O título deste breve artigo vai deixar muitos evangélicos
irritados. Vão dizer que eu apaguei o Espírito, que cometi o pecado imperdoável
e que limito a atuação de Deus. De tudo isso, na verdade, já fui acusado antes,
especialmente por pessoas que entendem tanto da Bíblia quanto um pagodeiro
entende de Shakespeare.
Porém, apesar dos severos ataques, repito com convicção: o
dom de profecia não existe mais! É verdade que esse dom esteve presente na
igreja durante o século 1 e que seu papel foi vital para o funcionamento, o
ensino e o encorajamento das comunidades cristãs da época, mas, assim como os
apóstolos, os profetas deixaram de existir antes que raiasse o sol do século 2.
Vou explicar porque afirmo isso sem titubear. Dentro do
contexto eclesiástico dos tempos apostólicos, o fenômeno da profecia tinha
propósitos e conteúdos que apontam para a sua total extinção nos dias de hoje.
Comecemos pelos propósitos. Quais eram os objetivos das
profecias pronunciadas naqueles tempos? A leitura cuidadosa do Novo Testamento
deixa isso muito claro. Veja-se, por exemplo, o que diz Efésios 3.4-5:
"Por isso, quando ledes, podeis perceber a minha compreensão do mistério
de Cristo, o qual noutros séculos não foi manifestado aos filhos dos homens,
como agora tem sido revelado pelo Espírito aos seus santos apóstolos e
profetas". Paulo prossegue, então, falando acerca de uma das doutrinas do
Novo Testamento que compõem o "mistério de Cristo", antes oculto, mas
agora revelado aos seus servos.
Esse texto mostra que o objetivo principal das profecias
dadas no século 1 era revelar doutrinas desconhecidas por pessoas de outras
épocas, doutrinas que os apóstolos registraram nos livros e cartas do Novo
Testamento e que deveriam servir de base para a fé e a prática das igrejas de
Cristo nos séculos porvir.
Isso fica ainda mais claro em Efésios 2.20, onde Paulo
ensina que a igreja é edificada sobre "o fundamento dos apóstolos e
profetas". Por "fundamento" entende-se aqui o conjunto de
doutrinas que servem como alicerce para a igreja; doutrinas sobre as quais ela
constrói todas as suas mensagens e toda a sua maneira de funcionar e agir. Uma
vez que esse fundamento foi trazido à luz pelos apóstolos e profetas do NT,
Paulo, sendo apóstolo, pôde escrever: "Segundo a graça de Deus que me foi
dada, pus eu, como sábio arquiteto, o fundamento..." (1Co 3.10).
Por isso, dizer que existem profecias hoje equivale a dizer
que as bases doutrinárias da igreja ainda não estão prontas, que novas
doutrinas ainda estão por ser reveladas, que o Novo Testamento não está
completo e que a igreja, dois mil anos depois de fundada por Cristo, ainda está
na fase inicial de construção de alicerces. Ora, isso é inaceitável para
qualquer crente dotado de bom senso e de maturidade. Por isso, não há como
acolher a ideia de que existem profecias ainda hoje.
Para mostrar que o dom de profecia não existe mais, além de
estudar seu propósito central, é preciso também observar qual era seu conteúdo.
Na verdade, parte disso já foi analisada quando eu disse que o objetivo
principal da profecia era revelar doutrinas outrora ocultas. Obviamente, se
esse era um dos seus objetivos centrais, é claro que o conteúdo da profecia era
predominantemente doutrinário.
Aliás, foi por isso que Paulo escreveu aos romanos dizendo
que se alguém profetizasse, sua profecia deveria ser de acordo com "a
proporção da fé" (Rm 12.6). Isso significava que a profecia dita por
alguém deveria estar em harmonia com a fé já revelada, jamais a contradizendo.
Sabendo, assim, que as profecias tinham conteúdo doutrinário, Paulo recomendava
cuidado, admoestando os profetas a jamais pronunciar qualquer ensino que não
estivesse de acordo com a verdade já vinda à luz.
Foi também por saber do conteúdo doutrinário das profecias
que Paulo escreveu aos coríntios, ensinando que durante os cultos deveriam
falar dois ou três profetas e os demais deveriam julgar o que era dito (1Co
14.29). Esse julgamento tinha por propósito avaliar a profecia, a fim de
verificar se ela se harmonizava com todo corpo doutrinário entregue por Deus à sua
igreja.
O conteúdo da profecia eclesiástica também envolvia consolo,
sempre em harmonia com a revelação dada (At 15.32) e, mais raramente, o anúncio
prévio de eventos vindouros que causassem grande impacto sobre as igrejas
espalhadas pelo mundo (At 11.27-28; 21.10-11).
Como se vê, o conteúdo das profecias do Novo Testamento era
muito diferente do das "profetadas" de hoje em dia. De fato, na
atualidade, os supostos "profetas" se limitam a tentar adivinhar quem
na congregação está com algum problema ("Tem alguém aqui com dor na
coluna!") ou a predizer bênçãos imaginárias para alguém ("O Senhor
revelou que seu marido vai voltar para casa!"), criando esperanças vazias
ou, pior ainda, gerando culpa nos corações aflitos ("A profecia não se cumpriu
e seu marido não voltou porque a irmã não teve fé!").
Uma vez que as profecias modernas se resumem nesses
pronunciamentos ocos e enganosos, fica claro que o dom de profecia de que a
Bíblia fala não existe mais. Por isso, se quiserem ser protegidos do erro, da
mentira e do desvio, os crentes de verdade devem fugir dos profetas atuais e
edificar sua fé e comportamento sobre as Escrituras, onde a revelação dada aos
verdadeiros profetas está presente, fornecendo as bases doutrinárias e éticas
da igreja de todos os tempos.
Pr. Marcos Granconato
Soli Deo gloria
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