Sua bondade àqueles que a desprezaram, não lhe sendo agradecidos? Deus não pode ser acusado de injustiça, pois Ele deu a Adão os meios para resistir ao pecado, provendo depois os meios para recuperá-lo do mesmo, sendo tudo isso desprezado por nós. Portanto, a bondade de Deus justifica cada pedra colocada no fundamento do inferno.

4.    A bondade de Deus o capacita a governar o mundo. Ele é incapaz de realizar qualquer coisa que entre em desacordo com a Sua boa natureza. Ele não pode destruir qualquer bondade moral em Suas criaturas. Toda miséria humana vem dos próprios homens. Para a tua perda, ó Israel, te rebelaste contra mim, a saber, contra o teu ajudador (Oséias 13: 9). Deus não somente é apto a governar, mas realmente exerce Sua bondade ao fazer isso. É impensável que a bondade divina criaria o mundo e depois o abandonaria com indiferença. O fato do mundo ainda continuar a existir hoje, é um testemunho da bondade de Deus.

5.    A bondade de Deus é o alicerce da verdadeira religião e adoração. É o esplendor de todos os Seus atributos. Todos os atos de devoção emanam da liberalidade de Deus, quer presente ou prometida. A bondade de Deus nos atrai. A esposa de Jó o tentou quando questionou a bondade de Deus: Então sua mulher lhe disse: Ainda reténs a tua sinceridade? Amaldiçoa a Deus, e morre. Porém ele lhe disse: Como fala qualquer doida, falas tu; receberemos o bem de Deus, e não receberíamos o mal?(Jó 2: 9-10). Isto é, a bondade que Jó havia desfrutado o encorajou a adorar a Deus, muito mais do que o mal que ele havia sofrido o desencorajava.

6.    A Bondade de Deus o torna amável e maravilhoso. Porque, quão grande é a sua bondade! E quão grande é a sua formosura! (Zacarias 9: 17). Ele é amável em si mesmo. Somente com Ele o amor próprio é perfeito, pois não há ninguém melhor do que Ele que possa legitimamente reivindicar Suas afeições. Por este mesmo motivo Deus tem que ser bom para conosco, pois não há ninguém que seja bom como Ele. Se as nossas afeições não encontram prazer nEle, então estamos no mesmo nível que os demônios. Os Seus sentimentos de bondade o tornam especialmente amável, mais do que qualquer outro atributo. Portanto, nos encontramos sob forte obrigação, não somente por causa da Sua bondade absoluta, a qual é a excelência de Sua natureza, mas também por Sua bondade relativa, a qual Ele exerce para conosco. Somos beneficiados de muitas e extraordinárias maneiras na criação, providência e redenção. Nós não somos merecedores de Sua bondade, antes, somos cheios de deméritos. Se nós apreciamos a bondade imperfeita das criaturas, não deveríamos estimar muito mais a perfeita e infinita bondade de Deus? A única razão pela qual Deus manifesta a Sua bondade, é para que sejamos objetos do Seu amor, a fim de que obtenhamos retorno desta afeição. Não há absolutamente nada que seja digno do nosso amor além de Deus.

7.    A bondade de Deus o torna digno da nossa fé e confiança. Sua bondade é o alicerce de toda a nossa confiança nEle. O Salmista entrelaça estas duas ideias dizendo: Provai, e vede que o SENHOR é bom; bem-aventurado o homem que nele confia (Salmo 34: 8). Quem é melhor do que Deus? Em quem mais nós podemos confiar além de Deus? A Sua bondade é o motivo principal da nossa confiança? Se o vemos apenas como um juiz, então fugiremos dEle. É a bondade de Deus que nos atraia Ele e nos conduz ao arrependimento (Romanos 2: 4). Embora o Seu poder seja o fundamento da nossa confiança, a Sua bondade é o motivo da mesma. Debaixo do regime da lei, o poder de Deus se sobressaía, mas no evangelho, a Sua bondade é que se destaca. Por isso Oséias profetizou: Depois tornarão os filhos de Israel, e buscarão ao SENHOR seu Deus, e a Davi, seu rei; e temerão ao SENHOR, e à sua bondade, no fim dos dias (Oséias 3: 5). A nossa confiança nEle o glorifica. Nós nunca o agradamos mais do que quando confiamos nEle. Ele nunca irá desapontar a fé daquele que se lança nos braços de Sua bondade.

8.    A bondade de Deus o torna digno da nossa confiança e honra. O entendimento correto da bondade de Deus deveria nos conduzir a uma obediência voluntária e feliz. Tu és bom e fazes bem; ensina-me os teus estatutos (Salmo 119: 68). Os incontáveis benefícios que recebemos de Deus, deveria nos conduzir a uma submissão total a Ele. Estamos em dívida quanto a estas grandes obrigações por causa das grandes vantagens que desfrutamos da parte dEle. E mais ainda, pois o que nos leva a obediência e ao prazer é o fato de sabermos que Suas exigências são boas. Porque este é o amor de Deus: que guardemos os seus mandamentos; e os seus mandamentos não são pesados (I João 5: 3). Todos eles visam o nosso bem. Um Deus que é bom não poderia exigir de nós aquilo que é mau.

II.    CONFORTO.

Deus, em Sua bondade, deseja perdoar todo aquele que vem a Ele em busca de misericórdia. Pois tu, Senhor, és bom, e pronto a perdoar, e abundante em benignidade para todos os que te invocam (Salmo 86: 5). Ele é paciente com as falhas dos Seus filhos. Se nos achegamos a Ele com o mínimo de sinceridade, seremos aceitos.

A bondade de Deus nos conforta em nossas orações. A bondade se deleita em comunicar-se a si mesma. Deus nunca está cansado demais para demonstrar Sua bondade; Ele se deleita em nossas orações. Portanto, devemos orar com confiança e coragem, sabendo que Ele dá boas-vindas aos nossos pedidos. Ele até nos concedeu um Mediador por quem podemos nos aproximar do Seu trono. A Sua bondade nos encoraja a nos aproximarmos dEle.

A bondade de Deus nos conforta em nossas aflições. Por que deveríamos temer quando a Sua bondade infinita nos acompanha? Porque o SENHOR Deus é um sol e escudo; o SENHOR dará graça e glória; não retirará bem algum aos que andam na retidão (Salmo 84: 11). Assim como Elias, muitas vezes tememos morrer pelas mãos de Jezabel, mas nunca deveríamos esquecer que estamos nas mãos de Deus (I Reis 19: 2-4).

A bondade de deus assegura a nossa felicidade. É da própria natureza da bondade o comunicar a si mesma. Deus estaria nos enganando e trabalhando contra si mesmo se não buscasse satisfazer os desejos e anseios do Seu povo, doando-se a si mesmo. A Sua bondade é que primeiramente nos concedeu estes desejos e, sendo assim, ela irá cumpri-los na extensão do que a nossa natureza é capaz, e isso através de toda a eternidade.

A bondade de Deus nos conforta em tempos de perigo. O SENHOR é bom, ele serve de fortaleza no dia da angústia, e conhece os que confiam nele (Naum 1: 7).

III.    EXORTAÇÃO.

Vamos desejar a Deus ardentemente. Nada mais é digno da nossa ardente sede. Seria totalmente irracional não desejá-lo. A vontade do homem só sai em busca daquilo que é bom. Por isso, satanás tenta disfarçar o pecado como algo bom. Somente em Deus é que podemos encontrar a verdadeira e pura bondade, digna dos nossos mais profundos desejos. Não devemos ficar satisfeitos com alguns traços derivados da bondade das criaturas, mas desejarmos ansiosamente mergulhar em sua fonte. Todas as outras fontes são vãs, mas não há nada em Deus que possa nos desapontar. Raquel clamou a Jacó: Dá-me filhos, se não morro (Gênesis 30: 1), e seu último filho lhe custou a vida. Mas se clamarmos: Dá-me Deus, se não morro, nosso desejo será atendido sem que o tiro saia pela culatra.

Vamos meditar constantemente neste atributo. Em que outra atividade nós poderíamos ocupar melhor as nossas mentes? Nisso nós somos superiores às bestas brutas, pois refletimos sobre a bondade da mão que nos alimenta e conhecemos o Autor das nossas bênçãos. A terra está cheia da bondade do SENHOR (Salmo 33: 5). Além disso, quantos pecados Ele tem perdoado?! Quantas cadeias Ele já quebrou?! Ele faz aquilo que ama ver outros fazendo! Porque Deus ama ao que dá com alegria (II Coríntios 9: 7).

Meditar neste atributo fará:

- Que adoremos a Deus em verdade. Inclinar-me-ei para o teu santo templo, e louvarei o teu nome pela tua benignidade, e pela tua verdade; pois engrandeceste a tua palavra acima de todo o teu nome (Salmo 138: 2). Nada nos motiva a adorar de forma mais correta do que a uma clara compreensão da bondade de Deus.

- Que sejamos mais humildes. Ao sabermos que pecamos contra um Deus tão bondoso, não há mais lugar para o nosso orgulho. E como Ele é gracioso para conosco! Como alguém poderia se orgulhar de um dom que ele sabe não ser merecedor?

- Que fiquemos mais fiéis a Deus. Como ousaríamos desperdiçar a nossa vida em coisas tão insignificantes ao invés de dedicá-la ao nosso grande Benfeitor! Aqueles que são recipientes da bondade de Deus deveriam sentir-se enaltecidos em viver para um fim tão nobre.

- Que sejamos mais pacientes nas tribulações. Nós confiamos que Deus sempre cumpre aquela promessa de ouro que nos foi entregue em Romanos 8: 28, mesmo que não saibamos quais serão os meios que Ele utilizará para isso. Ele pode nos colocar em meio a nuvens, porém, nunca estaremos em trevas.

- Que estejamos acima do mundo. A correta compreensão da bondade de Deus irá inibir o nosso apetite pelas coisas mundanas e aguçar o nosso desejo por Deus.

- Que não sejamos invejosos. Ficaremos felizes ao vermos Deus estendendo a Sua bondade a mais alguém. Ou é mau o teu olho porque eu sou bom? (Mateus 20: 15). Todos sabem que Deus estende a Sua bondade àqueles que são conduzidos ao arrependimento (Romanos 2: 4).

- Que nos tornemos verdadeiramente agradecidos. Se não pensarmos mais profundamente na bondade de Deus, nosso louvor se tornará frio, um mero ritual. Isso nos leva a próxima exortação.

Sejamos agradecidos por esse atributo. Bendize, ó minha alma, ao SENHOR, e não te esqueças de nenhum de seus benefícios (Salmo 103: 2). Deus merece o nosso constante louvor por planejar a nossa recuperação enquanto estávamos mergulhados em nossa ruína. O Salmo 148 conclama a natureza inanimada a louvar a Deus, ou seja, o sol e a lua, os céus e águas, o fogo, a neve, o vento, as montanhas, e as árvores. Não deveriam todos os homens remidos adorar a Deus com muito maior gratidão em seus corações?! Não devemos colocar o nosso louvor sobre qualquer instrumento que Deus faça uso, e sim no próprio Deus!

E por fim, vamos imitar este atributo de Deus. Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus; Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos (Mateus 5: 44-45). Assim como Deus não seria perfeito sem este atributo de bondade, assim também nenhum Cristão é perfeito sem a bondade e a caridade. As Escrituras enfatizam estes dois deveres nesta conexão. Primeiro, nós devemos atender e socorrer os necessitados. Existe alguém que esteja tão abaixo de Deus que não possa ser objeto do seu cuidado? Assim também ninguém deveria estar fora do nosso interesse. Se Deus cuida das feras do campo, não deveríamos cuidar daqueles que são semelhantes a nós? Que sejamos bons mordomos dos dons de Deus, e não servos negligentes. Que aprendamos que realmente é melhor dar do que receber (Atos 20: 35). Deus se deleita tanto quando o imitamos nisso, que nos promete abençoar por um copo de água que venhamos a dar com o objetivo de glorificá-Lo (Mateus 10: 42).

Segundo, devemos ser bons com os nossos piores inimigos. Como Deus é bom com aqueles que blasfemam dEle e ainda continuam a respirar! E não é um sintoma de fraqueza ou desgraça sermos semelhantes a Deus. Se o coração de Deus está aberto sempre para nós, então não devemos fechar o nosso para ninguém.


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Autor: Stephen Charnock
Compilado para o seculo 21: Daniel A. Chamberlin
Tradução: Eduardo Cadete 2011
Fonte: Palavra Prudente

01:48
"Está consumado"! Aquele que faz esse anúncio sobre a cruz é o Filho de Deus; foi Ele quem disse havia apenas um dia antes, em vista dessa consumação: "Eu te glorifiquei na terra, consuman­do a obra que me confiaste para fazer". Ele sabe o que está dizendo ao proferir isso; Ele é a "testemunha fiel e verdadeira". Suas pala­vras são verdadeiras e plenas de significado.

Ele faz esse anúncio diante do Pai, como se clamasse a Ele para confirmá-lo. Ele o faz diante do céu e da terra, diante dos homens e dos anjos, diante de judeus e gentios. Ele faz isso por nós. Ouçam, ó filhos dos homens! A obra que salva está concluída. A obra que justifica está feita.

A perfeição anunciada dessa forma é grandiosa e significa­tiva. É aquela pela qual todos os confins da terra se interessam. Tivesse ela sido deixada inacabada, que esperança haveria para o homem ou para a Terra do homem? Mas ela foi começada; levada a cabo e consumada; nenhuma falha se encontra nela; não lhe falta parte alguma; nem um "i" ou um "til" falhou. Ela é completamente perfeita.

Essa perfeição ou consumação nos proclama coisas como estas: a conclusão do propósito do Pai, a conclusão da expiação, a conclusão da obra justificadora, a perfeição do ato de levar o pecado e cumprir a lei, a perfeição da justiça, a perfeição da aliança e do selo da aliança. Tudo foi consumado, e consumado por Aquele que é o Filho do Homem e o Filho de Deus; consuma­do de modo perfeito e eterno; nada precisa ser acrescentado ou tirado dessa obra, seja pelo homem, por Satanás ou por Deus. O sepultamento do Substituto nada acrescenta a essa perfeição; a ressurreição não faz parte dessa obra justificadora. Tudo foi concluído na cruz.

Tudo está tão consumado que o pecador pode imediatamen­te utilizá-lo para ter perdão, descanso, aceitação e justificação. Permanecendo ao lado desse altar, onde o grandioso holocaus­to foi colocado e consumido a cinzas, o pecador sente que lhe foram dadas todas as bênçãos. E que aquilo que foi garantido pelo altar ignora o pecador simplesmente em virtude de ele ter tomado a sua posição diante do altar, identificando-se dessa maneira, com a vítima. Ali, o descontentamento divino contra o pecado exauriu a si mesmo; ali, a justiça foi obtida para o injusto; ali, o aroma suave do descanso está continuamente su­bindo de Deus; ali, a completa inundação do amor divino está sempre fluindo; ali, Deus encontra o pecador em Sua mais ple­na graça, sem reservas ou impedimento; ali, a paz que foi feita por meio do derramamento de sangue é encontrada pelo peca­dor; ali, a reconciliação é proclamada, e a voz que a proclama do altar chega até os confins da terra; ali, os embaixadores da paz tomam sua posição para cumprir sua missão diplomática, rogando aos filhos dos homens que estão perto e distante, di­zendo: Agora "somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus".

A ressurreição foi o selo grandioso e visível posto sobre essa perfeição. Ela foi a resposta do Pai ao clamor vindo da cruz: "Está consumado". Assim como no batismo Ele falou lá de Sua glória excelsa, dizendo: "Este é o meu Filho amado, em quem me com­prazo"; Ele também falou na ressurreição, não através de uma voz audível, mas dando, por meio dela, testemunho não apenas da ex­celência da Pessoa, mas também da perfeição da obra de Seu Filho Unigênito. A ressurreição nada acrescentou à propiciação feita na cruz; ela proclamou que ela já está consumada e é incapaz de ter um acréscimo ou uma perfeição maior.

A ascensão contribuiu para esse testemunho, principal­mente o fato de Ele se assentar à destra de Deus. "Jesus, porém, tendo oferecido, para sempre, um único sacrifício pelos peca­dos, ASSENTOU-SE à destra de Deus" (Hb 10.12). "Depois de ter feito a purificação dos pecados, ASSENTOU-SE à direita da Majestade, nas alturas" (Hb 1.3). A postura em pé dos antigos sacerdotes demonstrava que a obra deles era uma obra incom­pleta. O fato de o nosso Sumo sacerdote se assentar notifica a todo o céu que a obra está consumada, e que a "eterna redenção foi obtida". E aquilo que foi anunciado no céu foi proclamado na Terra por aqueles a quem Deus enviou, no poder do Espírito Santo, para contar aos homens as coisas que nem olhos viram e nem ouvidos ouviram.

Esse "assentar-se" continha o evangelho em si mesmo. A primeira nota desse evangelho ressoou em Belém, vinda da manjedoura onde o bebê foi posto; a última, veio do trono do céu, quando o Filho de Deus retornou, em triunfo, de Sua mis­são de graça na Terra e tomou o Seu lugar à destra da Majestade no céu.

Entre esses dois extremos, a manjedoura e o trono, quanta coisa está contida para nós! Todo o amor de Deus está ali. A su­prema riqueza da graça divina está ali. A plenitude do poder, da sabedoria e da justiça, que surgiu não para destruir, mas para salvar, está ali. Esses extremos são as duas paredes divisórias dessa maravilhosa despensa da qual devemos nos alimentar durante os tempos eternos.

Conhecemos um pouco do que está contido nessa casa do te­souro em alguma medida, mas o seu vasto conteúdo é imensurável e está além de toda a compreensão. A revelação eterna desse con­teúdo para nós será uma alegria perpétua. Além da excelência da herança, da beleza da cidade e da glória do reino, que nos levará a dizer: "Caem-me as divisas em lugares amenos", haverá em nos­so conhecimento sempre crescente das "insondáveis riquezas de Cristo", iluminação, renovação e satisfação, as quais, mesmo que todo o brilho exterior se desvanecesse, seriam suficientes para a nossa alma por todas as eras vindouras.

A presente glória de Cristo é a recompensa por Sua humi­lhação aqui. Porque Ele a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz, Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome. Ele usa a coroa de glória porque usou a coroa de espi­nhos. De caminho, bebe na torrente e passa de cabeça erguida (Sl 110.7).

Mas isso não é tudo. Essa glória à qual Ele é agora exaltado é o testemunho permanente, diante de todo o céu, de que Sua obra foi consumada na cruz. Ele disse: "Eu te glorifiquei na ter­ra, consumando a obra que me confiaste para fazer"; e depois ele acrescentou: "Agora, glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de ti, antes que houvesse mundo" (Jo 17.4,5).


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Fonte: Trecho do livro "A Justiça Eterna", que será lançado pela Editora Fiel em dezembro de 2012.
Tradução: Waléria Coicev.
Revisão: Wilson Porte.
Editora Fiel.

22:53
Para que Alguém Possa Chegar a Deus, O Criador,
É Necessário Que Tenha A Escritura Por Guia e Mestra.

O Verdadeiro Conhecimento de Deus está na Bíblia.

        Portanto, se bem que o fulgor que se projeta aos olhos de todos, no céu e na terra, retire totalmente toda base para a ingratidão dos homens - e ainda que Deus, para envolver o gênero humano na mesma culpa, mostre a todos esboçada nas criaturas, sua Divina Majestade -, é necessário, contudo, além disso, acrescentar outro recurso melhor, que nos dirija retamente ao próprio Criador do universo. Por isso, não foi em vão que Deus acrescentou a luz de Sua Palavra para fazer-Se conhecido para a salvação do homem. E considerou dignos deste privilégio a todos aqueles aos quais quis trazer, para perto de Si, mais aproximada e intimamente.

        Ora, porque Deus via a mente de todos ser arrastada, de um lado para outro, por constante e imutável agitação - depois de escolher os judeus para Si, como povo especial -, cercou-os por todos os lados, para que não se extraviassem com os demais povos. E não é em vão que ele nos mantém, por meio do mesmo remédio, no puro conhecimento de Si próprio, porque, de outra forma, se desfariam bem rapidamente até mesmo os que parecem mais firmes do que os outros. É exatamente como acontece com pessoas idosas ou enfermas dos olhos, e a todos quantos sofre de visão embaraçada: se pusermos diante delas até mesmo um volume vistoso, ainda que reconheçam estar ali algo escrito, mal poderão, contudo, ajuntar duas palavras. Ajudadas, porém, com o auxílio de óculos, essas pessoas começarão a ler de maneira eficiente. Assim a Escritura, reunindo na nossa mente, o conhecimento de Deus - que, de outro modo, seria confuso fazendo desaparecer a escuridão -, mostra-nos, com clareza transparente, o Deus Verdadeiro.

        Constitui, pois uma dádiva singular o fato de Deus - para instruir a igreja -, servir-Se não apenas de mestres mudos, mas, ainda, abrir sua boca sacrossanta para não simplesmente proclamar que se deve adorar a Deus, mas também, ao mesmo tempo, declarar que Ele é esse Deus a quem devemos adorar. E não ensina Ele meramente aos eleitos que devem obedecer a Deus, mas mostra-Se como Aquele a Quem eles devem obedecer. Este modo de agir Deus tem mantido para com sua igreja, desde o princípio, de modo que, afora essas evidências comuns, Ele aplicasse também a palavra que é a marca direta e segura para reconhecê-LO.

        Nem é para se duvidar de que Adão, Noé, Abraão e os demais patriarcas - em função deste recurso - tenham conseguido mais íntimo conhecimento de Deus, fato que, de certo modo, os destingue dos incrédulos. Não estou falando ainda da doutrina da fé, pela qual eles haviam sido iluminados para a esperança da vida eterna. Ora, para que pudessem eles passar, da morte para a vida, foi necessário que eles conhecessem a Deus não apenas como Criador, mas também como Redentor, pois eles chegaram a conhecer a Deus desses dois modos, seguramente, através da Palavra.

        Ora, pela ordem, veio primeiro aquela modalidade de conhecimento mediante o qual lhes foi dado compreender quem é Deus, por meio de Quem o mundo foi criado e é governado. Em seguida, acrescentou-se, depois, a outra modalidade de conhecimento, interior, porque só esse conhecimento vivifica as almas mortas e só por ele se conhece a Deus não apenas como Criador do universo, Autor e Árbitro único de todas as coisas que existem, mas também na Pessoa do Mediador, como Redentor. Contudo, porque não tratei ainda da queda do mundo e da corrupção da natureza, não apresento ainda, aqui, o remédio.

        Devem lembrar-se, portanto, os leitores de que não farei ainda considerações a respeito do pacto, mediante o qual Deus adotou, para Si, os filhos de Abraão, mas tratarei ainda daquela parte da doutrina pela qual os fiéis sempre foram apropriadamente separados das pessoas profanas, por aquela doutrina se fundamenta em Cristo (e, por isso, deve ser abordada na seção Cristológica); Agora, entretanto, só focalizarei como se deve aprender, da Escritura, que Deus como Criador, se distingue - por meio de marcas seguras - de toda a inventada multidão de deuses. Oportunamente depois, a própria seqüência dos fatos conduzirá ao estudo da redenção. Embora devamos derivar muitos testemunhos do Novo Testamento, e outros testemunhos da lei e dos profetas - onde se faz clara referência a Cristo -, sabemos que todos estes testemunhos visam mostrar que Deus, o Artífice do universo, se torna patente na Escritura e nela também se ensina o que devemos pensar a respeito de Deus, para que não busquemos, por caminhos tortuosos, alguma divindade incerta.

A Bíblia é a Palavra de Deus Escrita

        Quer Deus Se tenha feito conhecido, aos patriarcas, através de visões ou oráculos, quer tenha dado a conhecer - mediante a obra e ministério de homens -, aquilo que, depois, transmitiria a pósteros pelas próprias mãos, está fora de dúvida que Deus gravou, no coração deles, a firme certeza da doutrina, de modo que fossem convencidos de que procedia de Deus o que haviam aprendido. Por isso Deus, pela Sua Palavra, tornou a fé segura para sempre, fazendo-a superior a toda mera opinião. Finalmente para que em perpétua continuidade de doutrina, a verdade permanecesse no mundo, sobrevivendo a todos os séculos, quis Deus que esses mesmos oráculos - que deixou em depósito com os Patriarcas -, fossem registrados como em públicos instrumentos. Com este propósito foi promulgada a Lei, à qual se acrescentaram, depois, como intérpretes, os Profetas.

        Ora, se bem que foi múltiplo o uso da lei - como se verá no lugar mais adequado -, na verdade, foi dada especialmente a Moisés e a todos os profetas (a responsabilidade de) ensinar o modo de reconciliação entre Deus e os homens, fato que levou Paulo a dizer que Cristo é o fim da Lei (Rm.10:4). Contudo, torno a afirmar que, além da apropriada doutrina da fé e do arrependimento - que apresenta Cristo como Mediador -, a Escritura adorna, com sinais e marcas inconfundíveis, o Deus Único e Verdadeiro como Criador e Governador do mundo, para que Ele não seja confundido com a espúria multidão de deuses.

        Portanto, por mais que ao homem sério convenha levar em conta as obras de Deus - um vez que foi ele colocado no belíssimo teatro do mundo para ser espectador da obra divina -, contudo, para ele poder aproveitá-la melhor, precisa dar ouvido à Palavra. Por isso, não é de admirar que os que nasceram nas trevas endureçam, mais e mais, a sua sensibilidade, visto que muito poucos se submetem docilmente à Palavra de Deus, de maneira a respeitar os seus limites; ao contrário, antes se gloriam em sua presunção.

        Mas, para que a verdadeira religião resplandeça em nós, é preciso que ela seja o ponto de partida da doutrina celeste, pois não pode provar se quer o mais leve gosto da reta e sã doutrina, senão aquele que se tornar discípulo da Escritura. Pois o princípio do verdadeiro entendimento vem do fato de abraçar-mos, reverentemente, o Deus testifica de Si mesmo na Escritura. Da obediência à Palavra de Deus nascem não somente a fé consumada e completa, em todos os seus aspectos, mas também todo reto conhecimento de Deus. E neste aspecto, fora de toda dúvida, Deus, com singular providência, levou em conta os mortais em todos os tempos.

 A Bíblia é o Único Escudo que Nos Protege do Erro

        De fato, se refletirmos quão acentuado é a tendência da mente humana para esquecer a Deus, quão grande é a inclinação dos homens para com toda espécie de erro e quão pronunciado é o gosto deles para forjar, a cada instante, novas fantasiosas religiões, poderemos perceber como foi necessário a autenticação escrita da doutrina celeste, para que ela não desaparecesse pelo esquecimento, nem se desfizesse pelo erro, nem fosse corrompida pela petulância dos homens.

        Deste modo, como está sobejamente demonstrado, Deus providenciou o auxilio de Sua Palavra para todos aqueles aquém quis instruir de maneira eficaz, pois sabia ser insuficiente a impressão de Sua Imagem na estrutura do universo. Portanto, se desejamos, com seriedade, contemplar a Deus de forma genuína, precisamos trilhar a reta vereda indicada na Sua Palavra.

        Importa irmos à Palavra na qual, de modo vivo e real, Deus Se apresenta a nós em função de Suas obras, ao mesmo tempo em que essas mesmas obras são apreciadas, não sendo o nosso julgamento corrompido, mas de acordo com a norma da verdade eterna. Se nos desviarmos da Palavra, como ainda há pouco frisei, mesmo que nos esforcemos com grande empenho - pelo fato de a corrida ser fora da pista - jamais conseguiremos atingir a meta. Devemos pensar que o esplendor da face divina, que até mesmo o Apóstolo Paulo reconhece ser inacessível (I Tm.6:16), é para nós um labirinto emaranhado, no qual só podemos entrar se, através dele, formos guiados pelo fio da Palavra. Por isso, é preferível andar mancando, ao longo deste caminho a correr velozmente fora dele!

        É por isso que, não poucas vezes, nos Salmos 93, 96, 97 e outros, ensinando que devemos tirar do mundo as superstições, para que floresça a religião pura, Davi representa a Deus como Aquele que reina, dando a entender, pelo termo reinar, não o poder de que Deus está investido e que exerce no governo universal da natureza, mas significando a doutrina pela qual reivindica, para Si, a legítima soberania, visto que jamais se pode arrancar os erros do coração humano, enquanto nele não se implantar o verdadeiro conhecimento de Deus.

A Revelação da Bíblia é Superior a Revelação da Criação

        Por isso, onde o mesmo profeta afirma que os céus proclamam a glória de Deus, que o firmamento anuncia as obras das Suas mãos e que a regular seqüência dos dias e das noites apregoa a Sua majestade (Sl19:1-2), em seguida faz menção de Sua Palavra: "A Lei do Senhor" diz ele, "é perfeita e restaura as almas; o testemunho do Senhor é fiel e dá sabedoria aos simples; os mandamentos do Senhor são retos e alegram o coração; o preceito do Senhor é puro e ilumina os olhos" (Sl19:7-8). Ora, ainda que faça referência a outros usos da Lei, assinala ele, contudo, de modo geral, que Deus ainda que em vão convide a Si todos os povos, pela contemplação de Suas obras, oferece a Escritura como a única escola de Seus filhos.

        Idêntica é a maneira como o Profeta fala no Sl.29, porque, depois de discursar a respeito da terrível voz de Deus - que sacode a terra com trovões, ventanias, chuvas, furacões e tempestades, fazendo tremer as montanhas e despedaçando os cedros - acrescenta, ao final, que no santuário de Deus se cantam louvores, visto que os incrédulos são surdos a todas as vozes de Deus, que ressoam nos ares! Da mesma maneira conclui ele outro Salmo, onde descreve as espantosas ondas do mar: "Confirmados foram os Teus testemunhos; a santidade é, para sempre, a formosura do Teu templo"(Sl.93:5). Daí vem também o que Cristo disse à mulher samaritana (Jo.4:22): que a gente dela e os outros povos adoravam o que desconheciam; que só os judeus prestavam culto ao Deus verdadeiro!

        Ora, já que a mente humana, por causa da sua estupidez, não pode chegar até Deus, a menos que seja guiada e sustentada por Sua Sagrada Palavra, com exceção dos judeus (que eram guiados pela Palavra) todos os mortais - pelo fato de buscarem a Deus sem a Palavra -, tiveram de vagar na estultice e no erro!

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Fonte: As Institutas da Religião Cristã - Livro I, Capítulo 6.

20:02
A Bíblia - C. H. Spurgeon
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Um Sermão (Nº 0015)
Pregado na Manhã de Domingo, 18 de Março de 1855 pelo
Reverendo C. H. Spurgeon
No Exeter Hall, Strand— Londres —Inglaterra

“Escrevi-lhe as grandezas da minha lei, porém essas são estimadas como coisa estranha” (Oséias 8:12)

Esta é a queixa de Deus contra Efraim. Não é uma prova insignificante de Sua bondade, que Ele se incline para repreender Suas criaturas errantes; é uma grandiosa evidência de Sua disposição cheia de graça, que incline Sua cabeça para observar os assuntos da terra. Se Ele quisesse, poderia Se envolver com a noite como se fosse um vestido; poderia colocar as estrelas ao redor de Sua mão como se fossem um bracelete e unir os sóis ao redor de Sua testa como um diadema; poderia morar só, longe, muito acima deste mundo, acima do sétimo céu, e contemplar com calma e silenciosa indiferença todas as atividades das criaturas.

Poderia fazer como Júpiter que, segundo criam os pagãos, se assentava em perpétuo silêncio, fazendo cenas às vezes com sua terrível cabeça, para fazer com que os destinos se movam segundo lhe agrade, porém ignorando as coisas pequenas da terra, e considerando-as indignas de chamar sua atenção; absorto em seu próprio ser, absorto em Si mesmo, vivendo só e separado. E eu, como uma de Suas criaturas, poderia subir ao cume de uma montanha e olhar para as estrelas silenciosas e dizer-lhes: “Vós sois os olhos de Deus, porém não olhais para mim; a vossa luz é um dom de Sua onipotência, porém esses raios não são sorrisos de amor para mim. Deus, o poderoso Criador, me esqueceu; sou uma gota desprezível no oceano da criação, uma folha seca no bosque dos seres viventes, um átomo na montanha da existência. Ele não me conhece, estou só, só, só”.

Porém não é assim, amados. Nosso Deus é de uma ordem diferente. Ele observa a cada um de nós. Não existe nem mesmo um pardal ou um verme que não se encontre em Seus decretos. Não há uma pessoa sobre a qual não estejam os Seus olhos. Nossos atos mais secretos são conhecidos por Ele. Qualquer coisa que façamos, que suportemos ou soframos, o olho de Deus sempre descansa sob nós e Seu sorriso nos cobre, pois somos Seu povo; ou a Sua desaprovação nos envolve, pois temos nos apartado dEle.

Oh! Deus é dez mil vezes misericordioso, pois contemplando a raça do homem, não finda com sua existência. Vemos por nosso texto que se interessa pelo homem, porquanto disse a Efraim: “Escrevi-lhe as grandezas da minha lei, porém essas são estimadas como coisa estranha”. Porém, vejam como quando observa o pecado do homem, não o destrói ou despreza a ponta-pés, nem tampouco o sacode pelo pescoço sobre o abismo do inferno até fazer sua mente cambalear pelo terror, para, finalmente, lançá-lo nele para sempre; pelo contrário, Deus desce do céu para argumentar com Suas criaturas, discute com elas, Se rebaixa, por assim dizer, ao mesmo nível do pecador, lhe expõe Suas queixas e alega os Seus direitos. Oh! Efraim, “escrevi-lhe as grandezas da minha lei, porém essas são estimadas como coisa estranha”.

Venho esta noite como enviado de Deus, amigos meus, para tratar com vocês como embaixador de Deus, para acusar de pecado a muitos de vocês; para fazer-lhes ver sua condição, com o poder do Espírito; para convencer-lhes do pecado, da justiça e do juízo vindouro. O crime do qual vos acuso é o pecado que lemos neste texto. Deus escreveu as grandezas de Sua lei, e elas foram tidas como coisa estranha. É precisamente sobre este bendito livro, a Bíblia, que pretendo falar no dia de hoje. Aqui está meu texto: esta é a Palavra de Deus. Aqui está o tema de meu sermão, um tema que demanda mais eloqüência do que a que possuo; um assunto sobre o qual poderiam falar milhares de oradores ao mesmo tempo; um tema poderoso, amplo e um assunto inesgotável que, ainda que consumindo toda a eloqüência da eternidade, não permaneceria esgotado.

Esta noite tenho três coisas para dizer acerca da Bíblia, e as três se encontram no meu texto. Primeira, Seu autor: “[Eu] escrevi-lhes”; segunda, seus temas: as grandezas da lei de Deus; e terceira, seu tratamento generalizado: foram tidas pela maioria dos homens como coisa estranha.

I. Primeiro, então, com relação a este livro, quem é O AUTOR? O texto nos diz que é Deus. “Eu escrevi-lhes as grandezas de minha lei”. Aqui está minha Bíblia, quem a escreveu? Abro-a e observo que se compõe de uma série de tratados. Os primeiros cinco livros foram escritos por um homem chamado Moisés. Passo as páginas, e vejo que há outros escritores tais como Davi e Salomão. Aqui leio Miquéias, então Amós, então Oséias. Prossigo adiante e chego às luminosas páginas do Novo Testamento, e vejo Mateus, Marcos, Lucas e João; Paulo, Pedro, Tiago e outros; porém, quando fecho o livro, me pergunto: quem é o seu autor? Podem estes homens, juntamente, reivindicar a autoria deste livro? São eles realmente os autores deste extenso volume? Divide-se entre todos eles a honra? Nossa santa religião responde: Não!

Este volume é a escrita do Deus vivo: cada letra foi escrita por um dedo Todo-poderoso; cada palavra saiu dos lábios eternos, cada frase foi ditada pelo Espírito Santo. Ainda que Moisés tenha sido usado para escrever suas histórias com sua ardente pluma, Deus guiou essa pluma. Pode ser que Davi tenha tocado sua harpa, fazendo que doces e melodiosos salmos brotassem de seus dedos, porém Deus movia Suas mãos sobre as cordas vivas de sua harpa de ouro. Pode ser que Salomão que tenha cantado os Cânticos de amor, ou pronunciado palavras de sabedoria consumada, porém Deus dirigiu seus lábios, e fez eloqüente ao Pregador. Se sigo ao trovejador Naum, quando seus cavalos aram as águas, ou a Habacuque quando vê as tendas de Cusã em aflição; se leio Malaquias, quando a terra está ardendo como um forno; se passo para as serenas páginas de João, que nos falam de amor, ou para os severos e fogosos capítulos de Pedro, que falam do fogo que devora os inimigos de Deus, ou para Judas, que lança anátemas contra os adversários de Deus; em todas partes vejo que é Deus quem fala.

É a voz de Deus, não do homem; as palavras são as palavras de Deus, as palavras do Eterno, do Invisível, do Todo-poderoso, do Jeová desta terra. Esta Bíblia é a Bíblia de Deus; e quando a vejo, parece que ouço uma voz que surge dela, dizendo: “Sou o livro de Deus; homem, leia-me. Sou a escrita de Deus: abra minhas folhas, porque foram escritas por Deus; leia-as, porque Ele é meu autor, e O verá visível e manifesto em todas as partes”. “[Eu] escrevi-lhe as grandezas da minha lei, porém essas são estimadas como coisa estranha”.

Como sabemos que Deus escreveu este livro? Não tentarei responder a esta pergunta. Poderia fazê-lo se quisesse, porque há razões e argumentos suficientes, porém não penso em roubar o vosso tempo nesta noite, expondo esses argumentos à vossa consideração; sim, não farei isso. Se quisesse, poderia lhes dizer que a grandeza do estilo está acima de qualquer escrita mortal, e que todos os poetas que já existiram no mundo, com todas suas obras juntas, não poderiam nos oferecer uma poesia tão sublime, nem uma linguagem tão poderosa como podemos encontrar nas Escrituras.

Poderia insistir que os temas que se tratam na Bíblia estão muito acima do intelecto humano; que o homem nunca poderia ter inventado as grandes doutrinas da Trindade na Deidade; que o homem nunca poderia ter nos dito nada da criação do universo; nenhum ser humano poderia ter sido o autor da sublime idéia da Providência; que todas as coisas são ordenadas segundo a vontade de um grandioso Ser Supremo, e que todas elas cooperam juntamente para o bem. Poderia falar-lhes acerca de sua honestidade, pois relata as falhas de seus escritores; de sua unidade, pois nunca se contradiz; de sua simplicidade magistral, para que o mais simples a possa ler. E poderia mencionar centenas de coisas mais, que poderiam demonstrar com claridade que o livro é de Deus. Porém, não vim aqui para provar isso.

Sou um ministro cristão, e vocês são cristãos, ou professam sê-lo; e nenhum ministro cristão precisa provar seu ponto de vista, trazendo os argumentos dos pagãos para respondê-los. É a maior insensatez do mundo. Os infiéis, pobres criaturas, não conhecem seus próprios argumentos até que nós lhes contemos, e eles, juntando-os pouco a pouco, voltam a lançar-lhes como lanças sem pontas contra o escudo da verdade. É uma insensatez tirar estes tições do fogo do inferno, ainda que estejamos bem preparados para apagá-los. Deixemos que os homens do mundo aprendam o erro por si mesmos; não sejamos propagadores e suas falsidades. É certo que há pregadores que, não contando com os argumentos suficientes, os tiram de qualquer parte; porém os homens eleitos pelo próprio Deus não necessitam fazer isso; eles são ensinados por Deus, e Deus lhes supre os temas, as palavras e o poder.

Talvez haja alguém aqui nesta noite que tenha vindo sem fé, um homem racionalista, um livre pensador. Com esse homem não irei discutir. Confesso que não estou aqui para participar de controvérsias, mas para pregar o que conheço e sinto. Porém eu também já fui como esse homem. Houve uma hora má em minha vida, quando soltei a âncora da minha fé; eu cortei o cabo das minhas crenças e, já não querendo estar por mais tempo ao abrigo das costas da Revelação, deixei que meu navio andasse a deriva, impulsionado pelo vento. Disse à razão: “Sê minha capitã”; disse ao meu próprio cérebro: “sê meu timão”. E assim comecei minha louca viagem. Graças a Deus tudo isso já terminou. Porem, lhes contarei sua breve história.

Foi uma navegação precipitada pelo tempestuoso oceano do livre pensamento. Conforme avançava, os céus começaram a escurecer; porém, para compensar essa deficiência, as águas eram brilhantes com fulgores esplendorosos. Eu via que subiam centelhas que me agradavam, e pensei: “Se isto é o livre pensamento, é algo maravilhoso”. Meus pensamentos pareciam jóias e eu espalhava estrelas com minhas duas mãos; porém imediatamente, no lugar daqueles fulgores de glória, vi amargos amigos, ferozes e terríveis, surgindo das águas, e conforme prosseguia, eles rangiam seus dentes e zombavam de mim; eles se apegaram à proa do meu navio e me arrastaram. Enquanto eu, em parte, me gloriava da rapidez com que me movia, me estremecia, contudo, pela velocidade terrível com que deixava para trás os velhos pilares da minha fé.

Conforme seguia avançando a uma velocidade espantosa, comecei a duvidar da minha própria existência; duvidava que o mundo existisse; duvidava que houvesse tal coisa como meu próprio eu. Cheguei à própria borda dos domínios sombrios da incredulidade. Fui até ao próprio fundo do mar da infidelidade. Duvidava de tudo. Porém aqui Satanás enganou a si mesmo, porque a própria extravagância das dúvidas me demonstrou o absurdo delas. Justamente quando vi o fundo desse mar, escutei uma voz que dizia: “E pode esta dúvida ser verdade?” Por causa deste pensamento voltei à realidade. Despertei-me desse sono de morte, que, Deus o sabe, poderia ter condenado minha alma e destruído meu corpo, se não tivesse despertado.

Quando me levantei, a fé tomou o timão; a partir desse momento já não duvidei. A fé conduziu meu navio de volta; a fé gritava: “Longe daqui, longe daqui!” Lancei minha âncora no Calvário; alcei meus olhos a Deus, e eis-me aqui vivo e fora do inferno. Portanto, eu digo o que sei. Naveguei nessa viagem perigosa; regressei ao porto são e salvo. Peça-me que seja outra vez um incrédulo! Não, já o provei. Foi doce ao princípio, mas amargo depois. Agora, atado ao Evangelho de Deus mais firmemente do que nunca, parado sobre uma rocha mais dura do que o diamante, desafio os argumentos do inferno a que me movam, “porque eu sei em quem tenho crido, e estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele dia” .

Porém, não vou refutar nem argumentar nesta noite. Vocês professam ser homens cristãos, pois do contrário não estariam aqui. Vossa profissão pode ser falsa; o que vocês dizem ser, pode ser exatamente o contrário do que realmente são. Porém, ainda assim, eu suponho que todos vocês admitem que esta é a Palavra de Deus. Portanto, um ou dois pensamentos sobre isto. “[Eu] escrevi-lhe as grandezas da minha lei”.

Primeiro, meus amigos, examinem este volume e admirem sua autoridade. Este não é um livro comum. Não contém os ditos dos sábios da Grécia, nem os discursos dos filósofos da antiguidade. Se estas palavras tivessem sido escritas pelo homem, poderíamos rejeitá-las; porém, oh!, deixe-me pensar um pensamento solene: que este livro é a letra de Deus, que estas são Suas palavras. Deixe-me investigar sua antiguidade: está datado das colinas do céu. Permita-me que olhe suas letras: relampejam glória em meus olhos. Deixe-me ler seus capítulos: seu significado é grandioso e contêm mistérios escondidos. Nos voltemos para as profecias: estão cheias de maravilhas inefáveis. Oh, livro dos livros! E foste tu escrito por meu Deus? Então, me prostro diante de ti. Tu, livro de vasta autoridade; tu és uma proclamação do Imperador do Céu. Longe esteja de mim exercitar minha razão para contradizer-te. Razão!, tua função é considerar e averiguar o que este volume quer dizer, e não estabelecer o que deveria dizer.

Vamos, vós, minha razão e meu intelecto, sentem-se e escutem, porque estas palavras são as palavras de Deus. Sinto-me incapaz de estender-me neste pensamento. Oh, se tu pudesses recordar sempre que esta Bíblia foi verdadeira e realmente escrita por Deus! Oh! se se lhes houvesse permitido entrar nas câmaras secretas do céu, e tivessem podido contemplar a Deus quando tomava Sua pluma e escrevia estas letras, então com seguranças as respeitariam. Porém, são efetivamente o manuscrito de Deus, tanto como se vocês tivessem visto Deus escrevendo-as. Esta Bíblia é um livro de autoridade, é um livro autorizado, pois Deus o escreveu. Oh, temam, não a desprezem; observem sua autoridade, porque é a palavra de Deus.

Então, posto que Deus a escreveu, notem sua veracidade. Se eu a tivesse escrito, haveria vermes críticos que de imediato a atropelariam, e a cobririam com suas larvas malvadas. Se eu a tivesse escrito, não faltariam homens que a despedaçassem imediatamente, e talvez com muita razão. Porém, esta é a Palavra de Deus. Aproximem-se, investiguem, vós críticos, e encontrem uma falha; examinem-na desde seu Gênesis até seu Apocalipse, e encontrem um erro. Esta é uma veia de puro ouro, sem mescla de quartzo, ou de qualquer outra substância terrena. Esta é uma estrela sem mancha, um sol de perfeição, uma luz sem sombra, uma lua sem sua palidez, uma glória sem penumbra.

Oh, Bíblia, não se pode dizer de nenhum outro livro que seja perfeito e puro; porém, nós podemos declarar de ti que toda a sabedoria se encontra encerrada em ti, e não há nenhuma partícula de insensatez. Este é o juiz que põe fim a toda discussão, ali onde a inteligência e a razão fracassam. Este livro não tem mancha de erro; mas é puro, sem mesclas, a verdade perfeita. Por que? Porque Deus o escreveu. Ah! Acusem Deus de erro, se querem; digam-Lhe que Seu livro não é o que deveria ser.

Tenho ouvido de homens cheio de orgulho e falsa modéstia, que gostariam de alterar a Bíblia, e (quase me ruborizo de dizer) tenho ouvido de alguns ministros que alteraram a Bíblia de Deus, porque tinham medo dela. Vocês nunca ouviram um homem dizer: “Aquele que crer e for batizado, será salvo; mas o que não crê” — o que a Bíblia diz? — “Será condenado”. Porém, acontece que isto é algo rude, portanto eles dizem: “será desaprovado”. Cavaleiros!, eliminem o veludo de suas bocas, e preguem a Palavra de Deus; não necessitamos de nenhuma de suas alterações. Tenho escutado algumas pessoas que, orando, ao invés de dizer: “fazer firme vossa vocação e eleição”, dizem: “fazer firme vossa vocação e salvação”. É uma lástima que não tenham nascido quando Deus morava nos tempos remotos, há muito, muito tempo, para que tivessem podido ensinar a Deus como escrever. Oh!, desonestidade além de todo limite! Oh!, orgulho desmedido! Tratar de ditar ao Sábio dos sábios, de ensinar ao Onisciente e de instruir ao Eterno! É estranho que haja homens tão vis que usem o canivete de Jeioaquim para mutilar passagem da Palavra, porque têm mau sabor. Oh, vocês que sentem aversão por certas porções da Santa Escritura, tenham a certeza de que seu gosto é corrompido e que a vontade de Deus não se sujeita à pobre opinião de vocês. Tua desaprovação é precisamente a razão pela qual Deus a escreveu; porque não se deve acomodar a ti, nem tens direito de ser agradado. Deus escreveu o que não te agrada: escreveu a verdade. Oh, prostremo-nos em reverência diante dela, pois Deus a inspirou. É verdade pura. Desta fonte manda aqua vitae — a água da vida — sem nenhuma partícula de terra; deste sol nascem raios de esplendor sem sombra alguma. Bendita Bíblia; tu és toda a verdade.

Antes de deixar este ponto, detenhamo-nos a considerar a natureza misericordiosa de Deus, em ter-nos escrito uma Bíblia. Ah! Ele poderia ter-nos deixado sem ela, que tatearíamos nosso caminho de trevas, como os cegos buscam a parede; Ele poderia ter-nos deixado em nosso extravio, com a estrela da razão como nosso único guia. Recordo uma história do Sr. Hume, que constantemente afirmava que a luz da razão é suficiente em abundância. Estando na casa de um bom ministro de Deus numa noite, havia estado discutindo sobre este assunto, manifestando sua firme convicção na suficiência da luz da natureza. Ao sair, o ministro lhe ofereceu uma vela, para iluminar, enquanto ele descia a escadaria. Ele disse: “não, a luz da natureza será suficiente; a luz me bastará”. Porém, ocorreu que uma nuvem estava ocultando a lua, e ele caiu, escadaria abaixo. “Ah!”, disse o ministro, “apesar de tudo, teria sido melhor haver tido uma pequena luz daqui de cima, Sr. Hume”.

Então, ainda que supondo que a luz natural fosse suficiente, seria melhor que tivéssemos um pouco de luz de cima, e desta maneira estaríamos seguros de estarmos certos. É melhor ter duas luzes do que uma. A luz da criação é muito brilhante. Podemos ver a Deus nas estrelas; Seu nome está escrito com letras de ouro no rosto da noite; podem descobrir Sua glória nas orlas do oceano, sim, e nas árvores do campo. Porém, é melhor ler em dois livros, do que em um. Vocês O encontrarão mais claramente revelado, porque Ele mesmo escreveu este livro e nos deu a chave para entendê-lo, se vocês têm o Espírito Santo. Amados irmãos, demos graças a Deus por esta Bíblia. Amemo-la e consideremo-la mais preciosa do que o ouro mais fino.

Porém, permitam-me dizer uma coisa, antes de passar para o segundo ponto. Se esta é a Palavra de Deus, que será de alguns de vocês que não a tem lido durante todo o último mês? “O senhor disse um mês? Eu não a li durante todo este ano!” Ah, e muitos de vocês não a leram nunca. A maioria das pessoas trata a Bíblia de uma maneira mui cortês. Têm uma edição de bolso belamente encadernada, a envolvem num pano branco, e assim a levam ao lugar do culto. Quando regressam para casa, a guardam numa gaveta até o próximo Domingo pela manhã. Então, lá voltam a tirar para um passeio, e a levam à capela; tudo quanto a pobre Bíblia recebe é este passeio dominical. Esse é seu estilo de tratar este mensageiro celestial. Há pó suficiente sobre algumas de suas Bíblias para escrever “condenação” com seus próprios dedos. Muitos de vocês nem sequer a tem folheado há muito, muito, muito tempo e, que pensam?

Digo-vos palavras duras, porém palavras verdadeiras. Que dirá Deus, finalmente? Quando chegarem a Sua presença, Ele perguntará: “Leste minha Bíblia?” “Não”.“Escrevi-te uma carta de misericórdia, a leste?” “Não”. “Rebelde! Enviei-te uma carta, convidando-te a Mim, a leste alguma vez” “Senhor, nunca rompi o selo: sempre a guardo bem fechada”. “Maldito”, diz Deus, “então, tu mereces o inferno; se te enviei uma epístola de amor, e nem sequer quiseste romper o selo, que farei contigo?” Oh! Não permitam que isso lhes suceda. Sejam leitores da Bíblia, sejam esquadrinhadores da Bíblia.

II. Nosso segundo ponto é: OS TEMAS DOS QUAIS A BÍBLIA TRATA. As palavras do texto são estas: “[Eu] escrevi-lhe as grandezas da minha lei”. A Bíblia fala de grandes coisas e somente de grandes coisas. Não há nada na Bíblia que não seja importante. Cada versículo contém um solene significado, e se todavia não o temos encontrado, esperamos fazê-lo. Vocês têm visto múmias, cobertas com dobras de pano de linho. Bem, a Bíblia é Deus é algo parecido; há numerosos rolos de linho branco, tecidos no tear da verdade; de maneira que terão que continuar desatando, rolo após rolo, até encontrar o verdadeiro significado do que está escondido; e quando crerem ter encontrado, ainda assim continuarão desatando, desatando, e durante toda a eternidade vocês estarão desatando as palavras deste grandioso volume. Não há nada na Bíblia que não seja grandioso. Permitam-me dividir, para ser mais breve. Primeiro, todas as coisas nesta Bíblia são grandiosas; segundo, algumas coisas as mais grandiosas de todas.

Todas as coisas da Bíblia são grandiosas. Algumas pessoas pensam que não importa a doutrina na qual alguém crê; que algo secundário a que igreja você assiste; que todas as denominações são iguais. Há um ser, a senhora Intolerância, a qual eu detesto mais do que ninguém neste mundo, e a qual jamais fiz algum cumprimento ou elogio; porém, há outra pessoa a qual odeio igualmente; trata-se do senhor Latitudinarismo [1], indivíduo bem conhecido que descobriu que todos somos iguais. Agora, eu creio que uma pessoa pode ser salva em qualquer igreja. Algumas têm sido salvas na igreja de Roma, uns poucos homens benditos cujos nomes poderia citar aqui. Também sei, bendito seja Deus, que grandes multidões são salvas na igreja da Inglaterra; nela há uma hoste de sinceros e piedosos homens de oração. Creio que todos os ramos do protestantismo cristão têm um remanescente segundo a eleição da graça; e que necessitam ter, algumas delas, um pouco de sal, pois do contrário se corromperiam. Porém quando disso isso, vocês imaginam que coloco todas elas no mesmo nível? Estão todas igualmente certas? Uma diz que o batismo de infantes é correto, outras afirmam que não é correto. Alguns dizem que ambas têm razão, porém eu não vejo assim. Uma ensina que somos salvos pela graça soberana, outra diz que não, senão que é nosso livre-arbítrio que nos salva; contudo, outras dizem que as duas coisas estão certas. Eu não entendo assim. Uma diz que Deus ama o Seu povo e que nunca deixará de amá-lo; outra afirma que Ele não amou o Seu povo antes que esse povo O amasse; que umas vezes o ama e outras deixam de amá-lo, e Se afasta deles. Ambas podem ter razão no essencial, porém nunca quando uma diz “Sim” e outra “Não”. Para ver assim necessitaria de um par de óculos, que me capacitassem a olhar para trás e para frente ao mesmo tempo. Não pode ser, senhores, que ambas tenham razão, apesar de que há quem diga que as diferenças não são essenciais.

Este texto diz: “[Eu] escrevi-lhe as grandezas da minha lei”. Não há nada na Bíblia de Deus que não seja grandioso. Vocês nunca pararam alguma vez para ver qual é a religião mais pura? “Oh”, dizem, “nunca nos molestamos com isso. Nós simplesmente vamos aonde nosso pai e nossa mãe foram”. Ah! Essa é certamente uma razão muito profunda. Vocês vão onde seus pais foram. Eu creia que vocês eram pessoas sensatas, e nunca pensei que se deixaram levar pelos outros, em vez de por sua própria convicção. Eu amo meus pais acima de tudo que respira, e o simples fato de que creram que uma coisa é verdade, me ajuda a pensar que o é; porém, eu não lhes segui. Pertenço a uma denominação diferente, e dou graças a Deus por isso. Posso recebê-los como irmãos e irmãs em Cristo, mas nunca pensei que, porque eles foram uma coisa, eu tinha que ser o mesmo. Nada disso. Deus me deu um cérebro e devo utilizá-lo; e se vocês têm algum intelecto, devem usá-lo também.

Nunca digam que não importa. Claro que importa. Tudo quanto Deus escreveu aqui é de importância eminente; Ele jamais teria escrito uma coisa que fosse indiferente. Tudo quanto há aqui tem um valor; portanto, esquadrinhem todos os temas, provem tudo pela Palavra de Deus. Não tenho nenhuma objeção a que tudo o que eu pregue seja provado por este livro. Dêem-me somente um auditório imparcial e nenhum favor especial, e este livro; e se digo algo contrário a ele, retratar-me-ei no domingo seguinte. Por isto me mantenho firme ou caio. Busquem e olhem, porém nunca digam: “Não importa”. Quando Deus diz algo, sempre deve ser importante.

Porém, ainda que todas as coisas na Palavra de Deus sejam importantes, nem tudo é igualmente importante. Há certas verdades vitais e fundamentais que devem ser cridas, ou do contrário o homem não poderá ser salvo. Se querem saber o que é que devem crer para serem salvos, encontrarão as grandezas da lei de Deus entre estas duas capas; todas estão contidas aqui. Como compêndio ou resumo das grandezas da lei, recordo o que um velho amigo meu disse certa vez: “Ah! Pregue os três R's e Deus sempre te abençoará”. Eu perguntei: “O que são estes três R's?” E ele me respondeu: “Ruína, Redenção e Regeneração”. Estas três coisas contêm a essência e o todo da teologia. “R” de Ruína. Todos fomos arruinados na queda, todos nos perdemos quando Adão pecou e todos estamos arruinados pelas nossas próprias transgressões; todos estamos arruinados pelos nossos corações perversos, por nossos desejos maus, e todos estaremos arruinados, a menos que a graça nos salve. Então, vêm o segundo “R”, de redenção. Somos redimidos pelo sangue de Cristo, um Cordeiro sem mancha, nem contaminação; somos resgatados por Seu poder, somos redimidos por Seus méritos; e resgatados por Sua força. Continuando, temos o “R” de regeneração. Se quisermos ser perdoados, temos também que ser regenerados, porque ninguém pode ser partícipe da redenção sem ser regenerado. Podemos ser tão bons como queiramos, e servir a Deus segundo o imaginemos, segundo queiramos; porém, se não tivermos sido regenerados, se não temos um coração novo, se não nascemos de novo, ainda estamos na primeira “R”, isto é, na ruína.

Este é um pequeno resumo do Evangelho, porém creio que há um outro melhor nos cinco pontos do calvinismo: Eleição segundo a presciência de Deus, a depravação natural e a pecaminosidade do homem, a redenção particular pelo sangue de Cristo, o chamado eficaz pelo poder do Espírito e a perseverança final pelo poder de Deus. Para sermos salvos, devemos crer nestes cinco pontos; porém não gostaria de escrever um credo como o de Atanásio, que começa assim: “Todo aquele que quiser ser salvo, deverá crer em primeiro lugar na fé católica, a qual é esta”; ao chegar a este ponto, teria que me deter porque não saberia como continuar. Sustento a fé católica da Bíblia, toda a Bíblia e nada mais que a Bíblia. Não me diz respeito elaborar credos; senão que suplico que esquadrinhem as Escrituras, porque elas são a palavra de vida.

Deus disse: “[Eu] escrevi-lhe as grandezas da minha lei”. Duvidam de sua grandeza? Crêem que não são dignas da atenção de vocês? Homem, penses por um momento, onde te encontras agora?

“Eis aqui, num estreito pedaço de terra,
Na metade de mares sem limites;
Uma polegada de tempo, o espaço de um momento,
Pode me alojar naquele lugar celestial,
Ou me encerrar no inferno”.

Recordo que uma vez estava na paria, numa estreita faixa de terra, sem me preocupar que a maré pudesse subir. As ondas lavavam constantemente ambos os lados, e envolto em meus pensamentos, permaneci ali por um longo tempo. Quando quis regressar, encontrei-me ante uma dificuldade: as ondas tinham cortado o caminho. Da mesma maneira, todos nos caminhamos cada dia por uma estreita senda, e há uma onda que sobe cada vez mais; vejam, como está perto de seus pés; e, veja! outra se aproxima a cada tic-tac do relógio: “Nossos corações, como surdos tambores, estão redobrando marchas fúnebres a caminho da sepultura”. Cada momento que vivemos é um avanço para a sepultura. Porém, este Livro me diz que, se sou convertido, quando morrer, receberei um céu de gozo e amor; os anjos me esperarão com seus braços abertos, e eu, levado pelas potentes asas dos querubins, ultrapassarei o relâmpago e me elevarei para além das estrelas, ao trono de Deus, para morar ali para sempre.

“ Longe de um mundo de pecado e dor,
Morarei ali sempre com Deus.

Oh!, isto faz com que meus olhos derramem lágrimas quentes, isto faz com que meu coração se torne grande demais para o meu peito, e meu cérebro gire ante um só pensamento de:

“Jerusalém, meu lugar feliz,
Teu nome é sempre doce para mim”.

Oh! essa doce cena mais acima das nuvens; doces campos revestidos de verde vivo e rios de delícia. Não são estas coisas grandiosas? Porém então, pobre alma não regenerada, a Bíblia diz que, se tu estás perdido, tu estás perdido para sempre; disse-te que se morres sem Cristo, sem Deus, não há esperança para ti; que há um lugar sem nenhum raio de esperança, onde lerás gravadas com letras de fogo: “tu conhecias teu dever, porém não o cumpriste”; elas te diz que serás lançado de Sua presença com um: “Apartai de mim, maldito”. Acaso não é grandioso tudo isto? Sim, senhores, assim como o céu é desejável, assim como o inferno é terrível, assim como o tempo é breve, assim como é eternidade infinita, assim como a alma é preciosa, assim como a dor deve ser evitada, assim como o céu deve ser buscado; assim também Deus é eterno e como Suas palavras são certas, estas coisas são grandiosas; são coisas que vocês devem escutar.


III. Nosso último ponto é: O TRATAMENTO QUE A POBRE BÍBLIA RECEBE NESTE MUNDO. A Bíblia é considerada como uma coisa estranha. O que significa a Bíblia ser considerada como uma coisa estranha? Em primeiro lugar, quer dizer que é completamente alheia a muitas pessoas, porque nunca a lêem. Recordo que, em certa ocasião, eu estava lendo a sagrada história de Davi e Golias, e estava uma pessoa presente, de idade avançada, que me disse: “Meu Deus! Que história interessante; em que livro está?”.

Também me vem à memória outra pessoa que, falando comigo em privado, lhe falei acerca de sua alma, e ela me disse quão profundo era seu sentimento, já que tinha enormes desejos de servir ao Senhor, porém encontrava outra lei em seus membros. Eu abri em Romanos e li: “Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero, esse pratico”. Ela disse: “Isto está na Bíblia? Eu não sabia disso”. Não a culpei por sua falta de interesse na Bíblia até então; porém eu não poderia deixar de me maravilhar em encontrar pessoas que não soubessem nada sobre tal passagem. Ah! Vocês sabem mais acerca dos livros de contabilidade de seus negócios do que sobre a Bíblia; mais acerca dos diários de suas vidas do que sobre o que Deus escreveu. Muitos de vocês podem ler um romance do princípio ao fim, e que proveito tiram disso? Um bocado de pura espuma ao ter terminado.

Porém, não podem ler a Bíblia; este manjar sólido, perdurável, substancioso e que satisfaz, permanece sem ser provado, guardado no armário da negligência; enquanto tudo quando o homem escreve, capturado diariamente, é devorado com avidez. “[Eu] escrevi-lhe as grandezas da minha lei, porém essas são estimadas como coisa estranha”. Vocês nunca a leram. Tenho essa dura acusação contra vocês. Talvez vocês respondam que não devo culpar-lhes por uma coisa assim; porém, sempre penso que mais vale ter uma opinião pior de vocês, do que uma demasiadamente boa. Culpo-lhes disto: vocês nunca lêem sua Bíblia. Alguns de vocês nunca a leram completamente, e seu coração lhe diz que o que estou dizendo é verdade. Não sois leitores da Bíblia. Vocês afirmam que têm uma Bíblia em casa: acaso penso que são tão pagãos que não tenham uma Bíblia em casa? Porém, quando foi a última vez que a leram? Como sabem que os óculos que perderam há três anos atrás, não estão na mesma gaveta da Bíblia? Muitos de vocês não têm lido nem uma só página desde há muito tempo, e Deus poderia dizer-lhes: “[Eu] escrevi-lhe as grandezas da minha lei, porém essas são estimadas como coisa estranha”.

Há outros que lêem a Bíblia, porém quando a lêem, dizem que é terrivelmente árida. Aquele jovem que está lá diz que ela é muito “enfadonha”; essa é a palavra que ele usa. Ele diz: “Minha mão me disse: quando for à cidade, leia um capítulo todo dia. E eu prometi para agradá-la. Oxalá não houvesse feito. Não li nenhum capítulo, nem ontem nem antes de ontem. Estive muito ocupado. Não pode evitá-lo”. Tu não amas a Bíblia, não é verdade? “Não, não encontro nela nada interessante”. Ah! isso é o que eu pensava também. Mas, há pouco tempo atrás, eu não podia ver nada nela. Sabes por que? Porque os cegos não podem ver, podem? Porém, quando o Espírito toca as escamas dos olhos, estas caem, e quando Ele põem colírio nos olhos, a Bíblia se torna preciosa.

Recordo de um ministro que foi um dia visitar uma senhora, já anciã, e se propôs de levar-lhe o consolo de algumas das preciosas promessas da Palavra de Deus. Buscando, encontrou na Bíblia da senhora, escrito na margem, um “P”, e perguntou: “Que significa isto?” “Isto quer dizer preciosa, senhor”. Pouco mais adiante descobriu um “P” e um “E”, escritos juntos, e voltou a perguntar seu significado, e ela lhe respondeu: isto quer dizer 'provada e experimentada', porque eu já a provei e já a experimentei”. Se vocês já provaram e experimentaram a palavra de Deus, se é preciosa para suas almas, então vocês são cristãos; porém, essas pessoas que desprezam a Bíblia, “não têm parte nem sorte neste assunto”. Se lhes parece árida, vocês estarão áridos no final, no inferno. Se não a estimam como algo melhor que seu alimento diário necessário, não há nenhuma esperança para vocês, porque carecem da maior evidência de seu Cristianismo.

Porém, ah!, ah!, o pior está por vir. Há pessoas que odeiam a Bíblia, e também a desprezam. Acaso temos algumas dessas pessoas aqui? Alguns de vocês disseram: “Vamos ouvir o que o jovem pregador tem a dizer”. Pois bem, isto é o ele tem para vos dizer: “Vede, ó desprezadores, admirai-vos e desaparecei” (Atos 13:41). Isto é o ele tem para vos dizer: “Os ímpios serão lançados no Inferno, e todas as que se esquecem de Deus” (Salmos 9:17). E também tem que vos dizer isto: “Nos últimos dias virão escarnecedores com zombaria andando segundo as suas próprias concupiscências” (2 Pedro 3:3). Porém mais ainda, lhes diz hoje que se querem ser salvos, devem encontrar a salvação aqui.

Portanto, não menosprezem a Bíblia: esquadrinhe-la, leiam-na, venham até ela. Repouse com certeza, oh zombador, que tuas gargalhadas não podem alterar a verdade, nem tuas zombarias podem te livrar da condenação inevitável. Ainda que em tua dureza fizesses um pacto com a morte e firmasses um trata com o inferno, ainda assim, a veloz justiça te alcançaria, e a poderosa vingança te fulminaria. Em vão zombas e ridicularizas, pois as verdades eternas são mais poderosas que todos teus sofismas; teus engenhosos ditos não podem alterar a verdade divina de uma só palavra deste volume de Revelação. Oh! Por que contende com teu melhor amigo e maltrata teu único refúgio? Ainda há esperança para o zombador. Esperança nas veias do Salvador. Esperança na misericórdia do Pai. Esperança na obra onipotente do Espírito Santo.

Terminarei quando tiver dito mais uma palavra. Meu amigo, o filósofo, diz que é muito bom que eu exorte as pessoas a lerem a Bíblia; porém, ele pensa que há outras muitas ciências grandiosas, mais interessantes e úteis que a teologia. Muito agradecido senhor, por sua opinião. A que ciência você se refere? À ciência de dissecar escaravelhos e colecionar mariposas? “Não, certamente não é a essa”. À ciência de analisar as rochas e de tomar mostras da terra e falar-nos de seus diferentes extratos? “Não, tampouco a essa precisamente”. À que ciência, pois? Ele me responde: “Todas as ciências em geral são mais importantes que a Bíblia”. Ah! senhor, essa é sua opinião, e fala dessa maneira porque estás longe de Deus. Pois a ciência de Jesus Cristo é a mais excelente das ciências. Que ninguém deixe a Bíblia porque não é um livro culto e de sabedoria. Ela o é. Querem saber de astronomia? Aqui está: Ela fala do Sol da Justiça e da Estrela de Belém. Querem saber de botânica? Aqui está: Ela fala de algumas de renome: o Lírio dos Vales e a Rosa de Saron. Querem saber de geologia e mineralogia? Podem aprender isso na Bíblia: podem ler acerca da Rocha dos Séculos e da Pedrinha Branca com um novo nome gravado, o qual ninguém conhece, senão aquele que o recebe. Querem estudar história? Aqui estão os anais mais antigos do gênero humano. Qualquer que seja a ciência de que se trate, venham e busquem-na neste livro. Essa ciência está aqui. Venham e bebam desta formosa fonte de conhecimento e sabedoria, e descobrirão que serão feitos sábios para salvação. Sábios e ignorantes, crianças e homens, cavalheiros de cabelos brancos, jovens e moças — a vocês falo, lhes peço e lhes suplico: respeitem suas Bíblias e esquadrinhem-nas, porque nelas vós pensais ter a vida eterna, e são elas que dão testemunho de Cristo.

Terminei. Voltemos para casa e ponhamos em prática tudo quanto ouvimos. Conheço uma senhora que, quando lhe foi perguntado sobre o que recordava do sermão do pastor, disse: “Não recordo nada do mesmo. Era sobre pesos falsos e medidas fraudulentas, e eu não recordo nada, exceto de que quando cheguei em casa, tive que queimar minhas medidas de grão”. Assim, se vocês recordarem, quando chegarem em suas casas, de queimar suas medidas de grão; se recordarem, quando chegarem em suas casas, de lerem a Bíblia, eu terei dito o suficiente. Queira Deus, em Sua infinita misericórdia, quando lerem a Bíblia, por em suas almas os raios iluminadores do Sol da Justiça, pela obra do sempre adorável Espírito; deste modo, tudo quanto lerem será de proveito e para salvação.

Podemos dizer da BÍBLIA:

“És o gabinete do conselho revelado de Deus!
Onde venturas e angústias estão de tal maneira ordenadas 
Que todo homem sabe o que lhe corresponderá
Exceto por seu próprio erro ou falsa aplicação

És o índice da eternidade.
Não poderá deixar de receber a eterna felicidade.
Quem se guie por este mapa,
Nem pode se equivocar quem fale por ele.

É o livro de Deus. Quero dizer
É o Deus dos livros, e peço que aquele que olhe
Com ira para essa expressão, como muito ousada,
Abafe seus pensamentos em silêncio, até encontrar outra”.



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Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto
Cuiabá-MT, 18 de Novembro de 2004.

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