O Domínio de Deus - Stephen Charnock

17:22

O Salmo 103: 19 declara: O SENHOR tem estabelecido o seu trono nos céus, e o seu reino domina sobre tudo (Salmo 103: 19). Este verso nos informa que há um rei e um reino que se estende por todos os lugares. O termo Senhor, que frequentemente é utilizado nas Escrituras, fala claramente da autoridade soberana de Deus. Davi assim orou: Tua é, SENHOR, a magnificência, e o poder, e a honra, e a vitória, e a majestade; porque teu é tudo quanto há nos céus e na terra; teu é, SENHOR, o reino, e tu te exaltaste por cabeça sobre todos.

E riquezas e glória vêm de diante de ti, e tu dominas sobre tudo, e na tua mão há força e poder; e na tua mão está o engrandecer e o dar força a tudo (I Crônicas 29: 11-12). Ele é único poderoso SENHOR, Rei dos reis e Senhor dos senhores (I Timóteo 6: 15).

Este domínio de se faz de três formas. (1.) Seu domínio natural. Deus domina completamente sobre todas as coisas por ser o Seu criador. (2.) Seu domínio gracioso. Deus é soberano sobre os Seus remidos em Sua aliança de graça. (3.) Seu domínio glorioso. Como Juiz, Deus finalmente reinará sobre todos, quer em misericórdia ou em justiça.

I.    ALGUMAS PROPOSIÇÕES GERAIS ACERCA DO DOMÍNIO DE DEUS.

Devemos distinguir entre o poder de Deus ou onipotência e Sua autoridade. Poder diz respeito à Sua habilidade de fazer tudo o que Ele desejar. Autoridade é o Seu direito de fazer o mesmo. A Sua autoridade ou domínio é o seu poder moral. Uma pessoa pode ter grande força, mas ainda assim ter pouca ou nenhuma autoridade. Deus tem tato um quanto o outro. Ele tem tanto o direito de mandar como o de fazer com que todas as Suas ordens sejam obedecidas, ou então punir aqueles que as violam. O domínio de Deus diz respeito ao seu direito de fazer tudo aquilo que lhe agrada, possuir o que criou, e dispor de tudo o que possui de acordo com a Sua vontade.

Este atributo é consistente com todas as perfeições de Deus. A Sua bondade e sabedoria o torna apto a governar. Sem este atributo, a justiça e a misericórdia permaneceriam ocultas na obscuridade.

Este atributo é universalmente reconhecido na consciência de todo homem. A lei está escrita em nossos corações (Romanos 2: 15); portanto, tem que haver um legislador, um governante, um administrador. O homem também poderia negar o fato de possuir uma natureza humana assim como tenta fazer com a natureza de Deus.

O conceito de soberania é essencial para ao conceito de Deus como um todo. Aquilo que Deus é, está inseparavelmente ligado ao fato dEle ser o recompensador daqueles que o buscam (Hebreus 11: 6). Como recompensador, Ele tem que ser soberano. Uma vez que Ele é o criador, seria uma tolice negar o Seu total domínio. Assim como os demais atributos, o Seu domínio é a Sua essência, Ele não pode se separar dele, e nem este existir à parte de Deus. Nenhuma criatura possui este atributo. Não podemos impor ou forçar as leis nas consciências de outros. Esta prerrogativa pertence somente a Deus.

II.    EM QUE O DOMÍNIO DE DEUS ESTÁ FUNDAMENTADO.

O domínio de Deus está fundamentado na excelência de Sua natureza. Quanto mais excelente for a natureza, melhor será o governo. O intelecto superior de Deus, e a Sua perfeição moral, o capacitam a exercer domínio de forma única. Eu sou Deus, e não há outro Deus, não há outro semelhante a mim... e farei toda a minha vontade (Isaías 46: 9-10).

O domínio de Deus esta fundamentado em Sua criação. Aquele que dá vida a alguma coisa, sem dúvida passa a ser o dono da mesma. Já que todas as coisas foram criadas por Deus, então Ele é o Senhor de todas elas. Quando Deus defendeu a Sua soberania diante de Jó, o Seu principal argumento foi extraído da criação (Jó 38). O apóstolo Paulo toca no mesmo ponto ao pregar em Atenas: O Deus que fez o mundo e tudo que nele há, sendo Senhor do céu e da terra, não habita em templos feitos por mãos de homens (Atos 17: 24). Quando um homem faz alguma coisa, ninguém questiona ou desafia o seu direito de fazer o que bem entender com aquilo que criou. Por que então alguém pensaria em desafiar o direito absoluto que Deus tem sobre tudo aquilo que Ele mesmo criou?

O domínio de Deus está fundamentado no fato de Ele ser o objetivo final de todas as coisas. O SENHOR fez todas as coisas para atender aos seus próprios desígnios, até o ímpio para o dia do mal (Provérbios 16: 4). Porque tu criaste todas as coisas, e por tua vontade são e foram criadas (Apocalipse 4: 11). Em sendo o objetivo final, Deus exerce Sua soberania sobre os Seus agentes envolvidos quaisquer ações.

O domínio de Deus está fundamentado no fato de Ele ser o preservador de todas as coisas. A dependência contínua que todas as coisas tem de Deus, mostra claramente o Seu domínio sobre todas elas.

O domínio de Deus é fortalecido através dos benefícios que Ele concede às Suas criaturas. Nós temos um grande dever e obrigação para com Ele, e isto por causa das incontáveis bênçãos que a Sua bondade tem nos proporcionado. A benção inestimável da redenção nos obriga a servi-Lo. Ou não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por bom preço; glorificai, pois, a Deus no vosso corpo, e no vosso espírito, os quais pertencem a Deus (I Coríntios 6: 19-20). Nós costumamos dizer que quanto mais uma pessoa paga por alguma coisa, mais ela tem direito de tê-la. O alto preço que Deus pagou por nossas almas concede a Ele um direito muito especial sobre nós.

III.    A NATUREZA DO DOMÍNIO DE DEUS.

O domínio de Deus é independente. Entre os homens, há o consenso da necessidade de ser governado (exceto na autoridade paterna). Entretanto, Deus não precisa de permissão para ser Deus. Ele não é Deus por causa do voto dos homens. Não há um governador acima dEle, pois nada e ninguém é superior a Ele.

O domínio de Deus é absoluto. A sua autoridade é ilimitada. Propriamente falando, o termo Senhor só se aplica a Ele. Todos os outros senhores estão sujeitos àquele que é o Senhor dos senhores.

Deus é livre em Seu domínio sobre todas as coisas. Ele foi totalmente livre na criação para fazer tudo o que desejou. Preservação também é fruto de Sua soberania, pois Ele poderia ter destruído o mundo após a queda de Adão. Da mesma forma, a redenção também é um ato de Sua soberania, pois Deus não tinha obrigação de salvar os homens mais do que teve em não salvar os anjos caídos. Deus tem o direito de legislar e estabelecer os termos de cada ação. Ele soberanamente aflige. Ele não é obrigado a nos dar nada, e ainda tem o direito de tirar o que temos segundo o Seu querer. Ele é livre para distribuir de forma desigual as suas bênçãos, e a quem escolher. Ele é livre para infligir castigos quando queira. O direito de Deus sobre as Sua criaturas é semelhante ao do oleiro com os seus vasos. Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra? (Romanos 9: 21). De fato, poderíamos dizer que Deus tem até mais direitos do que o oleiro. A única diferença entre o oleiro e o vaso é que o oleiro tem vida, pois ambos são feitos de barro! Deus soberanamente infringe doenças. Os discípulos perguntaram: E os seus discípulos lhe perguntaram, dizendo: Rabi, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego? Jesus respondeu: Nem ele pecou nem seus pais; mas foi assim para que se manifestem nele as obras de Deus (João 9: 2-3). Deus é livre quanto a qualquer lei que exista fora de si mesmo. Os reis desta terra estão sujeitos de alguma maneira às leis. Mas o Rei dos céus e da terra não está sujeito a nenhuma lei, exceto a si mesmo. Ele é a Sua própria lei.

Deus é livre no sentido de não estar sob o domínio de ninguém. Ele não tem superior a quem deva responder. Certamente que nós, Suas criaturas, não temos o direito de discordar dEle, como se fossemos maior do que Ele. Não há quem possa estorvar a sua mão, e lhe diga: Que fazes? (Daniel 4: 35). Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: Por que me fizeste assim? (Romanos 9: 20).

Deus é livre com respeito a ser irresistível. Ele possui tanto o poder quanto o direito sobre tudo. Ainda antes que houvesse dia, eu sou; e ninguém há que possa fazer escapar das minhas mãos; agindo eu, quem o impedirá? (Isaías 43: 13). Nenhuma mão, ou multidões delas poderiam impedi-Lo de agir. Seus decretos são certos.

Embora o domínio de Deus seja absoluto, não é absolutamente tirano. Ele não age de foram imprudente, arbitrária, ou caprichosa. A Sua soberania não age independente de Suas outras perfeições. Antes, é administrado pela Sua sabedoria e bondade. O que para nós parece um ato de pura soberania, no fundo é fruto de uma profunda sabedoria. É impossível que Deus venha a agir de forma injusta ou tola, pois Justo é o SENHOR em todos os seus caminhos, e santo em todas as suas obras (Salmo 145: 17). A Sua soberania não contradiz a Sua justiça. Além disso, a Sua soberania não pode ser separada de Sua bondade. Assim como não punir o pecador seria negar a Sua justiça, assim também castigar um inocente seria negar a Sua bondade. O Seu trono majestoso é um trono de graça (Hebreus 4: 16). Ele não requer uma obediência servil, produto do medo, mas uma obediência voluntária, fruto do senso de Sua bondade.

O domínio de Deus se estende sobre todas as criaturas. A extensão do firmamento não limita a Sua autoridade. Ele tem autoridade sobre tudo o que está diante dos Seus olhos. O céu, juntamente com seus anjos, está sob a Sua autoridade. Por isso Ele é chamado centenas de vezes nas Escrituras de o SENHOR dos exércitos. Bendizei ao SENHOR, todos os seus exércitos, vós ministros seus, que executais o seu beneplácito (Salmo 103: 21). O sol se deteve ao Seu comando (Josué 10: 12). O inferno e seus demônios estão sob Sua autoridade. Eles negaram a sua bondade, mas não podem escapar do Seu domínio. Um príncipe é senhor de seus criminosos assim como de seus súditos leais. Deus faz uso da malícia dos demônios para levar a cabo os Seus propósitos. Com ele está a força e a sabedoria; seu é o que erra e o que o faz errar (Jó 12: 16). Além disso, a terras e todos os seus habitantes estão sob a autoridade de Deus. A locusta move-se ao seu comando. O fogo não pode consumir a menos que Deus o deixe. As ondas se erguem e caem ao Seu comando. A soberania de Deus estende-se sobre a humanidade. Ele determina as fronteiras das nações (Atos 17: 26). Ele governa especialmente sobre os corações dos homens. Hebreus 12: 9 o chama de o Pai dos espíritos. Ao conceder a faculdade da vontade ao homem, Deus não se despojou de Seu atributo de soberania. O homem pode governar o corpo de outro, mas não sua alma, pois somente Deus é que pode trabalhar de forma instantânea na alma, infundindo hábitos que a capacitam a agir de forma nobre. Sem auxílio algum, Deus pode mudar a vontade do homem, ou lhe dar um novo coração. Como ribeiros de águas assim é o coração do rei na mão do SENHOR, que o inclina a todo o seu querer (Provérbios 21: 1). Deus pode destravar a consciência, trazendo conforto ou terror, de acordo com a Sua vontade. Ele pode elevar o espírito de um santo perseguido, a despeito da tortura e das chamas, e fazer que estas mesmas coisas aflijam a alma do pecador, mesmo que este esteja gozando de prosperidade exterior.

O domínio de Deus é eterno. o SENHOR se assenta como Rei, perpetuamente (Salmo 29: 10). Tu, SENHOR, permaneces eternamente, e o teu trono subsiste de geração em geração (Lamentações 5: 19). O Seu governo nunca foi interrompido.

IV.    AONDE O GOVERNO DE DEUS EXISTE E COMO É MANIFESTADO.

Ele exercita o Seu direito de criar leis. Porque o SENHOR é o nosso Juiz; o SENHOR é o nosso legislador; o SENHOR é o nosso rei, ele nos salvará (Isaías 33: 22). A Sua lei é chamada de “a lei real” (Tiago 2: 8). Um comando implica em uma autoridade sendo exercida por um comandante e uma obrigação a ser desempenhada pelos comandados. Propriamente falando, só pode haver uma pessoa que não seja objeto das leis e que se faça lei em seu lugar, e esta pessoa é Deus. Há só um legislador que pode salvar e destruir (Tiago 4: 12). Todas as outras autoridades são derivadas desta autoridade final. Por mim reinam os reis e os príncipes decretam justiça (Provérbios 8: 15). O direito de Deus de legislar é universal, diferentemente de um rei cujo domínio termina no oceano ou nas fronteiras de outra nação. A lei de Deus está escrita no coração de cada homem (Romanos 2: 15). A razão de ser de algumas das leis de Deus aponta exclusivamente para a Sua própria vontade. Embora a Sua lei moral esteja certamente baseada em Seu caráter e glória, há ainda outras leis nas quais não vemos outra razão para a sua existência a não ser a que mencionamos acima. Por exemplo, a ordem dada a Adão para não comer de uma única árvore, não estava baseada em algo inferior que havia naquela árvore. Ela era tão boa para se comer como outras que havia lá, mas Deus usou isso como uma marca de Sua soberania e também da submissão do homem. Além disso, a própria maneira como Ele deu a Sua lei moral manifesta o Seu domínio, pois ela foi escrita pelo Seu dedo em tábuas de pedra, e acompanhada pelos anjos. Igualmente, Deus age soberanamente na imposição da Sua lei, a qual alcança a consciência do homem. Ninguém pode dominar a consciência a não ser Deus, e uma vez dominada, nenhum homem a pode libertar.

Como Legislador soberano, Deus pode abolir Sua lei tão livremente com Ele a deu. Não estamos falando aqui da Sua lei moral, pois se assim o fizesse, Deus estaria negando a Sua própria santidade e justiça. Mas outras leis Ele pode relaxar quando quiser. Por exemplo, Ele reverteu as leis da natureza quando abriu o mar vermelho. Ele aboliu as leis cerimoniais entregues a Israel com a vinda “dAquele” de quem estas leis eram apenas sombra. Podemos até falar da anulação do concerto de obras e o estabelecimento do concerto da graça, sem o qual nenhum descendente de Adão poderia ser abençoado. Já que todas as almas pertencem a Ele, então pode dispor delas quando e onde Ele bem entender. Se Abraão tivesse por si só matado Isaque, isso seria assassinato, mas Deus soberanamente apontou a Abraão como executor, e por isso ele não hesitou em obedecer àquela ordem.

Como Legislador soberano, Deus pune aqueles que quebram a Sua lei segundo a Sua vontade. Isso é um direito que Lhe pertence como Juiz. Se Ele não punisse os ofensores, então Suas leis perderiam todo sentido. A soberania não pode subsistir sem justiça. O SENHOR é conhecido pelo juízo que fez (Salmo 9: 16). Quando parece que Ele perdeu o domínio, então Ele o recobra com castigos. Por isso puniu os anjos caídos e também Adão pelo pecado que cometeram. Ele demonstra o Seu domínio através dos meios que utiliza em Seus julgamentos temporais, quer utilizando rãs, exércitos, ou anjos.

Deus atua soberanamente como Dono de todas as coisas. Ele livremente escolheu desde a eternidade um número de pessoas para serem objetos de Sua graça. Como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo (Efésios 1: 4). Por que Ele escreveu alguns nomes em Seu livro e outros não? Se buscarmos uma resposta para esta questão, até onde nos é possível encontrá-la, a resposta seria: que Ele assim o fez segundo o beneplácito de sua vontade (Efésios 1: 5). Deus disse à Moisés: Compadecer-me-ei de quem me compadecer, e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia (Romanos 9: 15). Se o motivo desta escolha estar baseado na soberania de Deus, e ainda assim não ficarmos satisfeitos com a resposta, nenhuma outra razão poderá ser encontrada. O motivo pelo qual Deus fez tal escolha, não está no fato de haver algum tipo de mérito da parte daqueles a quem Ele escolheu. Todo homem procede do mesmo caco de barro contaminado pelo pecado de Adão. Somos todos filhos da ira e merecemos tão somente a condenação. Esta escolha também não estava baseada em qualquer obra de justiça que Deus anteviu que faríamos. As únicas obras que Deus poderia ter antevisto nos pecadores seriam obras de corrupção. Ele nos escolheu para que fôssemos santos, não porque já éramos santos (Efésios 1: 4). Nossas boas obras são o fruto, e não a causa, da escolha de Deus. Ele nos salva para que possamos praticar as boas obras, determinando assim estas mesmas obras de antemão (Efésios 2: 10). Até mesmo a fé, pela qual nos entregamos a Cristo, é dada por Deus (Efésios 2: 8). Este dom é peculiar dos escolhidos segundo a fé dos eleitos de Deus (Tito 1: 1). Se a fé prevista fosse a razão da escolha de Deus, então Deus seria chamado de “nosso Eleito”, e não nós “Seus eleitos”. Os homens não são escolhidos porque creram, mas creram porque são escolhidos. Se qualquer coisa prevista fosse a razão da escolha de Deus, então Ele teria que escolher os anjos, já que Ele poderia ter previsto um serviço muito melhor da parte deles do que do homem. Mas Ele rejeitou os anjos caídos totalmente, e assim como alguns homens. Ele é tão livre para agir, que poderia salvar a todos, ou absolutamente ninguém. Aqueles que condenam a liberdade da escolha de Deus, é porque possuem uma visão muito rasa da natureza do pecado, ou do caráter de Deus. Eles atribuem a Deus menos soberania do que aquela que um artesão tem sobre sua obra de madeira ou pedra. Não deveríamos pensar que a escolha de Deus foi sem pensar, mas antes fundamentada na sabedoria que está muito além do nosso alcance. No final, a razão da escolha de Deus encontra-se Nele mesmo.

Como dono de tudo, Deus concede graça conforme a Sua vontade. Embora Ele seja essencialmente bom, ainda assim não é obrigado a manifestar a cada pessoa todos os tesouros de Sua bondade. Se Deus fosse obrigado a demonstrar bondade, nenhuma ação de graças seria devida a Ele. Quem agradece ao sol por brilhar sobre nós, quando este não pode fazer nada a não ser (é obrigado) brilhar? Reiterando, Deus poderia conceder salvação a todos os homens, mas não foi da Sua vontade fazê-lo. E isso não foi por causa de qualquer fraqueza ou falta de poder da Sua parte. A incredulidade é maior do que Ele? O Espírito não assopra aonde quer (João 3: 8)? A restrição de Sua graça não é devido à falta de bondade por parte de alguns. Afinal de contas, Ele abre a mente dos homens mais ignorantes, converte o mais vil deles, e alcança a escória da sociedade. Deus não está mais em débito com os homens caídos do que está com anjos caídos. A demonstração da Sua graça é simplesmente um ato da Sua absoluta soberania. Assim como Faraó era livre para honrar o copeiro e executar o padeiro, assim também Deus é livre para salvar Abel e condenar Caim, Isaque e não Ismael, Jacó e não Esaú. Suponhamos que um rei conceda perdão a uma companhia de rebeldes, sob a condição de eles pagarem uma soma de dinheiro, mas eles perderam tudo e ficaram reduzidos a pobreza. Imaginemos então que o rei, em um ato de pura generosidade, envie o dinheiro que eles necessitam e assim os capacite a atenderem a exigência estabelecida. Então o rei declarará que o seu perdão foi um ato de sua autoridade soberana; e sua concessão em atender a exigência, um ato de sua soberana bondade. Assim também ocorre entre Deus e os pecadores.

Como dono de tudo, Deus dispensa os meios da graça a alguns. Ele envia uma revelação especial para alguns lugares, mas não a todos. Ele rapidamente a remove de alguns lugares, enquanto permite que outros desfrutem de benefícios mais longos. Somente a geração de Sete recebeu uma revelação especial até o dilúvio. Após a dispersão das nações, somente uma família desfrutou dos meios da graça, a saber; Abraão e a sua descendência. Todas as outras nações permaneceram praticamente em trevas ou em trevas completas. Após a vinda de Cristo, esta mesma nação permaneceu na obscuridade quanto ao evangelho, enquanto a luz desceu sobre os gentios. Por que Corazim e Betsaida desfrutaram dos benefícios que não foram concedidos a Tiro e Sidom, a não ser que isso tenha sido feito por um apontamento Divino? Por que a América foi deixada em trevas por tanto tempo e agora desfruta de luz, a não ser por causa de uma determinação Soberana? Sim, ó Pai, porque assim te aprouve (Mateus 11: 26).

Como Dono de tudo, Deus determina a influência dos meios da graça. Nem todos os que ouvem se convertem. Alguns ao ouvirem o evangelho são espiritualizados por ele, enquanto outros, apenas moralizados. Algumas vezes o evangelho conquista centenas, enquanto em outras, apenas alguns. Às vezes a colheita é farta, apesar de serem poucos os ceifeiros, assim como, em algumas ocasiões, a colheita tende a ser pequena, embora sejam muitos os ceifeiros. Lembre-se, estamos falando do mesmo evangelho! Então, qual seria a razão para tamanha variação, salvo o fato de Deus estar demonstrando mais claramente as provas da Sua soberania? Portanto, vamos ter pensamentos de adoração, e não de murmuração, a respeito da soberania de Deus. Vamos agradecer a Deus por aquilo que temos recebido, e humildemente levar a Ele, em oração, as nossas necessidades. Reconhecer a Deus como soberano é o caminho da dependência, e também o caminho pelo qual nos entregamos a Ele como aqueles que esperam pelo Seu favor.

Como Dono de tudo, Deus concede uma maior medida de conhecimento a alguns do que a outros. Ele dá sabedoria aos sábios e conhecimento aos entendidos (Daniel 2: 21). Ele diz a respeito de Bezalel: Eu o enchi do Espírito de Deus, de sabedoria, e de entendimento, e de ciência, em todo o lavor (Êxodo 31: 3). Paulo tinha um entendimento mais claro do que Pedro a respeito da abolição da lei cerimonial (Gálatas 2). O Espírito Santo opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer (I Coríntios 12: 11).

Como Dono de tudo, Deus chama alguns em suas gerações para um serviço especial. Embora Moisés fosse um grande homem, Deus apontou a Arão como sumo sacerdote. Os irmãos mais velhos de Davi foram rejeitados por Deus enquanto Samuel o ungia para ser rei. Deus prepara e equipa alguns vasos para um ministério mais público, enquanto outros, para um mais obscuro.

Como Dono de tudo, Deus distribui honra e riquezas como quer. Ele é o que faz o rico e o pobre (Provérbios 22: 2). Um tem uma coroa sobre sua cabeça, enquanto outro, nem sequer um teto. O cetro se encontra na mão de um, enquanto a espada na de outro. José era livre para abençoar benjamim com mais mudas de roupas do que aos seus outros irmãos (Gênesis 43: 34; 45: 22). Deus não deve absolutamente nada a nenhum homem, mesmo que o deixe viver todos os seus dias em pobreza e desgraça. De acordo com o Salmo 55: 19, todos estamos sujeitos a mudanças que Deus determina para nós nesta vida, a fim de que o temamos.

Como Dono de tudo, Deus dispensa Seus dons como quer. Assim como Ele é o Senhor de toda graça, assim também é o Senhor dos tempos e estações na dispensação das mesmas.

Deus age soberanamente como Governador. Ele administra domínios e reinos. Daniel disse: E ele muda os tempos e as estações; ele remove os reis e estabelece os reis (Daniel 2: 21). Deus fez com que uma flecha atirada a esmo atingisse a Acabe em um vão de sua armadura. E embora ele tivesse setenta filhos, nenhum deles o sucedeu ao trono. Deus disse a respeito de um outro rei: E agora eu entreguei todas estas terras na mão de Nabucodonosor, rei de Babilônia, meu servo; e ainda até os animais do campo lhe dei, para que o sirvam (Jeremias 27: 6). Os homens tendem a fixar seus pensamentos nas causas secundárias, falhando em enxergar a mão de Deus por detrás das mesmas. Deus está tanto no controle do Seu trono no palácio, quanto no de um banco em uma estalagem.

Como Governador, Deus move e ordena a vontade dos homens. A vontade do homem é um princípio finito, e sujeita àquele que possui uma soberania infinita sobre todas as coisas. Moisés foi resgatado pela filha do próprio homem que planejou destruí-lo. Deus fez com que ele fosse até mesmo educado na casa do próprio rei. Ciro não sabia que Deus o estava usando quando ele decretou a reconstrução do templo dos Judeus (Isaías 45: 4).

Como Governador, Deus restringe as paixões dos homens. Algumas vezes Ele faz isso externamente, como na torre de Babel, mas normalmente Ele age restringindo as paixões internas sem que haja uma causa visível. Vemos isso quando Deus privou os Cananeus do desejo de invadir as terras de Israel, enquanto eles estavam em Jerusalém celebrando suas festas anuais (Êxodo 34: 24). Labão perseguiu Jacó a fim de prejudicá-lo, mas Deus falou a ele em sonho: Guarda-te, que não fales com Jacó nem bem nem mal (Gênesis 31: 24).

Como Governador, Deus derrota os planos e esforços dos homens. Ele ri dos melhores esforços, propósitos, e estratagemas dos homens (Salmo 2: 4). Ele conhece todos os segredos dos homens. Eu sei, ó SENHOR, que não é do homem o seu caminho; nem do homem que caminha o dirigir os seus passos (Jeremias 10: 23). Ele fez com que Hamã fosse enforcado na mesma forca que ele construiu para Mardoqueu, enquanto este acabou sendo exaltado. Os Judeus pensaram que ao crucificarem a Cristo estariam seguros no império dos Romanos (João 11: 48), mas isso somente apressou a destruição deles pelas mãos do exército dos Romanos.

Como Governador, Deus envia Seus julgamentos sobre a vida daqueles que Ele determina. Eu mato, e eu faço viver; eu firo, e eu saro, e ninguém há que escape da minha mão (Deuteronômio 32: 39). Nem toda Sodoma é destruída pelo fogo dos céus. Todos os exércitos do céu e da terra estão a Sua disposição e aguardam Suas ordens para executar Suas vinganças.

Como Governador, Deus é que aponta a todo homem a sua chamada e posição neste mundo. Ele conta o número de cabelos da nossa cabeça. Ele aponta o nosso trabalho ou ocupação neste mundo, o qual é descrito como o nosso chamado.

Como Governador, Deus determina os meios e ocasiões da conversão dos homens. A princípio, a prisão de Paulo parecia ser uma tragédia. Entretanto, alguns servos de Cesar acabariam se convertendo ao ouvirem a pregação do evangelho por intermédio deste prisioneiro. Alguns se dispõem a ouvir um pregador somente por deboche, mas despertados por Deus, acabam se prostrando em oração. A mesma mensagem que converte um, pode endurecer a outro.

Como Governador, Deus dispõe da vida dos homens. Ele detém a chave do túmulo e da morte. Davi escreveu: Meus tempos estão nas tuas mãos (Salmo 31: 15). Deus aponta a longevidade da vida e a medida de saúde de acordo com a Sua soberana vontade.

Deus age soberanamente como Remidor. Na obra da redenção, este domínio é exercido não somente sobre os homens, mas também sobre Cristo, o Filho. Por isso Deus é chamado de a cabeça de Cristo (I Coríntios 11: 3), não em termos de essência divina, na qual Ele é co-igual com o Pai, nem em termos da Sua natureza humana, mas em termos da administração da redenção. O evangelho, como um todo, nada mais é do que a declaração do soberano beneplácito de Sua vontade a respeito de Cristo, e também de nós em Seu Filho.

A soberania de Deus requer o pagamento pelos pecados dos homens. Se Ele nunca exigisse tal reparação, então teria efetivamente colocado de lado a Sua autoridade suprema. Mas Deus soberanamente apontou a Cristo para a obra da redenção. Ele é Filho por natureza, mas Mediador por vontade Divina Ele é chamado de Apóstolo (Hebreus 3: 1), isto é; um mensageiro enviado por Deus. Ele disse ao Pai: Eis aqui venho (No princípio do livro está escrito de mim), Para fazer, ó Deus, a tua vontade (Hebreus 10: 7). Como Deus tinha a liberdade de criar ou não criar, assim também tinha a liberdade de remir ou não remir. Foi um ato de Sua soberana vontade transferir nossos pecados para Cristo. Somente o supremo governador de um país é que pode determinar que tipo de castigo ou punição será imposta aos infratores. Da mesma maneira, Deus pegou todas as nossas dívidas e lançou na conta de Cristo, determinado assim que Ele ficasse responsável por nossa fiança e segurança. Se o Filho apenas tivesse apenas encarnado e morrido, a Sua morte teria sido apenas física e temporal. Mas Deus fez que Ele, que não conheceu o pecado, fosse feito pecado por nós (II Coríntios 5: 21). Assim Deus propôs e entregou Seu Filho (Romanos 3: 25; 8: 32). Portanto, a Sua morte foi eficaz para remir aqueles por quem Ele sofreu. A imputação dos nossos pecados sobre Ele, e da Sua justiça sobre nós, é um ato de pura soberania. Na administração da redenção, Deus determinou que Cristo fosse o nosso Remidor, e isso era um assunto de obediência. Cristo disse: A tua lei está dentro do meu coração (Salmo 40: 8). Além disso, Deus o exaltou soberanamente após a Sua morte. Deus lhe deu toda a autoridade, Ele o constituiu como a cabeça de todas as coisas da igreja; dando a Ele um nome que é sobre todo nome; e ainda o constituiu juiz sobre tudo (Mateus 28: 28; Efésios 1: 22; Filipenses 2: 9; João 5: 22). Por isso, Deus é soberano em tudo o que Cristo realizou como sacerdote ou realizará como um rei.

Vamos agora aplicar os nossos corações neste maravilhoso atributo.

I.    Instrução.

A soberania de Deus é vista com grande desprezo pelo homem natural. Aqui vemos uma grande disputa entre Deus e o homem, ou seja, que será o governador? Se isso foi deixado ao homem, Deus não governaria nem mesmo numa vila em toda a face da terra. O homem ímpio não suporta nenhuma lei autoritária da parte de Deus. Antes rejeitastes todo o meu conselho, e não quisestes a minha repreensão (Provérbios 1: 25). Desprezar a soberania de Deus é apunhalar a Sua divindade, pois Ele não pode ser Deus sem Sua autoridade.

Em geral, todo pecado é um desprezo ao domínio de Deus. Todo pecado desafia Sua lei, e consequentemente a autoridade que está por detrás dela. Porquanto a inclinação da carne é inimizade contra Deus, pois não é sujeita à lei de Deus (Romanos 8: 7). Nós colocamos a nossa vontade acima da vontade de Deus. Como Satanás desejou escapar do domínio de Deus, e ser igual a Ele, assim também tenta o homem com o mesmo pensamento mau: Sereis como Deus (Gênesis 3: 5). Faz parte da mentalidade universal do homem desonrar o domínio de Deus. Rompamos as suas ataduras, e sacudamos de nós as suas cordas (Salmo 2: 3). Todo homem da sua própria maneira diz: “Não me importo com o que Deus pensa ou tem dito, pois eu já determinei como será a minha vida.” Até os homens religiosos usurpam a autoridade de Deus. Por exemplo: a igreja romana privou seus adeptos de tomarem do cálice na ceia do Senhor, mesmo que Cristo tenha dado a ordem de “bebei”. Eles fazem muitas coisas semelhantes a essa, como se Deus tivesse despido a si mesmo do título de Rei dos reis, e o transferido ao bispo de Roma. A maioria dos erros dos homens pode ser resumido como sendo o não reconhecimento da soberania de Deus.

Mais especificamente, os homens desprezam este atributo ao negar a Deus o Seu direito como Legislador, Dono, ou Governador. Deus é desprezado como Legislador quando os homens fazem leis contrárias àquelas que Ele estabeleceu, ou quando tentam cauterizar a consciência de outros, ou quando acrescentam alguma coisa a Sua lei. Embora Pedro não ousasse ser o senhor da herança de Deus (I Pedro 5: 3), aqueles que alegam ser seus sucessores reinam como senhores, fazendo muitas inovações que Deus não ordenou, as quais Ele condena. O Legislador é desprezado quando os homens preferem obedecer as leis dos homens ao invés da lei de Deus. Isso simplesmente é colocar o homem acima de Deus. Quando obedecemos a qualquer um dos mandamentos de Deus só pelo fato de termos o apoio da autoridade humana, na verdade estamos demonstrando que temos mais respeito pelos homens do que por Deus.

Deus é desprezado como Dono de tudo quando os homens sentem inveja. O fundamento desta emoção não passa de uma insatisfação para com Deus no que diz respeito à administração dos Seus bens. Isso também ocorre com relação aos pecados de roubo e fraude, pois se trata de uma ofensa pessoal cometida contra Deus. O Seu direito de propriedade também é negado quando utilizamos aquilo que Ele nos tem concedido para fins egoístas, e não como Deus nos tem revelado. Devemos lembrar que somos mordomos de Deus, nossa herdade pertence a Ele. Portanto, não deveríamos cobiçar, nem desperdiçar, e nem encerrar as entranhas aos necessitados. Não devemos usar a religião como um meio de honrarmos a nós mesmos e não a Deus.

Deus é desprezado como Governador quando os homens adoram ídolos, ou a qualquer criatura ao invés de Deus. Não importa quão grande e importante seja o ídolo, pois só Deus é digno do nosso amor. Uma mulher se torna adúltera a despeito do seu amante ser um príncipe ou um plebeu. Somente Deus é digno da nossa afeição e confiança. Mas nós o desprezamos quando confiamos em outra coisa que não seja Ele mesmo. Não há nada de errado em se ter prosperidade ou honra, mas quando amamos estas coisas e confiamos nelas acima de Deus, estamos negando a Sua soberania sobre as nossas almas. Nunca deveríamos preferir a autoridade do barro acima da dos céus, e nem servir aos súditos ao invés do Rei. Sempre que somos impacientes e murmuramos contra a providência, na verdade estamos desejando que Deus saísse do Seu trono e colocasse a Sua coroa sobre as nossas cabeças. Isso é uma cópia horrível do pecado original de Adão. Quando os homens são orgulhosos e presunçosos, falando mais como um deus do que como um homem, eles estão desprezando o governo de Deus. Eles dizem: Hoje, ou amanhã, iremos a tal cidade, e lá passaremos um ano, e contrataremos, e ganharemos. Mas eles deveriam reconhecer o domínio de Deus e dizer: Se o Senhor quiser, e se vivermos, faremos isto ou aquilo (Tiago 4: 13-15). Se temos uma vontade obstinada, um espírito de independência, e insistimos que nenhum homem tem alguma autoridade sobre nós, então estaremos nos rebelando contra a autoridade de Deus, autoridade esta que Ele delegou nos círculos terrenos. Uma adoração fria e descuidada é outra forma de demonstrar desprezo ao Soberano do universo. Aqueles que se recusam a se curvar são piores do que aqueles que se curvam pela metade? Deus pedia o melhor do rebanho para o sacrifício, e nós deveríamos dedicar o nosso melhor e também todo o nosso coração na adoração. Pecados de omissão mostram um desprezo pelo nosso Governador, como se fossemos livres para escolher quando e onde devemos obedecer. Finalmente, quando julgamos e censuramos injustamente a outros, estamos usurpando os direitos de Deus, e declarando nossa superioridade sobre a lei, como se os homens estivessem mais debaixo da nossa autoridade do que a de Deus. Irmãos, não faleis mal uns dos outros. Quem fala mal de um irmão, e julga a seu irmão, fala mal da lei, e julga a lei; e, se tu julgas a lei, já não és observador da lei, mas juiz. Há só um legislador que pode salvar e destruir. Tu, porém, quem és, que julgas a outrem? (Tiago 4: 11-12). Nosso irmão não deve ser governado por nossos caprichos, mas pela lei de Deus e por sua consciência.

Deus não somente exerce como tem o direito de realmente governar.

Uma qualidade tão gloriosa como esta deveria ser desperdiçada? Será que Deus é como alguns monarcas que ignoram seus reinos gastando o tempo em seus jardins? Seria uma injustiça da parte de Deus não utilizar o Seu domínio para fins justos.

Já que Deus é soberano, então Ele não pode errar. Ele não faz nada além de exercer o Seu direito de soberania. Mesmo quando Ele tira as nossas vidas, está apenas exercendo o direito de tirar aquilo que um dia Ele nos deu. Ele não está em dívida conosco. O Dono de tudo tem todo o direito de tomar de volta os seus bens, a fim de vindicar a Sua soberania. Nós fomos feitos por Ele e para Ele. Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém (Romanos 11: 36).

Já que Deus é soberano, então todo o mérito das criaturas é totalmente excluído. As próprias faculdades pelas quais nós lhe rendemos obediência nos foram concedidas por Ele. Um servo recebe o mérito devido ao seu senhor só porque utiliza as ferramentas que este lhe forneceu? Tudo o que poderíamos dar a Deus na verdade já lhe pertence. A única maneira que Ele pode ficar em dívida conosco, é se Ele livremente se interpor a si mesmo através de Sua própria promessa.

Já que Deus é absolutamente soberano, então aqueles que exercem autoridade nesta terra estão sob a autoridade dEle. Os senhores terrenos não passam de um oficial sob o comando de Deus, que estão mais a Seu serviço do que os seus próprios comandados estão para ele. Poderes terrenos são semelhantes a uma ingênua mosca que voa por entre os dedos de uma mão. Segue-se então, que aqueles que governam deveriam governar de acordo com a vontade de Deus revelada, servindo como um exemplo de submissão àqueles que lhe seguem. Eles deveriam imitar a justiça de Deus em toda a sua administração. E nós devemos obedecê-los enquanto agem de acordo com a vontade de Deus. Como podemos dizer que somos amigos de Deus se desobedecemos aqueles a quem Ele instituiu como superiores sobre nós? O próprio Cristo foi um inimigo de Cesar.

II.    Convicção.

A consideração sobre o domínio de Deus deveria produzir grande temor e espanto em todos que se rebelam contra Ele. A árvore proibida naturalmente não era inferior a qualquer outra presente no jardim, mas se tornou um teste para a submissão do homem. Adão decidiu desafiar a Deus, comendo assim do seu fruto. A pergunta que Deus fez a ele enfatizava o fato da Sua autoridade ter sido tratada com desprezo. Comeste tu da árvore de que te ordenei que não comesses? (Gênesis 3: 11). O domínio de Deus não pode ser desprezado sem que venhamos a sofrer grandes castigos. Ele não somente tem o direito de infligir tais castigos, mas se não o fizer, Ele estará desprezando o Seu próprio domínio. A carcaça flutuante de Faraó é um testemunho para todos os que ousarem desafiar a soberania de Deus e dizer: Quem é o SENHOR, cuja voz eu ouvirei, para deixar ir Israel? Não conheço o SENHOR, nem tampouco deixarei ir Israel (Êxodo 5: 2). Por causa do desprezo a este atributo, o castigo do pecado será inevitável. Em Deus há uma tremenda majestade (Jó 37: 22). Quem pode escapar de Deus? E quem pode confortar uma vez que Deus inicie o Seu julgamento? Não há lugar seguro fora deste Soberano. Ele pode fazer que qualquer parte de Sua criação seja um instrumento de ira. Ele tem em Suas mãos recursos ilimitados. Ele pode fazer que qualquer conforto se volte contra você. Os Seus castigos são terríveis, incomparáveis e indescritíveis. Que tolice desprezar tamanho e poderoso Soberano!

III.    CONFORTO.

Agradeça a Deus, pois há conforto neste atributo para aqueles que se curvam diante do Seu cetro! Todos os Seus outros atributos serviriam de pouco consolo sem a existência deste. O amor que Deus tem para com Seu povo é tão grande quanto a Sua soberania sobre eles. Já que Ele perdoa os nossos pecados, quem poderá impedir ou anular isso? Nele há firme e total segurança. Ele certamente irá dominar e vencer as corrupções do Seu povo. Ele assegura a nossa felicidade ao garantir a nossa santidade. Ele é muito maior do que o maior pecado que ainda resida em nós. Este atributo nos fortalece e encoraja a orarmos a Deus. Ele é extremamente terno em Sua autoridade, e tem prazer em nossas orações quando reconhecemos o Seu domínio. Este atributo nos conforta em nossas aflições, pois confiamos naquilo que Ele tem reservado para nós. O exercício de Sua autoridade ao permitir que passemos por aflições é acompanhado com o exercício de Sua bondade e sabedoria. A tempestade que afunda os nossos navios é a mesma que nos conduz ao porto celestial. Este atributo nos conforta quando a causa de Deus aqui na terra parece estar sendo derrotada. Os Seus inimigos não podem tirar o anzol de suas bocas. Não há sabedoria, nem inteligência, nem conselho contra o SENHOR (Provérbios 21: 30). Ele pode desmontar as rodas dos carros de Faraó quando, onde, e como bem lhe parecer. O próprio diabo tem que se aquietar quando Deus, em Sua soberania, lhe dá uma ordem. Quantas vezes Deus fez que a espada de Seus inimigos se voltasse contra suas próprias entranhas!

IV.    MEDITAÇÃO.

Nós deveríamos pensar frequentemente em nosso grande Rei, reconhecendo-O como Senhor, e a nós mesmos como Seus súditos. Este reconhecimento era o que Deus requeria de Caim, e foi o motivo pelo qual Ele enviou as pragas ao Egito - as coisas que fiz no Egito, e os meus sinais, que tenho feito entre eles; para que saibais que eu sou o SENHOR (Êxodo 10: 2). Meditar neste atributo fará:

- Que Deus seja o objeto da nossa confiança. Ele nunca irá nos desapontar. Este atributo deveria fazer que nossas mãos nunca ficassem apoiadas em qualquer outro lugar, de tal forma que somente nos agarrássemos a Deus. Devemos confiar em Deus somente, a despeito da presença ou ausência das causas secundárias.

- Que sejamos mais diligentes na adoração. Quando nos achegamos diante dEle, a postura do nosso corpo e da nossa alma deveria refletir a majestade e autoridade do Único a quem devemos adorar. Guarda o teu pé, quando entrares na casa de Deus (Eclesiastes 5: 1). Não deveríamos nos apresentar para ouvir a voz de Deus como se estivéssemos ouvindo a voz de um homem qualquer.

- Que nos tornemos mais amorosos com outras pessoas. Já que Deus é quem nos faz prosperar, como poderíamos não honrá-Lo com tudo aquilo que Ele nos tem dado? Deveríamos demonstrar a mesma benevolência a outros. Como Paulo estava ansioso para levantar uma ajuda ao santos necessitados de Jerusalém e isso ser entregue a eles!

- Que fiquemos mais vigilantes contra as tentações. Se lembrássemos sempre do domínio que Deus exerce sobre nós, então rapidamente resistiríamos à tentação, fazendo-a bater em retirada.

- Que suportemos corretamente as aflições. Devemos olhar para elas como uma prova do céu a nosso favor. Não desprezes, pois, a correção do Todo-Poderoso (Jó 5: 17).

- Que nos renunciássemos a nós mesmos diante de Deus em tudo. Nunca deveríamos pedir que Deus nos desse alguma satisfação, como se nós fossemos o Seu juiz ao invés de Seus vermes. Jonas não agiu corretamente ao se irar. Eli falou a verdade quando disse: Ele é o SENHOR; faça o que bem parecer aos seus olhos (I Samuel 3: 18).

- Que paremos de exercitar a nossa vã curiosidade. Nosso Senhor respondeu a curiosidade de Pedro quanto ao futuro de João com estas palavras: Se eu quero que ele fique até que eu venha, que te importa a ti? Segue-me tu (João 21: 22). Deus tem o direito de revelar e ocultar. Temos que cumprir com os nossos deveres e colocar de lado a nossa curiosidade.

V.     EXORTAÇÃO.

Vamos aprender a ser mais humildes através deste atributo. Nunca verdadeiramente nos rebaixaremos até que tenhamos um senso correto da excelência e superioridade de Deus. Jó nunca se sentiu tão humilhado até aquele momento em que Deus lhe mostrou a Sua soberania. Tendo reconhecido a Deus como o Juiz de toda a terra, Abraão reconheceu que não passava de pó e cinza (Gênesis 18: 25-27). Que maldade da parte da criatura querer tomar o lugar do criador! Há uma distância maior entre Deus e o homem do que o existir ou não existir. Não há lugar para orgulho diante de Deus. Como falamos de maneira descuidada a respeito das coisas que possuímos! Será que alguma coisa é realmente nossa? E isso não bastasse, a nossa própria vida não nos foi por um acaso emprestada por Deus?

Vamos aprender a louvar e agradecer. Cantai louvores a Deus, cantai louvores; cantai louvores ao nosso Rei, cantai louvores. Pois Deus é o Rei de toda a terra, cantai louvores com inteligência (Salmo 47: 6-7). Aquele que nos deu o poder para louvar é o mesmo a quem nós devemos adorar. Ele poderia ter nos lançado contra a parede, como um oleiro faz com seu vaso. E se Ele tivesse assim feito, ninguém teria o direito de questionar Sua ação. O nosso único questionamento deveria ser de espanto e adoração, como o do salmista que diz: Que é o homem mortal para que te lembres dele? e o filho do homem, para que o visites? (Salmo 8: 4). A Sua bondade é soberana. Ele é a fonte de tudo o que somos e possuímos! Toda glória seja dada a Ele!

Vamos promover a honra e a glória de Deus. Mais uma vez, Romanos 11: 36 nos fornece boas razões para isso: Porque dele e por ele, e para ele, são todas as coisas; glória, pois, a ele eternamente. Amém. Todos os nossos pensamentos e ações deveriam ser dirigidos para Sua glória. Tudo o somos e possuímos deveria ser consagrado à Sua honra. Aquele que faz todas as coisas para o Seu próprio fim, fez de si mesmo o Seu próprio soberano. Cometemos um grande erro quando nos considerarmos acima de meras criaturas, ao invés de negarmos a nós mesmo diante de um Criador soberano. Deus pedirá contas da nossa mordomia. Ele é muito misericordioso como Soberano para esquecer-se daqueles que se importam com a Sua glória, pois diz: porque aos que me honram honrarei, porém os que me desprezam serão desprezados (I Samuel 2: 30).

Vamos temer e reverenciar a Deus por aquilo que Ele é. Qualquer outra opção seria inadequada. Quem não te temeria a ti, ó Rei das nações? Pois isto só a ti pertence; porquanto entre todos os sábios das nações, e em todo o seu reino, ninguém há semelhante a ti (Jeremias 10: 7). O domínio de Deus, juntamente com Sua bondade, é a primeira centelha que ateia o fogo da verdadeira religião.

Vamos orar e confiar em Deus. A oração modelo conclui: Teu é o reino (Mateus 6: 13). Se Deus não é soberano, então não deveríamos gastar o nosso tempo orando e confiando nEle, mas ao invés disso, deveríamos confiar em nosso próprio domínio e capacidade. Não precisaríamos dizer que tal pensamento é uma blasfêmia.

Vamos obedecer a Deus. Esta é sem dúvida a dedução mais óbvia que podemos tirar deste atributo. Assim como a justiça requer temor; a bondade, gratidão; a fé, confiança; e a fidelidade, convicção, assim também a soberania requer obediência. Se a soberania é a primeira noção que a criatura tem a respeito de Deus, então a obediência certamente deveria ser a nossa primeira mola propulsora. Qualquer coisa menos do que isso é uma contradição daquilo que sabemos e professamos. E por que me chamais, SENHOR, Senhor, e não fazeis o que eu digo? (Lucas 6: 46).

Por que devemos obedecer a Deus?

- Porque a obediência é a única resposta adequada a Ele. Tudo o que vemos e aprendemos da parte de Deus faz com que não haja outra resposta tão sensata.

- Porque é honroso e vantajoso para nós. Servi-Lo é uma honra. É muito melhor nos curvarmos diante de um trono celestial do que ocuparmos qualquer trono aqui na terra. Além disso, faz parte da soberania e da grandeza de Deus recompensar qualquer serviço feito para Ele.

- Porque a soberania de Deus requer obediência da parte do homem. Logo depois de Deus ter colocado Adão no jardim, Ele lhe deu algumas ordens para serem obedecidas. E tomou o SENHOR Deus o homem, e o pôs no jardim do Éden para o lavrar e o guardar. E ordenou o SENHOR Deus ao homem, dizendo: De toda a árvore do jardim comerás livremente, Mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dela não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás. (Gênesis 2: 15-17). Deus prefaciou os Dez mandamentos declarando Sua soberania: Eu sou o SENHOR teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de mim (Êxodo 20: 2-3).

- Porque toda criação obedece a Deus. O mar não ultrapassa os seus limites. As estrelas marcham em sua ordem. Os leões em suas covas o obedecem. E não deveria a criatura, que foi feita à sua imagem e semelhança, obedecê-Lo? Não vamos fingir que lhe obedecemos enquanto agimos como rebeldes.

Como devemos obedecer a Deus?

- Com o devido respeito a Sua autoridade. Se um homem se abstém de beber simplesmente porque isso faz mal a sua saúde, então ele estabeleceu a si mesmo como autoridade maior, não Deus. A verdadeira obediência tem em vista a autoridade que lhe deu a ordem.

- Com a nossa melhor e mais perfeita obediência. A Sua grandeza merece e exige isso. Quanto mais nobre um homem for, mais cuidadosos nós seremos na maneira como o servimos.

- Com uma sincera e intrínseca obediência. Diferente das leis dos homens, a lei de Deus alcança os nossos corações. Portanto, a nossa obediência é incompleta se não houver sinceridade em nossos corações.

- Com aquela obediência que é devida somente a Deus. Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele servirás (Mateus 4: 10). A obediência que prestamos aos homens tem como objetivo final o próprio Deus. Os servos devem ser obedientes aos seus senhores como a Cristo... fazendo de coração a vontade de Deus (Efésios 6: 5-6).

- Com uma obediência abrangente. Algumas leis não devem ser obedecidas (Atos 4: 19; 5: 29). Mas toda a lei de Deus é justa e, portanto, deve ser obedecida. Não temos o direito de escolher quais mandamentos queremos ou não respeitar.

- Com uma obediência incontestável. Devemos obedecer pronta e voluntariamente, como Abraão, que não hesitou ou vacilou ao comando de Deus para oferecer Isaque em sacrifício. Deus tem o direito incontestável de nos dar ordens, e nós de obedecermos a Ele.

- Com uma obediência rejubilante. Um serviço mal feito é um descrédito para o mestre. A qualidade do mestre faz com que o serviço seja mais prazeroso. E por acaso existe um mestre mais excelente do que Deus? Vamos mostrar que servimos a um bom mestre. Devemos servir a Deus não por força, mas voluntariamente. Obediência involuntária não é digna de ser chamada de obediência.

- Com uma obediência perpétua. Pelo fato de que Deus é Deus, e o homem criatura, nós devemos a Ele toda obediência.

Vamos ser pacientes. Não é conveniente ao barro perder a paciência com o oleiro. É nosso dever nos submetermos alegremente a Sua soberana vontade em tudo. Embora a paciência de Jó fosse imperfeita num primeiro momento, ainda assim ele é apresentado como um exemplo para nós. Ouvistes qual foi a paciência de Jó (Tiago 5: 11). Após ser provado, Jó cresceu muitíssimo em paciência, pois ele permaneceu em silenciosa submissão diante do Soberano (Jó 40: 4; 42: 2). Se nós temos o direito de chicotear as nossas bestas para que nos sirvam bem, e pelo fato de sermos seus donos, quanto mais Deus, que nos castiga visando o nosso proveito, visto que lhe pertencemos? Que tolice não nos submetermos pacientemente a Deus! Já que não podemos subjugá-lo, melhor seria nos submetermos a Ele.

A própria natureza e essência da paciência é a submissão a soberania de Deus. Jó exemplificou isso ao dizer: Nu saí do ventre de minha mãe e nu tornarei para lá; o SENHOR o deu, e o SENHOR o tomou: bendito seja o nome do SENHOR (Jó 1: 21). Ser paciente por não termos outra saída, não é uma paciência leal. Esta é a paciência de um prisioneiro que não vê a hora de fugir. Mas quando nos submetemos porque entendemos que Deus é quem fez isso, é uma verdadeira graça. Ainda que ele me mate, nele esperarei (Jó 13: 15). A soberana grandeza de Deus exige o respeito incontestável de Suas criaturas.


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Autor: Stephen Charnock
Tradução: Eduardo Cadete 2011
Fonte: Palavra Prudente