DEUS É ESPÍRITO - STEPHEN CHARNOCK

16:14
Deus É Espírito - 
Stephen Charnock
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A mulher no poço de Samaria, em João capítulo 4, era uma ateísta prática que “adorava” a Deus. Assim como ela, todos desejamos conhecer a Deus, mas nos recusamos a viver em conformidade com Sua vontade revelada. Ao corrigir os erros daquela mulher, nosso Senhor assinalou que a sua adoração era errada porque o seu entendimento sobre Deus também estava errado. A fim de adorarmos corretamente a Deus, precisamos conhecer quem Ele realmente é. Sua natureza é o fundamento da nossa adoração.

Se Deus tivesse um corpo, Ele poderia ficar satisfeito com uma adoração corpórea. Mas Deus é Espírito (João 4: 24), e, portanto, devemos adorá-Lo em nosso espírito. O envolvimento do corpo físico na adoração é secundário. Em primeiro lugar está a disposição afeiçoada do nosso coração.

A época do Novo Testamento é mais adequada à natureza de Deus do que qualquer outra época. É claro que os autênticos adoradores no Velho Testamento possuíam o Espírito Santo, caso contrário, eles nunca poderiam ter adorado. Entretanto, na época do Novo Testamento, houve um derramamento mais completo do Espírito Santo. Por isso foi chamado de “o ministério (encargo de servir) do Espírito” (II Coríntios 3: 8). Além do mais, nosso Senhor ensinou que devemos adorar a Deus em Espírito. Aqui Ele não está contrastando a verdade com mentiras, pois mesmo na época do Velho Testamento Deus exigia a verdade. Eis que amas a verdade no íntimo (Salmo 51: 6). Antes, o Senhor está contrastando a verdade com os tipos e sombras do Velho Testamento. A verdade é o objeto que lançou todas aquelas sombras.

Já que Deus é Deus, a adoração lhe é devida. Já que Deus é Espírito, a adoração prestada a Ele deve ser de caráter espiritual. Em outras palavras, nossa adoração a Deus deve estar de acordo com a Sua forma de existência.

I. Deus Não Tem Corpo.

Um corpo tiraria Sua excelência majestosa. A humanidade, como um todo, reconhece que nosso espírito é mais nobre do que o nosso corpo. Ele é independente. Entretanto, nosso corpo não pode agir e nem viver sozinho, ele precisa do nosso espírito para avivá-lo e ativá-lo. Nosso espírito é a nossa parte principal. Ser feito à semelhança de Deus é uma referência a essa parte da nossa natureza que é a mais elevada, ou seja, nosso espírito.

Desde que o Criador excede a criatura em todas as coisas, assim Ele nos excede em Seu modo de existência; Ele não tem nada de material em Sua essência.

A afirmação de que Deus é espírito é também uma negação. Muito do que conhecemos a respeito de Deus é em termos de negação – Com o que Ele não é semelhante. Como seres físicos, dificilmente conseguimos conceber a existência de qualquer pessoa à parte daquilo que é material. Portanto, quando nos diz que Ele é Espírito, nós entendemos que Ele está dizendo que é diferente de nós. Também não devemos igualar Seu espírito com os espíritos dos anjos, pois são finitos. Deus é infinitamente maior do que qualquer uma de Suas criaturas.

II. Deus É Espírito

Se Ele tivesse um corpo, então não poderia culpar a humanidade por mudar Sua glória em semelhança da imagem de homem corruptível, e de aves, e de quadrúpedes, e de répteis (Romanos 1: 23). Ele é verdadeiramente o Pai dos espíritos (Hebreus 12: 9). Considere o que seria a verdade se Deus existisse de qualquer outra forma diferente dessa.

Se Deus não fosse Espírito, Ele não poderia ser o Criador. A criação é muito complexa. E toda complexidade deve começar com simplicidade. Toda multidão tem sua origem na solidão. O simples e supremo Divino Espírito é a fonte de todos os efeitos que vemos na criação.

Se Deus não fosse Espírito, Ele não poderia ser único em essência. Se Ele tivesse um corpo, então seria um composto de muitas partes, e poderia ser dividido. Cada parte seria finita ou infinita. Se finita, tais partes seriam indignas de Deus. Se infinita, cada parte seria Deus, e então haveria muitos deuses. Mas Deus não é composto. Ele é um. Ouve, Israel, o SENHOR nosso Deus é o único SENHOR (Deuteronômio 6: 4).

Se Deus não fosse Espírito, Ele não poderia ser invisível. A invisibilidade é uma de suas perfeições. Ora, ao Rei dos séculos, imortal, invisível, ao único Deus sábio, seja honra e glória para todo o sempre (I Timóteo 1: 17). As coisas visíveis estão ao nosso alcance, mas as invisíveis estão além. Assim como Deus é invisível ao nosso sentido, assim Ele é incompreensível ao nosso entendimento. Quando lemos que Ele apareceu para Moisés e para outros profetas, de fato eles não viram a Sua verdadeira essência, mas uma forma que atendia suas capacidades limitadas de percepção. Nenhum mortal pode ver a Deus (Êxodo 33: 20). Se Ele possuísse um corpo, poderíamos vê-Lo em alguma medida.

Se Deus não fosse Espírito, Ele não poderia ser infinito. Uma das maiores coisas que podemos ver é o sol, mas ele pode ser medido. Ele tem limitações. Mas Deus não tem limites. Visto que os céus e até os céus dos céus o não podem conter (II Crônicas 2: 6).

Se Deus não fosse Espírito, Ele não poderia ser independente. Uma substância composta depende da integração de todas as suas partes para a sua existência. Se as partes se separarem, a substância deixará de existir. Presumimos assim, que as partes tiveram a sua própria existência antes de serem unidas. Se Deus fosse um ser composto, então Ele seria dependente de partes inferiores pré-existentes e de sua síntese para sua existência. Mas Ele é antes de todas as coisas. Ele é o primeiro e o último (Isaías 44: 6). E isso só pode ser verdade se Deus for um espírito puro e simples.

Se Deus não fosse Espírito, Ele não poderia ser imutável. Qualquer coisa composta de partes, também pode ser dividida nestas mesmas partes. É exatamente isso o que ocorre quando o homem morre. Sua vida é composta de corpo e espírito, e quando estas partes se dividem, o cadáver é depositado na terra. Mas Deus, sendo unicamente espírito, não pode ser dividido nem transformado.

Se Deus não fosse Espírito, Ele não poderia ser onipresente. Deus enche a terra e os céus (Jeremias 23: 24). Mas uma forma de existência corpórea tornaria isso impossível, pois um corpo só pode estar em um único lugar ao mesmo tempo. Se Deus fosse onipresente e também tivesse um corpo, não haveria lugar no universo para qualquer um de nós, pois Ele encheria cada espaço. Também não haveria lugar para qualquer movimento, pois sem espaço não pode haver movimento. Deus permaneceria imóvel.

Se Deus não fosse Espírito, Ele não poderia ser o Ser mais perfeito. Em vez disso, os anjos e as almas desencarnadas dos homens seriam mais excelentes do que Ele, visto que não estão limitados por um corpo. Entretanto, Deus como Divino Espírito, nos transcende infinitamente em excelência. Alguns podem questionar: “Se Deus é espírito, por que certas partes do corpo são mencionadas nas escrituras, tais como coração, braços, mãos, olhos, ouvidos, face, etc.?” Em resposta a isso, considere alguns pontos.

Primeiro, Ele é condescendente com as nossas fraquezas quando descreve a Si mesmo. Como homens, só podemos compreender a Deus em termos com os quais estamos familiarizados.

Segundo, estas partes do corpo expressam as operações visíveis de Deus, e não a sua natureza invisível. Há certa harmonia entre as ações de Deus e o órgão igualmente associado à operação do nosso corpo. Por exemplo, Seus olhos representam Sua onisciência; Seus braços, o Seu poder.

Terceiro, somente as partes e atividades mais nobres dos homens é que são usadas para descrever a Deus. Os órgãos relacionados à obtenção de entendimento, comunicação de conhecimento, e manifestação de poder são utilizados com relação a Deus, mas nunca num sentido inferior, como que se referindo apenas as ações do corpo.

Quarto, as aparições e descrições de Deus no Velho Testamento serviram como uma sombra da encarnação do Filho de Deus.

Quinto, devemos pensar nas partes do corpo como uma metáfora e não como uma carta. De outro modo, seríamos forçados a pensar em Deus como sendo um pássaro, pois lemos a respeito de suas asas. As Escrituras utilizam muitas dessas metáforas.

O que deveríamos aprender deste ensino?

I. QUANDO LEMOS DO SER HUMANO SENDO FEITO À IMAGEM DE DEUS, ENTENDEMOS QUE ISSO NÃO SE REFERE ÀS SUAS FACULDADES FÍSICAS.

Apesar de tudo, nós compartilhamos de certas qualidades físicas com os animais, mas nenhum deles foi feito à imagem de Deus. Esta imagem se refere àquelas faculdades como a razão, entendimento, e um espírito imortal. Nossa alma é a faculdade que mais se aproxima a natureza de Deus.

II. É IRRACIONAL SE FAZER QUALQUER IMAGEM OU RETRATO DE DEUS.

A idolatria tenta fazer o impossível. A quem, pois, fareis semelhante a Deus, ou com que o comparareis? (Isaías 40: 18). Nada que seja corpóreo poderia representar de forma adequada uma substância espiritual. Somente Deus conhece perfeita e completamente a Si mesmo. Somente Ele é que pode revelar-se a si mesmo, mas não fez isso utilizando qualquer forma física. Nenhuma imagem esculpida ou pintada pode fazer justiça ao seu glorioso caráter. Qualquer tipo de representação é finita e incompleta. Por isso qualquer representação se torna uma má representação. Isso seria indigno dEle, e um verdadeiro insulto contra Ele.

Entretanto, o pecador caído é propenso a fazer uma representação de Deus. Desde o dilúvio os homens têm insistido em criar algumas imagens associadas à sua adoração religiosa. Isso é idolatria, sendo expressa e repetidamente condenada nas Santas Escrituras. Sendo nós, pois, geração de Deus, não havemos de cuidar que a divindade seja semelhante ao ouro, ou à prata, ou à pedra esculpida por artifício e imaginação dos homens (Atos 17: 29).

Quando utilizamos uma imagem para adoração, acabamos adorando a própria imagem ou aquilo que ela representa. O primeiro é idolatria manifesta. O último é tolice, pois faz da imagem algo totalmente desnecessário.

III. A DOUTRINA DA ESPIRITUALIDADE DE DEUS DEVERIA GOVERNAR TODOS OS NOSSOS CONCEITOS A RESPEITO DELE.

Deveríamos ficar felizes por não termos qualquer imagem ou retrato de Deus. Ele está muito acima de nós. Mas ainda assim Ele se inclina até nós a fim de nos revelar algumas coisas sobre si mesmo.

Deveríamos entender o quão vil é a idolatria. Nós negamos a espiritualidade de Deus quando atribuímos a Ele uma forma corpórea. Nós o rebaixamos ao tentar fazê-Lo à nossa própria imagem e semelhança. Em nossa mente nós limitamos aquilo que é infinito. Até mesmo o quadro mais bonito acaba depreciando a Sua glória. Não demora muito para os espectadores começarem a atribuir a Deus uma natureza corrupta. Mas o fato de Deus humilhar-se a si mesmo para atingir a nossa compreensão, usando figuras de linguagem, não nos dá o direito de rebaixá-Lo, pensando que Ele realmente existe daquela forma. As qualidades humanas atribuídas a Deus são mais adequadas a nossa fraqueza do que à Sua perfeição.

A idolatria corrompe a verdadeira adoração. Nós não nos dirigimos seriamente a um Deus que estimamos em pouco aos nossos olhos. Quanto mais alto pensamos sobre Deus, mais nos abominamos e humilhamos diante dEle.

Devemos ter noções elevadas sobre Deus. Devido às nossas enfermidades, não podemos ter uma visão completa sobre Ele, mas devemos nos esforçar para atingirmos a visão mais alta possível. Devemos lembrar que não importa o quão alto possamos chegar em nosso conhecimento de Deus, pois Ele sempre estará muito acima de nós!

IV. CONSIDERE ALGUMAS INFERÊNCIAS SOBRE ESTA DOUTRINA.

Se Deus é Espírito, nenhum objeto corpóreo pode defini-Lo. Nenhuma impureza da carne pode entrar em contato com Ele.

Se Deus é Espírito, então Ele não se encontra atolado numa massa de tamanho e peso, mas é livre para agir, mesmo em nossas almas. Ele não se cansa por trabalhar demais. Quanto mais nos tornamos semelhantes a Deus, mais diligentes seremos em glorificá-Lo.

Se Deus é Espírito, Ele é imortal. Morte é separação. Desde que Deus é essencialmente um Espírito não composto, então não pode haver nenhuma separação nEle. Esta verdade serve de grande conforto para os filhos de Deus.

Se Deus é Espírito, então nós podemos ter comunhão com Ele em espírito. Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado; a um coração quebrantado e contrito não desprezarás, ó Deus (Salmo 51: 17). Portanto, precisamos ser renovados no espírito da nossa mente (Efésios 4: 23).

Se Deus é Espírito, somente Deus pode satisfazer o nosso espírito. Nada que seja de natureza física, pode realmente satisfazer um espírito faminto. Nós deveríamos ter um desejo ardente de Deus. Somente nEle é que encontramos descanso, contentamento, e plenitude.

Se Deus é Espírito, nós deveríamos cuidar melhor do nosso corpo e do nosso espírito. Muitas vezes nós vivemos como se a nossa constituição física fosse tudo para nós. O cristianismo faz com que o homem fique principalmente interessado em seu espírito.

Se Deus é Espírito, devemos ficar em alerta, especialmente contra os pecados do espírito. Ora, amados, pois que temos tais promessas, purifiquemo-nos de toda a imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoando a santificação no temor de Deus (II Coríntios 7: 1). Os pecados da carne são malignos, e dignos da ira eterna de Deus, mas os pecados do espírito são especialmente malignos, pois contaminam aquilo que é mais próximo entre Deus e nós. Os pecados da carne nos tornam semelhantes a bestas brutas, enquanto os pecados do espírito ao maligno. Assim como a espiritualidade é a raiz de outras perfeições em Deus (como listamos anteriormente), assim também a santidade de espírito, em nós, é a raiz de outras formas de obediência em nossa carne.


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Tradução: Eduardo Cadete 2011 
Fonte: Palavra Prudente