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C. H. SPURGEON
APASCENTANDO OVELHA OU ENTRETENDO BODE

   Um mal acontece no arraial professo do Senhor, tão flagrante na sua impudência, que até o menos perspicaz dificilmente falharia em notá-lo. Este mal evoluiu numa proporção anormal, mesmo para o erro, no decurso de alguns anos. Ele tem agido como fermento até que a massa toda levede. O demônio raramente fez algo tão engenhoso, quanto insinuar a Igreja que parte da sua missão é prover entretenimento para o povo, visando alcançá-los. De anunciar em alta voz, como fizeram os puritanos, a Igreja, gradualmente, baixou o tom do seu testemunho e também tolerou e desculpou as leviandades da época. Depois, ela as consentiu em suas fronteiras. Agora, ela as adota sob o pretexto de alcançar as massas.

   Meu primeiro argumento é que prover entretenimento ao povo, em nenhum lugar das Escrituras, é mencionado como uma função da Igreja. Se fosse obrigação da Igreja, porque Cristo não falaria dele? "Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a toda criatura" (Lc.16:15). Isto é suficientemente claro. Assim também seria, se Ele adicionasse "e provejam divertimento para aqueles que não tem prazer no evangelho". Tais palavras, entretanto, não são encontradas. Nem parecem ocorrer-Lhe.

   Em outra passagem encontramos: "E Ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres? (Ef.4:11). Onde entram os animadores? O Espírito Santo silencia, no que se refere a eles. Os profetas foram perseguidos por agradar as pessoas ou por oporem-se a elas?

   Em segundo lugar, prover distração está em direto antagonismo ao ensino e vida de Cristo e seus apóstolos. Qual era a posição da Igreja para com o mundo? "Vós sois o sal da terra" (Mt.5:13), não o doce açúcar ! algo que o mundo irá cuspir, não engolir. Curta e pungente foi à expressão: "Deixa aos mortos o sepultar os seus próprios mortos? (Mt.8:22). Que seriedade impressionante!

   Cristo poderia ter sido mais popular, se tivesse introduzido mais brilho e elementos agradáveis a sua missão, quando as pessoas O deixaram por causa da natureza inquiridora do seu ensino. Porém, eu não O escuto dizer: "Corre atrás deste povo Pedro, e diga-lhes que teremos um estilo diferente de culto amanhã; algo curto e atrativo, com uma pregação bem pequena. Teremos uma noite agradável para eles. Diga-lhes que, por certo, gostarão. Seja rápido, Pedro, nós devemos alcançá-los de qualquer jeito!".

   Jesus compadeceu-se dos pecadores, lamentou e chorou por eles, mas nunca pretendeu entretê-los. Em vão as epístolas serão examinadas com o objetivo de achar nelas qualquer traço do evangelho do deleite. A mensagem que elas contêm é: "Saia, afaste-se, mantenha-se afastado!" Eles tinham enorme confiança no evangelho e não empregavam outra arma.

   Depois que Pedro e João foram presos por pregar o evangelho, a Igreja reuniu-se em oração, mas não oraram: "Senhor, permite-nos que pelo sábio e judicioso uso da recreação inocente, possamos mostrar a este povo quão felizes nós somos". Dispersados pela perseguição, eles iam por todo mundo pregando o evangelho. Eles "viraram o mundo de cabeça para baixo". Esta é a única diferença! Senhor, limpe a tua Igreja de toda futilidade e entulho que o diabo impôs sobre ela e traze-a de volta aos métodos apostólicos.

   Por fim, a missão do entretenimento falha em realizar o objetivo a que se propõe. Ela produz destruição entre os jovens convertidos. Permitam que os negligentes e zombadores, que agradecem a Deus porque a Igreja os recebeu no meio do caminho, falem e testifiquem! Permitam que falem os negligentes e zombadores, que foram alcançados por um evangelho parcial; que falem os cansados e oprimidos que buscaram paz através de um concerto musical. Levante-se e fale o bêbado para quem o entretenimento na forma de drama foi um elo no processo de sua conversão! A resposta é óbvia: a missão de promover entretenimento não produz convertidos verdadeiros.

   O que os pastores precisam hoje, é crer no conhecimento aliado a espiritualidade sincera; um jorrando do outro, como fruto da raiz. Necessitam de doutrina bíblica, de tal forma entendida e experimentada, que ponham os homens em chamas.


Autor: Charles Haddon spurgeon
Fonte: Palavra Prudente 

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Um infinito e incompreensível poder pertence à natureza de Deus, sendo expresso, em parte, em Suas obras. Jó, inspirado por Deus, declarou: Eis que isto são apenas as orlas dos seus caminhos; e quão pouco é o que temos ouvido dele! Quem, pois, entenderia o trovão do seu poder? (26: 14).

Não devemos pensar que o poder de Deus está limitado às ações que Ele realiza. Suas ações mostram apenas uma parte do Seu essencial poder. Davi escreveu: Deus falou uma vez; duas vezes ouvi isto: que o poder pertence a Deus (Salmo 62: 11). Setenta vezes nas Escrituras Deus é chamado de o Todo-Poderoso.

Deus e poder são tão inseparáveis, que se tornam termos recíprocos. Em Marcos 14: 62 nosso Senhor disse que se assentaria à direita do poder de Deus.

O QUE O PODER DE DEUS É.

Força para agir é uma definição simples para o poder de Deus. Mas também devemos mencionar o direito ou autoridade de exercer esta força, pois alguém pode agir com poder, mas sem a devida autoridade, ou ter autoridade, mas ser impedido de agir. No entanto, Deus possui os dois, ou seja, autoridade e competência para agir.

O poder que Deus possui é ao mesmo tempo absoluto e ordenado. O Seu poder absoluto fala de tudo o que Ele poderia fazer, mas não determinou fazer. Já o seu poder ordenado, fala de tudo aquilo Ele decretou fazer. Em Seu poder absoluto, Ele poderia ter impedido Adão de pecar. Ele poderia ter suscitado filhos a Abraão a partir de meras pedras. Ele poderia ter enviado doze legiões de anjos para resgatar a Cristo da cruz. Mas o Seu poder ordenado, de acordo com a sua vontade, não realizou nenhuma dessas coisas. Ele tinha planos melhores. Deus é poderoso para realizar qualquer coisa que Ele deseje ou projete, sem qualquer dificuldade ou impedimento. O Seu poder é tão grande quanto a Sua vontade. E já que o poder é o princípio da ação, ele é, portanto, maior do que a própria ação. Diferente de nós, Deus não depende de nada para mostrar Seu poder; Ele não necessita de nenhum objeto nas mãos e nem de nenhum meio disponível para efetuar algum trabalho.

Da nossa perspectiva, o poder de Deus é distinto quanto a Sua sabedoria e vontade. Sua vontade ordena, Sua sabedoria guia, e o seu poder executa. Assim como Efésios 1: 11 declara; conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade. A Bíblia nos diz que Ele tem feito tudo o que lhe agrada (Salmo 115: 3), mas nunca nos diz que Ele fez tudo o que poderia.

Este atributo é a razão da atividade de todas as outras perfeições da natureza de Deus. Sem o poder, Sua misericórdia seria uma frágil compaixão; Sua promessa uma voz vazia; e Sua justiça um espantalho. De certa forma, o poder de Deus tem uma extensão mais larga do que os Seus outros atributos. A misericórdia pressupõe um objeto miserável; e a justiça um criminoso. Mas o poder efetivamente constitui um objeto; ele o cria e preserva. Quando a misericórdia ou justiça cessam, o poder continua a preservar a pessoa, quer céu ou no inferno.

O poder de Deus é essencial ao Seu ser. O poder de um rei terreno está, praticamente falando, em seu povo. Mas o poder de Deus é inerente a Ele mesmo. Ele não necessita de meios para poder agir. Os homens, no entanto, dependem constantemente do uso de meios. Que medida pequena nós temos do poder que provém de Deus. Só Ele é essencialmente Todo-Poderoso.

Desde que a Sua essência é infinita, segue-se que o Seu poder também o é. Não podemos calcular a soma dos nossos pensamentos, mas Ele é poderoso para fazer tudo muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos (Efésios 3: 20). Ele supera a nossa aritmética. Não há nada difícil para Ele (Jeremias 32: 17). Ele trabalha de acordo com a Sua vontade; e a Sua vontade não está limitada pelo Seu poder. Ele não faz a milésima parte daquilo que é capaz de fazer. Mas tudo o que Ele faz, faz perfeitamente de acordo com aquilo que Ele tem determinado. Isso não quer dizer que a Sua vontade limita o Seu poder, mas que a Sua vontade é o guia da demonstração do Seu poder. Ele poderia ter feito uma aranha tão forte quanto um leão, mas determinou outra coisa. Todos os Seus desígnios e uso do Seu poder são perfeitos em sabedoria. Além disso, o Seu poder nunca diminui. Não sabes, não ouviste que o eterno Deus, o SENHOR, o Criador dos fins da terra, nem se cansa nem se fatiga? É inescrutável o seu entendimento (Isaías 40: 28). Sendo assim, o Seu poder é infinito e por isso é chamado de Seu eterno poder (Romanos 1: 20).

O fato de haver algumas coisas que Deus não pode fazer, de maneira nenhuma diminui o Seu poder, mas antes o fortalece. Algumas coisas lhe são impossíveis devido a Sua natureza. Por exemplo: ser e não ser ao mesmo tempo é uma impossibilidade. Aquilo que é feito não pode ser desfeito. Algumas coisas são impossíveis à natureza de Deus. Por exemplo: Ele não pode deixar de ser o que é; Ele não pode contradizer a Sua própria essência. Ele não pode morrer. Algumas coisas são impossíveis às gloriosas perfeições de Deus. Por exemplo: Ele não pode pecar. Ele não pode mentir (Tito 1: 2; Hebreus 6: 18). Ele não pode negar a si mesmo (II Timóteo 2: 13). Ser vulnerável em qualquer uma dessas áreas não seria perfeição, mas demonstraria a falta dela. Uma fonte de água doce é considerada fraca por não poder fornecer também água amargosa? E por fim, algumas coisas são impossíveis para Deus porque Ele ordenou que assim fossem. Por exemplo: era impossível que o mundo fosse destruído imediatamente após a queda de Adão, pois o decreto de Deus, antes da fundação do mundo, era restaurar uma grande multidão em Cristo.

I. PROVAS DA ONIPOTÊNCIA DE DEUS.

É evidente que as Escrituras sempre afirmaram essa verdade. Deus respondeu à dúvida de Sara com a seguinte pergunta: Haveria coisa alguma difícil ao SENHOR? (Gênesis 18: 14). Ele também respondeu a Moisés, quando este questionou como Deus forneceria comida para a nação faminta de Israel, com esta pergunta: Teria sido encurtada a mão do SENHOR? (Números 11: 23). Mas vamos considerar mais alguns argumentos.

O poder que as criaturas possuem aponta para o poder do Criador, que deve ser ainda muito maior. A fonte ou causa tem que ser maior do que o seu efeito. O poder original tem que ser Todo-Poderoso, para poder afetar todas as outras coisas. Todos os poderes menores são derivados do original.

Sem um poder infinito, Deus não seria perfeito. Qualquer fraqueza seria uma deficiência, uma falta, o que tornaria Deus finito e imperfeito. O poder puro não pode estar misturado com a fraqueza. Se Deus não fosse perfeito em poder, poderíamos imaginar que haveria um ser mais poderoso do que Ele, e, portanto, mais perfeito. Tal pensamento seria uma blasfêmia.

A simplicidade de Deus prova o Seu poder. Um ser composto poderia perder alguma das suas faculdades e assim diminuir o seu poder. Por exemplo: um homem pode perder um braço e assim diminuir a sua força. Mas desde que Deus é um espírito simples, Seu poder não pode ser diminuído.

Os milagres que Deus tem feito provam o Seu poder. Todas as Suas obras na natureza manifestam o Seu poder, mas quando alguma dessas obras, consideradas como normais, é revertida, o homem fica tomado de uma admiração maior do que o habitual. Por exemplo: quando o fogo não consumiu os três amigos de Daniel na fornalha ardente, mas consumiu os servos que estavam do lado de fora, Nabucodonosor ficou atônito, declarando que não havia um Deus como Jeová (Daniel 3: 29). Como o Salmo 136: 4 declara: Aquele que só, faz maravilhas. Todavia, o maior de todos os milagres somente demonstra uma pequena parte do Seu poder.

III. AONDE O PODER DE DEUS APARECE.

1. O seu poder aparece na criação. O céu é chamado de o firmamento do seu poder (Salmo 150: 1). Esta primeira sentença na Bíblia corajosamente expressa o Seu poder infinito: No princípio criou Deus os céus e a terra. Este atributo é o primeiro conceito formado na mente das criaturas a respeito do Criador, de acordo com Romanos 1: 20, Porque as suas coisas invisíveis, desde a criação do mundo, tanto o seu eterno poder, como a sua divindade, se entendem, e claramente se veem pelas coisas que estão criadas. Nas Escrituras, o verdadeiro Deus é comumente distinguido dos falsos pela evidência da criação. Eles são chamados de: Os deuses que não fizeram os céus e a terra (Jeremias 10: 11). Mas o SENHOR é grande e que o nosso Senhor está acima de todos os deuses. Tudo o que o SENHOR quis, fez, nos céus e na terra, nos mares e em todos os abismos (Salmo 135: 5-6). Deus mostrou seu poder ao criar todas as coisas a partir do nada. A primeira matéria que existiu é aquela que Ele mesmo criou. A distância entre nada e alguma coisa, existir ou não existir, é imensurável, sendo medida somente pelo Deus Todo-Poderoso. A nossa mente é incapaz de conceber um poder maior. O melhor que o homem pode fazer é rearranjar a matéria, mas nunca criá-la. Considere também a extensa variedade de criaturas feitas por Deus. Primeiro Ele fez a matéria, e então formou a partir daí uma infinidade de distintas formas e estruturas. Um observador normal nunca poderia imaginar que tudo isso veio de uma única fonte. Mas Deus fez tudo isso com extrema facilidade, sem o uso de qualquer instrumento. Ele diz: Assim diz o SENHOR, teu redentor, e que te formou desde o ventre: Eu sou o SENHOR que faço tudo, que sozinho estendo os céus, e espraio a terra por mim mesmo (Isaías 44: 24). Simplesmente por um ato de sua vontade, Ele falou a palavra, e ela assim se fez. Porque falou, e foi feito; mandou, e logo apareceu (Salmo 33: 9). Ele fez o universo tão facilmente quanto nós ao elaborarmos um pensamento. Ele poderia ter feito um número infinito de mundos, se assim desejasse. Entretanto, Ele fez todas as coisas instantaneamente. Assim que falou, tudo o que Ele queria veio a existir imediatamente.

2. O poder de Deus aparece em Seu governo sobre o mundo. Este trabalho pode ser dividido em três formas de governo, ou seja, natural, moral, e gracioso.

Em Seu governo natural, Deus primeiramente preserva. Tu conservas os homens e os animais (Salmo 36: 6). Ele diz às águas do mar: Até aqui virás, e não mais adiante, e aqui se parará o orgulho das tuas ondas? (Jó 38: 11). Absolutamente nada e nem ninguém tem o poder de se preservar a si mesmo. Antes, o mesmo poder que cria alguma coisa é que pode preservá-la. Se Deus deixasse de preservar todas as coisas, elas voltariam ao nada.

Segundo, Ele propaga a criação. Ele faz com que a semente dê fruto e se multiplique. Em referência a propagação do homem o Salmista diz: Eu te louvarei, porque de um modo assombroso, e tão maravilhoso fui feito; maravilhosas são as tuas obras (Salmo 139: 14). As Escrituras frequentemente falam de Deus abrindo e fechando a madre.

Terceiro, Ele governa os movimentos de todas as criaturas. Nele vivemos, e nos movemos, e existimos... (Atos 17: 28). Todo movimento, desde o sistema solar, até a circulação sanguínea do homem, é fruto do Seu poder. Se Ele desejar, pode fazer o sol se deter, ou o coração do homem parar de bater. Na verdade, o poder para preservar o movimento é tão grande quanto o poder de interrompê-lo.

No governo moral, Deus restringe a natureza maliciosa do mal. Se o Diabo não fosse restringido, a terra seria um verdadeiro inferno. Aquele que primeiramente tentou a Eva, não hesitaria em atacar a todos os homens, assim como fez com Jó. Ele queria cirandar, ou seja, peneirar a Pedro (Lucas 22: 31). Mas Deus governa todas as ações de satanás. Jó disse a respeito de Deus: Com ele está a força e a sabedoria; seu é o que erra e o que o faz errar (Jó 12: 16). Deus também restringe a corrupção natural da humanidade. Todo membro da raça de Adão é igualmente corrupto. Nós todos procedemos da mesma raiz. Não somos melhores do que Adão. É assustador imaginarmos o que os homens ímpios seriam capazes se não fossem restringidos por Deus. Em Romanos capítulo 1 temos um retrato de cada um de nós em nosso estado natural. Mas Deus nos restringe com Seu grande poder. Além disso, Ele ordena e guia o mal no mundo a fim de atingir os Seus próprios fins. Ele permitiu que homens ímpios crucificassem Seu Filho. E a fim de preservar a igreja primitiva do mesmo homem ímpio, Deus colocou temor em seus corações (Atos 2: 43). Sendo assim, aqueles que tiveram a ousadia de cravarem o Filho de Deus em uma cruz, foram os mesmos que ficaram assustados e preocupados com o aparecimento de doze homens desarmados. Isso é apenas uma pequena amostra de como Deus guia o mal que Ele assim permite.

No governo gracioso, Deus mostra o Seu poder ao preservar os Seus eleitos. Tanto no Velho testamento, quanto no Novo, muitos inimigos se levantaram contra o povo de Deus. Quantas leis e editos foram promulgados, quantos exércitos se levantaram, quantos perigos surgiram, quantos traidores brotaram de dentro das próprias fileiras, e quantas manobras sutis e comprometedoras foram engendradas! Porém, Deus tudo controla. Satanás pensou que tivesse levantado a Faraó para destruir os adoradores de Deus, mas a verdade era outra, ou seja, Deus levantou a Faraó para ser uma lição prática do Seu grande poder, nas pragas por Ele enviadas. Ele fez com que o Seu glorioso nome fosse declarado em toda a terra (Romanos 9: 17), através dos relatos da vitória no Mar Vermelho que circularam ao redor do mundo. No final, o número de adoradores aumentou. Na história da igreja, Deus tem libertado o Seu povo muitas vezes, sendo isso nada menos do que um verdadeiro milagre. E nós aqui estamos por causa do Seu poder preservador.

Considere também os procedimentos judiciais de Deus como uma evidência do Seu governo. Ele julgou Sodoma enviando fogo do céu. Ele estabelece monarcas pelo Seu poder, e por este mesmo poder, os depõe. Impérios poderosos desapareceram de maneira surpreendente, como os Romanos, por exemplo, que foram atropelados pelos bárbaros. Tudo na natureza está sob Seu controle. O mesmo mar que devorou os Egípcios poupou os Israelitas. Deus se deleita em usar meios insignificantes para concretizar o Seu propósito de governar, assim como um esquadrão de piolhos para humilhar Faraó, ou um esquadrão de trezentos homens para derrotar o exército dos Midianitas. Nada é tão pequeno que não possa ser utilizado por Deus para grandes coisas.

3. O poder de Deus aparece na redenção. É evidente que neste caso o Seu grandessíssimo poder foi manifestado. Cristo é chamado de o poder de Deus e também a sabedoria de Deus (I Coríntios 1: 24). Seria muito mais fácil para Deus criar um novo mundo do que restaurar um mundo caído!

Primeiro, vamos considerar a Pessoa que realizou a redenção. Ele não é outro senão o Deus-homem, o Senhor Jesus Cristo. Como o eterno Filho de Deus, Ele se fez carne, mas sem pecado. Ele foi concebido de maneira sobrenatural pelo Espírito Santo no ventre de uma virgem. Ele é a semente da mulher (Gênesis 3: 15), sendo perfeito e exclusivamente preparado para o ofício de Mediador entre Deus e os homens. No capítulo anterior nós falamos da infinita sabedoria demonstrada no plano das duas naturezas unidas em uma só Pessoa. Agora nós falamos da concretização real deste desígnio como uma demonstração do Seu infinito poder. Isso envolveu a união de naturezas totalmente opostas e distantes uma da outra. Ainda que estas duas naturezas não se misturem e nem sofram qualquer mudança. Nosso entendimento finito não pode compreender totalmente esta união, mas podemos entender que o poder divino realizou isso.

Além disso, nós temos uma amostra maravilhosa deste poder na vida, no ministério, na ressurreição e na morte de Cristo. Os Seus milagres falam por si mesmos. Mas talvez uma de Suas maiores maravilhas seja a Sua paciência, pela qual Ele diariamente suporta todas as contradições e pecados dos homens, e em especial, os crimes cometidos contra Ele na conspiração da Sua morte. Novamente, em Seu infinito poder, Deus ressuscitou Seu Filho da morte. As palavras pareciam inadequadas para os Apóstolos enquanto expressavam esta sublime verdade: E qual a sobre-excelente grandeza do seu poder sobre nós, os que cremos, segundo a operação da força do seu poder,

Que manifestou em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e pondo-o à sua direita nos céus (Efésios 1: 19-20).

Segundo, vamos considerar a proclamação da verdade da redenção. Quando olhamos para a natureza da mensagem do evangelho, para o povo que divulga esta mensagem, e os meios por eles utilizados, não podemos deixar de ver o exercício do Seu divino poder. A mensagem passeia diante face dos homens naturalmente sábios. Os filósofos de Atenas consideravam a mensagem de um Deus crucificado e ressuscitado como um ensino incompreensível. Eles zombaram da mensagem e chamaram o pregador de paroleiro (Atos 17: 18). Os Judeus consideraram esta mensagem contrária aos seus costumes e uma ameaça a sua estabilidade. Eles eram tão devotos às suas tradições como os Gentios aos seus costumes. O evangelho de Cristo, em última análise, é contrário ao intelecto de todo ser humano, a despeito de suas distinções externas. Que grande poder se faz necessário para sacar o homem de seus próprios preconceitos! Ele abomina a idéia da autonegação e de se humilhar totalmente em cada área de sua vida. Ao ouvir esta mensagem de uma pessoa comum, iletrada, cuja ocupação era um barco com redes de pesca, faz com que esta verdade seja mais inacreditável ainda. E estes humildes apóstolos ousaram acusar os ilustres príncipes deste mundo de assassinarem Jesus Cristo! Eles não fizeram uso das armas ou das leis de sua terra para garantirem o sucesso da sua causa. Eles simplesmente pregaram a verdade de Deus, sem qualquer fino ou polido discurso, dependendo apenas do poder do alto para o seu sucesso. Nunca a religião se deparou com tamanha e feroz oposição como ocorreu com o Cristianismo durante o império Romano. Entretanto, a despeito disso tudo, o evangelho colocou o mundo de cabeça para baixo. Em menos de vinte anos cada província do império já tinha ouvido a mensagem da cruz. As perseguições somente serviram para engrossar o número de convertidos. Até mesmo alguns servos de Nero se converteram (Filipenses 4: 22). A quem atribuiríamos o crédito do sucesso do evangelho senão ao poder do Seu próprio autor?

Terceiro, Vamos considerar a aplicação da redenção. O poder de Deus fica mais evidente em Sua obra poderosa efetuada na conversão, a qual é comparada com a criação, com o nascimento, e com a ressurreição. A conversão é uma transformação radical, pela qual o coração do homem se volta contra todas as suas inclinações naturais. O evangelho, que é o poder de Deus para salvação (Romanos 1: 16), encontra um inimigo natural na mente, no coração, e na vontade do homem. Seria mais fácil transformar uma mosca em águia do que um pecador em um santo. Os argumentos de Deus vão contra todos os nossos mais profundos e enraizados hábitos dominantes. Porventura pode o etíope mudar a sua pele, ou o leopardo as suas manchas? Então podereis vós fazer o bem, sendo ensinados a fazer o mal (Jeremias 13: 23). Por isso Deus trabalha poderosamente para atrair os pecadores a Si mesmo (João 6: 44). Ele despe o homem de sua autoestima, lança fora o seu orgulho, subjuga as suas paixões, implanta o temor a Deus onde só havia desprezo, faz com que ele tenha um desejo ardente de servir ao seu novo Mestre, e coloca nele o desejo de honrá-Lo. Somente o poder divino é que pode separar o nosso coração do mundo. Quantas portas semelhantes a um cofre a Onipotência precisa romper para nos resgatar de nós mesmos! Este poder é tão eficaz que nada pode impedi-lo, e ao mesmo tempo tão manso, que nunca alguém se queixou disso (Filipenses 2: 13). Ele nos atrai com cordas de amor (Jeremias 31: 3). Ele entrelaça a vitória com o poder, de modo que nos deleitamos em ser conquistados. Pedro escreveu muito bem quando disse: Visto como o seu divino poder nos deu tudo o que diz respeito à vida e piedade, pelo conhecimento daquele que nos chamou pela sua glória e virtude (II Pedro 1: 3).

O poder de Deus não é somente demonstrado no pecador, mas também no perdão que Ele outorga. Ele exerce poder sobre Si mesmo ao suportar as muitas injúrias, e também ao atender a Sua própria justiça na Pessoa do Seu Filho.

Quarto, o poder de Deus é demonstrado na preservação dos Seus remidos. Uma coisa é subjugar, outra, entretanto, é manter o domínio. O poder para manter o jugo, não é outro senão o mesmo que impôs primeiramente este jugo. Deus amplia este poder ao preservar os cristãos neste mundo, um vaso fraco e delicado em meio a rochas e tempestades, ao invés de transportá-los imediatamente para o céu. Vamos agora fazer uma aplicação deste estudo.

I. INFORMAÇÃO E INSTRUÇÃO.

Pelo fato de Jesus Cristo ser Todo-Poderoso, e somente Deus ser Todo-Poderoso, então Jesus é Deus. Porque tudo quanto ele faz, o Filho o faz igualmente (João 5: 19) não como dois colegas de trabalho, mas como sendo um em essência, trabalhando em uma única operação. Repetidas vezes nas Escrituras a obra da criação é creditada a Cristo, o Filho. A quem constituiu herdeiro de tudo, por quem [Deus] fez também o mundo (Hebreus 1: 2). E: Tu, Senhor, no princípio fundaste a terra, E os céus são obra de tuas mãos (Hebreus 1: 10). Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados, sejam potestades. Tudo foi criado por ele e para ele (Colossenses 1: 16). Todas as coisas foram feitas por ele, e sem ele nada do que foi feito se fez (João 1: 3). Ele não fez simplesmente algumas coisas, mas todas as coisas. Portanto, Ele não foi criado, e nem foi um mero instrumento na criação, mas a sua principal causa. A Ele é ainda creditado a preservação de todas as coisas. E ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele (Colossenses 1: 17). O poder de ressuscitar da cova é creditado a Ele. Mas a nossa cidade está nos céus, de onde também esperamos o Salvador, o Senhor Jesus Cristo...Que transformará o nosso corpo abatido, para ser conforme o seu corpo glorioso, segundo o seu eficaz poder de sujeitar também a si todas as coisas (Filipenses 3: 20-21). Que ninguém duvide que Aquele que tem habilidade de salvar, tem também em Suas mãos o poder de criar, preservar, e ressuscitar.

Da mesma forma, o Espírito Santo é Deus. Ele estava ativo na criação. E o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas (Gênesis 1: 2). Ele é ativo na obra da conversão. Porque o nosso evangelho não foi a vós somente em palavras, mas também em poder, e no Espírito Santo (I Tessalonicenses 1: 5). Ele é ativo na obra da ressurreição. E, se o Espírito daquele que dentre os mortos ressuscitou a Jesus habita em vós, aquele que dentre os mortos ressuscitou a Cristo também vivificará os vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que em vós habita (Romanos 8: 11).

Nós aprendemos sobre a bem-aventurança de Deus. Uma vez que Ele é Todo-Poderoso, nada lhe falta, pois qualquer falta indica uma fraqueza.

Aqui está o alicerce da imutabilidade de Deus. Nada pode forçá-lo a mudar, pois não há um poder maior do que o dEle. O Salmo segundo fala como Ele ri daqueles que tentam desafiá-Lo.

Aqui está o alicerce do governo de Deus sobre o mundo. O Seu conhecimento, sabedoria, e poder estão unidos na obra da providência. Aqueles que negam esta verdade estão negando a Sua cabeça, coração e mãos.

Aqui está o alicerce da adoração a Deus. Nós admiramos a força, quer ela se encontre no corpo de um homem ou num exército de homens. Tanto mais, deveríamos nós, admirar e adorar o Deus onipotente. Toda adoração se apoia em dois pilares, ou seja, na bondade e no poder de Deus. Se qualquer um deles fosse falho, a religião desapareceria. É nesta base que nós oramos. Porque teu é o reino, e o poder, e a glória, para sempre (Mateus 6: 13). Quando esquecemos este atributo, nos tornamos relaxados na adoração.

Aqui está o alicerce para crermos na ressurreição. Porque para Deus nada é impossível (Lucas 1: 37). Se Ele nos criou do nada, Ele certamente poderá, no último dia, reunir novamente os nossos átomos espalhados aqui e ali.

É realmente muito estranho que este atributo seja tão desprezado e abusado pelos homens ímpios. Eles negam que Ele criou, ou mesmo que seja capaz de fazer todas as coisas. Todo pecado, especialmente a sua obstinada segurança, é um ataque contra este atributo. O homem imagina que seja páreo para Deus. Ou irritaremos o Senhor? Somos nós mais fortes do que ele? (I Coríntios 10: 22). Toda forma de descrença não passa da presunção de que Deus não pode fazer mais do que nós mesmos fazemos. A nação que atravessou o Mar Vermelho não demorou muito para questionar: Acaso pode Deus preparar-nos uma mesa no deserto? (Salmo 78: 19). É impressionante o número de vezes que o ateísmo prático afirma-se! Nós duvidamos do poder de Deus quando tememos aos homens. Eu, eu sou aquele que vos consola; quem, pois, és tu para que temas o homem que é mortal, ou o filho do homem, que se tornará em erva?

E te esqueces do SENHOR que te criou, que estendeu os céus, e fundou a terra, e temes continuamente todo o dia o furor do angustiador, quando se prepara para destruir; pois onde está o furor do que te atribulava? (Isaías 51: 12-13).

Confiar em si mesmo ao invés de Deus é desprezar o Seu poder. Atribuir o bem aos meios que Deus utiliza, ao invés de atribuir a Ele, é um insulto contra o Seu poder.

Entretanto, não devemos abusar dessa doutrina tentando utilizá-la para justificar certas contradições. Por exemplo, alguns a utilizam para defender a doutrina da transubstanciação dizendo: “Deus é capaz de transformar o pão e o vinho no corpo e no sangue literal do Senhor.” Então nós também podemos perfeitamente crer em certas fábulas! O poder de Deus não contradiz a Sua Palavra. Não deveríamos presumir do poder de Deus negligenciando o uso dos meios que Ele fornece. O poder de Deus nunca deveria ser uma desculpa para a nossa indolência ou desobediência. Por outro lado, correr em direção ao perigo é mais um abuso do que uma confiança no poder de Deus.

Todos os inimigos de Deus padecerão miserável e eternamente debaixo de Suas mãos. Eles podem até resistir à Sua lei, mas não poderão, de modo algum, resistir aos Seus castigos. Dois atributos de Deus irão brilhar no inferno, ou seja, a Sua ira e o Seu poder. E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para a perdição (Romanos 9: 22). Se o homem não pode escapar da morte terrena, como então escapará da segunda morte? E quão grande será a vingança exercida pela onipotência! Que todo pecador, ao ler esta página, possa considerar a futilidade de sua rebelião contra o Todo-Poderoso.

II. CONFORTO.

Aqui temos um oceano de conforto para o Cristão. O poder de Deus é o que movimenta todos os Seus atributos. Como nós seríamos vazios se Deus por acaso dissesse: Eu sou amor, sabedoria, justiça, e verdade, mas não sou poderoso! Mas ao invés disso, o poder de Deus nos conforta em todas as nossas aflições e angustias. Até mesmo o nosso Salvador, enquanto estava na cruz, vendo o Seu rosto franzido, exerceu fé no poder de Deus, clamando: Eli, um título que descreve o Seu poder. Este atributo nos conforta em todas as tentações e corrupções. Nenhum inimigo externo ou mesmo interno é tão forte, exceto aquele que pode vencer isso. Para Deus não falta poder para realizar tudo aquilo que Ele prometeu. Uma vez que Ele desejou fazer algo, isso não poderá deixar de ser feito. O Seu poder nos capacita a perseverarmos na fé. Nosso Senhor disse: Meu Pai, que mas deu, é maior do que todos; e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai (João 10: 29). Somos guardados na virtude de Deus (I Pedro 1: 5). Quando a causa de Deus na terra parece frágil e desesperada, aqui está o motivo para o conforto: Deus pode ressuscitar os mortos. Ele somente precisa dizer uma palavra, e Seus inimigos cairão por terra. Com o hálito de Deus perecem; e com o sopro da sua ira se consomem (Jó 4: 9). Ele torna as trevas em luz, noite em dia, muito rapidamente. O livro de Apocalipse, capítulo 18, nos fala da queda de Babilônia em um dia. Mas devemos lembrar que Deus normalmente espera para agir até que cheguemos ao extremo e a exaustão dos nossos próprios recursos, para que o Seu poder possa ser mais notável e admirável. O ponto mais baixo que descemos serve apenas para demonstração e exaltação do Seu poder. Que os santos sejam corajosos quando estiverem sob provações!

III. EXORTAÇÃO.

Vamos disciplinar as nossas mentes a pensar muito a respeito deste atributo. Nossos temores desaparecerão em vista disso. Um conhecimento correto desta verdade é essencial a toda a religião. Sem isso, não poderíamos orar, amar, ou temer a Deus corretamente. Nossa experiência será mais estável se apenas lembrássemos de que Deus é Todo-Poderoso.

Vamos crescer na confiança de Deus. O Seu poder deve ser o motivo da nossa mais profunda e respeitosa confiança. Confiai no SENHOR perpetuamente; porque o SENHOR DEUS é uma rocha eterna (Isaías 26: 4). O poder de Deus foi visto de maneira muito especial por Abarão. E estando certíssimo de que o que ele tinha prometido também era poderoso para o fazer (Romanos 4: 21). Nós temos muito mais razões para confiar em Deus do que os patriarcas do Velho Testamento, haja vista que nós temos evidências mais claras do Seu poder na Pessoa e obra de Cristo. Este atributo deveria produzir temor no ímpio e confiança no justo. Ele revigora a misericórdia e a bondade de Deus para conosco. Às vezes, o poder de Deus é a única coisa em que podemos confiar, como fizeram os três amigos de Daniel ao declarar: Eis que o nosso Deus, a quem nós servimos, é que nos pode livrar; ele nos livrará da fornalha de fogo ardente, e da tua mão, ó rei (Daniel 3: 17). Não pode haver confiança em Deus sem que nossos olhos estejam contemplando o Seu poder.

Vamos aprender humildade e submissão. Humilhai-vos, pois, debaixo da potente mão de Deus, para que a seu tempo vos exalte (I Pedro 5: 6). Que tolice resistir a tamanho poder infinito!

Vamos aprender a não temer os homens. Você temeria um anão se estivesse sendo protegido por um gigante? É evidente que o temor do homem é um insulto contra Deus, diante do qual as nações são consideradas por ele como a gota de um balde, e como o pó miúdo das balanças; eis que ele levanta as ilhas como a uma coisa pequeníssima (Isaías 40: 15).

Vamos, portanto, temer ao Senhor Deus. Ao SENHOR dos Exércitos, a ele santificai; e seja ele o vosso temor e seja ele o vosso assombro (Isaías 8: 13). Ele pode nos sufocar apenas com um cabelo ou uma migalha. Ele pode transformar coisas doces em amargas. Ele pode fazer da nossa consciência um leão devorador. Ele pode conquistar qualquer império como se não houvesse absolutamente nenhum opositor. Deveríamos ficar perplexos a respeito do Poder que pode nos destruir. Devemos temer a Deus por tudo o que Ele pode fazer, mas louvá-Lo por causa da Sua bondade em Cristo, pois sem ela estaríamos totalmente condenados diante dEle.

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Autor: Stephen Charnock 
Tradução: Eduardo Cadete 2011 
Fonte: Palavra Prudente

01:25
B.B. Warfield
Justificação pela fé: fora de moda?
Benjamim B. Warfield
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   Às vezes nos é dito que a Justificação pela Fé está "fora de moda", obsoleta. Seria uma pena se fosse verdade. Isso significaria que o caminho da salvação estaria fechado e "nenhuma passagem" estaria "pregada sobre as barreiras". Não há nenhuma justificação para pecadores a não ser pela fé. As obras de um pecador serão sempre, é claro, tão pecaminosas quanto ele mesmo, e nada exceto a condenação pode ser construído sobre elas. Então onde poderia ele conseguir obras nas quais pudesse fundamentar a sua esperança de justificação, exceto em algum Outro? A sua esperança de Justificação, lembre-se, é de ser declarado íntegro diante de Deus. Será que Deus poderia declará-lo íntegro sem ser com base em obras que são, elas mesmas, íntegras? Onde um pecador poderá arrumar obras que são íntegras? Seguramente, não em si mesmo; afinal, não se trata ele de um pecador, e todas as suas obras tão pecaminosas quanto ele? Ele precisa, então, sair de si mesmo e encontrar obras que ele possa oferecer a Deus como justas. E onde ele poderá encontrar tais obras se não em Cristo? Ou como fará ele com que elas passem a ser suas a não ser pela fé em Cristo?

   Justificação pela Fé, portanto, não é oposta à justificação através de obras. Só há contradição com a justificação por nossas Próprias obras. É uma justificação pelas obras de Cristo. A questão inteira, conseqüentemente, é se nós podemos esperar ser recebidos no favor de Deus com base no que nós fazemos, ou apenas com base no que Cristo fez por nós. Se nós esperamos ser recebidos com base no nós mesmos fazemos - isso é chamado Justificação por Obras. Se o nosso fundamento é o que Cristo fez por nós - isso é o que significa Justificação por Fé. Justificação por Fé significa, portanto, que nós olhamos para Cristo e para ele somente em busca de salvação, e vamos a Deus alegando que a morte e a retidão de Cristo são a base da nossa esperança de sermos recebidos no favor dEle. Se a Justificação por Fé tornou-se obsoleta, isso significa, então, que a salvação em Cristo está obsoleta. Não há nada a se fazer, se for assim, a não ser que cada homem faça o melhor que puder para se salvar.

   Portanto, Justificação por Fé não significa "salvação por acreditar em certas coisas" em vez de "salvação por fazer o que é certo". Significa pleitear os méritos de Cristo perante o trono da graça em vez de nossos próprios méritos. Pode ser correto acreditar em certas coisas, e fazer coisas certas certamente é certo. A dificuldade em apresentar nossos próprios méritos diante de Deus não é que nossos méritos não seriam aceitáveis a Deus. A dificuldade é que nós não temos nenhum mérito nosso para lhe apresentar. Adão, antes da queda, tinha seus próprios méritos, e porque ele os tinha ele era, em si mesmo, aceitável a Deus. Ele não precisava de Outro para se interpor entre ele e Deus, cujos méritos ele pudesse pleitear. E, por isso, não havia nenhuma conversa sobre ele ser Justificado por Fé. Mas nós não somos como Adão antes da queda; nós somos pecadores e não temos nenhum mérito em nós mesmos. Se nós tivermos que ser justificados, terá que ser com base nos méritos de Outro, cujos méritos possam ser feitos nossos pela fé. E foi por isso que Deus enviou seu Único Filho para que todo que nele crê não pereça mas tenha a vida eterna. Se nós não crermos nele, obviamente teremos que perecer. Mas se nós acreditarmos nele, nós não morreremos, mas teremos a vida eterna. Isso é tão somente a Justificação pela Fé. Justificação pela Fé não é nada mais, nada menos, do que obter a vida eterna crendo em Cristo. Se a Justificação por Fé está obsoleta, então a salvação em Cristo está obsoleta. E como não há nenhum outro nome debaixo do céu, dado entre homens, pelo qual devamos ser salvos, se a salvação em Cristo está obsoleta então obsoleta  está a própria salvação. Seguramente, em um mundo cheio de pecadores precisando de salvação, isso seria uma grande pena.

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Fonte: Reformation INK
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(((( B.B. Warfield (05/11/1851 - 16/02/1921) foi diretor do famoso Princeton Seminary de 1887 a 1921. É considerado por muitos o último grande teólogo de Princeton. Lutou contra o modernismo e o revivalismo (pentecostalismo) por sua forte aderência à teologia calvinista conforme expressa na Confissão de Fé de Westminster. Nunca se envolveu muito com a vida de igreja (provavelmente pelo imenso fardo de cuidar de sua esposa inválida) tendo se preocupado mais em colocar um forte embasamento teológico para as futuras gerações. Seus artigos e livros sempre foram muito respeitados pela alta qualidade acadêmica e continuam sendo bastante lidos até hoje. ))))

04:03
Qual é o lugar da oração em sua vida? Que proeminência tem ela em nossas vidas? É uma pergunta que eu dirijo a todos. É necessário que ela atinja tanto o homem que é bem versado nas Escrituras e que tem um bom conhecimento de doutrina e teologia, quanto a qualquer outro. Que lugar a oração ocupa em nossas vidas e quão essencial ela é para nós? Será que temos percebido que sem ela desfalecemos?

Nossa condição definitiva como cristãos é testada pelo caráter da nossa vida de oração. Isso é mais importante que o conhecimento e o entendimento. Não pensem que eu estou diminuindo a importância do conhecimento. Tenho passado a maior parte da minha vida tentando mostrar a importância de se ter um bom conhecimento e entendimento da verdade. Isso é de importância vital. Só há uma coisa que é mais importante: a oração. O teste definitivo da minha compreensão do ensino bíblico é a quantidade de tempo que eu gasto em oração. Como a teologia é, no final das contas, conhecimento de Deus, quanto mais teologia eu conheço, mais ela deveria me guiar na busca desse conhecimento. Não se trata de conhecer sobre Ele, mas de conhecê-lO. O objetivo inteiro da salvação é me trazer a um conhecimento de Deus. Eu posso aqui falar de uma maneira acadêmica sobre regeneração, mas o que é, afinal, a vida eterna? É que eles possam conhecer a Ti, o único Deus verdadeiro e a Jesus Cristo a quem enviaste. Se todo o meu conhecimento não me conduz à oração, certamente há algo de errado em algum lugar. Espera-se que ele faça exatamente isso. O valor do conhecimento é que ele me dá uma tal compreensão do valor da oração, que eu passo a dedicar tempo a ela e a me deleitar com ela. Se meu conhecimento não produzir esses resultados em minha vida, há algo de errado e espúrio nele, ou então devo estar lidando com este conhecimento de uma maneira completamente equivocada.

FONTE: www.reformationtheology.com

14:19

Um homem pode ser um ateísta de coração sem que o seja de cabeça. Ele pode não questionar a existência de Deus, e até mesmo defendê-Lo, enquanto o seu coração se encontra vazio de emoções para com Ele

Isso se chama ateísmo prático, ou seja, ateísmo em prática. O próprio diabo é um ateísta prático, pois ele sabe que existe um Deus, mas age como se não houvesse. No mundo, são poucas as pessoas que negam a existência de Deus, mas nenhum homem naturalmente o reverencia em seu coração. Todos os homens são ateístas práticos. Eles são descritos em Tito 1: 16 que diz: Confessam que conhecem a Deus, mas negam-no com as obras. Desde que ações falam mais alto do que palavras, aqueles que dizem conhecer a Deus, mas vivem como se Ele não existisse, são mais dignos de receberem o título de ateísta, do que aqueles que negam a Deus e vivem como se Ele existisse.

Esse ateísmo secreto é o espírito de todo pecado. Toda ação pecaminosa despreza a lei e a soberania de Deus, declarando-O indigno de ser o que é. Se nos fosse permitido chegar a sua conclusão lógica, cada pecado da humanidade iria impugnar, destronar, e aniquilar a Deus, enquanto promovesse o pecador ao status de a mais sábia das autoridades.

Quando pecamos, no fundo desejamos que Deus não existisse, ou que Ele não possuísse Suas qualidades e perfeições, o que seria o mesmo que dizer que Deus não existe. Além disso, aqueles que somente o adoram exteriormente, por causa de um temor escravizador, murmurando o tempo todo, manifestam o mesmo desejo.

Qualquer desejo que houver para que Deus mude, ou para que Ele mude a maneira de tratar conosco, é a própria essência do ateísmo prático.

O problema do homem pode ser resumido em duas declarações:

I. O Homem Deseja Ser o seu Próprio Deus.

Ele faz de si mesmo a sua própria lei, ao invés de Deus. Isso significa destronar totalmente a Deus, pois Deus não pode existir à parte de sua própria prerrogativa de autoridade.

O homem primeiramente nega o governo de Deus. O homem naturalmente não tem disposição para aprender as verdades de Deus. Ele se recusa a utilizar os meios que lhe estão disponíveis para aprender sobre Deus. Ele rejeita qualquer pensamento a respeito de Deus que ocasionalmente vêem em sua mente, desejando que a Bíblia não diga o que ela tem a dizer. O único pensamento que ele tem interesse a respeito de Deus é proveniente da mera e carnal curiosidade, e não de um desejo genuíno de obediência.

Interiormente, o homem que está em pecado se opõe ativamente à verdade de Deus. Quanto mais ele conhece da vontade de Deus, mais ele luta contra ela. O apóstolo descreve isso em Romanos 7: 8, Mas o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, operou em mim toda a concupiscência; porquanto sem a lei estava morto o pecado. O pecado que habita em nós aproveita do conhecimento que temos da lei de Deus e se opõe a isso com mais ferocidade.

Exteriormente, o homem persegue aqueles que proclamam a verdade. Cada canto da face da terra tem sido manchado com o sangue daqueles que defendem a Deus e Sua autoridade. Em tempos de calmaria, o povo tolera o som da verdade, simplesmente porque procedem dos lábios de um vizinho ou amigo.

Alguns ateístas práticos até estão dispostos a abraçarem algumas verdades, desde que eles tenham a liberdade de escolha. De fato, eles estão dizendo: “A verdade que me favorece é legal, mas eu me reservo ao direito de rejeitar qualquer verdade que me reprove!”

Muitas pessoas pervertem a Palavra de Deus a fim de se desculparem dos seus pecados. Por exemplo, a longanimidade de Deus é interpretada erradamente como falta de interesse de Sua parte. A justificação pela fé é torcida em licença para pecar. A conversa de Cristo com os pecadores se transforma em uma defesa para fazer parte de más companhias.

Este mau uso da verdade revela que elegemos a nossa própria vontade má, e não a vontade de Deus, como nossa regra. Isso nos faz lembrar o método de torcer as escrituras que Satanás utilizou para tentar a Cristo.

O homem natural não deseja um Deus santo e nem uma santa lei. Qualquer conhecimento a respeito de qualquer coisa é aceitável a ele, exceto o conhecimento de Deus. Por quê? Porque o conhecimento de Deus humilha o homem e o seu orgulho não suporta isso.

A verdade que o homem não pode evitar, ele despreza e desonra. Se ele quebra qualquer parte da lei de Deus, acaba se achando no direito de desprezar todo restante (Tiago 2: 10). Mesmo que ele pareça guardar alguns preceitos de Deus, isso ocorre incidentalmente e por motivos egoístas, e não por ser o fruto de um coração obediente. Adão insistiu em sua liberdade, apesar de isso ter causado o seu próprio dano. Sendo assim, todo homem em Adão é um perfeito tolo. Ele é inimigo de sua própria felicidade. Os homens insistem em se afastar de Deus a qualquer custo. O lema do pecador é: “Melhor servir ao pecado do que servir a Deus.” Ele sofre uma dor muito maior por violar a lei de Deus do que sofreria se a cumprisse!

O homem odeia aqueles mandamentos que são mais espirituais, mais íntimos, e que mais glorificam a Deus. Ele quase não suporta o que é mais externo, aquelas partes cerimoniais da adoração. Ele tem pensamentos fugazes sobre Deus e encontra pouca satisfação nEle. Ele precisa ser constrangido a fazer o bem, e dá uma série de desculpas para não fazer isso. Ele odeia chegar na presença de Deus, e sai o mais rápido que pode. Ele oferece a Deus as sobras. Ele serve a Deus com medo de que Seu governo seja estabelecido em seu coração.

Se o homem natural chega a servir a Deus de alguma maneira, é somente por motivos interesseiros. Se Deus não concede aquilo que ele deseja, então ele o abandona e deixa de servi-Lo. Ele tem a Deus como o seu servo, e não o seu Senhor.

O homem mostra o seu desprezo a Deus nas muitas promessas que ele quebra. Em tempos de perigo ou aflição, ele rapidamente faz um voto a Deus, mas após isso, relaxa. Assim ele prova que é filho do pai da mentira (João 8: 44). Poderia existir uma evidência mais clara do que esta, a de renegar o governo de Deus?

O homem busca estabelecer a si mesmo como seu próprio Deus.

Ele faz da sua própria vontade um ídolo. O amor próprio e a independência são a base do ateísmo, e também a raiz de todo o pecado no mundo. Adão cobiçou a igualdade com Deus. Ele pensou em usurpar o trono de Deus. Desde a queda, a grande controvérsia entre Deus e o homem tem sido: Quem realmente é Deus? Deus ou o homem?

Graças a Deus pelo segundo Adão, pois não levou em conta Seus privilégios Divinos, mas humilhou-se a si mesmo, vindo a terra e morrendo (Filipenses 2: 5-8) a fim de fazer o que o primeiro Adão não fez!

Quando o homem peca, sua consciência o acusa, por isso ele procura eliminá-la. Ele não gosta de reter qualquer conhecimento sobre o Deus verdadeiro (Romanos 1: 28). Isso é um grande mal, pois destruir sua consciência é o mesmo que tentar destruir a Deus. Ela é Seu mensageiro.

O bem que o homem natural faz é relativo, pois ele faz isso para agradar a si próprio, ao invés de honrar a Deus. Ele faz o que é bom somente pelo fato de sua vontade coincidir com a vontade de Deus naquele ponto. Entretanto, o principio governante em sua alma não diz respeito a Deus, mas a si mesmo. A reputação diante dos homens, ou outras vantagens egoístas, é que motiva os homens. Sendo assim, aquilo que para nós parece ser obediência, muitas vezes não passa de desobediência aos olhos de Deus. Quando o homem traça o curso de sua vida sem considerar a Palavra e vontade de Deus sobre o assunto, ele age como seu próprio Deus. Ele prefere agradar a si mesmo ao invés de Deus. O ateísta prático, com efeito, se torna o seu próprio soberano.

E por último, o homem deseja ser um Deus para Deus. Ele deseja ser todo poderoso sobre o Todo Poderoso. Até onde Deus caminhe sob nossas regras, nós o reconheceremos. Estamos dispostos a deixar que Deus seja o nosso benfeitor, mas não o nosso governante. Queremos experimentar um Deus novo e aprimorado. Mas isso é uma fantasia que somente existe em nossa imaginação. Deus nos diz: “Estas coisas tens feito, e eu me calei; pensavas que era tal como tu, mas eu te argüirei, e as porei por ordem diante dos teus olhos: Ouvi pois isto, vós que vos esqueceis de Deus; para que eu vos não faça em pedaços, sem haver quem vos livre.” Vamos considerar algumas maneiras como o homem tenta reconstruir a Deus em sua imaginação.

Quando lutamos contra a santa lei de Deus e queremos estabelecer a nós mesmos como Deus. Na prática estamos dizendo: “Eu sei melhor do que Deus aquilo que é bom para mim.” Deus tem o direito de ditar leis para Suas criaturas. Mas nós queremos ditar leis para Deus a qualquer momento que entremos em desacordo com os Seus mandamentos.

Quando desaprovamos o seu governo neste mundo e queremos estabelecer a nós mesmos como Deus. É como se Deus tivesse a obrigação de nos prestar contas e, como se nós, e não Ele, é que fossemos os únicos realmente interessados nos problemas. Damos a nós mesmos o status de conselheiros e professores de Deus. Pensamos que Ele está errado, e nós é que estamos certos.

Quando somos impacientes durante as dificuldades e imaginamos que a nossa sabedoria, justiça, e momento de agir são melhores do que os do próprio Deus. Pensamos que somos superiores a Ele em matéria de providência.

Quando invejamos aos homens e traímos a Deus em nosso coração. Dizemos: “Deus não me consultou ao distribuir seus dons. Ele me deve isso ou aquilo.”

Quando oramos de maneira egoísta, exigindo de Deus aquilo que Ele não prometeu e nem determinou nos dar, evidenciando assim um grande pecado de orgulho. Orando como se determinássemos que Deus fosse rebaixado aos nossos termos.

Quando interpretamos de maneira apressada e descuidada a providência de Deus em algum julgamento específico, nos fixando em nossa própria vontade como uma lei ou um motivo para Deus agir. Por exemplo, em Lucas 13, Cristo fez uma advertência contra a forma precipitada de julgamento, pois alguns assumiram que os Galileus, mortos por Pilatos, eram mais pecadores do que os outros homens. Vamos ser cuidadosos na maneira como interpretamos as aflições que ocorrem com nossos inimigos.

Quando desrespeitamos o princípio regulador da adoração a Deus, introduzindo nossas próprias novidades, as quais somente agradam e atraem os homens, e praticamente lançam a Deus para fora do Seu trono.

Quando torcemos as Escrituras para ajustá-las as nossas preferências, ao invés de seguir a intenção da mente de Deus, nos colocando como uma autoridade superior ao próprio Deus.

Qualquer um que deixe de servir a Cristo, quando os problemas surgem, estão praticamente deificando a si mesmos. Facilidades pessoais e cobiça se tornam o seu Deus. Eles pensam que são melhores juízes do que Deus em tudo o que é verdadeiramente proveitoso.

Poderíamos acrescentar a esta lista a ingratidão, teimosia, e coisas semelhantes. Mas a suma disso tudo é esta: o ateísmo prático se torna um Deus para si mesmo.

II. O Homem Estabelece a Si Mesmo como Seu Próprio Fim e Felicidade, ao Invés de Deus.

Deus é digno da nossa mais alta estima. Nós deveríamos não somente depender como também nos regozijarmos em Deus. Mas por causa da nossa natureza caída, nós tentamos inverter tudo isso.

Quando o homem rebaixa a Deus, ele exalta a si mesmo. Nosso amor próprio, que é tão pecaminoso, exerce um papel mortal nisso. Precisamos entender que há três tipos de amor próprio, os quais podemos definir como natureza, pecado, e graça.

Primeiro, Deus implantou em cada individuo um amor próprio natural. A nossa auto-preservação instintiva evidencia este tipo de amor. Sem ele, não poderíamos ser realmente homens.

Segundo, o homem pecador possui um amor próprio carnal, que o leva a exaltar a si mesmo acima de Deus. Este amor próprio é distorcido, pois está cheio de amor próprio natural, que é pecaminoso.

Terceiro, num estado de graça, o homem passa a ter amor pelo interesse maior de sua alma. Honrar a Deus passa a ser o seu maior deleite. Os interesses terrenos e temporais tornam-se subservientes aos interesses de sua alma. O segundo tipo de amor próprio é o único envolvido no ateísmo prático. O pecado apela para nós com base na auto-satisfação. Vemos o pecado como algo bom para nós. Viver para o pecado é como viver para nós mesmos. Até mesmo na religião podemos ser motivados pelo amor próprio. Por exemplo, podemos entregar o nosso corpo para ser queimado como mártir, mas se fazemos com um afeto não santificado, então não tem valor algum (I Coríntios 13: 3).

De que maneira o homem faz de si mesmo o seu próprio fim?

- Ao aplaudir e abraçar a si mesmo, permanecendo em sua própria percepção de perfeição, ao invés de Deus.

- Ao atribuir glória e honra a si mesmo, levando o crédito por qualquer bem que faça, ou culpando a Deus por qualquer problema.

- Ao insistir em doutrinas que o agradam, e sustentando um falso profeta que o ensina.

- Ao demonstrar maior interesse pelas injúrias cometidas contra si mesmo do que por aquelas cometidas contra Deus.

- Ao confiar em si mesmo e em sua inteligência e sabedoria ao invés de buscar conhecer a opinião de Deus.

- Ao violar a consciência, que é um agente de Deus, a fim de agradar a si mesmo. É desta e de muitas outras maneiras que demonstramos se somos um ateísta prático.

Nós usurpamos a prerrogativa de Deus ao fazer de nós mesmos nosso próprio fim. Difamamos a Deus insinuando que Ele não seja digno do nosso amor assim como nós mesmos somos. Nós praticamente destruímos a Deus, tanto quanto possível, ao negar a Ele, a Sua vontade revelada, e a Sua honra em nossas vidas.

O Homem Estabelece Qualquer Coisa, Exceto a Deus no Lugar de Deus. Somente um ser irracional faria formal e abertamente tal coisa, porém, todo homem por natureza faz estas coisas virtual e implicitamente. Ao invés de cultivar a Deus em todos os seus pensamentos, ele o nega (Salmo 10: 4). Ele pensa muito menos em Deus do que na maioria das outras coisas. Ele não encontra prazer em Deus como sendo Deus. Ele enfática e ansiosamente busca os interesses mundanos. Ele é um adicto aos prazeres da carne e desdenha dos caminhos de Deus, os quais os anjos se deleitam, por causa da gratificação terrena. Ele louva os meios e os instrumentos ao invés da fonte de todas as suas bênçãos. Ele trata a Deus como um mero espectador em sua vida. Ele rebaixa a Deus ao colocar alguém ou algum pecado como o Deus de sua vida. Em tudo e em cada passo ele nega a Deus.

O homem faz de si mesmo o fim de todas as criaturas. Nós somos tão egoístas por natureza, que nos achamos dignos não somente de nossa suprema afeição, mas também da afeição de outros. Nós imaginamos que somos o fim para o qual tudo mais existe. Embora alguns tentem disfarçar isso, todo homem tem uma opinião muito elevada de si mesmo.

O homem faz de si mesmo o fim pelo qual Deus existe. Ele faz que até mesmo Deus seja sujeito ao homem. Como ele faz isso? Faz de maneiras muito sutis, como demonstram os exemplos a seguir.

O homem faz de Deus o seu fim, quando o ama somente por motivos egoístas, e quando Deus lhe garante algum benefício. Isso não passa de amor as bênçãos e não ao Doador.

O homem faz de Deus o seu fim, quando se abstém de certos pecados somente porque isso o ajudará a promover outros propósitos pecaminosos. Por exemplo, ele pode se abster do alcoolismo apenas porque isso preserva o seu corpo para si mesmo. Não é pelo temor a Deus, mas por algum interesse próprio que o ateísmo prático é motivado.

O homem faz de Deus o seu fim, quando cumpre deveres religiosos tão somente para ganhos de ordem pessoal. Os ateístas vestem uma máscara muito fina de religião! Se não houver nenhum proveito claro para si mesmo, ele deixa de cumprir qualquer dever. Se ele pode se virar sem Deus, ele faz isso com satisfação. Ele somente ora em tempos de aflição e necessidades pessoais. A oração normalmente é mais “fervorosa” quando é menos piedosa. O ateísta prático só quer que Deus carimbe as suas idéias pessoais. Ele fica impaciente quando Deus não responde as suas orações e nem segue a sua agenda pessoal.

O homem faz de Deus o seu fim, quando busca objetivos pessoais no cumprimento de seus deveres religiosos. Simão, o mágico, exerceria alegremente os dons milagrosos se por meio deles recebesse reconhecimento e honra dos homens (Atos 8). Aqueles que vêm a Cristo somente para escapar do inferno, não tendo nenhum desejo de santidade pessoal e a glória a Deus, são igualmente culpados neste sentido. Nós detestamos o pecado por que isso primeiramente nos prejudica, ou por que ofende a Deus? A motivação por detrás de toda a nossa obediência é questionada. Por exemplo, nós mantemos o culto familiar somente para reivindicar direitos? Em tudo nós devemos manter a avaliação de Deus em vista, buscando Sua honra e glória.

O homem faz de Deus o seu fim, quando faz uso de Deus somente como uma desculpa para o pecado. Os homens utilizam algumas passagens distorcidas das Escrituras como uma muleta para apoiar suas concupiscências. Por exemplo, usa de um pouco de vinho, por causa do teu estômago (I Timóteo 5: 23), é uma passagem muito citada pelos beberrões. Isso é tentar fazer Deus concordar com o pecado e demonstra um alto grau de ateísmo.

Nós vemos mais evidências do ateísmo prático naquele homem que sustém uma visão indigna sobre Deus.

Ele tenta reduzir Deus a um tamanho que seja manipulável. Este pequeno Deus pode ser satisfeito com uma pequena justiça, pequena santidade, e pequena obediência. As superstições não demoram a surgir. Os homens começam a tratar Deus como se fosse um bebê, bajulando e subornando sua pessoa. Então eles imaginam que as ameaças de Deus são vazias, servindo apenas para assustá-los. Tudo isso se trata apenas idolatria mental, que é uma doença muito comum no mundo inteiro. Se um quadro correto desse deus pudesse ser retratado, que monstro não iria aparecer na tela!

Tais pensamentos a respeito de Deus são depravados e difamadores. São piores do que a própria idolatria. Eles fazem com que Deus não passe de uma mera criatura, mais uma dentre as criaturas pecadoras. Eles são piores do que o ateísmo absoluto. O que é pior, negar a Sua existência ou negar a Sua perfeição?

A anulação natural de Deus demonstra o ateísmo prático deles. Eles abominam a Deus simplesmente porque Ele é santo, puro, e perfeito. O homem não tem interesse em imitar a santidade de Deus. O homem presta atenção a tudo, menos para o grande Deus. Ele não quer se comunicar com Deus. Quanto mais alto Deus clama, mas o homem se afasta.

Para que nos serve este estudo?

I. INFORMAÇÃO.

Deus excede em paciência e misericórdia. Ele continua a ser o doador da vida e do fôlego de Seus inimigos declarados, que constantemente o provocam. Ele poderia ter aniquilado todos eles há muito tempo, mas ainda os preserva. Ele até determinou salvar um grande número deles. Que Deus Maravilhoso!!

Deus é justificado ao exercer justiça contra os Seus inimigos. Somos culpados de traição espiritual e deveríamos ser destruídos. Por pecarmos contra um Deus infinito, nossa culpa é infinita, e merecemos um castigo infinito.

Nós precisamos de uma nova criatura em nosso interior para evitarmos o nosso ateísmo natural. Uma disposição perversa está instalada em nossa natureza. Não se trata de uma pequena ferida, mas uma doença que está nos corrompendo mais e mais. Precisamos de todo um novo princípio de vida em nosso interior. Só então poderemos amar a Deus supremamente.

Assim, vemos como é difícil a conversão do pecado, e subseqüentemente a mortificação do pecado. Na verdade isso é impossível aos homens. É fácil para um homem voltar os seus braços contra si mesmo e destruir seu próprio império? Uma conversão verdadeira é tão radical quanto dolorosa. Viver uma vida santa não é brincadeira de criança. Isso é contrário a tudo o que conhecemos e somos por natureza.

Aqui descobrimos a razão pela qual os homens persistem na incredulidade. O evangelho nos humilha completamente. No evangelho, Deus é tudo em todos. O homem naturalmente prefere a lei, a qual lhes diz o que devem fazer, ao invés do evangelho, que nos diz que Deus, em Cristo, fez absolutamente tudo. A verdadeira essência da fé requer que renunciemos a nós mesmos e olhemos para Cristo para a nossa justiça.

Observe os prazeres sensuais. Nós devemos praticar a autonegação e moderar o uso dos confortos terrenos. Nada é mais eficaz para extinguir nosso apetite por Deus do que a dependência dos prazeres mundanos. Cuidado com esta grande armadilha!

Cuidado para não cair no pecado da presunção. Em outras palavras, não peque contra o conhecimento, mas caminhe com toda a luz que você tenha. Quando você peca deliberadamente, sua alma se torna um campo fértil para o crescimento de uma vasta plantação de ateísmo prático.



Autor: Stephen Charnock 
Tradução: Eduardo Cadete 2011 
Fonte: Palavra Prudente

10:06
As Igrejas de Deus 
por
Arthur W. Pink
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"Pois vós, irmãos, vos tornastes imitadores das igrejas de Deus em Cristo
Jesus que estão na Judéia" (1 Tes. 2:14)

A ignorância que prevalece no Cristianismo agora em relação às Igrejas de Deus é profunda e mais geral que qualquer outro erro sobre qualquer outro tema das Escrituras. Muitos que são fortes em relação ao Evangelho e são corretamente ensinados sobre os grandes fundamentos da fé, estão equivocados em relação à Igreja. Há de se notar que a confusão que abunda diz mais respeito a palavra "Igreja". Há poucas palavras com tamanha variedade de sentidos. O homem comum entende por "igreja" um edifício no qual as pessoas se congregam para a adoração pública. Porém os que compreendem melhor, sabem que o termo se refere as pessoas que se congregam neste edifício.

Outros usam o termo em um sentido denominacional e chamam de a "Igreja Metodista" ou a "Igreja Presbiteriana". Também se emprega para chamar de instituições do Estado como a "Igreja da Inglaterra" ou a "Igreja da Escócia. Para os papistas, a palavra "igreja" é quase sinônimo da palavra "salvação", porque eles ensinam que todos os que estão fora da "Santa Igreja Mãe" estão eternamente perdidos.

Para muitos que são até mesmo povo de Deus, parece não interessar-lhes o que Deus pensa sobre o tema. É triste notar que homens devotos no Evangelho, que proclamam a Palavra de Deus, nos comentam que não se molestam em relação à doutrina da Igreja; que a salvação é um tema mais importante; e o estabelecimento dos Cristão nos fundamentos é tudo o que é necessário. Vemos que eles dão capítulo e versículo para cada declaração que fazem e enfatizam a autoridade da Palavra de Deus, porém cerram os olhos à seus ensinamentos sobre a Igreja.

Que constitui uma Igreja Neotestamentária !

Que haja multidões de supostos Cristãos que desdenham a importância desta questão em manifesto. Suas ações os demostram. Não se molestam em contestar a pergunta. Alguns estão contentes em ficar fora de qualquer Igreja terreal Outros se unem a alguma igreja por considerações sentimentais, porque seus pais ou seus parentes pertencem à ela. Todavia outros se unem a uma igreja por motivos mais baixos, por razões políticas ou de negócios. Porém isto não deve ser assim.

Se o leitor é um Anglicano, deve sê-lo porque está convencido de que sua igreja é a mais bíblica. Se é presbiteriano, deve sê-lo pela convicção de que sua igreja está mais de acordo com a Palavra de Deus. E assim também se és Batista, ou Metodista, etc.

Há muitos outros que não guardam nenhuma esperança de poder contestar satisfatoriamente a pergunta: O que é uma Igreja Neotestamentária ! A confusão que causam no Cristianismo, as numerosas seitas e denominações, que diferem amplamente na doutrina e na constituição da igreja e na sua idéia sobre o governo, tem desanimado a muitos. Não dispõe de tempo necessário para examinar as declarações de muitas denominações. Muitos Cristãos são pessoas muito ocupadas, que trabalham muito para ganhar a vida, e não tem o tempo necessário para investigar adequadamente os méritos escriturísticos dos diferentes sistemas eclesiásticos. Consequentemente deixam de um lado a questão, porque a vem demasiadamente difícil e complexa para poder chegar a uma conclusão satisfatória e conclusiva. Porém não, a solução não deve ser assim. Em vez de que estas diferenças de opiniões nos deixem perplexos, devem estimular-nos a chegar a compreender a mente de Deus em relação ao assunto. Se Ele nos diz que devemos "comprar a verdade", o que implica que o esforço e o sacrifício são necessários, somos convidados a "provar todas as coisas".

Agora, é óbvio a todos que deve haver uma maneira mais excelente do que examinar os credos e os artigos de fé de todas as demais denominações. O único método satisfatório para descobrir a resposta divina à pergunta é voltarmos para o próprio Novo Testamento e estudar seus ensinamentos relacionados à "Igreja"; não os pontos de vista de algum homem piedoso; não aceitando o credo de uma Igreja a qual pertencem os meus pais; mas sim provando todas as coisas por si mesma. O povo de Deus não tem nenhum direito de organizar uma igreja sobre fundamentos que não são os que  governaram as Igrejas no tempo do Novo Testamento. Uma instituição cujos ensinamentos ou governo são contrários aos Novo Testamento sem dúvida não é uma igreja neotestamentária.

Agora, se Deus tem considerado de suma importância colocar entre as páginas de inspiração, o que é uma igreja  neotestamentária, então deve ser importante para cada homem ou mulher estudar o que está escrito, e submetermos a sua autoridade e conformarmos à sua conduta. Assim que apelo ao Novo Testamento unicamente e busco a resposta a nossa pergunta.

1. Uma Igreja Neotestamentária é um corpo local de crentes. Muita confusão tem sido o resultado de se utilizar adjetivos que não se encontram no Novo Testamento. Se fossemos perguntar a alguns Cristãos: a que igreja você pertence ? Contestariam: a grande igreja invisível de Cristo - uma igreja
que é intangível e invisível. Quantos repetem o Credo dos Apóstolos, "Creio na santa igreja católica !, que certamente não era parte alguma no credo que os apóstolos mantiveram. Outros falam de uma "igreja militante" e de uma  igreja triunfante", porém nenhum destes termos se encontram nas Escrituras, e os empregarmos somente cria dificuldade e confusão. No momento que deixamos de reter "o modelo das sãs palavras" (2 Timóteo 2:13) e usamos termos não-escriturísticos, somente nos confundimos ainda mais. Não podemos melhorar as Sagradas Escrituras. Não há necessidade de inventar mais temos, fazê-lo é criticar o vocabulário do Espírito Santo. Quando alguns falam de uma igreja universal de Cristo, empregam um termo anti-escriturístico. O que querem dizer é "a família de Deus". Esta última expressão inclui toda a companhia dos eleitos, porém a palavra "Igreja" não tem o mesmo sentido.

O tipo de Igreja que é enfatizado no Novo Testamento, não é nem invisível nem universal, mas visível e local. A palavra para "igreja" é ekklesia e os que conhecem a língua grega estão de acordo que significa uma assembléia.

Uma assembléia é uma companhia de gente que se reúne atualmente. Se nunca se reúnem, então isso seria um mal uso da linguagem dizer que são uma assembléia. Por isso, como todo o povo de Deus nunca tem estado em uma assembléia, juntos, não há uma Igreja ou assembléia universal. Essa igreja é
todavia futura porque ainda não tem uma existência corporal.

Para provar o que se disse acima, vamos examinar as passagens onde o termo foi usado pelo nosso próprio Senhor durante os dias de sua carne. Somente duas vezes nos quatro Evangelhos encontramos a Cristo falando de sua “Igreja” . A primeira está em Mateus 16:18, onde disse Jesus a Pedro "Sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela". A que tipo de Igreja se referia o Salvador ! A grande maioria dos Cristãos pensam que foi a grande Igreja invisível, mística e universal, que inclui todos os redimidos. Porém certamente estão equivocados. Se isto houvesse sido o sentido da palavras, necessariamente haveria dito "Sobre esta pedra estou construindo minha Igreja". Porém disse "construirei", tempo futuro. O que demonstra que quando falou estas palavras, a Igreja não tinha existência, salvo no propósito de Deus. A igreja à qual Cristo se refere em Mateus 16:18 não podia ser universal, isto é, uma igreja que inclui todos os santos de Deus, porque o tempo do verbo que emprega manifestamente exclui os santos do Antigo Testamento. Além disso, nosso Senhor não se referia à Igreja na glória, porque essa Igreja já não estará sob o perigo das portas
do inferno. Sua declaração que "as portas do inferno não prevalecerão contra ela" sem dúvida esclarece que se refere a Sua Igreja sobre a terra, uma Igreja visível e universal.

O único outro exemplo de nosso Senhor falando da Igreja quando esteve na terra, se encontra em Mateus 18:17 : "Se recusar ouvi-los, dize-o à igreja; e, se também recusar ouvir a igreja, considera-o como gentio e publicano".

Agora, o único tipo de Igreja a qual um irmão pode falar de seus problemas é um Igreja visível e local. Isto é tão óbvio que não há necessidade de falar mais deste ponto. No último livro do Novo Testamento, encontramos o nosso Senhor usando o termo outra vez. Primeiro em 1:11 disse a João "Escreve em um livro o que vês, e enviá-lo às sete igrejas que estão na Ásia". Outra vez, é claro que o
Senhor fala de igrejas locais. Depois disto, o Senhor usa a palavra 19 vezes no Apocalipse e em cada passagem a referência foi à Igrejas locais. Sete vezes repete "O que tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz as igrejas", não disse "ouça o que o Espírito diz à Igreja" - o que haveria dito se a opinião popular fosse a correta.

A última referência no Apocalipse está em Apocalipse 22:16: "Eu, Jesus, enviei o meu anjo para vos testificar estas coisas a favor das igrejas. Eu sou a raiz e a geração de Davi, a resplandecente estrela da manhã". A razão disto é que a Igreja de Cristo ainda não tem nenhuma existência tangível e incorporada, seja na glória ou sobre a terra; tudo o que tem agora são suas Igrejas locais.

Uma prova adicional de que o tipo de Igreja que é enfatizado no Novo Testamento é local e visível, está em outros passagens da Escritura. Lemos da "igreja que estava em Jerusalém" (Atos 8:1), "a igreja que estava em Antioquia" (Atos 13:1); "a igreja de Deus que está em Corinto" (1 Coríntios 1:2) - tomem nota de que ainda que esta Igreja tinha vínculos com as demais Igrejas, se distingue de "todos os que em todo lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo" (1 Coríntios 1:2). Outra vez lemos de Igrejas, plural no número. "Assim as igrejas em toda a Judéia, Galiléia e Samária, tinham paz..." (Atos 9:31); "...As igrejas de Cristo vos saúdam" (Romanos 16:16); "..as igrejas da Galácia" (Gálatas 1:2). Assim que se pode ver que a idéia proeminente e dominante no Novo Testamento, foi de Igrejas locais e visíveis

2. Uma Igreja Neotestamentária é um corpo local de crentes batizados. Por crentes batizados" quero dizer Cristão que tenha sido submergidos em água.

Em todo o Novo Testamento, não há nem um só caso de alguém que chegara a ser membro de uma igreja de Jesus Cristo sem ser primeiro batizado; há muitos casos, muitas indicações e provas de que todos os que pertenciam às igrejas nos dias dos apóstolos eram Cristãos batizados.

Vamos ver primeiro a última parte de Atos 2:47: "E cada dia acrescentava-lhes o Senhor os que iam sendo salvos". Notem que o versículo não diz que "Deus" ou "o Espírito Santo" ou "Cristo" mas "o Senhor" acrescentava. A razão é esta: "o Senhor" leva a idéia de autoridade e os que Ele acrescentava à igreja haviam se submetido ao Seu senhorio. E a maneira pela qual haviam submetido a Ele está nos versículos 41-42: "De sorte que foram batizados os que receberam a sua palavra; e naquele dia  agregaram-se quase três mil almas; e perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão no partir do pão e nas orações". Assim que durante os dias mais primitivos desta dispensação, o Senhor  acrescentava à Sua igreja pessoas que estavam batizadas.

Vejam a primeira das epístolas. Romanos 12:4-5 demonstra que os santos em Roma formavam uma igreja local. Agora regressemos a Romanos 6:4-5 onde encontramos o apóstolo dizendo aos membros de Roma (e deles): "Fomos, pois, sepultados com ele pelo batismo na morte, para que, como Cristo foi
ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida. Porque, se temos sido unidos a ele na semelhança da sua morte, certamente também o seremos na semelhança da sua ressurreição". Assim que os membros da igreja local em Roma eram cristãos batizados.

Agora considerem a igreja em Corinto. Em Atos 18:8 lemos: "e muitos dos coríntios, ouvindo, criam e eram batizados". Outra prova de que os santos de Corinto foram batizados se acha em 1 Coríntios  1:13-14; 10:2,6. E 1 Coríntios 12:13 traduzido corretamente (espero comentar sobre esta passagem em outro artigo mais adiante) expressamente afirma que a entrada à assembléia local é pelo batismo nas águas.

E antes de passar a outro ponto, permita-me dizer que um igreja composta de crentes batizados é óbvia e necessariamente uma igreja batista - de que mais a vamos chamar ! Este é o nome que Deus deu ao primeiro homem que chamou e comissionou para batizar. O nomeou "João Batista". E por isso os verdadeiros batistas não devem ter vergonha do nome que levam. Se alguém perguntar: por que não chamou o Espírito Santo de a "igreja batista em Corinto"? ou, "das igrejas batistas na Galácia"?  Contestamos, por esta razão: não havia, nesse tempo, necessidade de assinalar distinções utilizando este adjetivo. Não havia outros tipos de igrejas nos dias dos apóstolos, além de igrejas batistas. Todas eram Igrejas Batistas; isto é, todas estavam compostas de crentes batizados de acordo com as Escrituras. São os homens que tem inventado outras "igrejas" e nomes para as igrejas agora em existência.

3. Uma Igreja Neotestamentária é um corpo local de crentes batizados que formam uma organização. Uma assembléia é uma companhia de pessoas que se reúnem juntos em uma organização, de outro modo não haveria nada para distinguir-lhes de uma multidão qualquer. Prova clara disto se acha em  Atos 19:39: "E se demandais alguma outra coisa, averiguar-se-á em legítima assembléia". Estas palavras foram pronunciadas pelo escrivão do povo à multidão que quebrantava a paz. E havendo "apaziguado a multidão" e havendo afirmado que os apóstolos não eram nem ladrões de igrejas ou  blasfemadores da deusa do povo, lhes recordou a Demétrio e seus seguidores que "os tribunais estão abertos e há procônsules"; e lhes convida a acusar-se uns aos outros.

A palavra grega para "assembléia" nesta passagem é ekklesia e a referência foi à corte jurídica Romana, isto é, uma organização governada por leis.

Também as figuras usadas pelo Espírito Santo em relação com a "igreja" são pertinentes unicamente a uma organização local. Em Romanos 12 e em 1 Coríntios 12 Ele emprega o "corpo" humano como uma analogia ou ilustração.

Este exemplo não é próprio para representar uma igreja "invisível" ou  “universal" cujos membros estão esparzidos por toda a terra. Não é necessário recordar ao leitor que não há organização mais  perfeita na terra que o corpo humano, cada membro em seu lugar apropriado, cada um cumprindo seu  dever e função. Em 1 Timóteo 3:15 a igreja é chamada "a casa de Deus". Esta "casa" fala de  organização, cada habitante tendo sua própria recâmara, os móveis em seu lugar, etc.

Outra prova de que uma "igreja" neotestamentária é uma companhia local de crentes batizados, em uma relação organizada, se acha em Atos 7:38, onde o Espírito Santo aplica o termo ekklesia aos  filhos de Israel - "na congregação (igreja) no deserto". Agora bem, os filhos de Israel no deserto eram  uma assembléia organizada, redimida e batizada. Será que alguém se surpreenda que foram batizados? Porém a Palavra de Deus é mui explícita neste ponto: "Pois não quero, irmãos, que ignoreis que nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem, e todos passaram pelo mar; e, na nuvem e no mar, todos  foram batizados em Moisés" (1 Coríntios 10:1-2). Também estavam organizados; tinham seus "príncipes" (Números 7:2) e seus "sacerdotes", “anciões" (Êxodo 24:1) e seus "oficiais" (Deuteronômio). Assim pois podemos ver que foi correto aplicar o termo ekklesia a Israel no deserto. E podemos descobrir como sua aplicação a Israel nos ajudar a definir seu sentido exato.

Vemos que uma igreja neotestamentária tem seus "oficiais", seus "anciões" (que é o mesmo que "bispos"), "diáconos" (Timóteo 3:11,12), "tesoureiro" (João 12:6; 2 Coríntios 8:19), e "escrivão" - a enumeração dos membros (Atos 1:15) claramente implica um registro.

4. Uma Igreja Neotestamentária é um corpo local de crentes batizados em uma organização pública e corporalmente adorando a Deus pela maneiras que Ele estabeleceu. Seria necessário citar uma boa  parte do Novo Testamento, para amplificarmos sobre este tema. Melhor é que o leitor leia com  cuidado o livro dos Atos e as epístolas, com uma mente aberta, e encontrará abundante confirmação do tema. Porém somente permita-me dizer em resumo: Primeiro, para manter "a doutrina dos apóstolos" e o companheirismo (Atos 2:42).

Segundo, para preservar e perpetuar o batismo escriturístico e a ceia do Senhor: "as instruções tal como" Paulo as entregou à Igreja (1 Coríntios 11:2).

Terceiro, para manter a disciplina santa: Atos 13:17; 1 Timóteo 5:20-21, etc.

Quarto, para ir a todo o mundo e pregar o Evangelho a toda criatura (Marcos 16:15).

5. Uma Igreja Neotestamentária é independente de tudo, menos de Deus. Cada igreja local é completamente independente de todas as demais. Uma igreja em uma cidade não tem autoridade sobre outra igreja em outra cidade. Nem tampouco pode um grupo de igrejas locais eleger um "comitê", "presbitério" ou "papa" para assenhorar-se sobre os membros daquelas igrejas. Cada igreja tem seu próprio governo, conforme 1 Coríntios 16:3; 2 Coríntios 8:19. Por “governo" quero dizer que sua obra é administrativa e não legislativa.

Uma igreja neotestamentária deve fazer todas as coisas decentemente e em ordem (1 Coríntios 14:40), e sua única regra para ordenar as coisas, é a Sagrada Escritura. Seu único modelo, sua corte de apelação, é a Bíblia e nada mais que a Bíblia, pela qual todas as questões de fé, doutrina, e a vida Cristã são determinadas. Sua única cabeça é Cristo: Ele é seu Legislador, Fonte e Senhor.

A Igreja local deve ser governada pelo que o Espírito disse às igrejas. Por isso logicamente está  separada do Estado e deve recusar o sustento econômico do Estado. Ainda que seus membros são instruídos a submeterem-se "às autoridades superiores" (Romanos 13:1), não devem permitir que o  Estado lhes dite nos assuntos da fé ou da prática.

A administração do governo de uma igreja neotestamentária reside em sua própria membresia e não em um corpo especial de homens, seja dentro ou fora da igreja. Uma maioria de seus membros decidem as ações da igreja. Isto se vê claramente em 2 Coríntios 2:6: "Basta a esse tal (a pessoa  disciplinada) esta repreensão feita por muitos". As últimas duas palavras "por muitos" é tradução de hupo ton pleionon. Pleionon é um adjetivo e literalmente significa pela maioria e é traduzido assim pelo Dr. Charles Hodge, um dos melhores e competentes conhecedores do Grego.

Em resumo: a menos que haja uma companhia de pessoas regeneradas, batizadas de acordo com as Escrituras, organizadas segundo o Novo Testamento, adorando a Deus segundo suas instruções, tendo companheirismo com a doutrina dos apóstolos, mantendo as ordenanças, preservando a disciplina estrita, ativa na evangelização, então não há uma igreja neotestamentária, chame o que se chame.

Porém se uma igreja possui estas características, é então a única instituição em toda terra ordenada, construída e aprovada pelo Senhor Jesus Cristo. Assim que o escritor considera seu maior privilégio, depois de ser salvo, pertencer a uma de Suas igrejas. Que a graça divina me ajude a andar dignamente como membro de Sua Igreja!


As Igrejas de Deus
Arthur W. Pink
(1927)
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Traduzido por: Felipe Sabino de Araújo Neto
Fonte: www.monergismo.com

Reforma Radical

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