Arrependimento para Vida - C.H.Spurgeon

23:50
Sermão pregado na manhã de Domingo de 23 de Setembro de 1855
Por Charles Haddon Spurgeon
Na Capela de New Park Street, Soutwhark, Londres.

“E, ouvindo estas coisas, apaziguaram-se, e glorificaram a Deus, dizendo: Na verdade até aos gentios deu Deus o arrependimento para a vida.” Atos 11:18 

Um dos maiores obstáculos que a religião cristã tenha alguma vez tido que suportar, foi o preconceito inveterado que se apoderou das mentes de seus primeiros seguidores. Os crentes judeus, os doze apóstolos e aqueles que Jesus Cristo havia chamado de entre os dispersos de Israel, estavam tão apegados à ideia de que a salvação era dos judeus, e que ninguém a não ser os discípulos de Abraão, ou, pelo menos, os circuncidados, podiam ser salvos, que não podiam aceitar a ideia de que Jesus tivesse vindo para ser o Salvador de todas as nações, e que Nele seriam benditos todos os povos da terra.

Com muita dificuldade podiam aceitar essa suposição; era tão oposta a toda sua educação judia, que os vemos convocando a Pedro para um concílio de cristãos, e perguntaram-lhe: “Por que entraste em casa de homens incircuncisos, e comeu com eles?” E Pedro não pode exonerar-se a si mesmo até não ter se referido plenamente ao assunto, e ter declarado que Deus lhe apareceu em uma visão, dizendo-lhe: “O que Deus purificou, não chame de incomum,” e que o Senhor lhe ordenou pregar o Evangelho a Cornélio e a sua casa, já que eram crentes.

Depois disso o poder da graça foi tão enorme, que esses judeus não puderam resistir-lhe mais; e mesmo que pese toda sua educação prévia, de imediato assumiram o principio compreensivo do cristianismo: “e glorificaram a Deus, dizendo: Na verdade até aos gentios deu Deus o arrependimento para a vida.”

Bendigamos a Deus porque agora estamos livres dos impedimentos do judaísmo, e porque tampouco estamos sob os impedimentos de um gentilismo, que por sua vez, excluiu aos judeus; mas que vivemos muito próximos do bem aventurando tempo que se aproxima, quando judeu e gentio, escravo ou livre, se sentirão um em Jesus Cristo, nossa Cabeça.

Não me proponho abundar sobre esse tópico, mas sim que meu tema no dia de hoje será: “O arrependimento para vida.” Peço graça a Deus para falar-lhes de tal maneira que Sua palavra seja como uma espada cortante “Que penetra até dividir alma e espírito, juntas e medulas”

Por “arrependimento para vida”, creio que devemos entender aquele arrependimento que vai acompanhado de vida espiritual na alma, e que assegura a vida eterna a todo aquele que o possui. “O arrependimento para vida,” afirmo, traz consigo vida espiritual, ou melhor, é a primeira consequência procedente dessa vida.

Existem arrependimentos que não são sinais de vida – exceto de vida natural – porque só são efetuados pelo poder da consciência e a voz da natureza que fala nos homens; porem, o arrependimento de que se fala aqui, é produzido pelo Autor da vida, e quando vem, gera tal vida na alma que aqueles que estavam “mortos em delitos e pecados,” são revividos conjuntamente com Cristo; aqueles que não tinham receptividade espiritual, agora “recebem com mansidão a palavra implantada”; aqueles que “cochilavam no próprio centro da corrupção,” recebem o poder de se converterem em filhos de Deus, e de estar próximos de Seu trono.

Eu creio que esse é o “arrependimento para vida”: aquele arrependimento que dá vida a um espírito morto. Eu também disse que esse arrependimento assegura a vida eterna; pois existem arrependimentos dos quais os homem ouvem falar, que não asseguram a salvação da alma.

Alguns pregadores afirmam que ainda que os homens podem se arrepender e crer, também podem apostatar e perecer. Não pretendemos consumir nosso tempo fazendo uma consideração para expor seu erro agora; frequentemente consideramos isso antes, e temos refutado tudo o que poderiam dizer em defesa de seu dogma. Pensemos em um arrependimento infinitamente melhor.

O arrependimento de nosso texto não é esse arrependimento, mas sim, que é um “arrependimento para vida”; um arrependimento que é um verdadeiro sinal de salvação eterna em Cristo; um arrependimento que nos preserva em Jesus através desse estado temporal, e que quando tenhamos passado à eternidade, nos proporciona uma bem-aventurança que não pode ser destruída.

“Arrependimento para vida” é a salvação real da alma, é o germe que contêm todos os elementos essenciais da salvação, que os guarda para nós, e que nos prepara para eles.

Nesse dia temos de prestar uma atenção, acompanhada de oração, ao “arrependimento” que é “para vida”. Primeiro, irei dedicar alguns minutos na consideração do arrependimento falso; em segundo lugar, irei considerar os sinais que caracterizam o verdadeiro arrependimento, e posteriormente, enaltecerei a caridade divina, do qual está escrito: “De maneira que também aos gentios, Deus deu arrependimento para vida.”

I. Primeiro, então, consideraremos certos FALSOS ARREPENDIMENTOS. Irei começar fazendo essa observação: que espantar-se sob o som do Evangelho não é “arrependimento”. Existem muitas pessoas que quando escutam um fiel sermão evangélico, permanecem agitadas e comovidas. Mediante certo poder que acompanha à Palavra, Deus dá testemunho de que se trata de Sua própria Palavra, e provoca naqueles que a escutam certo tremor involuntário.



Eu já vi algumas pessoas – quando as verdades da Escritura ressoaram desde esse púlpito – cujos joelhos tremeram chocando entre si, cujos olhos derramaram lágrimas como se fossem fontes de água. Fui testemunha da profunda depressão de seu espírito, quando – segundo me disseram alguns deles – foram sacudidos até o ponto de não saber como suportar o som da voz, pois era semelhante à terrível trombeta do Sinai, trovejando unicamente sua destruição.

Queridos leitores, vocês poderiam estar sumamente perturbados sob a pregação do Evangelho, e, no entanto, poderiam não ter esse “arrependimento para vida”. Vocês poderiam saber o que é estar muito seria e profundamente afetados quando vão à casa de Deus e, no entanto, poderiam ser pecadores endurecidos.

Permitam-me confirmar essa observação mediante um exemplo: Paulo compareceu diante de Félix com suas mãos encadeadas, e quando dissertava sobre “a justiça, o domínio próprio e do juízo vindouro”, está escrito que “Felix se atemorizou”, e, no entanto, por buscar retarda a repreensão, Felix se encontra na perdição, em meio do resto de pessoas que disseram: “prossegue seu caminho por essa vez; quando encontre um tempo adequado o buscarei”.

Existem muitas pessoas que não podem assistir à casa de Deus sem se alarmarem; vocês sabem o que é estar espantados diante do pensamento de que Deus os castigará; pode ser que com frequência tenham sido induzidos a uma emoção sincera sob a influência do ministro de Deus; porem, permitam-me dizer-lhes que, apesar de tudo, poderiam ser rejeitados, porque não se arrependeram de seus pecados e não se converteram a Deus.

Pior ainda. É muito possível que não somente se espantem diante a Palavra de Deis, mas sim que poderiam se convertem em Agripas amigáveis, e estar “por poucos persuadidos” a voltarem-se a Jesus Cristo e , no entanto, não ter nenhum “arrependimento”. Poderiam ia mais alem e chegar a desejar o Evangelho, poderiam dizer: “oh, esse Evangelho é algo tão bom, que eu queria recebê-lo. Assegura tanta felicidade aqui e tanto gozo no além mais, que queria poder chamá-lo de meu”. Oh, é bom ouvir essa maneira essa voz de Deus! Porem, poderiam ficar tranquilos e, enquanto algum texto poderoso é pregado adequadamente, poderiam dizer a si mesmos “creio que é verdade”; mas tem que entrar no coração antes de que possam se arrepender. Podem inclusive cair de joelhos em oração e podem pedir com lábios aterrados que isso seja de benção para sua alma; e depois de tudo, poderia ser que não fora um filho de Deus. Poderia dizer como Agripa disse para Paulo: “Por pouco me persuades a ser cristão”; no entanto, igual que Agripa, poderia não passar mais além de “por pouco”. Agripa estava “quase persuadido a ser cristão”, mas não “plenamente convencido”.

Agora, quantos de vocês estiveram “por pouco persuadidos” e, no entanto, não estão realmente no caminho à vida eterna. Que frequente a convicção os conduziu a cair de joelhos e “por pouco” se arrependeram, mas permaneceram ai, sem se arrependerem realmente.

Vocês vêem aquele cadáver? Morreu recentemente. Ainda não assumiu a branquidão mortal, sua cor se assemelha ainda a da vida. Sua mão está mole ainda; poderia pensar que está vivo, e quase parece respirar. Tudo está integro: o verme escassamente o tocou; a decomposição escassamente se apresentou; não há nenhum cheiro fétido. No entanto, a vida se foi; não existe nenhuma vida ali.

O mesmo sucede com vocês: por pouco estão vivos; por pouco possuem cada órgão externo da religião que o cristão possui; mas não possuem vida. Poderiam ter um arrependimento, mas não o arrependimento sincero. Oh hipócrita! Advirto-lhe no dia de hoje, que não somente poderia sentir espanto, mas sim até uma complacência pela Palavra de Deus e, no entanto, depois de tudo, não ter “arrependimento para a vida”. Todavia poderiam se afundar no poço do abismo, e escutar que se diga “Apartai-vos de mim, malditos, ao fogo eterno preparado para o diabo e seus anjos”.

Porem, ainda, é ainda possível que os homens progridam mais alem disso, e que positivamente se humilhem sob a mão de Deus, mas que sejam completos estranhos ao arrependimento. Sua bondade não é como a nuvem da manhã e o orvalho recente que desvanece, mas que depois que escutam o sermão, regressam para casa e realizam o que eles concebem que é a obra do arrependimento, quer dizer, renunciam a certos vícios e necessidades, se vestem de saco e suas lágrimas se derramam muito abundantes por conta do que fizeram; se lamentam diante de Deus; no entanto, com tudo isso, seu arrependimento não é senão um arrependimento passageiro, e voltam outra vez para seus pecados.

Vocês negam que exista tal penitência?Permitam-me contar-lhes um caso. Certo homem chamado Acabe cobiçava a vinha de seu vizinho Nabote, que se recusava a vendê-la a qualquer preço nem fazer um escambo. Acabe consultou sua esposa Jezabel, que montou o plano de matar a Nabote para que o rei se apropriasse da vinda. Depois que Nabote morreu, e Acabe tomou posse da vinha, o sevo do Senhor se reuniu com Acabe e lhe disse: “Não mataste, e também despojaste? Assim disse Jeová: no mesmo lugar onde os cães lamberam o sangue de Nabote, os cães também lamberão seu sangue, seu próprio sangue; eis aqui que trago mal sobre ti, e varrerei sua posteridade.” Lemos que Acabe se foi e andou humilhado; e o Senhor disse: “Pois, porquanto se humilhou diante de Mim, não trarei o mal em seus dias.”

O Senhor havia concedido uma sorte de misericórdia; porem, lemos em continuação, no seguinte capitulo, que Acabe se rebelou, e em uma batalha em Ramote de Gileade, de conformidade ao servo do Senhor, Acabe foi morto, assim que “os cães lamberam seu sangue” exatamente na vinha de Nabote.

Vocês também, lhes digo, poderiam andar humilhados diante de Deus por um tempo e, no entanto, poderiam seguir sendo os escravos de suas transgressões. Vocês têm medo da condenação, mas não têm medo de pecado; possuem medo do inferno, mas não temem suas iniquidades; têm medo de ser lançados ao poço, mas não temem endurecer seus corações contra Seus mandamentos.

Não é verdade, oh pecador, que tem pavor ao inferno? Não é o estado de sua alma que lhe turba, mas sim o inferno. Se o inferno fosse extinto, seu arrependimento se extinguiria; se os terrores que lhe esperam fossem eliminados, pecaria mais perfidamente do que antes, e sua alma se endureceria e se rebelaria contra seu soberano.

Não se enganem, meus irmãos, nesse ponto; examinem-se para comprovar que andam em fé; se perguntem se possuem o “arrependimento para vida”, pois poderiam andar humilhados por um tempo e, no entanto, não se arrependeram jamais diante de Deus.

Muitos avançam mais que disso e, no entanto, estão destituídos da graça. Poderia ser possível ser confesse seus pecados sem se arrepender deles. Você poderia se aproximar a Deus, e dizer-lhe que é um miserável. Poderia enumerar uma longa lista de suas transgressões e dos pecadores que cometeu, sem nenhum sentido da sua horripilante culpa, sem uma fagulha de ódio real para com suas ações.

Poderia confessar e reconhecer suas transgressões e, no entanto, não sentir um aborrecimento do pecado; e se não resiste ao pecado, na força de Deus, se não o abandona, esse suposto arrependimento não seria nada senão a cor dourada que lustra uma pintura decorativa; não se trata da graça que realmente transforma em ouro que suporta o fogo. Digo que poderiam chegar a confessar suas faltas e, no entanto, não ter arrependimento.

Ademais, e então terei tocado o mais longínquo pensamento que darei sobre esse ponto, poderiam fazer alguma obra digna do arrependimento e, no entanto, ser impenitentes. Deixem-me dar-lhes uma prova disso em um ato autenticado pela inspiração.

Judas traiu seu Senhor, e depois de tê-lo feito, um pesadíssimo sentido do enorme mal que tinha cometido se apoderou dele. Sua culpa enterrou toda esperança de arrependimento, e no abatimento da desesperação, mas não na dor da verdadeira compunção, confessou seu pecado aos sumo sacerdotes, clamando: “pequei entregando sangue inocente.” Eles lhe disseram: “Que nos importa isso? Isso é contigo”. Então, lançou as peças de prata no templo, para mostrar que não podia suportar carregar com o preço da culpa; e as deixou ai. Saiu e, foi salvo? Não, “Saiu e foi, e se enforcou.”

E ainda então a vingança de Deus se seguiu; pois, quando se pendurou, caiu desde a altura onde estava pendurado, e caiu destroçado; se perdeu e sua alma pereceu. Podem ver o que esse homem fez. Ele pecou, confessou seu erro, e devolveu o ouro; no entanto, depois disso, foi um réprobo. Acaso isso não nos coloca a tremer? Podem ver que possível é ser tão aproximadamente ser um remedo de cristão, que a própria sabedoria, se somente fosse mortal, seria enganada.

II. Agora, tendo-lhes advertido assim que existem muitas falsas classes de arrependimento, tenho o propósito de ocupar um curto tempo fazendo algumas observações sobre O VERDADEIRO ARREPENDIMENTO, e os sinais mediante os quais poderemos discernir se contamos com esse “arrependimento” que é “para vida”.

Antes de tudo, me permitam corrigir um ou dois erros que aqueles que estão vindo a Jesus Cristo comentem com frequência. Um é que crêem muitas vezes que deveriam experimentar profundas, horríveis e pavorosas manifestações dos terrores da lei e do inferno antes que se possa dizer que se arrependeram.

Com quantas pessoas conversei que me disseram o que somente posso traduzir em inglês a vocês, nessa manhã, mais ou menos dessa forma: “não me arrependo o suficiente, não me sinto suficientemente pecador. Não fui um transgressor tão indesculpável e perverso como muitos outros; eu quase quisera tê-lo sido; não porque ame ao pecado, mas devido a que então teria convicções mais profundas de minha culpa, e me sentiria mais seguro de ter vindo verdadeiramente a Jesus Cristo.”

Agora, seria um grave erro imaginar que esses pensamentos terríveis e horríveis de um juízo vindouro tenham algo que ver com a validade do “arrependimento”. Com frequência não são o dom de Deus para nada, mas sim as insinuações do diabo; e inclusive ai onde a lei obra e produz esses pensamentos, não deveriam considerá-los como constituintes de uma parte e uma porção do “arrependimento”. Não entram na essência do arrependimento.

O arrependimento é um ódio ao pecado; consiste em apartar-se do pecado e em uma determinação, na força de Deus, de abandoná-lo. É possível que um homem se arrependa sem uma exibição horrível dos terrores da lei; poderia se arrepender sem ter escutado as buzinas da trombeta do Sinai, sem ter escutado algo mais que um distante ressoar de seu trovão.

Um homem pode se arrepender inteiramente por meio da voz da misericórdia. Deus abre alguns corações à fé, como no caso de Lidia. A outros, acomete com o grosso martelo da ira vindoura; a alguns, abre com a picareta da graça, e a outros com a alavanca de ferro da lei.

Pode ser que existam muitas formas de chegar ali, mas a pergunta é, tem chegado ai? Se acha ai? Sucede com frequência que o Senhor não está na tempestade nem no terremoto, mas sim no “sopro aprazível e suave.”

Existe outro erro que muitas pobres pessoas comentem quando estão pensando na salvação, e é: que não podem se arrepender o suficiente: imaginam que se elas se arrependessem até certo grau, seriam salvas. “oh senhor” – dirão alguns de vocês– “não tenho contrição suficiente”.

Amados, permitam-me dizer-lhes que não existe nenhum grau eminente de “arrependimento” que seja necessário para a salvação. Vocês sabem que há graus de fé e, no entanto, a mínima fé salva; também, existem graus de arrependimento, e o mínimo arrependimento, se é sincero, salvará a alma.

A Bíblia diz: “O que crer será salvo”; e quando diz isso, inclui o menor grau de fé. Também, quando diz: “Arrependei-vos e convertei-vos para que vossos pecados sejam apagados,” inclui ao homem que tem o mais baixo grau nível de arrependimento real.

O arrependimento, ademais, jamais é perfeito em nenhum homem nesse estado mortal. Nunca alcançaremos a fé perfeita que esteja inteiramente livre de dúvidas; e nunca alcançaremos o arrependimento que seja livre de alguma dureza de coração. O mais sincero penitente que conheçam se sentirá parcialmente impenitente.

O arrependimento também é um ato continuo durante a vida inteira. Crescerá continuamente. Eu creio que um cristão em seu leito de morte se arrependerá mais amargamente do que jamais fez. Arrepender-se é algo que se fará durante toda a vida. Pecar e arrepender-se, pecar e arrepender-se, resume a vida de um cristão. Arrepender-se e crer em Jesus, arrepender-se e crer em Jesus, conforma a consumação da felicidade.

Não devem esperar ser perfeitos em “arrependimento” antes de serem salvos. Nenhum cristão pode ser perfeito. O arrependimento é uma graça. Algumas pessoas o pregam como uma condição de salvação. Condição de insensatez! Não existem condições para a salvação. Deus mesmo dá a salvação; e unicamente a dá aos que Ele quer. Disse: “Terei misericórdia de quem eu tenha misericórdia.”

Se, então, Deus lhe deu o mínimo arrependimento, e é um arrependimento sincero, louve ao Senhor, e espere que esse arrependimento cresça mais e mais profundamente conforme siga adiante.

Então essa observação deve ser aplicada a todos os cristãos. Homens e mulheres cristãos, vocês sentem que não possuem um arrependimento suficientemente profundo? Sentem que não possuem uma fé suficientemente grande? O que farão? Peçam um aumento de fé, ela e crescerá. O mesmo sucede com o arrependimento. Já tentaram alguma vez alcança um profundo arrependimento? Meus amigos, se vocês fracassaram no intento, confiem em Jesus, e tratem a cada dia de obter um espírito penitencial. Não esperem ter – o repito – um perfeito arrependimento ao princípio; deverão ter contrição sincera, e logo, sob a graça divina, irão de poder em poder, até que ao fim odiarão e aborrecerão o pecado como a uma serpente ou uma víbora, e então estarão próximos, muito próximos, da perfeição do arrependimento.

Dei-lhes essas considerações, então, como início do tema. E agora vocês perguntarão: quais são os sinais do verdadeiro arrependimento aos olhos de Deus?

Primeiro, lhes digo, que existe pena nele. Ninguém se arrepende jamais do pecado sem sentir algum tipo de tristeza por sua vez. Pode ser mais ou menos intensa, de acordo com a maneira em que Deus lhes chama, e a sua prévia maneira de vida; porem deve existir alguma tristeza. Não nos importa quando chega, mas em algum momento ou outro deve chegar, ou não seria o arrependimento de um cristão.

Conheci uma vez um homem que professava que se tinha arrependido, e em verdade seu caráter tinha mudado externamente; mas nunca pude ver que tivera uma dor real pelo pecado; tampouco vi jamais sinais de contrição nele quando professou crer em Jesus. Eu considerei que esse homem se tratava de um salto extático à graça; e encontrei depois que teve também exatamente um salto igualmente extático à culpa outra vez. Ele não era uma ovelha de Deus, pois não tinha sido lavado na contrição: pois todo o povo de Deus há de ser lavado em contrição quando é convertido de seus pecados. Ninguém pode vir a Cristo e conhecer Seu perdão sem sentir que o pecado é uma coisa odiosa, pois levou Cristo à morte. Vocês que possuem seus olhos secos, seus joelhos sem dobrar e seus corações duros, como poderiam pensar que são salvos? O Evangelho promete salvação somente para aqueles que realmente se arrependem.

No entanto, para não ferir nenhum de vocês, e fazer-lhes sentir algo que não é minha intenção fazê-los sentir, permitam-me observar que não quero dizer que devam derramar lágrimas reais. Alguns homens possuem uma constituição tão dura que não poderiam derramar uma só lagrima. Já conheci algumas pessoas que foram capazes de suspirar e de gemer, mas as lágrimas, elas não brotam.

Bem, eu digo que ainda que as lágrimas fornecem muitas vezes evidências de contrição, podem ter “arrependimento para vida” sem elas. O que eu queria que entendessem é que deve existir uma dor real. Se a oração não é vocal, deve ser secreta. Para mostrar o arrependimento, ainda que seja mínimo, deve haver um gemido; ainda que não existam palavras, e deve haver pelo menos um suspiro, ainda que não existam lagrimas.

Nesse arrependimento deve conter, penso, não somente dor, mas deve ter algo prático: deve ser um arrependimento prático –

“Não basta com dizer que o sentimos, e nos arrependemos,

E logo continuar dia a dia como sempre caminhamos.”

Muitas pessoas estão muito entristecidas e muito penitentes por seus pecados passados. Os escutem falar. “oh” – dizem – “lamento profundamente ter sido um beberrão um dia; e sinceramente deploro ter caído nesse pecado; lamento profundamente ter feito isso.” Logo vão direto para casa, e quando chega a uma hora da tarde do domingo seguinte, os encontrarão bebendo outra vez. E, no entanto, essa gente diz que se arrependeu.

Por acaso vocês creriam quando elas dizem que são pecadores, mas que não amam o pecado? Poderia ser que não o amem durante um tempo; mas, poderiam ser sinceras penitentes, e logo ir outra vez transgredir imediatamente, na mesma forma que fizeram antes? Como poderíamos crer-lhes se transgridem uma e outra vez, e não abandonam seu pecado? Conhecemos uma árvore por seus frutos; e vocês que são penitentes produzirão obras de arrependimento.

Muitas vezes considerei como muito bonito exemplo que reflete o poder da contrição uma anedota fornecida por um piedoso ministro. Ele tinha estado pregando sobre o arrependimento, e no curso de seu sermão, falou do pecado do roubo. Quando ia a caminho de sua casa, um trabalhador se aproximou dele, e o ministro observou que essa pessoa tinha algo debaixo de seu uniforme de trabalhador. O ministro lhe disse que essa pessoa não tinha que lhe acompanhar mais longe, mas o homem persistiu. Por fim, lhe disse: “trago uma enxada debaixo do braço, que roubei naquela propriedade; o ouvi pregar sobre o pecado do roubo, e devo ir e colocar essa ferramenta em seu lugar outra vez.” Isso foi um sincero arrependimento, pois o motivou a regressar e devolver o artigo roubado.

Sucedia o mesmo com os habitantes das ilhas dos Mares do Sul, dos quais lemos que roubavam a roupa e os móveis dos missionários, e tudo o que podiam levar de suas casas; mas quando eram convertidos de forma salvadora, levavam tudo de volta aos donos.

Porem, muitos de vocês dizem que se arrependem, no entanto, não produzem fruto; isso não serve de nada. O povo se arrepende sinceramente, dizem, de ter cometido um roubo, ou de ter mantido uma casa de jogatina; mas se cuidam de que todas as ganâncias sejam empregadas no melhor bem estar de seu coração. O verdadeiro “arrependimento” produzirá obras dignas de “arrependimento”; será um arrependimento prático.

Mas vamos mais adiante. Vocês podem saber se seu arrependimento é prático mediante essa prova: Ele tem alguma duração ou não? Muitos de seus arrependimentos se assemelham a vermelhidão da febre na pessoa tuberculosa, que não é nenhum sinal de saúde. Muitas vezes vi a algum jovem em um transe de piedade recém adquirida, mas pouco firme; e ele creu que esteve a ponto de se arrepender de seus pecados. Durante algumas horas, tal pessoa está profundamente contrita diante de Deus, e por semanas renuncia a suas tolices. Frequenta a casa de oração e conversa da maneira de um filho de Deus. Porem, regressa a seus pecados como o cão a seu vômito. O espírito imundo “voltou a sua casa e tomou consigo outros sete espíritos piores do que ele… e o ultimo estado daquele homem vem a ser pior que o primeiro.”

Quanto tempo durou sua contrição? Durou alguns meses, ou lhe sobreveio e se afastou subitamente? Você disse: “me unirei à igreja; farei isso, aquilo e aquilo outro, por amor a Deus”. Suas obras são duradouras? Crê que seu arrependimento dure seis meses? Continuará por um ano? Durará até que você esteja envolto em sua mortalha funerária?

Mas, ademais, devo de lhes fazer mais uma pergunta. Vocês crêem que se arrependeriam de seus pecados se não houvesse um castigo diante de vocês? Ou, se arrependem porque sabem que serão castigados para sempre se permanecerem em seus pecados? Suponham que lhes fosse dito que não existe o inferno afinal; que, se quisessem, poderiam blasfemar; e, se quisessem, poderiam viver sem Deus. Suponha que não houvesse recompensa para virtude, e não houvera castigo para o pecado, qual escolheriam? Poderiam dizer com toda honestidade nessa manhã: “creio que, pela graça de Deus, sei que escolheria a justiça ainda que não houvesse recompensa para ela, ainda que não ganhasse nada por meio da justiça, e não perdesse nada pelo pecado”?

Todo pecador odeia seu pecado quando ele se aproxima da boca do inferno; todo assassino odeia seu crime quando se aproxima da forca; nunca vi que um menino odeie tanto sua falta quando vai ser castigado por ela. Se não tivessem um motivo para temer o abismo, se soubessem que poderiam entregar sua vida ao pecado, e que poderiam fazê-lo com impunidade, ainda assim, sentiriam que odiavam ao pecado, e que não poderiam, e não desejariam, cometer o pecado, exceto por causa da debilidade da carne? Ainda desejariam a santidade? Ainda desejariam viver como Cristo? Se assim fosse – se pudessem dizer isso sinceramente – se dessa maneira se voltassem a Deus e odiassem seu pecado com um ódio eterno, não precisam temer, pois possuem um “arrependimento” que é “para vida.”

III. Agora vem o terceiro cabeçalho e o último, e é A BENDITA BENEFICIÊNCIA DE DEUS em conceder aos homens “arrependimento para vida”. O “arrependimento”, meus queridos amigos, é o dom de Deus. É um desses favores espirituais que asseguram a vida eterna. É uma maravilha da graça divina que não somente providencie o caminho de salvação, que não somente convide aos homens a receberem a graça, mas sim que positivamente faça que os homens estejam dispostos a serem salvos.

Deus castigou Seu Filho Jesus Cristo por nossos pecados e por isso providenciou a salvação para todos Seus filhos perdidos. Ele envia a Seu ministro; o ministro pede aos homens que se arrependam e creiam, e se esforça por levá-los a Deus. Eles não querem escutar o chamado, e desprezam ao ministro. Porem, então, outro mensageiro é enviado, um embaixador celestial que não pode falhar. Ele convoca aos homens a que se arrependam e se voltem a Deus. Seus pensamentos estão um pouco desviados, mas depois que Ele, o Espírito Divino, argumenta com eles, esquecem o tipo de pessoas que eram, e se arrependem, e se convertem.

Agora, o que nós faríamos se tivéssemos sido tratados como Deus foi tratado? Se houvéssemos preparado uma ceia ou uma festa, e enviado mensageiros para convidar os convidados a virem, que faríamos? Vocês acreditam que teríamos o trabalho de ir por todos os lados visitando a todos e de fazer com que viessem? E quando tivessem se sentado e tivessem dito que não poderiam comer, acaso abriríamos nossas bocas? Se ainda declarassem que não podem comer, nós lhes faríamos comer? Ah amados, estou inclinado a pensar que não fariam isso! Se vocês tivessem assinado e enviado os convites e os convidados não viessem a sua festa, não diriam: “não haverá mais festa”?  Mas, o que Deus faz? Ele diz “agora farei uma festa e convidarei ao povo e se não vierem, meus ministros sairão e os chamarão pessoalmente. Direi a meus servos: ‘vão pelos caminhos e pelos valados, e força-os a entrar, para que possam participar da festa que eu preparei’”.

Não é de fato um ato de estupenda misericórdia divina que efetivamente o Senhor lhes faça dispostos? Não faz isso por meio da força, mas sim usa de uma doce persuasão espiritual. Primeiro as pessoas estão muitíssimo reticentes de serem salvos; “mas” – Deus diz – “isso não é nada, Eu tenho o poder de faze que eles se voltem a Mim, e Eu o farei.” O Espírito Santo faz então a Palavra de Deus penetrar nas consciências de Seus filhos de uma maneira tão bendita, que não podem se recusar mais a amar a Jesus.

Peço-lhes que observem que Ele não faz isso por meio de alguma força em contra de sua vontade, mas que sim mediante uma doce influência espiritual que transforma a vontade.

Ele não somente coloca um banquete de coisas boas diante dos homens, mas também os induz a virem e participar delas, e os constrange a continuar festejando enquanto os leva à mansão permanente e eterna. E, aos levá-los acima, fala para cada um: “Porquanto com amor eterno te amei, por isso com benignidade te atraí.” (Jeremias 31:3) Agora: “você Me ama”? “Oh Senhor” – clamam – “Tua graça ao nos trazer aqui demonstra que nos ama, pois, nós estávamos reticentes a vir. Tu disse: irão, e nós dissemos que não iríamos, porem, Tu nos fizeste ir. E agora, Senhor, te bendizemos e te amamos por essa força. Foi uma compulsão divina.” Eu era um cativo que lutava, mas fui conduzido a estar disposto –

“Oh graça soberana, submete meu coração!

Quero ser conduzido em triunfo também;

Um cativo disposto para meu Senhor,

Para cantar as honras de Sua Palavra”.

Bem, agora, o que vocês dizem? Alguns dirão “senhor, estive tratando de me arrepender durante longo tempo. Em penas e aflições estive orando e tratando de crer, e fazendo tudo que eu possa.” Direi algo para vocês: tentarão por tempo indefinido antes de serem capazes de fazê-lo. Essa não é a forma de alcançar seu alvo.

Ouça a história de dois cavalheiros que iam de viagem. Um deles disse ao outro: “não sei como você faz, mas dá a impressão que você sempre se lembra da sua esposa e sua família, e tudo o que eles estão fazendo em casa, e dá a impressão que você conecta todas as coisas que lhe rodeia com eles; mas eu trato de recordar minha família constantemente e, no entanto, nunca consigo fazer isso”. “Não” – o outro respondeu – “essa é precisamente a razão pela qual você não pode conseguir êxito: porque você o intenta. Se pudesse conectar eles com cada pequena circunstância que encontramos, facilmente se lembraria deles. Em tal e tal momento pense: agora estão se levantando; e em tal e tal hora: estão em oração; e em tal momento, estão tomando café da manhã. Dessa forma os tenho sempre em minha mente.”

Creio que o mesmo acontece com relação ao “arrependimento”. Se um homem dissera: “quero crer”, e tratasse, mediante algum meio mecânico, de se auto-induzir ao arrependimento, seria um absurdo, e jamais o conseguiria. Mas a maneira na que pode se arrepender é, pela graça de Deus, crendo, crendo e pensando em Jesus. Se visse o lado sangrante, a coroa de espinhos, as lágrimas de angústia; se tivesse uma visão de tudo o que Cristo sofreu, não tenho temor de afirmar que se converteria para Ele em arrependimento.

Apostaria a reputação que eu poderia ter nas coisas espirituais afirmando que um homem não pode, sob a influência do Espírito Santo de Deus, contemplar a cruz de Cristo sem um coração quebrantado. Se não fora assim, meu coração seria diferente do de todos os demais. Não conheci jamais a ninguém que houvesse refletido, e olhado para cruz, que não tivesse descoberto que a cruz gerou “arrependimento” e gerou fé.

Olhamos a Jesus se queremos ser salvos, e logo dizemos: “Sacrifício admirável, que Jesus tenha morrido assim para salvar aos pecadores!” Se você quer a fé, deve se lembrar que Ele a dá: se queres o arrependimento, Ele o dá! Se queres vida eterna, Ele a dá liberalmente. Ele pode forçá-lo a sentir teu grande pecado, e levar-lhe ao arrependimento pelo olhar da cruz do Calvário, e o som do maior e mais profundo clamor de morte “Eloi, Eloi, lama sabactani?”, “Deus meu, Deus meu, porque me desamparaste”? Isso gerará “arrependimento”; isso lhe faria chorar e dizer: “Ai, ai, e meu Salvador e meu Soberano morreu por mim?”. Então, amado amigo, se quiser ter arrependimento, esse é meu melhor conselho para você: olha para Jesus. E que o bendito Doador de todo “arrependimento para salvação” lhe guarde dos falsos arrependimentos que eu descrevi, e lhe dê esse “arrependimento” que existe para vida –

“Arrependa-se! Clama a voz celestial,

E não ouses demorar-te;

O infeliz que desdenha o mandato, morre,

E se enfrenta a um feroz dia.

O olho soberano de Deus, já não

Passa por alto os crimes dos homens;

Seus mensageiros são despachados por todo lugar

Para advertir ao mundo de pecado.

As chamadas abarcam toda a terra;

Que a terra corra e tema;

Escutem, homens de nascimento real

E que seus vassalos ouçam também!

Juntos diante de Sua presença se curvando,

E confessem todas suas culpas;

Abracem ao bendito Salvador agora.

Não minimizem Sua graça

Dobrem-se antes que a terrível trombeta ressoe,

E os chame a Seu tribunal;

Pois a misericórdia conhece o limite estabelecido,

E se converte em vingança ali”



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ORE PARA QUE O ESPIRITIO SANTO USE ESSE SERMÃO PARA EDIFICAÇÃO DE MUITOS E SALVAÇÃO DE PECADORES.





FONTE

Traduzido de http://www.spurgeon.com.mx/sermon44.html

Todo direito de tradução protegido por lei internacional de domínio público



“REPENTANCE UNTO LIFE”

Sermão nº44—-  do volume 1 do The New Park Street Pulpit,

Tradução e revisão: Armando Marcos Pinto

Capa: Victor Silva

 Projeto Spurgeon – Proclamando a CRISTO crucificado.

www.projetospurgeon.com.br

@ProjetoSpurgeon



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