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União com o Deus Trino -
Sinclair Ferguson
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Dr. Sinclair Ferguson é nascido na Escócia, obteve seu PhD pela Universidade de Aberdeen. Atualmente pastoreia a First Presbyterian Church (Primeira Igreja Presbiteriana), em Columbia, na Carolina do Sul e serve como professor de Teologia Sistemática no Westminster Theological Seminary, na Filadéfila (EUA). Ferguson é autor de diversos livros e atua como preletor em conferências, seminários e igrejas em diversos países.
Você já imaginou como seria estar há horas de distância da morte - não como um idoso, mas como alguém condenado a morrer, embora inocente de qualquer crime? O que você iria querer dizer àqueles que você conhecem e que mais amam você? Você, certamente, lhes diria o quanto você os amava.  Você poderia esperar ser capaz de dar-lhes algum conforto e confiança - apesar do pesadelo que você mesmo estava encarando. Você iria querer abrir seu coração e dizer as coisas que são mais importantes para você.

Tal atitude seria certamente digna de louvor. É claro, seria pura natureza humana - porque foi isso que Jesus fez, como o apóstolo João relata no Discurso do Cenáculo (João 13-17).

Há vinte e quatro horas de sua crucificação, o Senhor Jesus expressou seu amor de maneira rara e delicada. Ele levantou da mesa da ceia, amarrou uma toalha de servo em sua cintura, e lavou os sujos pés de seus discípulos (incluindo, aparentemente, os de Judas Iscariotes; João 13:3-5, 21-30). Foi uma parábola ativa, como João explica: "Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim" (v. 1).

Ele também falou palavras de profundo conforto a eles: "Não se turbe o vosso coração" (14:1).

Ainda assim, Jesus fez muito mais. Ele começou a mostrar a seus discípulos "as profundezas de Deus" (1 Coríntios 2:10). Quando lavou os pés de Pedro, lhe disse que ele entenderia suas ações apenas "depois" (João 13:7). Igualmente para o que ele disse, pois ele começara a revelar a seus discípulos a natureza interior de Deus. Ele é Pai, Filho e Espírito Santo - a Santa Trindade.

A Glória do Mistério Revelada

Muitos cristãos tendem a pensar na Trindade como uma doutrina antiprática e especulativa. Mas o Senhor Jesus não pensa assim. Para ele, ela não é especulativa nem antiprática - mas exatamente o contrário. Ela é o fundamento do evangelho. Sem o amor do Pai, a vinda do Filho, e o poder regenerador do Espírito Santo, simplesmente não poderia haver salvação. (Unitarianos, por exemplo, não podem ter expiação feita por Deus para Deus).

Durante seu Discurso de Despedida, Jesus explicou a Filipe que vê-lo é ver o Pai (João 13:8-11). Ainda assim, ele mesmo não é o Pai; do contrário, ele não poderia ser o caminho para o Pai (João 14:6). Ele também está "no" Pai, e o Pai está "nele." Esta mútua habitação é, como os teólogos dizem, "inefável" - além de nossa habilidade de compreender. E ainda assim, não está além da habilidade da fé de crer.

Além disso, o Espírito Santo reside no âmago deste vínculo entre o Pai e seu Filho. Mas agora, o Pai enviou seu Filho (que está "no" Pai). Tal é o amor do Pai e do Filho pelos crentes, que eles virão e farão dos crentes sua morada.

Como assim? O Pai e o Filho vêm habitar no crente através da habitação do Espírito Santo (14:23). Ele glorifica a Cristo (16:14). Ele toma o que pertence a Cristo, dado a ele pelo Pai, e mostra a nós. Mais tarde, quando temos o privilégio de ouvir de longe a oração de nosso Senhor, Jesus semelhantemente fala sobre a íntima comunhão com Deus que o sustentou tão maravilhosamente: "tu, ó Pai, [estás] em mim e eu em ti" (João 17:21).

De fato, isso é teologia profunda. Ainda assim, virtualmente a mais profunda afirmação que podemos fazer sobre Deus é que o Pai está "no" Filho e o Filho "no" Pai. Parece tão simples que uma criança pode ver. Pois, qual palavra pode ser mais simples que no?

Ainda assim, isso também é tão profundo que as melhores mentes não podem sondar. Pois, sempre que buscamos contemplar a pessoa do Pai, descobrimos que não podemos fazê-lo sem pensar em seu Filho (pois ele não pode ser um pai sem um filho). Nem podemos contemplar este filho à parte do Pai (pois ele não pode ser um filho sem pai). Tudo isso é possível porque o Espírito ilumina quem o Filho de fato é, como Aquele único através de quem podemos vir ao Pai.

Assim, nossas mentes simultaneamente dilatam de prazer nesta trindade em unidade, e ainda assim são esticadas além de suas capacidades pela noção da unidade na trindade. Quase tão atordoante é o fato de que Jesus revela e ensina tudo isso para ser a verdade do evangelho que mais firma a vida, conforta o coração, dá equilíbrio e alegria (15:11).

A Trindade é tão vasta em significância porque pode trazer conforto a homens levados ao limite pela atmosfera de tristeza prestes a submergi-los. O Um trino é maior em glória, mais profundo em mistério, e mais belo em harmonia do que todas as outras realidades na criação. Nenhuma tragédia é grande demais para oprimi-lo; nada que é incompreensível para nós o é para ele, cujo próprio ser é incompreensível para nós. Não há trevas mais profundas do que as profundezas do interior de Deus.

Talvez seja compreensível, então, que Jonathan Edwards pudesse escrever em sua Narrativa Pessoal:

Deus apareceu glorioso para mim, por causa da Trindade. Ela me fez ter pensamentos exaltantes sobre Deus, que ele subsiste em três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. As mais doces alegrias e deleites que experimentei, não foram aquelas que surgiram de uma esperança em meu próprio bom estado; mas em uma direta visão das coisas gloriosas do evangelho. Quando desfruto dessa doçura, ela parece me carregar acima dos pensamentos de meu próprio estado; parece em tais momentos uma perda que não posso suportar, desviar meus olhos do glorioso e prazeroso objeto que contemplo sem mim, e voltar os olhos para mim mesmo, e meu próprio bom estado.

Mas a revelação da Trindade está de fato relacionada com nosso "próprio bom estado."

A Maravilha da União revelada

O objetivo do ensino de Jesus não é meramente chocar nossas mentes ou agitar nossas imaginações. É nos dar um senso do vasto privilégio da união com ele.

Desde o princípio destas poucas horas de ministério, Jesus falou sobre seus discípulos terem uma "parte" com ele (João 13:8). Ele também explicou que o Espírito revela aos cristãos que eles estão "em Cristo" e que ele está neles (14:20). Esta é uma união tão real e maravilhosa que sua única analogia real - assim como seu fundamento - é a união do Pai e do Filho através do Espírito. Os discípulos desfrutariam a união com o Filho e, portanto, teriam comunhão com o Pai através do Espírito. "Vós o conheceis," disse Jesus, "porque ele habita convosco e estará em vós" (v. 17). Estas enigmáticas palavras não se referem ao contraste do relacionamento entre o Espírito e os crentes da antiga aliança ("convosco") e da nova aliança ("em vós"). Elas são frequentemente entendidas dessa maneira, mas Jesus está na verdade dizendo: "Vocês conhecem o Espírito, porque ele está com vocês em mim, mas ele virá (no Pentecostes) para estar em vocês como justamente Aquele que tem sido meu constante companheiro (e nesse sentido, 'em vocês'). Assim, ele não é outro senão Aquele que é o vínculo de comunhão entre o Filho e o Pai desde toda a eternidade."

Assim, ser unido com Cristo é ter parte em uma união criada pela habitação do Espírito do Filho encarnado que está ele mesmo "no" Pai como o Pai está "nele." União com Cristo significa nada menos que comunhão com todas as três pessoas da Trindade. Não é que a natureza divina esteja infundida nos crentes. Nossa união com Cristo é espiritual e pessoal - efetuada pela habitação do Espírito do Filho do Pai.

Note, então, o raro e delicado quadro que Jesus pinta para expressar a beleza e a intimidade dessa união: ela envolve nada menos que o Pai e o Filho fazendo morada no coração do crente (v. 23).

Significativamente, Jesus não exige que os crentes façam uma dúzia de coisas - exceto crer e amar. Pois esta é a percepção ("naquele dia vós conhecereis"; v. 20) da realidade e da magnitude dessa união com Deus Trino através da união com Cristo que transforma o pensamento, o sentimento, a disposição, o amor e, consequentemente, as ações do crente. Nessa união, o Pai apara os ramos da vinha para dar mais fruto (15:2). Na mesma união, o Filho guarda todos aqueles que o Pai lhe deu (17:12).

Não me surpreende que John Donne tenha orado:

Invade meu coração, Deus trino; pois fazes tudo, menos bater; respire, brilhe, e busque consertar; Que eu levante e permaneça, me derrube, e empenhe Tua força para quebrar, soprar, queimar, e fazer-me novo. Eu, como uma cidadela usurpada por outros, Trabalho para deixa-lo entrar, mas ah, sem resultado; Razão, vosso vice-rei em mim, eu deveria defender, Mas está cativo e se prova fraco ou falso. Ainda assim em estima te amo, e seria alegremente amado, Mas estou noivo de teu inimigo; Divorcie-se de mim, desate ou quebre o nó novamente, Leve-me contigo, me aprisione, pois eu, a menos que me encantes, nunca serei livre, Nem nunca serei puro, a menos que me arrebates. (Holy Sonnets XIV – Santos Sonetos XIV)


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22:26
John MacArthur
A Grande Ruptura 

Martinho Lutero disse: "Se o nosso evangelho tivesse sido recebido em paz, ele não seria o verdadeiro evangelho". Se alguém já viu a verdade do Cristianismo causar divisões entre pessoas e instituições, essa pessoa foi Lutero. Ele pregou a verdade na Igreja Católica, mas essa verdade não trouxe paz; ao contrário, ela criou a maior ruptura na história da religião. Ela despedaçou o poder monolítico da hierarquia católica e deu início à Reforma Protestante, a qual resgatou o verdadeiro evangelho do sacramentalismo que o mantinha prisioneiro.

Na realidade, Mateus 10.34 é paradoxal porque deveríamos esperar que o Senhor trouxesse a paz. Afinal, João Batista era seu predecessor e ele falou sobre paz. Quando os anjos proclamaram o nascimento do Messias eles cantaram "Paz na terra". E, em João 14.27, Jesus afirma: "A minha paz vos dou".

Em pelo menos três lugares na carta aos Romanos, Paulo falou sobre a paz que Deus nos dá (5.1; 8.6; 14.17). E verdade que existe paz no coração daqueles que crêem, mas no que concerne ao mundo, não existe outra coisa senão divisão. Sim, ele trouxe a paz de Deus ao coração do crente, e, algum dia, haverá um reino de paz. O Antigo Testamento nem sempre fez uma distinção clara entre a primeira e a segunda vindas. A primeira trouxe uma espada; a segunda trará a paz perfeita

E verdade que a primeira vinda trouxe uma paz parcial, a paz que penetra o coração de todo que crê. Mas o Senhor advertiu os discípulos: "Lembrem-se disto quando saírem: Vocês causarão divisão. Causarão uma laceração e uma separação".

O evangelho faz isso. E o fogo refinador que consome. Ele produz a separação entre ovelhas e cabritos feita pelo pastor. Ele traz a pá do agricultor que joga os grãos para o ar e o joio é separado. A entrada de Cristo quebra e separa. Se Cristo nunca tivesse vindo, a terra teria continuado unida, condenada ao inferno. Mas quando ele veio, uma guerra estourou.

Em Lucas 12, vemos algo disso. No versículo 49, Jesus diz: "Eu vim para lançar fogo sobre a terra e bem quisera que já estivesse a arder". Versículo 51: "Supondes que vim para dar paz à terra? Não, eu vo-lo afirmo; antes, divisão". Ele veio para trazer uma espada, não paz, no sentido de que ele veio para colo¬car os membros de uma família uns contra os outros. Ele afirmava que aqueles que fossem verdadeiros discípulos estariam dispostos a criar uma divisão em seu próprio lar.

Isso vai contra todos os nossos instintos, porque desejamos paz no nosso lar mais do que qualquer outra coisa. E o nosso refugio, é o lugar onde vivem as pessoas que mais amamos e melhor conhecemos. Não queremos viver em desavença com eles. Mas quando nos comprometemos com Jesus Cristo, se¬remos leais a ele, mesmo que isso destrua nosso lar, a nossa vizinhança, nossa cidade, nossa nação. Se esse é o preço, pagaremos.

Jesus expressou a severidade dessa ruptura na frase de Mateus 10.35: "Pois vim causar divisão entre o homem e seu pai". Algumas traduções dizem: "Pois vim colocar o homem em divergência com seu pai". A expressão grega "em divergência com", ou "contrário a" é rara, e usada apenas nessa passagem do Novo Testamento. Ela significa romper as relações. Jesus dizia: "Eu separarei totalmente o homem de seu pai e todos os outros parentes entre si. Destruirei as famílias de todas as maneiras possíveis".

Esse é o pior rompimento possível. Não é tão ruim quando estamos em desavença com vizinhos, com o patrão, com amigos ou com a sociedade, mas quando chega à família e o compromisso com Jesus Cristo significa uma ruptura com os parentes, é aí que as coisas realmente começam a se tornar difíceis. Seu compromisso com Cristo vai contra o amor por eles e a necessidade que sentimos da presença deles.

Seu compromisso vai contra o desejo de viver em harmonia. Ser cristão e seguir a Jesus Cristo pode significar uma divisão dentro do lar. Mas essa é a marca do verdadeiro discípulo. Muitas vezes, unir-se a Cristo significa o afastamento de membros da família que nos rejeitam porque não rejeitamos o evangelho. Isso é especialmente verdadeiro em famílias judias, assim como nas famílias que professam outras religiões falsas.

Esse é um padrão difícil, e muitas pessoas sentem que é sacrifício demais. Algumas esposas não irão a Cristo porque temerão se separar do marido. Alguns maridos não aceitarão a Cristo porque temerão se separar da esposa. Os filhos podem não ir a Cristo por temerem seus pais ou mães, e vice-versa. As pessoas não assumem sua posição ao lado de Cristo porque desejam manter a harmonia familiar. Mas Jesus disse que o verdadeiro discípulo deixará sua família, se for necessário fazer tal escolha. Isso faz parte da auto-renúncia, aceitar alegremente o alto custo de servir a Jesus para receber suas infinitas bênçãos para os tempos de hoje e para a eternidade.

UM AMOR MAIOR

O amor familiar é forte; sem dúvida é o laço humano mais profundo e íntimo. Porém, ele não tem o poder que o amor por Cristo tem. Este é tão forte que algumas vezes rompe os laços familiares. Uma jovem senhora que conheço contou que se tornara crista vindo de uma família totalmente paga e, como resultado, seu pai, a quem ela amava muito, se recusava a falar com ela, quer pessoalmente quer por telefone; ele desligava o telefone quando ela ligava. Disse ela: "Sempre penso que ele deveria estar contente porque não sou uma alcoólatra, não sou viciada em drogas, não sou uma criminosa, não passei por nenhum acidente terrível que tivesse me deixado aleijada ou machucada. Nunca fui tão feliz em minha vida como sou agora que me tornei cristã e, por causa do meu amor por Cristo, ele não fala comigo". A razão é a espada.

A mesma espada caiu entre Caim e Abel. Abel era um homem justo, Caim era injusto, e a ruptura foi tão grande que Caim não conseguiu suportá-la — por isso matou o seu irmão.

Primeira Coríntios 7 mostra-nos como a espada interfere num casamento cristão. Se você tem uma mulher não-crente e ela concorda em permanecer com você, não se divorcie dela. Se você tem um marido não-crente e ele deseja permanecer com você, deixe-o ficar porque certa santificação ocorre. Ou seja, as bênçãos de Deus que caem sobre o crente atingem de modo temporal o parceiro não-crente. "Mas, se o descrente quiser apartar-se, que se aparte; em tais casos, não fica sujeito à servidão nem o irmão, nem a irmã; Deus vos tem chamado à paz" (v. 15). Esse é o outro lado da situação. Uma vez que a espada caiu, então Deus nos tem chamado à paz, e se o descrente deseja apartar-se, devemos deixá-lo ir.

Tornar-se cristão significa estar cansado do próprio pecado, ansiando por perdão e pelo resgate do pecado atual e do inferno futuro, e afirmar nosso compromisso com o senhorio de Cristo até o ponto em que estamos prontos a abandonar tudo. Eu já disse isso antes e tornarei a dizer novamente: não se trata apenas de uma questão de levantar a mão, caminhar até a frente e dizer "Eu amo a Jesus". Isso não é fácil, não é algo que nos tornará mais popular nem é uma resposta às necessidades que o mundo diz que temos. Não é um mundo perfeito e cor-de-rosa no qual Jesus nos concede tudo o que desejamos. E difícil, exige sacrifício e põe tudo de lado.

A manifestação da verdadeira fé é um comprometimento que nenhuma influência consegue abalar. Sem dúvida você ama sua família, seus filhos, seus pais, seu esposo ou sua esposa. Mas se você é discípulo verdadeiro, o compromisso com a salvação encontrada unicamente em Cristo é tão profundo, tão intenso e tem um alcance tal que, se for necessário, dirá não àqueles a quem ama por causa de Cristo.

John Bunyan conheceu esse sofrimento de maneira muito especial. As autoridades disseram-lhe que parasse de pregar, mas ele respondeu: "Não posso parar de pregar porque Deus me chamou para isso". A resposta foi: "Se o senhor pregar, nós o colocaremos na prisão".

Então ele pensou consigo mesmo: "Se eu for para a prisão, quem cuidará da minha família? Ao mesmo tempo, como posso fechar a minha boca quando Deus me chamou para pregar?".

Bunyan foi suficientemente forte, corajoso e fiel para entregar sua família aos cuidados de Deus e permaneceu fiel e obediente ao chamado para pregar, e eles o colocaram na prisão. E foi na prisão que ele escreveu sua magnífica alegoria, O Peregrino, que tem abençoado tantos milhões de famílias ao longo dos séculos com seu ensino sobre o caminho da salvação. Sem ele, sua família sofreu, mas Deus cuidou dela. E mediante esse sofrimento, Deus realizou obras maravilhosas na vida de incontáveis pessoas.

Num apêndice à sua autobiografia Grace Aboundingto the ChiefofSinners, Bunyan escreveu:

A separação de minha esposa e de meus pobres filhos tem sido frequentemente para mim neste lugar [a cadeia], como arrancar a carne de meus ossos; e isso não porque eu seja de certo modo muito ligado e aficionado a essas grandes Misericórdias, mas também porque eu sempre tinha de trazer à minha mente as muitas dificuldades, misérias e necessidades que minha pobre família teria de enfrentar se eu tivesse de ser apartado deles, especialmente meu pobre filho cego, que permanece mais próximo do meu coração do que qualquer um dos outros. O, o pensamento das dificuldades que eu penso que o meu filho poderá enfrentar, parte o meu coração em pedaços ... Mas, ainda assim, relembrando o que se passou, eu pensei: preciso entregar todos a Deus, embora eu esteja para deixá-los em breve. Nessa condição eu me percebi como um homem que estava destruindo sua casa sobre a cabeça de sua esposa e filhos; ainda assim, pensei, eu tenho de fazer isso, eu tenho de fazer isso.'

Peço a Deus que nunca tenha de tomar esse tipo de decisão, mas é uma possibilidade. Você pode ter tido a necessidade de fazer essa escolha porque confessou a Jesus Cristo, e certamente isso foi um fardo para sua família. Mas essa é a maneira pela qual provamos a realidade da nossa conversão. Aquele que diz: "Não estou disposto a fazer esse sacrifício", não é genuíno. Em Mateus 10.37 Jesus diz: "Quem ama seu pai ou sua mãe mais do que a mim não é digno de mim". Não podemos ser seus discípulos e receber sua salvação se nossa família significa mais para nós do que Cristo.


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FONTE: www.josemarbessa.com

17:22

O Salmo 103: 19 declara: O SENHOR tem estabelecido o seu trono nos céus, e o seu reino domina sobre tudo (Salmo 103: 19). Este verso nos informa que há um rei e um reino que se estende por todos os lugares. O termo Senhor, que frequentemente é utilizado nas Escrituras, fala claramente da autoridade soberana de Deus. Davi assim orou: Tua é, SENHOR, a magnificência, e o poder, e a honra, e a vitória, e a majestade; porque teu é tudo quanto há nos céus e na terra; teu é, SENHOR, o reino, e tu te exaltaste por cabeça sobre todos.

E riquezas e glória vêm de diante de ti, e tu dominas sobre tudo, e na tua mão há força e poder; e na tua mão está o engrandecer e o dar força a tudo (I Crônicas 29: 11-12). Ele é único poderoso SENHOR, Rei dos reis e Senhor dos senhores (I Timóteo 6: 15).

Este domínio de se faz de três formas. (1.) Seu domínio natural. Deus domina completamente sobre todas as coisas por ser o Seu criador. (2.) Seu domínio gracioso. Deus é soberano sobre os Seus remidos em Sua aliança de graça. (3.) Seu domínio glorioso. Como Juiz, Deus finalmente reinará sobre todos, quer em misericórdia ou em justiça.

I.    ALGUMAS PROPOSIÇÕES GERAIS ACERCA DO DOMÍNIO DE DEUS.

Devemos distinguir entre o poder de Deus ou onipotência e Sua autoridade. Poder diz respeito à Sua habilidade de fazer tudo o que Ele desejar. Autoridade é o Seu direito de fazer o mesmo. A Sua autoridade ou domínio é o seu poder moral. Uma pessoa pode ter grande força, mas ainda assim ter pouca ou nenhuma autoridade. Deus tem tato um quanto o outro. Ele tem tanto o direito de mandar como o de fazer com que todas as Suas ordens sejam obedecidas, ou então punir aqueles que as violam. O domínio de Deus diz respeito ao seu direito de fazer tudo aquilo que lhe agrada, possuir o que criou, e dispor de tudo o que possui de acordo com a Sua vontade.

Este atributo é consistente com todas as perfeições de Deus. A Sua bondade e sabedoria o torna apto a governar. Sem este atributo, a justiça e a misericórdia permaneceriam ocultas na obscuridade.

Este atributo é universalmente reconhecido na consciência de todo homem. A lei está escrita em nossos corações (Romanos 2: 15); portanto, tem que haver um legislador, um governante, um administrador. O homem também poderia negar o fato de possuir uma natureza humana assim como tenta fazer com a natureza de Deus.

O conceito de soberania é essencial para ao conceito de Deus como um todo. Aquilo que Deus é, está inseparavelmente ligado ao fato dEle ser o recompensador daqueles que o buscam (Hebreus 11: 6). Como recompensador, Ele tem que ser soberano. Uma vez que Ele é o criador, seria uma tolice negar o Seu total domínio. Assim como os demais atributos, o Seu domínio é a Sua essência, Ele não pode se separar dele, e nem este existir à parte de Deus. Nenhuma criatura possui este atributo. Não podemos impor ou forçar as leis nas consciências de outros. Esta prerrogativa pertence somente a Deus.

II.    EM QUE O DOMÍNIO DE DEUS ESTÁ FUNDAMENTADO.

O domínio de Deus está fundamentado na excelência de Sua natureza. Quanto mais excelente for a natureza, melhor será o governo. O intelecto superior de Deus, e a Sua perfeição moral, o capacitam a exercer domínio de forma única. Eu sou Deus, e não há outro Deus, não há outro semelhante a mim... e farei toda a minha vontade (Isaías 46: 9-10).

O domínio de Deus esta fundamentado em Sua criação. Aquele que dá vida a alguma coisa, sem dúvida passa a ser o dono da mesma. Já que todas as coisas foram criadas por Deus, então Ele é o Senhor de todas elas. Quando Deus defendeu a Sua soberania diante de Jó, o Seu principal argumento foi extraído da criação (Jó 38). O apóstolo Paulo toca no mesmo ponto ao pregar em Atenas: O Deus que fez o mundo e tudo que nele há, sendo Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos por mãos de homens (Atos 17: 24). Quando um homem faz alguma coisa, ninguém questiona ou desafia o seu direito de fazer o que bem entender com aquilo que criou. Por que então alguém pensaria em desafiar o direito absoluto que Deus tem sobre tudo aquilo que Ele mesmo criou?

O domínio de Deus está fundamentado no fato de Ele ser o objetivo final de todas as coisas. O SENHOR fez todas as coisas para atender aos seus próprios desígnios, até o ímpio para o dia do mal (Provérbios 16: 4). Porque tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas (Apocalipse 4: 11). Em sendo o objetivo final, Deus exerce Sua soberania sobre os Seus agentes envolvidos quaisquer ações.

O domínio de Deus está fundamentado no fato de Ele ser o preservador de todas as coisas. A dependência contínua que todas as coisas tem de Deus, mostra claramente o Seu domínio sobre todas elas.

O domínio de Deus é fortalecido através dos benefícios que Ele concede às Suas criaturas. Nós temos um grande dever e obrigação para com Ele, e isto por causa das incontáveis bênçãos que a Sua bondade tem nos proporcionado. A benção inestimável da redenção nos obriga a servi-Lo. Ou não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por bom preço; glorificai, pois, a Deus no vosso corpo, e no vosso espírito, os quais pertencem a Deus (I Coríntios 6: 19-20). Nós costumamos dizer que quanto mais uma pessoa paga por alguma coisa, mais ela tem direito de tê-la. O alto preço que Deus pagou por nossas almas concede a Ele um direito muito especial sobre nós.

III.    A NATUREZA DO DOMÍNIO DE DEUS.

O domínio de Deus é independente. Entre os homens, há o consenso da necessidade de ser governado (exceto na autoridade paterna). Entretanto, Deus não precisa de permissão para ser Deus. Ele não é Deus por causa do voto dos homens. Não há um governador acima dEle, pois nada e ninguém é superior a Ele.

O domínio de Deus é absoluto. A sua autoridade é ilimitada. Propriamente falando, o termo Senhor só se aplica a Ele. Todos os outros senhores estão sujeitos àquele que é o Senhor dos senhores.

Deus é livre em Seu domínio sobre todas as coisas. Ele foi totalmente livre na criação para fazer tudo o que desejou. Preservação também é fruto de Sua soberania, pois Ele poderia ter destruído o mundo após a queda de Adão. Da mesma forma, a redenção também é um ato de Sua soberania, pois Deus não tinha obrigação de salvar os homens mais do que teve em não salvar os anjos caídos. Deus tem o direito de legislar e estabelecer os termos de cada ação. Ele soberanamente aflige. Ele não é obrigado a nos dar nada, e ainda tem o direito de tirar o que temos segundo o Seu querer. Ele é livre para distribuir de forma desigual as suas bênçãos, e a quem escolher. Ele é livre para infligir castigos quando queira. O direito de Deus sobre as Sua criaturas é semelhante ao do oleiro com os seus vasos. Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra? (Romanos 9: 21). De fato, poderíamos dizer que Deus tem até mais direitos do que o oleiro. A única diferença entre o oleiro e o vaso é que o oleiro tem vida, pois ambos são feitos de barro! Deus soberanamente infringe doenças. Os discípulos perguntaram: E os seus discípulos lhe perguntaram, dizendo: Rabi, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego? Jesus respondeu: Nem ele pecou nem seus pais; mas foi assim para que se manifestem nele as obras de Deus (João 9: 2-3). Deus é livre quanto a qualquer lei que exista fora de si mesmo. Os reis desta terra estão sujeitos de alguma maneira às leis. Mas o Rei dos céus e da terra não está sujeito a nenhuma lei, exceto a si mesmo. Ele é a Sua própria lei.

Deus é livre no sentido de não estar sob o domínio de ninguém. Ele não tem superior a quem deva responder. Certamente que nós, Suas criaturas, não temos o direito de discordar dEle, como se fossemos maior do que Ele. Não há quem possa estorvar a sua mão, e lhe diga: Que fazes? (Daniel 4: 35). Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim? (Romanos 9: 20).

Deus é livre com respeito a ser irresistível. Ele possui tanto o poder quanto o direito sobre tudo. Ainda antes que houvesse dia, eu sou; e ninguém há que possa fazer escapar das minhas mãos; agindo eu, quem o impedirá? (Isaías 43: 13). Nenhuma mão, ou multidões delas poderiam impedi-Lo de agir. Seus decretos são certos.

Embora o domínio de Deus seja absoluto, não é absolutamente tirano. Ele não age de foram imprudente, arbitrária, ou caprichosa. A Sua soberania não age independente de Suas outras perfeições. Antes, é administrado pela Sua sabedoria e bondade. O que para nós parece um ato de pura soberania, no fundo é fruto de uma profunda sabedoria. É impossível que Deus venha a agir de forma injusta ou tola, pois Justo é o SENHOR em todos os seus caminhos, e santo em todas as suas obras (Salmo 145: 17). A Sua soberania não contradiz a Sua justiça. Além disso, a Sua soberania não pode ser separada de Sua bondade. Assim como não punir o pecador seria negar a Sua justiça, assim também castigar um inocente seria negar a Sua bondade. O Seu trono majestoso é um trono de graça (Hebreus 4: 16). Ele não requer uma obediência servil, produto do medo, mas uma obediência voluntária, fruto do senso de Sua bondade.

O domínio de Deus se estende sobre todas as criaturas. A extensão do firmamento não limita a Sua autoridade. Ele tem autoridade sobre tudo o que está diante dos Seus olhos. O céu, juntamente com seus anjos, está sob a Sua autoridade. Por isso Ele é chamado centenas de vezes nas Escrituras de o SENHOR dos exércitos. Bendizei ao SENHOR, todos os seus exércitos, vós ministros seus, que executais o seu beneplácito (Salmo 103: 21). O sol se deteve ao Seu comando (Josué 10: 12). O inferno e seus demônios estão sob Sua autoridade. Eles negaram a sua bondade, mas não podem escapar do Seu domínio. Um príncipe é senhor de seus criminosos assim como de seus súditos leais. Deus faz uso da malícia dos demônios para levar a cabo os Seus propósitos. Com ele está a força e a sabedoria; seu é o que erra e o que o faz errar (Jó 12: 16). Além disso, a terras e todos os seus habitantes estão sob a autoridade de Deus. A locusta move-se ao seu comando. O fogo não pode consumir a menos que Deus o deixe. As ondas se erguem e caem ao Seu comando. A soberania de Deus estende-se sobre a humanidade. Ele determina as fronteiras das nações (Atos 17: 26). Ele governa especialmente sobre os corações dos homens. Hebreus 12: 9 o chama de o Pai dos espíritos. Ao conceder a faculdade da vontade ao homem, Deus não se despojou de Seu atributo de soberania. O homem pode governar o corpo de outro, mas não sua alma, pois somente Deus é que pode trabalhar de forma instantânea na alma, infundindo hábitos que a capacitam a agir de forma nobre. Sem auxílio algum, Deus pode mudar a vontade do homem, ou lhe dar um novo coração. Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do SENHOR, que o inclina a todo o seu querer (Provérbios 21: 1). Deus pode destravar a consciência, trazendo conforto ou terror, de acordo com a Sua vontade. Ele pode elevar o espírito de um santo perseguido, a despeito da tortura e das chamas, e fazer que estas mesmas coisas aflijam a alma do pecador, mesmo que este esteja gozando de prosperidade exterior.

O domínio de Deus é eterno. o SENHOR se assenta como Rei, perpetuamente (Salmo 29: 10). Tu, SENHOR, permaneces eternamente, e o teu trono subsiste de geração em geração (Lamentações 5: 19). O Seu governo nunca foi interrompido.

IV.    AONDE O GOVERNO DE DEUS EXISTE E COMO É MANIFESTADO.

Ele exercita o Seu direito de criar leis. Porque o SENHOR é o nosso Juiz; o SENHOR é o nosso legislador; o SENHOR é o nosso rei, ele nos salvará (Isaías 33: 22). A Sua lei é chamada de “a lei real” (Tiago 2: 8). Um comando implica em uma autoridade sendo exercida por um comandante e uma obrigação a ser desempenhada pelos comandados. Propriamente falando, só pode haver uma pessoa que não seja objeto das leis e que se faça lei em seu lugar, e esta pessoa é Deus. Há só um legislador que pode salvar e destruir (Tiago 4: 12). Todas as outras autoridades são derivadas desta autoridade final. Por mim reinam os reis e os príncipes decretam justiça (Provérbios 8: 15). O direito de Deus de legislar é universal, diferentemente de um rei cujo domínio termina no oceano ou nas fronteiras de outra nação. A lei de Deus está escrita no coração de cada homem (Romanos 2: 15). A razão de ser de algumas das leis de Deus aponta exclusivamente para a Sua própria vontade. Embora a Sua lei moral esteja certamente baseada em Seu caráter e glória, há ainda outras leis nas quais não vemos outra razão para a sua existência a não ser a que mencionamos acima. Por exemplo, a ordem dada a Adão para não comer de uma única árvore, não estava baseada em algo inferior que havia naquela árvore. Ela era tão boa para se comer como outras que havia lá, mas Deus usou isso como uma marca de Sua soberania e também da submissão do homem. Além disso, a própria maneira como Ele deu a Sua lei moral manifesta o Seu domínio, pois ela foi escrita pelo Seu dedo em tábuas de pedra, e acompanhada pelos anjos. Igualmente, Deus age soberanamente na imposição da Sua lei, a qual alcança a consciência do homem. Ninguém pode dominar a consciência a não ser Deus, e uma vez dominada, nenhum homem a pode libertar.

Como Legislador soberano, Deus pode abolir Sua lei tão livremente com Ele a deu. Não estamos falando aqui da Sua lei moral, pois se assim o fizesse, Deus estaria negando a Sua própria santidade e justiça. Mas outras leis Ele pode relaxar quando quiser. Por exemplo, Ele reverteu as leis da natureza quando abriu o mar vermelho. Ele aboliu as leis cerimoniais entregues a Israel com a vinda “dAquele” de quem estas leis eram apenas sombra. Podemos até falar da anulação do concerto de obras e o estabelecimento do concerto da graça, sem o qual nenhum descendente de Adão poderia ser abençoado. Já que todas as almas pertencem a Ele, então pode dispor delas quando e onde Ele bem entender. Se Abraão tivesse por si só matado Isaque, isso seria assassinato, mas Deus soberanamente apontou a Abraão como executor, e por isso ele não hesitou em obedecer àquela ordem.

Como Legislador soberano, Deus pune aqueles que quebram a Sua lei segundo a Sua vontade. Isso é um direito que Lhe pertence como Juiz. Se Ele não punisse os ofensores, então Suas leis perderiam todo sentido. A soberania não pode subsistir sem justiça. O SENHOR é conhecido pelo juízo que fez (Salmo 9: 16). Quando parece que Ele perdeu o domínio, então Ele o recobra com castigos. Por isso puniu os anjos caídos e também Adão pelo pecado que cometeram. Ele demonstra o Seu domínio através dos meios que utiliza em Seus julgamentos temporais, quer utilizando rãs, exércitos, ou anjos.

Deus atua soberanamente como Dono de todas as coisas. Ele livremente escolheu desde a eternidade um número de pessoas para serem objetos de Sua graça. Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo (Efésios 1: 4). Por que Ele escreveu alguns nomes em Seu livro e outros não? Se buscarmos uma resposta para esta questão, até onde nos é possível encontrá-la, a resposta seria: que Ele assim o fez segundo o beneplácito de sua vontade (Efésios 1: 5). Deus disse à Moisés: Compadecer-me-ei de quem me compadecer, e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia (Romanos 9: 15). Se o motivo desta escolha estar baseado na soberania de Deus, e ainda assim não ficarmos satisfeitos com a resposta, nenhuma outra razão poderá ser encontrada. O motivo pelo qual Deus fez tal escolha, não está no fato de haver algum tipo de mérito da parte daqueles a quem Ele escolheu. Todo homem procede do mesmo caco de barro contaminado pelo pecado de Adão. Somos todos filhos da ira e merecemos tão somente a condenação. Esta escolha também não estava baseada em qualquer obra de justiça que Deus anteviu que faríamos. As únicas obras que Deus poderia ter antevisto nos pecadores seriam obras de corrupção. Ele nos escolheu para que fôssemos santos, não porque já éramos santos (Efésios 1: 4). Nossas boas obras são o fruto, e não a causa, da escolha de Deus. Ele nos salva para que possamos praticar as boas obras, determinando assim estas mesmas obras de antemão (Efésios 2: 10). Até mesmo a fé, pela qual nos entregamos a Cristo, é dada por Deus (Efésios 2: 8). Este dom é peculiar dos escolhidos segundo a fé dos eleitos de Deus (Tito 1: 1). Se a fé prevista fosse a razão da escolha de Deus, então Deus seria chamado de “nosso Eleito”, e não nós “Seus eleitos”. Os homens não são escolhidos porque creram, mas creram porque são escolhidos. Se qualquer coisa prevista fosse a razão da escolha de Deus, então Ele teria que escolher os anjos, já que Ele poderia ter previsto um serviço muito melhor da parte deles do que do homem. Mas Ele rejeitou os anjos caídos totalmente, e assim como alguns homens. Ele é tão livre para agir, que poderia salvar a todos, ou absolutamente ninguém. Aqueles que condenam a liberdade da escolha de Deus, é porque possuem uma visão muito rasa da natureza do pecado, ou do caráter de Deus. Eles atribuem a Deus menos soberania do que aquela que um artesão tem sobre sua obra de madeira ou pedra. Não deveríamos pensar que a escolha de Deus foi sem pensar, mas antes fundamentada na sabedoria que está muito além do nosso alcance. No final, a razão da escolha de Deus encontra-se Nele mesmo.

Como dono de tudo, Deus concede graça conforme a Sua vontade. Embora Ele seja essencialmente bom, ainda assim não é obrigado a manifestar a cada pessoa todos os tesouros de Sua bondade. Se Deus fosse obrigado a demonstrar bondade, nenhuma ação de graças seria devida a Ele. Quem agradece ao sol por brilhar sobre nós, quando este não pode fazer nada a não ser (é obrigado) brilhar? Reiterando, Deus poderia conceder salvação a todos os homens, mas não foi da Sua vontade fazê-lo. E isso não foi por causa de qualquer fraqueza ou falta de poder da Sua parte. A incredulidade é maior do que Ele? O Espírito não assopra aonde quer (João 3: 8)? A restrição de Sua graça não é devido à falta de bondade por parte de alguns. Afinal de contas, Ele abre a mente dos homens mais ignorantes, converte o mais vil deles, e alcança a escória da sociedade. Deus não está mais em débito com os homens caídos do que está com anjos caídos. A demonstração da Sua graça é simplesmente um ato da Sua absoluta soberania. Assim como Faraó era livre para honrar o copeiro e executar o padeiro, assim também Deus é livre para salvar Abel e condenar Caim, Isaque e não Ismael, Jacó e não Esaú. Suponhamos que um rei conceda perdão a uma companhia de rebeldes, sob a condição de eles pagarem uma soma de dinheiro, mas eles perderam tudo e ficaram reduzidos a pobreza. Imaginemos então que o rei, em um ato de pura generosidade, envie o dinheiro que eles necessitam e assim os capacite a atenderem a exigência estabelecida. Então o rei declarará que o seu perdão foi um ato de sua autoridade soberana; e sua concessão em atender a exigência, um ato de sua soberana bondade. Assim também ocorre entre Deus e os pecadores.

Como dono de tudo, Deus dispensa os meios da graça a alguns. Ele envia uma revelação especial para alguns lugares, mas não a todos. Ele rapidamente a remove de alguns lugares, enquanto permite que outros desfrutem de benefícios mais longos. Somente a geração de Sete recebeu uma revelação especial até o dilúvio. Após a dispersão das nações, somente uma família desfrutou dos meios da graça, a saber; Abraão e a sua descendência. Todas as outras nações permaneceram praticamente em trevas ou em trevas completas. Após a vinda de Cristo, esta mesma nação permaneceu na obscuridade quanto ao evangelho, enquanto a luz desceu sobre os gentios. Por que Corazim e Betsaida desfrutaram dos benefícios que não foram concedidos a Tiro e Sidom, a não ser que isso tenha sido feito por um apontamento Divino? Por que a América foi deixada em trevas por tanto tempo e agora desfruta de luz, a não ser por causa de uma determinação Soberana? Sim, ó Pai, porque assim te aprouve (Mateus 11: 26).

Como Dono de tudo, Deus determina a influência dos meios da graça. Nem todos os que ouvem se convertem. Alguns ao ouvirem o evangelho são espiritualizados por ele, enquanto outros, apenas moralizados. Algumas vezes o evangelho conquista centenas, enquanto em outras, apenas alguns. Às vezes a colheita é farta, apesar de serem poucos os ceifeiros, assim como, em algumas ocasiões, a colheita tende a ser pequena, embora sejam muitos os ceifeiros. Lembre-se, estamos falando do mesmo evangelho! Então, qual seria a razão para tamanha variação, salvo o fato de Deus estar demonstrando mais claramente as provas da Sua soberania? Portanto, vamos ter pensamentos de adoração, e não de murmuração, a respeito da soberania de Deus. Vamos agradecer a Deus por aquilo que temos recebido, e humildemente levar a Ele, em oração, as nossas necessidades. Reconhecer a Deus como soberano é o caminho da dependência, e também o caminho pelo qual nos entregamos a Ele como aqueles que esperam pelo Seu favor.

Como Dono de tudo, Deus concede uma maior medida de conhecimento a alguns do que a outros. Ele dá sabedoria aos sábios e conhecimento aos entendidos (Daniel 2: 21). Ele diz a respeito de Bezalel: Eu o enchi do Espírito de Deus, de sabedoria, e de entendimento, e de ciência, em todo o lavor (Êxodo 31: 3). Paulo tinha um entendimento mais claro do que Pedro a respeito da abolição da lei cerimonial (Gálatas 2). O Espírito Santo opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer (I Coríntios 12: 11).

Como Dono de tudo, Deus chama alguns em suas gerações para um serviço especial. Embora Moisés fosse um grande homem, Deus apontou a Arão como sumo sacerdote. Os irmãos mais velhos de Davi foram rejeitados por Deus enquanto Samuel o ungia para ser rei. Deus prepara e equipa alguns vasos para um ministério mais público, enquanto outros, para um mais obscuro.

Como Dono de tudo, Deus distribui honra e riquezas como quer. Ele é o que faz o rico e o pobre (Provérbios 22: 2). Um tem uma coroa sobre sua cabeça, enquanto outro, nem sequer um teto. O cetro se encontra na mão de um, enquanto a espada na de outro. José era livre para abençoar benjamim com mais mudas de roupas do que aos seus outros irmãos (Gênesis 43: 34; 45: 22). Deus não deve absolutamente nada a nenhum homem, mesmo que o deixe viver todos os seus dias em pobreza e desgraça. De acordo com o Salmo 55: 19, todos estamos sujeitos a mudanças que Deus determina para nós nesta vida, a fim de que o temamos.

Como Dono de tudo, Deus dispensa Seus dons como quer. Assim como Ele é o Senhor de toda graça, assim também é o Senhor dos tempos e estações na dispensação das mesmas.

Deus age soberanamente como Governador. Ele administra domínios e reinos. Daniel disse: E ele muda os tempos e as estações; ele remove os reis e estabelece os reis (Daniel 2: 21). Deus fez com que uma flecha atirada a esmo atingisse a Acabe em um vão de sua armadura. E embora ele tivesse setenta filhos, nenhum deles o sucedeu ao trono. Deus disse a respeito de um outro rei: E agora eu entreguei todas estas terras na mão de Nabucodonosor, rei de Babilônia, meu servo; e ainda até os animais do campo lhe dei, para que o sirvam (Jeremias 27: 6). Os homens tendem a fixar seus pensamentos nas causas secundárias, falhando em enxergar a mão de Deus por detrás das mesmas. Deus está tanto no controle do Seu trono no palácio, quanto no de um banco em uma estalagem.

Como Governador, Deus move e ordena a vontade dos homens. A vontade do homem é um princípio finito, e sujeita àquele que possui uma soberania infinita sobre todas as coisas. Moisés foi resgatado pela filha do próprio homem que planejou destruí-lo. Deus fez com que ele fosse até mesmo educado na casa do próprio rei. Ciro não sabia que Deus o estava usando quando ele decretou a reconstrução do templo dos Judeus (Isaías 45: 4).

Como Governador, Deus restringe as paixões dos homens. Algumas vezes Ele faz isso externamente, como na torre de Babel, mas normalmente Ele age restringindo as paixões internas sem que haja uma causa visível. Vemos isso quando Deus privou os Cananeus do desejo de invadir as terras de Israel, enquanto eles estavam em Jerusalém celebrando suas festas anuais (Êxodo 34: 24). Labão perseguiu Jacó a fim de prejudicá-lo, mas Deus falou a ele em sonho: Guarda-te, que não fales com Jacó nem bem nem mal (Gênesis 31: 24).

Como Governador, Deus derrota os planos e esforços dos homens. Ele ri dos melhores esforços, propósitos, e estratagemas dos homens (Salmo 2: 4). Ele conhece todos os segredos dos homens. Eu sei, ó SENHOR, que não é do homem o seu caminho; nem do homem que caminha o dirigir os seus passos (Jeremias 10: 23). Ele fez com que Hamã fosse enforcado na mesma forca que ele construiu para Mardoqueu, enquanto este acabou sendo exaltado. Os Judeus pensaram que ao crucificarem a Cristo estariam seguros no império dos Romanos (João 11: 48), mas isso somente apressou a destruição deles pelas mãos do exército dos Romanos.

Como Governador, Deus envia Seus julgamentos sobre a vida daqueles que Ele determina. Eu mato, e eu faço viver; eu firo, e eu saro, e ninguém há que escape da minha mão (Deuteronômio 32: 39). Nem toda Sodoma é destruída pelo fogo dos céus. Todos os exércitos do céu e da terra estão a Sua disposição e aguardam Suas ordens para executar Suas vinganças.

Como Governador, Deus é que aponta a todo homem a sua chamada e posição neste mundo. Ele conta o número de cabelos da nossa cabeça. Ele aponta o nosso trabalho ou ocupação neste mundo, o qual é descrito como o nosso chamado.

Como Governador, Deus determina os meios e ocasiões da conversão dos homens. A princípio, a prisão de Paulo parecia ser uma tragédia. Entretanto, alguns servos de Cesar acabariam se convertendo ao ouvirem a pregação do evangelho por intermédio deste prisioneiro. Alguns se dispõem a ouvir um pregador somente por deboche, mas despertados por Deus, acabam se prostrando em oração. A mesma mensagem que converte um, pode endurecer a outro.

Como Governador, Deus dispõe da vida dos homens. Ele detém a chave do túmulo e da morte. Davi escreveu: Meus tempos estão nas tuas mãos (Salmo 31: 15). Deus aponta a longevidade da vida e a medida de saúde de acordo com a Sua soberana vontade.

Deus age soberanamente como Remidor. Na obra da redenção, este domínio é exercido não somente sobre os homens, mas também sobre Cristo, o Filho. Por isso Deus é chamado de a cabeça de Cristo (I Coríntios 11: 3), não em termos de essência divina, na qual Ele é co-igual com o Pai, nem em termos da Sua natureza humana, mas em termos da administração da redenção. O evangelho, como um todo, nada mais é do que a declaração do soberano beneplácito de Sua vontade a respeito de Cristo, e também de nós em Seu Filho.

A soberania de Deus requer o pagamento pelos pecados dos homens. Se Ele nunca exigisse tal reparação, então teria efetivamente colocado de lado a Sua autoridade suprema. Mas Deus soberanamente apontou a Cristo para a obra da redenção. Ele é Filho por natureza, mas Mediador por vontade Divina Ele é chamado de Apóstolo (Hebreus 3: 1), isto é; um mensageiro enviado por Deus. Ele disse ao Pai: Eis aqui venho (No princípio do livro está escrito de mim), Para fazer, ó Deus, a tua vontade (Hebreus 10: 7). Como Deus tinha a liberdade de criar ou não criar, assim também tinha a liberdade de remir ou não remir. Foi um ato de Sua soberana vontade transferir nossos pecados para Cristo. Somente o supremo governador de um país é que pode determinar que tipo de castigo ou punição será imposta aos infratores. Da mesma maneira, Deus pegou todas as nossas dívidas e lançou na conta de Cristo, determinado assim que Ele ficasse responsável por nossa fiança e segurança. Se o Filho apenas tivesse apenas encarnado e morrido, a Sua morte teria sido apenas física e temporal. Mas Deus fez que Ele, que não conheceu o pecado, fosse feito pecado por nós (II Coríntios 5: 21). Assim Deus propôs e entregou Seu Filho (Romanos 3: 25; 8: 32). Portanto, a Sua morte foi eficaz para remir aqueles por quem Ele sofreu. A imputação dos nossos pecados sobre Ele, e da Sua justiça sobre nós, é um ato de pura soberania. Na administração da redenção, Deus determinou que Cristo fosse o nosso Remidor, e isso era um assunto de obediência. Cristo disse: A tua lei está dentro do meu coração (Salmo 40: 8). Além disso, Deus o exaltou soberanamente após a Sua morte. Deus lhe deu toda a autoridade, Ele o constituiu como a cabeça de todas as coisas da igreja; dando a Ele um nome que é sobre todo nome; e ainda o constituiu juiz sobre tudo (Mateus 28: 28; Efésios 1: 22; Filipenses 2: 9; João 5: 22). Por isso, Deus é soberano em tudo o que Cristo realizou como sacerdote ou realizará como um rei.

Vamos agora aplicar os nossos corações neste maravilhoso atributo.

I.    Instrução.

A soberania de Deus é vista com grande desprezo pelo homem natural. Aqui vemos uma grande disputa entre Deus e o homem, ou seja, que será o governador? Se isso foi deixado ao homem, Deus não governaria nem mesmo numa vila em toda a face da terra. O homem ímpio não suporta nenhuma lei autoritária da parte de Deus. Antes rejeitastes todo o meu conselho, e não quisestes a minha repreensão (Provérbios 1: 25). Desprezar a soberania de Deus é apunhalar a Sua divindade, pois Ele não pode ser Deus sem Sua autoridade.

Em geral, todo pecado é um desprezo ao domínio de Deus. Todo pecado desafia Sua lei, e consequentemente a autoridade que está por detrás dela. Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus (Romanos 8: 7). Nós colocamos a nossa vontade acima da vontade de Deus. Como Satanás desejou escapar do domínio de Deus, e ser igual a Ele, assim também tenta o homem com o mesmo pensamento mau: Sereis como Deus (Gênesis 3: 5). Faz parte da mentalidade universal do homem desonrar o domínio de Deus. Rompamos as suas ataduras, e sacudamos de nós as suas cordas (Salmo 2: 3). Todo homem da sua própria maneira diz: “Não me importo com o que Deus pensa ou tem dito, pois eu já determinei como será a minha vida.” Até os homens religiosos usurpam a autoridade de Deus. Por exemplo: a igreja romana privou seus adeptos de tomarem do cálice na ceia do Senhor, mesmo que Cristo tenha dado a ordem de “bebei”. Eles fazem muitas coisas semelhantes a essa, como se Deus tivesse despido a si mesmo do título de Rei dos reis, e o transferido ao bispo de Roma. A maioria dos erros dos homens pode ser resumido como sendo o não reconhecimento da soberania de Deus.

Mais especificamente, os homens desprezam este atributo ao negar a Deus o Seu direito como Legislador, Dono, ou Governador. Deus é desprezado como Legislador quando os homens fazem leis contrárias àquelas que Ele estabeleceu, ou quando tentam cauterizar a consciência de outros, ou quando acrescentam alguma coisa a Sua lei. Embora Pedro não ousasse ser o senhor da herança de Deus (I Pedro 5: 3), aqueles que alegam ser seus sucessores reinam como senhores, fazendo muitas inovações que Deus não ordenou, as quais Ele condena. O Legislador é desprezado quando os homens preferem obedecer as leis dos homens ao invés da lei de Deus. Isso simplesmente é colocar o homem acima de Deus. Quando obedecemos a qualquer um dos mandamentos de Deus só pelo fato de termos o apoio da autoridade humana, na verdade estamos demonstrando que temos mais respeito pelos homens do que por Deus.

Deus é desprezado como Dono de tudo quando os homens sentem inveja. O fundamento desta emoção não passa de uma insatisfação para com Deus no que diz respeito à administração dos Seus bens. Isso também ocorre com relação aos pecados de roubo e fraude, pois se trata de uma ofensa pessoal cometida contra Deus. O Seu direito de propriedade também é negado quando utilizamos aquilo que Ele nos tem concedido para fins egoístas, e não como Deus nos tem revelado. Devemos lembrar que somos mordomos de Deus, nossa herdade pertence a Ele. Portanto, não deveríamos cobiçar, nem desperdiçar, e nem encerrar as entranhas aos necessitados. Não devemos usar a religião como um meio de honrarmos a nós mesmos e não a Deus.

Deus é desprezado como Governador quando os homens adoram ídolos, ou a qualquer criatura ao invés de Deus. Não importa quão grande e importante seja o ídolo, pois só Deus é digno do nosso amor. Uma mulher se torna adúltera a despeito do seu amante ser um príncipe ou um plebeu. Somente Deus é digno da nossa afeição e confiança. Mas nós o desprezamos quando confiamos em outra coisa que não seja Ele mesmo. Não há nada de errado em se ter prosperidade ou honra, mas quando amamos estas coisas e confiamos nelas acima de Deus, estamos negando a Sua soberania sobre as nossas almas. Nunca deveríamos preferir a autoridade do barro acima da dos céus, e nem servir aos súditos ao invés do Rei. Sempre que somos impacientes e murmuramos contra a providência, na verdade estamos desejando que Deus saísse do Seu trono e colocasse a Sua coroa sobre as nossas cabeças. Isso é uma cópia horrível do pecado original de Adão. Quando os homens são orgulhosos e presunçosos, falando mais como um deus do que como um homem, eles estão desprezando o governo de Deus. Eles dizem: Hoje, ou amanhã, iremos a tal cidade, e lá passaremos um ano, e contrataremos, e ganharemos. Mas eles deveriam reconhecer o domínio de Deus e dizer: Se o Senhor quiser, e se vivermos, faremos isto ou aquilo (Tiago 4: 13-15). Se temos uma vontade obstinada, um espírito de independência, e insistimos que nenhum homem tem alguma autoridade sobre nós, então estaremos nos rebelando contra a autoridade de Deus, autoridade esta que Ele delegou nos círculos terrenos. Uma adoração fria e descuidada é outra forma de demonstrar desprezo ao Soberano do universo. Aqueles que se recusam a se curvar são piores do que aqueles que se curvam pela metade? Deus pedia o melhor do rebanho para o sacrifício, e nós deveríamos dedicar o nosso melhor e também todo o nosso coração na adoração. Pecados de omissão mostram um desprezo pelo nosso Governador, como se fossemos livres para escolher quando e onde devemos obedecer. Finalmente, quando julgamos e censuramos injustamente a outros, estamos usurpando os direitos de Deus, e declarando nossa superioridade sobre a lei, como se os homens estivessem mais debaixo da nossa autoridade do que a de Deus. Irmãos, não faleis mal uns dos outros. Quem fala mal de um irmão, e julga a seu irmão, fala mal da lei, e julga a lei; e, se tu julgas a lei, já não és observador da lei, mas juiz. Há só um legislador que pode salvar e destruir. Tu, porém, quem és, que julgas a outrem? (Tiago 4: 11-12). Nosso irmão não deve ser governado por nossos caprichos, mas pela lei de Deus e por sua consciência.

Deus não somente exerce como tem o direito de realmente governar.

Uma qualidade tão gloriosa como esta deveria ser desperdiçada? Será que Deus é como alguns monarcas que ignoram seus reinos gastando o tempo em seus jardins? Seria uma injustiça da parte de Deus não utilizar o Seu domínio para fins justos.

Já que Deus é soberano, então Ele não pode errar. Ele não faz nada além de exercer o Seu direito de soberania. Mesmo quando Ele tira as nossas vidas, está apenas exercendo o direito de tirar aquilo que um dia Ele nos deu. Ele não está em dívida conosco. O Dono de tudo tem todo o direito de tomar de volta os seus bens, a fim de vindicar a Sua soberania. Nós fomos feitos por Ele e para Ele. Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém (Romanos 11: 36).

Já que Deus é soberano, então todo o mérito das criaturas é totalmente excluído. As próprias faculdades pelas quais nós lhe rendemos obediência nos foram concedidas por Ele. Um servo recebe o mérito devido ao seu senhor só porque utiliza as ferramentas que este lhe forneceu? Tudo o que poderíamos dar a Deus na verdade já lhe pertence. A única maneira que Ele pode ficar em dívida conosco, é se Ele livremente se interpor a si mesmo através de Sua própria promessa.

Já que Deus é absolutamente soberano, então aqueles que exercem autoridade nesta terra estão sob a autoridade dEle. Os senhores terrenos não passam de um oficial sob o comando de Deus, que estão mais a Seu serviço do que os seus próprios comandados estão para ele. Poderes terrenos são semelhantes a uma ingênua mosca que voa por entre os dedos de uma mão. Segue-se então, que aqueles que governam deveriam governar de acordo com a vontade de Deus revelada, servindo como um exemplo de submissão àqueles que lhe seguem. Eles deveriam imitar a justiça de Deus em toda a sua administração. E nós devemos obedecê-los enquanto agem de acordo com a vontade de Deus. Como podemos dizer que somos amigos de Deus se desobedecemos aqueles a quem Ele instituiu como superiores sobre nós? O próprio Cristo foi um inimigo de Cesar.

II.    Convicção.

A consideração sobre o domínio de Deus deveria produzir grande temor e espanto em todos que se rebelam contra Ele. A árvore proibida naturalmente não era inferior a qualquer outra presente no jardim, mas se tornou um teste para a submissão do homem. Adão decidiu desafiar a Deus, comendo assim do seu fruto. A pergunta que Deus fez a ele enfatizava o fato da Sua autoridade ter sido tratada com desprezo. Comeste tu da árvore de que te ordenei que não comesses? (Gênesis 3: 11). O domínio de Deus não pode ser desprezado sem que venhamos a sofrer grandes castigos. Ele não somente tem o direito de infligir tais castigos, mas se não o fizer, Ele estará desprezando o Seu próprio domínio. A carcaça flutuante de Faraó é um testemunho para todos os que ousarem desafiar a soberania de Deus e dizer: Quem é o SENHOR, cuja voz eu ouvirei, para deixar ir Israel? Não conheço o SENHOR, nem tampouco deixarei ir Israel (Êxodo 5: 2). Por causa do desprezo a este atributo, o castigo do pecado será inevitável. Em Deus há uma tremenda majestade (Jó 37: 22). Quem pode escapar de Deus? E quem pode confortar uma vez que Deus inicie o Seu julgamento? Não há lugar seguro fora deste Soberano. Ele pode fazer que qualquer parte de Sua criação seja um instrumento de ira. Ele tem em Suas mãos recursos ilimitados. Ele pode fazer que qualquer conforto se volte contra você. Os Seus castigos são terríveis, incomparáveis e indescritíveis. Que tolice desprezar tamanho e poderoso Soberano!

III.    CONFORTO.

Agradeça a Deus, pois há conforto neste atributo para aqueles que se curvam diante do Seu cetro! Todos os Seus outros atributos serviriam de pouco consolo sem a existência deste. O amor que Deus tem para com Seu povo é tão grande quanto a Sua soberania sobre eles. Já que Ele perdoa os nossos pecados, quem poderá impedir ou anular isso? Nele há firme e total segurança. Ele certamente irá dominar e vencer as corrupções do Seu povo. Ele assegura a nossa felicidade ao garantir a nossa santidade. Ele é muito maior do que o maior pecado que ainda resida em nós. Este atributo nos fortalece e encoraja a orarmos a Deus. Ele é extremamente terno em Sua autoridade, e tem prazer em nossas orações quando reconhecemos o Seu domínio. Este atributo nos conforta em nossas aflições, pois confiamos naquilo que Ele tem reservado para nós. O exercício de Sua autoridade ao permitir que passemos por aflições é acompanhado com o exercício de Sua bondade e sabedoria. A tempestade que afunda os nossos navios é a mesma que nos conduz ao porto celestial. Este atributo nos conforta quando a causa de Deus aqui na terra parece estar sendo derrotada. Os Seus inimigos não podem tirar o anzol de suas bocas. Não há sabedoria, nem inteligência, nem conselho contra o SENHOR (Provérbios 21: 30). Ele pode desmontar as rodas dos carros de Faraó quando, onde, e como bem lhe parecer. O próprio diabo tem que se aquietar quando Deus, em Sua soberania, lhe dá uma ordem. Quantas vezes Deus fez que a espada de Seus inimigos se voltasse contra suas próprias entranhas!

IV.    MEDITAÇÃO.

Nós deveríamos pensar frequentemente em nosso grande Rei, reconhecendo-O como Senhor, e a nós mesmos como Seus súditos. Este reconhecimento era o que Deus requeria de Caim, e foi o motivo pelo qual Ele enviou as pragas ao Egito - as coisas que fiz no Egito, e os meus sinais, que tenho feito entre eles; para que saibais que eu sou o SENHOR (Êxodo 10: 2). Meditar neste atributo fará:

- Que Deus seja o objeto da nossa confiança. Ele nunca irá nos desapontar. Este atributo deveria fazer que nossas mãos nunca ficassem apoiadas em qualquer outro lugar, de tal forma que somente nos agarrássemos a Deus. Devemos confiar em Deus somente, a despeito da presença ou ausência das causas secundárias.

- Que sejamos mais diligentes na adoração. Quando nos achegamos diante dEle, a postura do nosso corpo e da nossa alma deveria refletir a majestade e autoridade do Único a quem devemos adorar. Guarda o teu pé, quando entrares na casa de Deus (Eclesiastes 5: 1). Não deveríamos nos apresentar para ouvir a voz de Deus como se estivéssemos ouvindo a voz de um homem qualquer.

- Que nos tornemos mais amorosos com outras pessoas. Já que Deus é quem nos faz prosperar, como poderíamos não honrá-Lo com tudo aquilo que Ele nos tem dado? Deveríamos demonstrar a mesma benevolência a outros. Como Paulo estava ansioso para levantar uma ajuda ao santos necessitados de Jerusalém e isso ser entregue a eles!

- Que fiquemos mais vigilantes contra as tentações. Se lembrássemos sempre do domínio que Deus exerce sobre nós, então rapidamente resistiríamos à tentação, fazendo-a bater em retirada.

- Que suportemos corretamente as aflições. Devemos olhar para elas como uma prova do céu a nosso favor. Não desprezes, pois, a correção do Todo-Poderoso (Jó 5: 17).

- Que nos renunciássemos a nós mesmos diante de Deus em tudo. Nunca deveríamos pedir que Deus nos desse alguma satisfação, como se nós fossemos o Seu juiz ao invés de Seus vermes. Jonas não agiu corretamente ao se irar. Eli falou a verdade quando disse: Ele é o SENHOR; faça o que bem parecer aos seus olhos (I Samuel 3: 18).

- Que paremos de exercitar a nossa vã curiosidade. Nosso Senhor respondeu a curiosidade de Pedro quanto ao futuro de João com estas palavras: Se eu quero que ele fique até que eu venha, que te importa a ti? Segue-me tu (João 21: 22). Deus tem o direito de revelar e ocultar. Temos que cumprir com os nossos deveres e colocar de lado a nossa curiosidade.

V.     EXORTAÇÃO.

Vamos aprender a ser mais humildes através deste atributo. Nunca verdadeiramente nos rebaixaremos até que tenhamos um senso correto da excelência e superioridade de Deus. Jó nunca se sentiu tão humilhado até aquele momento em que Deus lhe mostrou a Sua soberania. Tendo reconhecido a Deus como o Juiz de toda a terra, Abraão reconheceu que não passava de pó e cinza (Gênesis 18: 25-27). Que maldade da parte da criatura querer tomar o lugar do criador! Há uma distância maior entre Deus e o homem do que o existir ou não existir. Não há lugar para orgulho diante de Deus. Como falamos de maneira descuidada a respeito das coisas que possuímos! Será que alguma coisa é realmente nossa? E isso não bastasse, a nossa própria vida não nos foi por um acaso emprestada por Deus?

Vamos aprender a louvar e agradecer. Cantai louvores a Deus, cantai louvores; cantai louvores ao nosso Rei, cantai louvores. Pois Deus é o Rei de toda a terra, cantai louvores com inteligência (Salmo 47: 6-7). Aquele que nos deu o poder para louvar é o mesmo a quem nós devemos adorar. Ele poderia ter nos lançado contra a parede, como um oleiro faz com seu vaso. E se Ele tivesse assim feito, ninguém teria o direito de questionar Sua ação. O nosso único questionamento deveria ser de espanto e adoração, como o do salmista que diz: Que é o homem mortal para que te lembres dele? e o filho do homem, para que o visites? (Salmo 8: 4). A Sua bondade é soberana. Ele é a fonte de tudo o que somos e possuímos! Toda glória seja dada a Ele!

Vamos promover a honra e a glória de Deus. Mais uma vez, Romanos 11: 36 nos fornece boas razões para isso: Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém. Todos os nossos pensamentos e ações deveriam ser dirigidos para Sua glória. Tudo o somos e possuímos deveria ser consagrado à Sua honra. Aquele que faz todas as coisas para o Seu próprio fim, fez de si mesmo o Seu próprio soberano. Cometemos um grande erro quando nos considerarmos acima de meras criaturas, ao invés de negarmos a nós mesmo diante de um Criador soberano. Deus pedirá contas da nossa mordomia. Ele é muito misericordioso como Soberano para esquecer-se daqueles que se importam com a Sua glória, pois diz: porque aos que me honram honrarei, porém os que me desprezam serão desprezados (I Samuel 2: 30).

Vamos temer e reverenciar a Deus por aquilo que Ele é. Qualquer outra opção seria inadequada. Quem não te temeria a ti, ó Rei das nações? Pois isto só a ti pertence; porquanto entre todos os sábios das nações, e em todo o seu reino, ninguém há semelhante a ti (Jeremias 10: 7). O domínio de Deus, juntamente com Sua bondade, é a primeira centelha que ateia o fogo da verdadeira religião.

Vamos orar e confiar em Deus. A oração modelo conclui: Teu é o reino (Mateus 6: 13). Se Deus não é soberano, então não deveríamos gastar o nosso tempo orando e confiando nEle, mas ao invés disso, deveríamos confiar em nosso próprio domínio e capacidade. Não precisaríamos dizer que tal pensamento é uma blasfêmia.

Vamos obedecer a Deus. Esta é sem dúvida a dedução mais óbvia que podemos tirar deste atributo. Assim como a justiça requer temor; a bondade, gratidão; a fé, confiança; e a fidelidade, convicção, assim também a soberania requer obediência. Se a soberania é a primeira noção que a criatura tem a respeito de Deus, então a obediência certamente deveria ser a nossa primeira mola propulsora. Qualquer coisa menos do que isso é uma contradição daquilo que sabemos e professamos. E por que me chamais, SENHOR, Senhor, e não fazeis o que eu digo? (Lucas 6: 46).

Por que devemos obedecer a Deus?

- Porque a obediência é a única resposta adequada a Ele. Tudo o que vemos e aprendemos da parte de Deus faz com que não haja outra resposta tão sensata.

- Porque é honroso e vantajoso para nós. Servi-Lo é uma honra. É muito melhor nos curvarmos diante de um trono celestial do que ocuparmos qualquer trono aqui na terra. Além disso, faz parte da soberania e da grandeza de Deus recompensar qualquer serviço feito para Ele.

- Porque a soberania de Deus requer obediência da parte do homem. Logo depois de Deus ter colocado Adão no jardim, Ele lhe deu algumas ordens para serem obedecidas. E tomou o SENHOR Deus o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar. E ordenou o SENHOR Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente, Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás. (Gênesis 2: 15-17). Deus prefaciou os Dez mandamentos declarando Sua soberania: Eu sou o SENHOR teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de mim (Êxodo 20: 2-3).

- Porque toda criação obedece a Deus. O mar não ultrapassa os seus limites. As estrelas marcham em sua ordem. Os leões em suas covas o obedecem. E não deveria a criatura, que foi feita à sua imagem e semelhança, obedecê-Lo? Não vamos fingir que lhe obedecemos enquanto agimos como rebeldes.

Como devemos obedecer a Deus?

- Com o devido respeito a Sua autoridade. Se um homem se abstém de beber simplesmente porque isso faz mal a sua saúde, então ele estabeleceu a si mesmo como autoridade maior, não Deus. A verdadeira obediência tem em vista a autoridade que lhe deu a ordem.

- Com a nossa melhor e mais perfeita obediência. A Sua grandeza merece e exige isso. Quanto mais nobre um homem for, mais cuidadosos nós seremos na maneira como o servimos.

- Com uma sincera e intrínseca obediência. Diferente das leis dos homens, a lei de Deus alcança os nossos corações. Portanto, a nossa obediência é incompleta se não houver sinceridade em nossos corações.

- Com aquela obediência que é devida somente a Deus. Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele servirás (Mateus 4: 10). A obediência que prestamos aos homens tem como objetivo final o próprio Deus. Os servos devem ser obedientes aos seus senhores como a Cristo... fazendo de coração a vontade de Deus (Efésios 6: 5-6).

- Com uma obediência abrangente. Algumas leis não devem ser obedecidas (Atos 4: 19; 5: 29). Mas toda a lei de Deus é justa e, portanto, deve ser obedecida. Não temos o direito de escolher quais mandamentos queremos ou não respeitar.

- Com uma obediência incontestável. Devemos obedecer pronta e voluntariamente, como Abraão, que não hesitou ou vacilou ao comando de Deus para oferecer Isaque em sacrifício. Deus tem o direito incontestável de nos dar ordens, e nós de obedecermos a Ele.

- Com uma obediência rejubilante. Um serviço mal feito é um descrédito para o mestre. A qualidade do mestre faz com que o serviço seja mais prazeroso. E por acaso existe um mestre mais excelente do que Deus? Vamos mostrar que servimos a um bom mestre. Devemos servir a Deus não por força, mas voluntariamente. Obediência involuntária não é digna de ser chamada de obediência.

- Com uma obediência perpétua. Pelo fato de que Deus é Deus, e o homem criatura, nós devemos a Ele toda obediência.

Vamos ser pacientes. Não é conveniente ao barro perder a paciência com o oleiro. É nosso dever nos submetermos alegremente a Sua soberana vontade em tudo. Embora a paciência de Jó fosse imperfeita num primeiro momento, ainda assim ele é apresentado como um exemplo para nós. Ouvistes qual foi a paciência de Jó (Tiago 5: 11). Após ser provado, Jó cresceu muitíssimo em paciência, pois ele permaneceu em silenciosa submissão diante do Soberano (Jó 40: 4; 42: 2). Se nós temos o direito de chicotear as nossas bestas para que nos sirvam bem, e pelo fato de sermos seus donos, quanto mais Deus, que nos castiga visando o nosso proveito, visto que lhe pertencemos? Que tolice não nos submetermos pacientemente a Deus! Já que não podemos subjugá-lo, melhor seria nos submetermos a Ele.

A própria natureza e essência da paciência é a submissão a soberania de Deus. Jó exemplificou isso ao dizer: Nu saí do ventre de minha mãe e nu tornarei para lá; o SENHOR o deu, e o SENHOR o tomou: bendito seja o nome do SENHOR (Jó 1: 21). Ser paciente por não termos outra saída, não é uma paciência leal. Esta é a paciência de um prisioneiro que não vê a hora de fugir. Mas quando nos submetemos porque entendemos que Deus é quem fez isso, é uma verdadeira graça. Ainda que ele me mate, nele esperarei (Jó 13: 15). A soberana grandeza de Deus exige o respeito incontestável de Suas criaturas.


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Autor: Stephen Charnock
Tradução: Eduardo Cadete 2011
Fonte: Palavra Prudente

13:02
Prega a Palavra -
Steven J. Lawson
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Toda época de reforma e despertamento espiritual tem sido iniciada por uma restauração da pregação bíblica. A causa e o efeito são inseparáveis e invariáveis. J. H. Merle D’Aubignè, famoso historiador da Reforma, escreveu: “A única e verdadeira reforma é aquela que emana da Palavra de Deus”. Isso significa: a condição da igreja corresponde à condição do púlpito.

Isso aconteceu à igreja por ocasião da Reforma Protestante, no século XVI. Martinho Lutero, João Calvino e outros reformadores foram levantados por Deus para liderar essa época. Na vanguarda, estava a sua restauração da pregação expositiva que contribuiu ao desencadeamento do movimento religioso que mudou a Europa e, por fim, a civilização ocidental. Tendo o Sola Scriptura como seu lema, uma nova geração de pregadores bíblicos restaurou o púlpito à sua glória anterior e ressuscitou o cristianismo apostólico.

O mesmo aconteceu na época áurea dos puritanos, no século XVII. Uma restauração da pregação bíblica se propagou como um fogo violento na religião árida da Escócia e da Inglaterra. Um ressurgimento do cristianismo autêntico aconteceu quando um exército de expositores bíblicos – John Owen, Jeremiah Burroughs, Samuel Rutherford e outros – marchou sobre o Império Britânico com a Bíblia aberta e voz erguida. Como conseqüência, a monarquia foi abalada, e a história, alterada.

O século XVIII testemunho exatamente a mesma coisa. A pregação de Jonathan Edwards, George Whitefield e dos Tennents, saturada de Bíblia, trovejou nas colônias primitivas na América. O litoral do Atlântico foi energizado pela proclamação do evangelho, e a Nova Inglaterra, grandemente impactada. A Palavra era pregada, almas eram salvas, e o reino se expandia.

O fato é que a restauração da pregação bíblica sempre foi o principal fator em todo avivamento genuíno do cristianismo. Philip Schaff escreveu: “Todo verdadeiro progresso na história da igreja é condicionado por um novo e profundo estudo das Escrituras”. Isso significa: todo grande avivamento na igreja tem sido iniciado por um retorno à pregação expositiva.

D. Martyn Lloyd-Jones, pregador da Capela de Westminster, disse: “A necessidade mais urgente da igreja cristã contemporânea é a verdadeira pregação. E, se essa é a maior e a mais urgente necessidade da igreja, ela é também a grande necessidade do mundo”. Se esse diagnóstico é correto (e creio que é), um retorno à verdadeira pregação – pregação bíblica, expositiva – é a grande necessidade desta hora crítica. Se uma reforma precisa vir à igreja, ela tem de começar no púlpito.

Em seus dias, o profeta Amós advertiu quanto a uma penúria vindoura, uma secura terrível que cobriria a terra. Mas não seria a mera ausência de água e alimentos, pois a escassez seria muito mais fatal. Seria uma fome de ouvir a Palavra de Deus (Am 8.11). É certo que a igreja contemporânea se acha em dias de escassez semelhantes àqueles. Tragicamente, a exposição bíblica está sendo substituída por entretenimento; a doutrina, por dramatização; e a teologia, por teatro; e a pregação, por apresentações. O que é desesperadoramente necessário é que os pastores retornem à sua vocação sublime – a comissão divina de “pregar a Palavra” (2 Tm 4.1-2).

O que é pregação expositiva? João Calvino, o reformador de Genebra, explicou: “ Pregar é a exposição pública da Escritura por meio do homem enviado da parte de Deus, pela qual Deus mesmo é apresentado em juízo e graça”. Em outras palavras, Deus está sempre presente, por meio de seu Espírito, na pregação de sua Palavra. Esse tipo de pregação começa com um texto bíblico, permanece nele e mostra o seu significado tencionado por Deus, de um modo que transforma a vida.

Esta foi a última responsabilidade que Paulo outorgou a Timóteo: “Prega a palavra, insta, quer seja oportuno, quer não, corrige, repreende, exorta com toda a longanimidade e doutrina” (2 Tm 4.2). Essa pregação precisa declarar todo o conselho de Deus na Escritura. Toda a Palavra escrita de Deus tem de ser exposta. Temos de ensinar todas as verdades, expor todos os pecados, oferecer todas as graças e apresentar todas as promessas.

Um avivamento enviado do alto começará somente quando a Escritura for entronizada novamente no púlpito. Tem de haver uma proclamação retumbante da Bíblia, aquele tipo de pregação que apresenta uma explicação clara de um texto bíblico com aplicação, exortação e apelo constrangedores.

Todo pregador deve limitar-se às verdades da Escritura. Quando a Bíblia fala, Deus fala. O homem de Deus não tem nada a dizer sem a Bíblia. Não deve exibir suas opiniões pessoais no púlpito. Tampouco deve expor filosofias mundanas. O pregador está limitado a uma tarefa: pregar a Palavra.

Charles Haddon Spurgeon disse: “Prefiro falar cinco palavras deste Livro a falar 50.000 palavras dos filósofos. Se queremos avivamentos, temos de ressuscitar nossa reverência para com a Palavra de Deus. Se queremos conversões, temos de colocar mais da Palavra de Deus em nossos sermões”. Isso continua sendo a necessidade gritante de nossa época.

Que uma nova geração de homens poderosos se levante e fale, e façam-no de modo altissonante e claro! A condição da igreja corresponde à condição do púlpito.






Traduzido por: Wellington Ferreira

Do original em inglês: Preach the Word. Revista Tabletalk, Janeiro de 2010.


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FONTE: EDITORA FIEL

O leitor tem permissão para divulgar e distribuir esse texto, desde que não altere seu formato, conteúdo e / ou tradução e que informe os créditos tanto de autoria, como de tradução e copyright. Em caso de dúvidas, faça contato com a Editora Fiel.

19:13
Eleição
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Um Sermão (Nº 0041-0042) 
Pregado na Manhã de Domingo, 02 de Setembro de 1855 pelo
Reverendo C. H. Spurgeon
Na Capela de New Park Street, Southwark– Inglaterra
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“Entretanto, devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados pelo Senhor, porque Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade, para o que também vos chamou mediante o nosso evangelho, para alcançardes a glória de nosso Senhor Jesus Cristo” (2 Tessaloninceses 2:13-14).

Se não houvesse outro texto na sagrada Palavra, à exceção deste, penso que todos deveríamos ser prontos para receber e reconhecer a fidelidade da grande e gloriosa doutrina da pré-eleição da família de Deus. Mas parece haver um inveterado preconceito na mente humana contra essa doutrina; e embora a maior parte das demais doutrinas sejam recebidas pelos cristãos professos (algumas com cautela, outras com prazer), essa ainda parece ser a mais freqüentemente desprezada e rejeitada. Em muitos de nossos púlpitos ter-se-ia como um pecado grave e traição pregar um sermão sobre a eleição, porque eles não fazem dela o que chamam de discurso "prático". Acho, então, que eles estão enganados. O que Deus revelou, ele o fez com um propósito. Não há nada nas Escrituras que talvez possa, debaixo da influência do Espírito Santo, ser convertido num discurso prático: pois "Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil" para alguns propósitos espirituais úteis. É verdade que isso não pode ser convertido num discurso de livre-arbítrio – aquilo que bem sabemos – mas pode ser convertido num prático discurso da livre graça: e a prática da livre graça é a melhor prática, quando a doutrina do imutável amor de Deus é trazida para sustentar os corações de santos e pecadores.

Agora, acredito que alguns de vocês nessa manhã estão espantados com o verdadeiro sentido dessa palavra, e vão dizer: "Eu darei ouvidos a ela completamente; vou deixá-la a par dos meus preconceitos; eu ouvirei o que esse homem tem a dizer, apenas." Não tapem seus ouvidos e digam de imediato: "É uma doutrina tremenda!" Quem autorizou vocês a chamarem-na de tremenda ou terrível? Por que vocês se oporiam à doutrina divina? Lembrem-se o que aconteceu às crianças que zombaram do profeta de Deus, e exclamaram: "Sobe, calvo! Sobe, calvo"! Não digam nada contra as doutrinas divinas, com receio de que talvez algumas bestas-feras viriam da mata e lhes devorariam também. Há outras desgraças ao lado do amplo julgamento dos Céus – cuidado para que elas não lhe passem pela cabeça. Deixem de lado seus preconceitos: ouçam o que as Escrituras dizem; e quando vocês receberem a verdade, se Deus tiver a vontade de revelá-la e manifestá-la às almas de vocês, não tenham vergonha de confessá-la. Confessar que vocês estiveram errados o­ntem é apenas reconhecer que vocês são um pouco mais sábios hoje, e ao invés de ser uma auto-repreensão, é uma honra para os julgamentos de vocês, e mostra que estão se aperfeiçoando no conhecimento da verdade. Não tenham vergonha de aprender, e de jogarem fora suas antigas doutrinas e opiniões; ocupem-se naquelas que vocês talvez percebam estar de modo mais claro na Palavra de Deus. Mas se vocês vêem que elas não estão na Bíblia, o que quer que eu diga, ou qualquer que sejam as autoridades que eu defenda, eu imploro a vocês, tal como amo suas almas, que as rejeitem; e se desse púlpito vocês sempre ouviram coisas contrárias a essas Sagradas Escrituras, lembrem-se que a Bíblia precisa estar em primeiro lugar, e que o ministro de Deus precisa descansar debaixo delas. Não devemos ficar de pé sobre a Bíblia para pregá-la, mas precisamos pregar com a Bíblia acima de nossas cabeças. Depois de termos pregado, estaremos cientes de que a montanha da verdade é mais alto do que nossos olhos possam vislumbrar; que as nuvens e a escuridão estão ao redor de seu cume, e que não podemos discernir seu ponto mais culminante; ainda assim, tentaremos pregá-la o melhor que podemos. Nada mais posso dizer disso antes de fazer uma introdução.

Agora, em primeiro lugar, vou falar um pouco acerca da veracidade dessa doutrina: "Deus de antemão vos escolheu para a salvação". Segundo, eu tentaria provar que a eleição é absoluta: "Ele vos escolheu de antemão para a salvação", não para a santificação, mas "através da santificação do Espírito e da fé na verdade". Terceiro, essa eleição é eterna, porque o texto diz "Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação". Em quarto lugar, ela é pessoal: "Ele vos escolheu". Então olharemos para os efeitos da doutrina – veremos o que ela faz; e finalmente, se Deus assim nos capacitar, tentaremos ver e buscar por suas tendências, e verificar se ela é uma doutrina deveras terrível e licenciosa! Iremos à flor e, tal como autênticas abelhas, ver se há nelas algum mel, qualquer que seja, se dela vem alguma bondade, ou se ela é uma imiscível, insolúvel maldição.

I. Em primeiro lugar, preciso testar e provar que essa doutrina é VERDADEIRA. E deixem-me iniciar com um argumentum ad hominem; vou falar com vocês de acordo com suas diferentes posições e opiniões. Há alguns de vocês que congregam na Igreja Anglicana, e estou feliz de vê-los aqui. Ainda que eu diga aqui, agora e corretamente, algumas coisas duras sobre a Igreja e o Estado, ainda amo a antiga Igreja, pois ela tem em sua comunidade alguns ministros de Deus e santos iminentes. Sei que vocês são grandes crentes no que seus Artigos declaram ser a doutrina. Dar-lhes-ei algo do que eles entendem ser, de modo unânime, a eleição; de modo que, se vocês acreditam neles, não podem deixar de receber a eleição. Vou ler para vocês um trecho do artigo 17 sobre a Predestinação e Eleição:

"A predestinação para a vida é o eterno propósito de Deus, pelo qual (antes da fundação do mundo) ele a decretou a nós por seu secreto conselho, para livrar da maldição e da perdição aqueles que ele escolheu em Cristo fora da humanidade, e de trazê-los a Cristo para a eterna salvação, tal como o vaso de honra. O motivo pelo qual eles sejam gratos a tão excelente benefício divino pode ser dito de acordo com o propósito divino para o operar de Seu Espírito no tempo devido: eles, pela graça, obedecem ao chamado: são livremente justificados; são feitos filhos de Deus por adoção; são feitos segundo a imagem de seu Filho Unigênito Jesus Cristo; eles caminham religiosamente nas boas obras, e finalmente, pela misericórdia de Deus, eles alcançam a felicidade eterna."

Agora eu penso que qualquer fiel, se ele sincera e honestamente acredita na Madre Igreja, deve ser um pleno crente quanto à eleição. Em verdade, se ele vai a outros determinados trechos do Livro de Orações, ele encontrará coisas contrárias às doutrinas da livre graça, e se porá em conjunto à parte do ensino escriturístico; mas, se verificar nos Artigos, ele precisa ver que Deus escolheu seu povo para a vida eterna. Não sou um amante desesperado, entretanto, do livro tal como vocês podem ser; e eu apenas usei esse Artigo para mostrar-lhes que se vocês se submetem à Lei da Inglaterra, deveriam ao menos não oferecer objeção alguma a essa doutrina da predestinação.

Outra autoridade humana com quem eu poderia confirmar a doutrina da eleição é a do Credo Valdense. Se vocês lerem o Credo dos antigos Valdenses, deles surgido no meio de atenta chama da perseguição, verão que aqueles famosos professores e confessores da fé cristã receberam-na de modo mais firme e abraçaram essa doutrina como uma porção da verdade divina. Eu copiei de um antigo livro de Artigos da fé deles:

"Que Deus salvou da corrupção e da perdição aqueles a quem Ele escolheu desde a fundação do mundo; não por disposição alguma, fé ou santidade que estivesse neles, mas meramente por sua misericórdia em Jesus Seu Filho, passando a todos os outros de acordo com o irrepreensível motivo de Seu próprio livre-arbítrio e justiça."

O que eu prego, então, não é novidade; nenhuma nova doutrina. Adoro proclamar essas fortes e antigas doutrinas, que são chamadas pelo nome de Calvinismo, mas aquelas que são realmente e seguramente a verdadeira revelação de Deus como ele é em Cristo Jesus. Por essa verdade eu faço uma peregrinação ao passado, e vejo, pai após pai, confessor após confessor, mártir após mártir, em pé para me cumprimentar. Fosse eu um Pelagiano, ou um que acreditasse na doutrina do livre-arbítrio, e eu teria que andar por séculos totalmente só. Aqui ou acolá um herético de nenhum caráter poderia surgir e me chamar de irmão. Mas apoderando-me dessas coisas para serem meu padrão de fé, vejo as terras de anciãos com meus irmãos na fé – contemplando multidões que confessam o mesmo que eu, e reconhecem que esta é a religião da própria igreja de Deus.

Também lhes darei um excerto da antiga Confissão Batista. Somos batistas nessa congregação – a grande parte de nós em qualquer porcentagem – e gostamos de ver o que nossos próprios pais escreveram. Há apenas dois séculos atrás os batistas se reuniram em assembléia e publicaram seus artigos de fé, para pôr fim a certas indagações contra sua ortodoxia que tinham se espalhado pelo mundo. Eu me voltei a esse velho livro – que eu já havia publicado [A Confissão de Fé Batista (1689)] – e encontrei o seguinte em seu Artigo 3º:

"Pelo decreto de Deus, pela manifestação de sua Glória, alguns homens e anjos são predestinados ou preordenados à vida eterna através de Jesus Cristo para o louvor de sua gloriosa graça; outros são deixados a agir em seus próprios pecados para sua justa condenação, para o louvor de Sua gloriosa justiça. Esses anjos e homens assim predestinados e preordenados são particularmente e imutavelmente designados, e seu número é tão certo e definido que não pode ser acrescido ou diminuído. Aqueles da humanidade que são predestinados à vida, Deus, antes da fundação do mundo, de acordo com Sua vontade eterna e Seu propósito imutável, e o secreto conselho e imenso prazer de Sua vontade, tem escolhido em Cristo para a glória eterna fora de sua perfeita graça e amor, sem qualquer outra razão na criatura como condição ou causa a mover-lhe a isto."

Para com essas autoridades humanas, cuido para não ser precipitado com nenhuma das três sequer. Não me importa o que dizem, pró ou contra a essa doutrina. Eu apenas as usei como um tipo de confirmação de suas crenças, para mostrar-lhes que, ainda que eu, num momento, estivesse criticando como um herege ou um hiper-calvinista, depois de tudo isso estaria de volta à antigüidade. Todo o passado se põe à minha frente. Não cuido do presente. Deixem o presente surgir em meu rosto, não me importo. Não é problema, entretanto, o quanto um número de igrejas de Londres têm esquecido das doutrinas divinas, grandiosas e fundamentais. Se um punhado de nós se mantiver sozinhos numa manutenção nada vacilante da soberania de Deus, se, sim, somos cercados pelos inimigos, e até mesmo pelos nossos irmãos em Cristo, que poderiam ser nossos amigos e colaboradores, não é problema, se você pode considerar o passado; o nobre exército de mártires e a gloriosa hoste de confessores são nossos amigos; as testemunhas da verdade ficam em pé à nossa frente. Com estes por nós, não poderemos dizer que estamos sós, mas poderemos exclamar: "Eis aí Deus reservou para junto de si sete mil que não dobraram seus joelhos diante de Baal." Mas o melhor disso tudo, Deus está conosco.

Essa grande verdade sempre é a Bíblia, e somente a Bíblia. Meus ouvintes, vocês não acreditam em qualquer outro livro mais do que na Bíblia, acreditam? Se eu pudesse provar isso através de todos os livros da cristandade, se eu pudesse buscar na Biblioteca de Alexandria, e provar isto desde aquele lugar, vocês não precisariam acreditar nisso nunca mais; mas certamente crerão no que está na Palavra de Deus.

Eu selecionei alguns textos para ler a vocês. Gosto muito de dar-lhes um apanhado geral de textos quando fico com tanto receio de que vocês deixem de acreditar numa verdade, que ficarem tão perplexos em duvidar, se não crêem realmente.

Apenas deixem-me percorrer uma seleção de passagens onde o povo de Deus é chamado de eleito. Ora, se as pessoas são chamadas de eleitas, então deve haver eleição. Se Jesus Cristo e seus apóstolos são acostumados a chamar os crentes pelo título de eleitos, certamente acreditamos que eles o sejam, a menos que o termo nada signifique. Jesus Cristo disse: "Não tivesse o Senhor abreviado aqueles dias, e ninguém se salvaria; mas, por causa dos eleitos que ele escolheu, abreviou tais dias." "Então, se alguém vos disser: Eis aqui o Cristo! Ou: Ei-lo ali! Não acrediteis; pois surgirão falsos cristos e falsos profetas, operando sinais e prodígios, para enganar, se possível, os próprios eleitos." "E ele enviará os anjos e reunirá os seus escolhidos dos quatro ventos, da extremidade da terra até à extremidade do céu." (Marcos 13:20, 22, 27) "Não fará Deus justiça aos seus escolhidos, que a ele clamam dia e noite, embora pareça demorado em defendê-los?" (Lucas 18:7) Em conjunto com mais outras passagens que poderiam ser selecionadas, o­nde tanto o termo "eleito", ou "escolhido", ou "preordenado", ou "apontado" é mencionado; ou a frase "minhas ovelhas" ou alguma designação similar, mostrando que o povo de Cristo é distinto do resto da humanidade.

Mas vocês têm concordâncias, e eu não vou lhes dar mais problemas com textos. Através das epístolas, os santos são constantemente denominados "os eleitos". Em Colossenses encontramos Paulo dizendo: "... pois, como eleitos de Deus, santos e amados, de ternos afetos de misericórdia". Quando ele escreve a Tito, ele mesmo se chama, "Paulo, servo de Deus e apóstolo de Jesus Cristo, para promover a fé que é dos eleitos de Deus". Pedro diz: "eleitos, segundo a presciência de Deus Pai". E se você vai para João, descobrirá que ele é afeiçoado ao termo. Ele diz: "O presbítero à senhora eleita"; e ele fala da nossa "irmã, a eleita". E sabemos o­nde isso está escrito: "Aquela que se encontra em Babilônia, também eleita". Eles não se envergonhariam desse termo hoje em dia; não tinham medo de falar disso. Atualmente esse termo tem sido revestido de uma diversidade de sentidos, e as pessoas têm mutilado e estragado a doutrina, e assim transformado-a numa verdadeira doutrina de demônios, tenho que admitir; e muitos do que se chamam crentes, têm que se intitular antinomistas. Não obstante esse fato, por que eu me envergonharia disso, se o homem o corrompe? Amamos a verdade divina tanto na tormenta quanto na bonança. Se há um mártir pelo qual temos amor antes de ele ser torturado, deveríamos amá-lo mais ainda quando ele está livre. Quando a verdade divina é desenvolvida na tribulação, não a chamamos de falsidade. Não a apreciamos para vê-la na tribulação, porque podemos discernir como deveria ser, mutatis mutandis, se ela não tivesse ido para a masmorra e torturada pela crueldade e pelas maquinações humanas. Se você vir a ler algumas das epístolas dos Pais da Igreja, você os descobrirá sempre se referindo ao povo de Deus como "eleito". Realmente, nas conversas do dia a dia, o termo usado entre as igrejas dos cristãos primitivos para uma outra era "eleito". Eles freqüentemente usavam o termo para os demais, demonstrando que era geralmente aceito que todo o povo de Deus era manifestamente "eleito".

Mas vamos agora para os versículos que provam a doutrina de modo afirmativo. Abram suas Bíblias em João 15:16, e vejam que Jesus Cristo escolheu seu povo, pelo que diz: "Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros e vos designei para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, ele vo-lo conceda." E no versículo 19: "Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário, dele vos escolhi, por isso, o mundo vos odeia." E no capítulo 17, versículos 8 e 9: "porque eu lhes tenho transmitido as palavras que me deste, e eles as receberam, e verdadeiramente conheceram que saí de ti, e creram que tu me enviaste. É por eles que eu rogo; não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus".

Vá para Atos 13:48: "Os gentios, ouvindo isto, regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna." Eles poderiam ter omitido essa passagem, se quisessem, mas ela diz: "destinados para a vida eterna" no original tão patente quanto possível; e não nos importamos sobre os diferentes comentários existentes por aí. Vocês por pouco não precisam ser lembrados de Romanos 8, porque eu acredito que todos já estão bem familiarizados com esse capítulo e atualmente o entendem. Nos versículos 29 e seguintes ele diz: "Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou. Que diremos, pois, à vista destas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas? Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus?" Seria desnecessário repetir o contexto do nono capítulo de Romanos. Tão certo quanto aquela [doutrina] se encerra na Bíblia, nenhum homem será capaz de provar o Arminianismo; tão certo quanto aquela [doutrina] está lá escrita, nem as mais violentas deturpações da passagem vão ser capazes de exterminar, das Escrituras, a doutrina da eleição. Permitam-nos ler versos como esses: "E ainda não eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal (para que o propósito de Deus, quanto à eleição, prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama), já fora dito a ela: O mais velho será servo do mais moço." Então leia no versículo 22, "Que diremos, pois, se Deus, querendo mostrar a sua ira e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita longanimidade os vasos de ira, preparados para a perdição, a fim de que também desse a conhecer as riquezas da sua glória em vasos de misericórdia, que para glória preparou de antemão" Então vá para Romanos 11:7: "Que diremos, pois? O que Israel busca, isso não conseguiu; mas a eleição o alcançou; e os mais foram endurecidos" No quinto versículo do mesmo capítulo, lemos: "Assim, pois, também agora, no tempo de hoje, sobrevive um remanescente segundo a eleição da graça". Vocês, sem dúvida, vão se lembrar da passagem de I Coríntios 1:26-29: "Irmãos, reparai, pois, na vossa vocação; visto que não foram chamados muitos sábios segundo a carne, nem muitos poderosos, nem muitos de nobre nascimento; pelo contrário, Deus escolheu as coisas loucas do mundo para envergonhar os sábios e escolheu as coisas fracas do mundo para envergonhar as fortes; e Deus escolheu as coisas humildes do mundo, e as desprezadas, e aquelas que não são, para reduzir a nada as que são; a fim de que ninguém se vanglorie na presença de Deus." Novamente, lembrem-se da passagem de I Tessalonicenses 5:9: "porque Deus não nos destinou para a ira, mas para alcançar a salvação mediante nosso Senhor Jesus Cristo". Então vocês têm meu texto, que creio ser o bastante; mas, se precisam de mais, poderão encontrá-las com mais vagar, se já tiverem removido sua desconfiança de que essa doutrina seja verdadeira.

Parece-me, amigos, que esse preponderante conjunto de testemunhos das Escrituras devem fazer vacilar aqueles que ousam rir dessa doutrina. O que dizer daqueles que freqüentemente desprezaram-na, e negaram-lhe sua divindade; que sempre criticaram sua justiça, e ousaram afrontar a Deus e chamá-lo de um tirano Todo-Poderoso, quando têm ouvido dele o eleger alguns para a vida eterna? Podeis fazê-lo, ó repudiadores! arrancá-la da Bíblia? Podeis vós pegar um canivete judeu e cortá-la da Palavra de Deus? Seríeis vós como a mulher aos pés de Salomão, e ter sua criança fendida ao meio, do que vossa mui provavelmente pela sua metade? Não está assim na Escritura? E não seria vossa obrigação curvar-se ante ela, e docilmente reconhecer o que vós não compreendeis – para recebê-la como a verdade, mesmo que não podeis compreender seu significado? Não cuidarei em provar a justiça de Deus em assim ter eleito a uns e deixado outros. Não está em mim o arrazoar com meu Mestre. Ele falará por si mesmo, e assim o faz: "Quem és tu, ó homem, para discutires com Deus?! Porventura, pode o objeto perguntar a quem o fez: Por que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro direito sobre a massa, para do mesmo barro fazer um vaso para honra e outro, para desonra?" Quem é ele para talvez dizer para seu pai: "Por que me geraste?" ou à sua mãe: "Por que me deste à luz?" "Eu sou o Senhor – Eu formo a luz e crio a escuridão; Eu, o Senhor, faço todas essas coisas." Quem sois vós para replicar a Deus? Trema e beije seu bordão; curve-se e submeta-se ao seu cetro; não manifeste-se contra sua justiça, e não acuse publicamente seus atos antes de seu juízo, homem!

Mas há os que dizem: "É difícil para Deus escolher uns e rejeitar os outros". Agora, eu lhes farei uma questão. Há algum de vocês aqui nessa manhã que deseja ser santo, que deseja ser regenerado, deixar seus pecados e andar em santidade? "Sim, há", alguém diz, "Eu quero". Então Deus te elegeu. Mas outro diz: "Não, eu não quero ser santo; não quero desistir da minha luxúria e dos meus vícios." Por que você reclamaria, então, que Deus não te elegeu para isso? Por isso, se você fosse eleito, disso não gostaria, de acordo com sua própria confissão. Se Deus, nesta manhã, escolheu-te para a santidade, pode dizer que com isso não se importaria. Você não reconhece que prefere a embriaguez à sobriedade, a desonestidade à honestidade? Você ama esses prazeres mundanos mais do que a religião; então por que resmungaria se Deus não te escolheu para a religião? Se você ama a religião, Ele te escolheu para isso. Se você deseja, ele te escolheu para isso. Se você não deseja, que direito tem de dizer que Deus deveria te dar o que não quer? Supondo que eu tivesse em minha mão algo a que você não dá valor, e eu dissesse que eu daria a tais e tais pessoas, você não teria direito de reclamar que eu não te dei isso. Você não pode ser tão tolo para reclamar que o outro tem o que não se importou em ter. De acordo com sua própria confissão, alguns de vocês não querem a religião, não querem um novo coração e um espírito correto, não querem o perdão dos pecados, não querem santificação; vocês não querem ser eleitos para essas coisas: então por que reclamariam? Vocês têm essas coisas como palha, então por que deveriam queixar-se de Deus que deu-as a quem ele escolheu? Se você crê nelas por serem boas e as desejam, elas lá estão para vocês. Deus deu liberalmente a todos que a desejam; e, em primeiro lugar, ele fê-las desejar, pois de outro modo elas nunca o fariam. Se você ama essas coisas, ele te elegeu para elas, pode obtê-las; mas se não as quer, quem é você para encontrar alguma falha em Deus, quando isso é a sua própria vontade desesperada para amar essas coisas – sendo que seu próprio eu faz você odiá-las? Suponha que um homem na rua diria: "que vergonha é eu não ter um banco para me assentar na igreja, para ouvir o que esse homem tem para dizer". E suponha que ele diz: "Eu odeio o pregador; não posso agüentar sua doutrina; mas ainda assim é uma vergonha eu não ter um banco para me assentar". Você esperaria um homem falar assim? Não, você talvez diria: "Esse homem não se importa com isso. Por que ele se incomodaria pelo que outras pessoas têm o que dão valor e ele despreza?" Você não gosta da santidade, você não gosta da retidão; se Deus me elegeu para essas coisas, ele te machucaria por elas? "Ah, mas" alguém diria, "Eu pensava que isso significava que Deus elegeu alguns para o céu e outros para o inferno." É uma questão muito diferente da doutrina evangélica. Ele elegeu homens para a santidade e para a retidão e através dessas [características] para o céu. Você não pode dizer que Ele simplesmente escolheu uns para o céu e outros para o inferno. Se algum de vocês adora saber que foi salvo por Jesus Cristo, ele mesmo te elegeu para a salvação. Se algum de vocês deseja obter a salvação, você é eleito para obtê-la, se deseja isso de modo sincero e ardente. Mas, se você não deseja isso, por que seria tão inoportunamente tolo para reclamar pelo fato de que Deus deu aquilo que você não quer a outras pessoas?

II. Assim eu tentei dizer alguma coisa com respeito à veracidade da doutrina da eleição. Agora, resumidamente, deixem-me afirmar que a eleição é ABSOLUTA: isso quer dizer que não depende de quem nós somos. O texto diz: "Deus nos escolheu de antemão para a salvação", mas nossos opositores dizem que Deus escolheu as pessoas por elas serem boas, que as escolheu levando em conta suas diversas obras executadas. Agora, podemos perguntar, em contestação: que trabalhos são esses levados em conta pelos quais Deus escolheu seu povo? São eles os que comumente chamamos "obras da lei", obras de obediência que a criatura pode prestar? Se assim o é, podemos lhes responder – se homens não podem ser justificados pelas obras da lei, isso nos parece muito claramente que eles não podem ser eleitos pelas obras da lei: se não podem ser justificados por suas boas obras, eles por elas não podem ser salvos. O decreto da eleição, então, não pôde ser construído a partir das boas obras. "Mas", outros alegam, "Deus os elegeu na previsão de que creriam". Agora Deus dá a fé, portanto ele não poderia ter-lhes eleito levando em conta sua fé, que Ele previu. Pudesse haver vinte mendigos na rua, e eu decidisse dar a eles uns trocados; mas alguém diria que eu decidi dar a algum deles uns trocados, porque eu previ que ele o teria? Isso seria falar algo sem sentido. Da mesma maneira dizer que Deus elegeu homens porque previu que estes teriam fé, que é a salvação em princípio, seria um grande absurdo para nós ouvir no momento tal coisa. A fé é um dom de Deus. Toda virtude vem dele. Nada pode ter influído nele, portanto, para eleger homens, porque isso é seu dom. Estamos seguros de que a eleição é absoluta, totalmente separada das virtudes que os santos terão mais tarde. Ainda que um santo possa ser tão são e devoto como Paulo, ainda que ele possa ser tão audacioso quanto Pedro, ou amável quanto João, ainda assim ele não poderia clamar nada para seu Criador. Não conheci ainda nenhum santo, de qualquer denominação, que pensasse que Deus o salvou porque previu que teria essas virtudes e méritos. Agora, meus irmãos na fé: as melhores jóias que o santo sempre usa, se são jóias de sua própria criação, não são as das primeiras águas.

Há algo de terreno misturado com elas. A maior graça que podemos possuir terá algo de mundano. Sentimos isso quando somos os mais refinados, quando somos os mais santificados, e nossa linguagem é sempre assim:

"Principal dos pecadores eu sou;
Por mim Jesus morreu."

Nossa única esperança, nossa única argumentação, ainda se sustenta na graça, tal como evidenciada na pessoa de Jesus Cristo. E estou seguro de que devemos rejeitar completamente e desconsiderar toda idéia de que nossas graças, que são dons de Deus, que foram plantadas com sua destra, possam ter sido a causa de seu amor. Sempre devemos cantar:

"O que houve em nós que estima pudesse merecer
Ou o deleite do Criador dar?
Foi justamente do Pai, devemos sempre cantar
Porque, ao seu olhar, bom fez parecer"

"Ele terá misericórdia de quem ele quiser ter misericórdia": Ele salva porque ele salvará. E se vocês me perguntarem por que ele me salvou, posso dizer apenas: porque ele assim o fez. Havia algo em mim que pudesse me recomendar a Deus? Não: eu deixei todas as coisas de lado, não tenho nada que me recomende. Quando Deus me salvou, eu era o mais vil, perdido e arruinado da raça humana. Eu o exibia como um recém-nascido em meu próprio sangue. Verdadeiramente, eu não tinha poder para me ajudar. Oh! Quão miserável eu me senti e como me compreendi! Se você tem algo a se recomendar a Deus, eu nunca tive. Estarei contente ao ser salvo pela graça, sem mistura, pura graça. Não posso me jactanciar de mérito algum. Se você pode, eu não. Devo cantar,

"Graça livre, do primeiro ao último, somente,
Têm vencido meu amor e sustentado minh’alma firmemente"

III. Em terceiro lugar, a eleição é ETERNA. "Deus vos escolheu desde o princípio para a vida eterna". Algum homem pode me dizer quando foi o princípio? Anos atrás pensávamos que o princípio desse mundo foi quando Adão veio; mas temos descoberto que milhares de anos antes de Deus preparar a matéria do caos para formá-la como habitação humana, nela colocando certa vez raças de criaturas, que morreriam e deixariam as marcas de seus trabalhos manuais e as maravilhosas habilidades, antes ele tentou sua mão no homem. Mas aquilo não era o princípio: por revelação nos aponta para um longo período anterior no qual esse mundo foi moldado, para os dias nos quais as estrelas matutinas surgiram; quando, tal como gotas de orvalho, dos dedos da manhã, estrelas e constelações pingaram das mãos de Deus; quando, por seus próprios lábios, ele lançou órbitas ponderadas; quando com sua própria mão ele estabeleceu cometas, como raios, vagueando através do céu, para um dia descobrir sua própria esfera. Voltamos a anos nos quais mundos foram feitos e sistemas moldados, mas mesmo assim não nos aproximamos ainda do princípio. Até vamos ao tempo no qual todo o universo adormecia na mente de Deus como ainda não nascido, até que entramos na eternidade quando Deus o Criador vivia só, tudo repousando dentro dele, toda a criação descansando em seu pensamento grandioso e poderoso, mas ainda não imaginamos o princípio. Poderíamos ir mais e mais e mais para trás, eras após eras. Poderíamos ir para trás, se usássemos tais mundos estranhos, eternidades completas, e ainda assim nunca chegaríamos ao princípio. Nossas asas estariam cansadas, nossa imaginação pouco a pouco desapareceria; poderia ultrapassar o brilho dos raios na sua majestade, poder e velocidade, mas isso seria dentro em breve enfadonho para atingir o princípio. Mas Deus, desde o princípio, escolheu seu povo; quando o etéreo não navegado ainda não tinha sido revolvido pela asa de um anjo sequer, quando o espaço era sem limites, ou ainda não nascido quando a quietude universal reinava, e nenhuma voz ou suspiro quebrava a solenidade do silêncio; quando não havia nem começo, nem gesto, nem tempo, nada, apenas Deus, só em sua eternidade; quando a canção de um anjo, sem a assistência de um querubim sequer, muito antes das criaturas vivas nascerem, ou das rodas da carruagem de Jeová tivessem sido moldadas, mesmo assim, "no princípio havia o Verbo", e no princípio o povo de Deus era um com o Verbo, e "no princípio ele os escolheu para a vida eterna". Nossa eleição, então é eterna. Não cessarei de prová-la, vou apenas passar por esses pensamentos para o bem dos novos convertidos, para que entendam a que nos referimos ao dizer da eleição eterna e absoluta.

IV. Em seqüência, a eleição é PESSOAL. Aqui novamente nossos oponentes tentam atacar a eleição nos alegando que trata-se de uma eleição de nações, não de pessoas. Mas aqui o Apóstolo diz, "Deus escolheu você desde o princípio". É o mais miserável artifício na terra alegar que Deus não escolheu pessoas, mas nações, porque a mesma objeção que se faz contra a escolha de pessoa ocorre contra a escolha de uma nação. Se não fosse justo escolher uma pessoa, seria muito mais injusto escolher uma nação, uma vez que as nações são a reunião de multidões de indivíduos, e escolher uma nação parece ser um crime imenso – como se a eleição fosse um crime – mais do que escolher uma pessoa. Certamente escolher dez mil seria considerado pior do que escolher um; distinguir uma nação inteira do resto da humanidade, parece ser uma grande extravagância nos atos da soberania divina do que a eleição de um pobre mortal e deixar outro. Mas que são as nações senão homens? Que são todas as pessoas senão combinações de unidades diferentes? Uma nação é feita daquele, daquele e daquele indivíduo. E se você me dissesse que Deus escolheu os judeus, eu diria então que ele escolheu aquele, aquele e aquele judeu. E se você dissesse que ele escolheu os ingleses, diria que ele escolheu aquele, aquele e aquele inglês. É a mesma coisa depois de tudo. A eleição, então, é pessoal: deve ser assim. Todo aquele que ler esse texto, e outros da mesma maneira, verão que a Escritura continuamente fala de um e outro do povo de Deus, e fala deles como tendo sido sujeitos especiais da eleição.

"Filhos somos de Deus através da Sua eleição,
Aquele que em Jesus Cristo confia;
Pela eterna destinação
Soberana graça aqui recebemos, hoje em dia."

Sabemos que isto é eleição pessoal.

V. O outro pensamento é – porque meu tempo voa rápido para me capacitar a me deter na extensão desses pontos – que a eleição produz BONS RESULTADOS. "Ele vos escolheu desde o princípio para a salvação, pela santificação do Espírito e fé na verdade." Como alguns homens enganam-se completamente quanto à doutrina de eleição! E como minha alma queima e ferve no conjunto de males terríveis que têm aumentado pela corrupção e combate dessa gloriosa porção da gloriosa verdade de Deus! Quantos dizem de si mesmos, "Sou eleito", e se assentaram na preguiça, e pior do que isso, têm dito: "sou eleito de Deus", e com as duas mãos têm feito perversidade. Eles rapidamente correm para as coisas impuras, porque dizem, "sou o filho escolhido de Deus, independentemente das minhas obras, e por isso posso viver como determinei, e faço aquilo que gosto." Oh, amado! Deixe-me solenemente advertir-lhe para ir tão longe com a verdade; ou melhor, de não transformar a verdade em erro, e por isso não carregá-la tão longe. Precisamos passar além da verdade; podemos fazer dela, que significaria algo doce para nosso conforto, algo como uma mistura terrível para nossa destruição. Digo a vocês que tem havido milhares de homens que se arruinaram por não entenderem a eleição; que têm dito: "Deus me escolheu para o céu, e para a vida eterna"; mas se esqueceram de que Deus os escolheu "pela santificação do Espírito e fé na verdade". Essa é a eleição divina – eleição para a santificação e para a fé. Deus escolheu as pessoas para serem santas, e para serem crentes. Quantos de vocês aqui, então, são crentes? Quantos de minha congregação podem pôr suas mãos sobre seus corações e dizer, "eu creio no Deus que me santificou"? Há os entre vocês que dizem "sou eleito"? – Eu lembro que vocês juraram semana passada. Um de vocês diz, "acredito que sou eleito" – mas eu sacudo a tua memória em respeito a alguns atos viciosos que você cometeu nos últimos seis dias. Outro de vocês diz, "sou eleito" – mas eu olharia na tua face e diria, "Eleito?! És o mais maldito dos hipócritas! É tudo o que és".

Outros diriam, "sou eleito" – mas eu lhes lembraria que têm negligenciado a misericórdia – assente-se e não ore. Oh, amado! Nunca pense que você é um eleito a menos que seja santo. Você pode vir a Cristo como um pecador, mas não pode vir a Cristo até vir tua santidade. Não interprete mal o que digo – não diga "sou eleito" e ainda pense que pode viver em pecado. Isso é impossível. Os eleitos de Deus são santos. Eles não são puros, não são perfeitos, não são imaculados; mas, pegando as vidas deles como um todo, eles são santos. São marcados, e distintos dos outros: e nenhum homem tem o direito de concluir que é santo exceto em sua santidade. Ele pode ser eleito, e ainda estar na escuridão, mas não tem o direito de acreditar nisso; ninguém pode ver isto, não há evidência disso. O homem pode um dia viver, mas hoje estar morto. Se você anda no temor do Senhor, tentando servi-lo, e obedece aos seus mandamentos, não tenha dúvida de que seu nome está escrito no livro da vida do Cordeiro, antes da fundação do mundo. E, com receio de que isso seja demais para você, note a outra face da eleição, que é a fé, "fé na verdade". Aquele que acredita na verdade de Deus, e acredita em Jesus Cristo, é eleito. Freqüentemente encontro com pobres almas, que se depreciam e se preocupam com esse pensamento – "Mas como eu não seria eleito?" "Oh, senhor", eles diriam, "Pus minha confiança em Jesus; sei que creio em seu nome e acredito em seu sangue; como eu não seria eleito?" Pobre criatura! Você não sabe muito sobre o evangelho, ou nunca falou sobre isso, porque o que crê é eleito. Aqueles que são eleitos, assim o são para a santificação e fé; e se tem fé, você é um dos eleitos de Deus; você pode saber isso e deveria saber disso, com certeza absoluta. Se você, como um pecador, olhar para Jesus Cristo nessa manhã, e dizer:

"Nada trago em minhas mãos,
Simplesmente à tua cruz eu me apego",

você é um eleito. Não tenho receio de a eleição amedrontar pobres santos ou pecadores. Há muitos divinos que dizem ao questionador, "a eleição não tem nada a ver contigo". Isso é muito mal, porque a pobre alma não deve ser silenciada assim. Se você pudesse lhe silenciar, seria bom, mas se assim ele pensar, não ajudará em nada. Diga a ele, então, que se você crê no Senhor Jesus Cristo, você é eleito. Digo a você – o principal dos pecadores – nessa manhã, digo a você no nome [de Jesus], se você vier a Deus sem obra alguma sua, entregue-se ao sangue e à justiça de Jesus Cristo; se você vier agora e nele crer, você é eleito – você é amado por Deus desde antes da fundação do mundo, e nada pôde fazer a menos que Deus tivesse lhe concedido poder, e te escolheu para isso fazer. Agora você está salvo e seguro se você assim o faz, mas venha e entregue-se a Jesus Cristo, e deseje ser salvo, e por ele amado. Mas não pense que qualquer homem será salvo sem fé e santidade. Não concebam, meus ouvintes, que algum decreto, passado nas brumas da eternidade, salvará suas almas, a menos que vocês creiam em Cristo. Não se assente e fantasie que você está para ser salvo sem fé e santidade. É das mais heresias mais abomináveis e malditas, e tem arruinado milhares. Não deixe a eleição como um travesseiro para você nele dormir, ou então você será arruinado. Deus proibiu que eu estivesse costurando travesseiros debaixo do braço nos quais você poderia descansar confortavelmente em seus pecados.

Pecador! Não há nada na Bíblia para aliviar seus pecados. Mas se estás condenado, ó homem! Se estás perdida, ó mulher! Vós não encontrareis nessa Bíblia uma gota para refrescar tua língua, ou uma doutrina para aliviar teus pecados; sua condenação será completamente falha sua, e seu pecado será ricamente merecido, porque vós credes não sois condenados. "Vós não credes porque não sois das minhas ovelhas" "Vós não vireis a mim para terdes vida". Não fantasie que a eleição perdoa o pecado – não sonhe com isso – não firme-se na doce complacência na idéia da sua irresponsabilidade. Você é responsável. Precisamos dar-lhe ambas as coisas. Precisamos ter a soberania divina, e precisamos ter a responsabilidade humana. Precisamos ter a eleição, mas precisamos diligenciar seus corações, precisamos levar a verdade divina a vocês; precisamos lhes falar, e lembrar-lhes disso, do que está escrito, "em mim está tua ovelha", ainda está também escrito, "Ó Israel, tu tens destruído a ti mesmo".

VI. Agora, por último, o que são tendências verdadeiras e legítimas sobre corretas concepções acerca da doutrina da eleição. Primeiramente, quero lhes dizer que, quando a doutrina da eleição santifica, assim procede sob a bênção de Deus; e segundo, o que ela fará por pecadores se Deus os abençoar para tal fim.

Primeiro penso que a eleição, para um santo, é uma das doutrinas mais despojadoras em toda a Terra – por levar embora toda a verdade na carne, ou toda segurança em qualquer um exceto em Jesus Cristo. Quão freqüentemente nos enrolamos em nossa própria justiça, e nos revestimos com as falsas pérolas e brilhantes de nossos próprios feitos e obras. Começamos a dizer: "Agora eu estaria salvo, porque tenho essa e aquela evidência". Ao invés disso, é a fé desnuda que salva; aquela fé, aquela que se une solitariamente com o Cordeiro, independentemente de obras, embora seja fecunda para elas. Quão freqüentemente descansamos em algumas obras, outras que não aquelas do nosso próprio Amado, e cremos em algum poder, outro que não aquele que vem do alto. Agora, se tivermos esse poder tirado de nós, precisamos considerar a eleição. Aquiete-se, minh’alma, e considere isto. Deus te amou antes de teres um início. Ele te amou quando estava morto em teus delitos e pecados, e enviou Seu Filho para morrer por ti. Ele te lavou com Seu precioso sangue antes mesmo de poderes pronunciar Seu nome. Podes, porquanto, estares orgulhoso? Nada tenho, digo bem, nada, por tão humilhante para nós do que a doutrina da eleição. Algumas vezes caí prostrado ante ela, ao esforçar-me para compreendê-la. Estendi minhas asas e, como uma águia, elevei-me em direção ao sol. Utilidade tinha sido meus olhos, e verdade minhas asas, por uma estação; mas, quando eu me aproximei disso, e outro pensamento tomou conta de mim, - "Deus vos escolheu desde o princípio para a salvação", eu estava perdido em seu brilho, vacilante com o pensamento de poder; e da vertiginosa elevação minh’alma veio, quebrantada e prostrada, dizendo, "Deus, nada sou, sou menos que nada. Por que eu? Por que eu?"

Amigos, se quiserem ser humilhados, estudem a eleição, para que sejam humilhados debaixo da influência do Espírito de Deus. Aquele que é orgulhoso de sua eleição não é eleito; e aquele que é humilhado debaixo de um entendimento da mesma pode crer que é. Ele tem toda razão para acreditar que é, porque esse é um dos mais abençoados efeitos da eleição que nos ajuda a humilhar a nós mesmos diante de Deus.

Demais. A eleição, no cristão, deve dele fazer muito destemido e audacioso. Nenhum homem será tão audacioso quanto aquele que crê ser eleito de Deus. Que inquieta ao homem se ele é eleito do seu Criador? Inquietar-se-á ele com os lamentáveis gorjeios de alguns decrépitos pombos quando sabe ele que é uma águia de real estirpe? Inquietar-se-á quando o maltrapilho o apontar, quando o real sangue do céu corre por suas veias? Temerá se todo o mundo está contra ele? Se o mundo todo, de modo amplo, se põe em armas, ele permanece em paz perfeita, por estar no lugar secreto do tabernáculo do Altíssimo, no grande pavilhão do Todo-Poderoso. "Sou de Deus", diz ele, "sou diferente dos outros homens. Eles são de uma raça inferior. Não sou eu nobre? Não sou um dos aristocratas do céu? Meu nome não está escrito no livro de Deus?" Importa-se ele com o mundo? Pelo contrário: como o leão que não se inquieta com o latido de um cão, ele sorri para todos seus inimigos; e quando avizinham-se eles em demasia, move-se e os despedaça. Quem o preocupa? Passa por entre eles como um colosso; enquanto homenzinhos andam por baixo dele e não o compreendem. Sua fronte é de ferro, seu coração de pedra polida – que lhe importa o homem? Ao revés; se algum assobio universal viesse sobre toda a Terra, ele poderia para isso sorrir, e dizer:

"Ele que tem feito de Deus seu refúgio,
Encontrará um mais seguro abrigo".

"Sou um dos Seus eleitos. Sou escolhido de Deus e precioso; e embora o mundo me mande embora, não tenho medo". Ah! Vós, professos bajuladores, alguns de vocês podem se curvar como os salgueiros. Há poucos cristãos-de-carvalho hoje em dia, que podem suportar a tempestade; e vou lhes dizer a razão. É porque não acreditam que vocês mesmos são eleitos. O homem que acredita ser eleito será muito presunçoso para pecar; ele não se humilhará para cometer os atos das pessoas comuns. O crente em sua verdade dirá, "Eu vou comprometer meus princípios? Eu vou mudar minhas doutrinas? Eu vou deixar de lado meus pontos-de-vista? Eu vou esconder que o que creio seja verdade? Não! Desde que sei que sou um dos eleitos de Deus, na face de todos devo falar a verdade divina, o que quer que digam." Nada faz um homem tão verdadeiramente audacioso do que sentir que é um eleito de Deus. Aquele que Deus escolheu não se agitará nem tremerá.

Ademais, a eleição nos fará santos. Nada debaixo da graciosa influência do Espírito Santo pode fazer um cristão mais santo do que no momento em que ele pensa ser escolhido. "Devo eu pecar", ele diz, "depois de Deus ter me escolhido? Devo eu transgredir diante de tal amor? Devo eu me desviar diante de tal afeto e misericórdia compassiva? Pelo contrário, meu Senhor; desde que me escolhestes, amar-te-ei; para ti viverei:

‘Desde que tu, eterno Deus,
Meu Pai viestes a ser;’

Dar-me-ei para ti para ser teu para sempre, pela eleição e redenção, entregando-me a ti, e solenemente consagrando-me para Teu serviço."

E agora, por último, aos ímpios. Que diz a eleição para você? Primeiramente, ímpios, eu vos excluirei por um momento. Há muitos de vocês que não gostam da eleição, e não vou lhes repreender, por terem ouvido aqueles [homens] pregarem sobre eleição, os que tem se assentado, e dito: "não tenho nada para dizer ao pecador". Agora, eu digo que vocês devem odiar tal pregação, e não vou lhes repreender por isso. Mas digo, tenham coragem, tenham esperança, ó pecadores, que há eleição. Muito longe de desanimar-lhes e desencorajá-los, a eleição é algo cheio de esperança e de alegria. Que seria se vos dissesse que talvez ninguém pudesse ser salvo, ninguém seria destinado à vida eterna; não tremeríeis e envolveríeis vossas mãos em falsas esperanças, e diríeis, "então como eu posso ser salvo, uma vez que ninguém é eleito?" Mas eu digo que há uma multidão de eleitos, além de qualquer contagem – um exército que mortal algum pode enumerar. Assim, anime-se, pobre pecador! Livre-se de teu desalento – você pode não ser um eleito tanto quanto qualquer um? Por isso há uma hoste inumerável de escolhidos. Para eles há conforto e alegria! Então, não apenas crie coragem, mas vá e tente o Mestre. Lembre-se, se você não fosse eleito, nada perderia por isso. O que os quatro sírios disseram? "Vamos, pois, agora, e demos conosco no arraial dos siros; se nos deixarem viver, viveremos; se nos matarem, tão-somente morreremos." Ó pecador, venha para o trono da misericórdia eletiva, talvez morrerás aonde estás. Vá para Deus; e, mesmo supondo que ele te menospreze, ou que sua mão estendida possa a ti afugentar – algo impossível – ainda assim não perderás nada; não serás mais maldito por isso. Ao mesmo tempo, suponhas que sejas maldito, terias a satisfação, ao menos, de ser capaz de erguer teus olhos no inferno e dizer: "Deus, eu clamei por misericórdia a ti e tu não ma garantiste; procurei, mas tu a recusaste." Isso nunca dirás, ó pecador! Se fores a ele, e clamar-lhe, ele te receberá; nunca ele rejeitou um sequer! Não há esperança para você? Embora haja um número delimitado, é verdade que todo aquele que procurar está contido nesse número. Ide e procurai; e se fores o primeiro a ir para o inferno, diga aos demônios que desse modo pereceu – diga aos demônios que és um perdido, depois de ter ido como um pecador culpado a Jesus. Digo-vos que isso desgraça o Eterno – com reverência ao seu nome – e ele não permitirá tal coisa. Ele é ciumento em sua honra, e não permitirá que um pecador diga isso.

Mas, ó pobre alma! Não apenas pense assim, que nada podes perder ao ir; há mais um pensamento – amaste a reflexão dessa manhã sobre a eleição? Admitirás sua justiça? Dirás: "sinto-me perdido; mereço isso; e se meu irmão é salvo, eu não posso murmurar. Se Deus me destrói, eu mereço, mas se ele salva a pessoa que está assentada ao meu lado, ele tem o direito de fazer o que deseja por si mesmo, e eu nada perdi com isso." Você pode dizer que isso [veio] honestamente do seu coração? Se sim, então a doutrina da eleição teve o efeito certo no seu espírito, e você não está longe do Reino dos Céus. Você foi trazido aonde deveria estar, aonde o Espírito desejou que estivesse; e sendo assim nessa manhã, ide em paz; Deus perdoou seus pecados. Você não sentirá como se não fosse perdoado; você não sentirá se o Espírito de Deus não tivesse trabalhado em você. Regozije-se nisso, então. Descanse sua esperança na cruz de Cristo. Não pense na eleição mas, sim, em Cristo Jesus. Descanse em Jesus - Jesus, o princípio, meio e sem fim.


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FONTE: www.monergismo.com

Reforma Radical

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