Paulo, chamado para ser apóstolo de Jesus Cristo pela vontade de Deus, e o irmão Sóstenes, à igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados para serem santos, com todos os que em todo lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso: Graça seja convosco, e paz, da parte de Deus nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo. Sempre dou graças a Deus por vós, pela graça de Deus que vos foi dada em Cristo Jesus; porque em tudo fostes enriquecidos nele, em toda palavra e em todo o conhecimento, assim como o testemunho de Cristo foi confirmado entre vós; de maneira que nenhum dom vos falta, enquanto aguardais a manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual também vos confirmará até o fim, para serdes irrepreensíveis no dia de nosso Senhor Jesus Cristo. Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados para a comunhão de seu Filho Jesus Cristo nosso Senhor. Rogo-vos, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que sejais concordes no falar, e que não haja dissensões entre vós; antes sejais unidos no mesmo pensamento e no mesmo parecer. Pois a respeito de vós, irmãos meus, fui informado pelos da família de Cloé que há contendas entre vós. Quero dizer com isto, que cada um de vós diz: Eu sou de Paulo; ou, Eu de Apolo; ou Eu sou de Cefas; ou, Eu de Cristo. Será que Cristo está dividido? Foi Paulo crucificado por amor de vós? Ou fostes vós batizados em nome de Paulo? Dou graças a Deus que a nenhum de vós batizei, senão a Crispo e a Gaio; para que ninguém diga que fostes batizados em meu nome. É verdade, batizei também a família de Estéfanas, além destes, não sei se batizei algum outro. Porque Cristo não me enviou para batizar, mas para pregar o evangelho; não em sabedoria de palavras, para não se tornar vã a cruz de Cristo. (I Corintios 1:1-17)
Quando lemos os primeiros capítulos da carta aos Corintios, encontramos uma imagem ambígua da igreja. Não poderia ser de outra maneira: o que o apóstolo descreve é a igreja real, com suas contradições e paradoxos. Há uma tensão entre o que a igreja aspira ser e o que a igreja é na realidade. Há uma distância entre o que a igreja é agora e o que chegará a ser algum dia. A igreja em Corinto não escapava desta ambigüidade, como se torna evidente desde os primeiros versículos da carta.
A saudação de Paulo: A ambivalência da igreja
Paulo, chamado para ser apóstolo de Jesus Cristo pela vontade de Deus, e o irmão Sóstenes, à igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados para serem santos, com todos os que em todo lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso: Graça seja convosco, e paz, da parte de Deus nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo. (I Corintios 1:1-3)
A carta começa, como era costume então, com a apresentação e a saudação de quem escreve. Paulo se apresenta primeiro a si mesmo como o escritor da carta e logo apresenta e saúda aos corintios, os destinatários da carta. Finalmente, o apóstolo apresenta sua mensagem, resumindo em seu desejo para os corintios: graça e paz de Deus e nosso Senhor Jesus Cristo.
Em nove das treze introduções das suas cartas, Paulo se apresenta como apóstolo de Cristo pela vontade de Deus ou por mandamento de Deus. Na saudação inicial desta carta, ainda que Paulo inclua Sóstenes na sua saudação à igreja, só aplica a si mesmo o título de “apóstolo de Jesus Cristo”, enquanto que a Sóstenes o chama de irmão.
Há muita confusão na igreja atual sobre a palavra “apóstolo”. No Novo Testamento este termo é usado em três sentidos. Em somente um versículo se aplica a todos os crentes, em João 13:16, onde Jesus disse que aquele que é enviado não é maior do que quem o enviou. A palavra “enviado” é traduzida do grego apóstolo. Jesus declara que os cristãos estão comprometidos com a missão apostólica da igreja no mundo. Nesse sentido geral, todo cristão é um apóstolo.
O segundo uso da palavra se aplica aos cristãos como enviados da igreja. Em II Corintios 8:23 e em Filipenses 2:25, Paulo descreve a Epafrodito como seu apóstolo ou enviado. Os “apóstolos da igreja” no Novo Testamento eram o que hoje chamamos missionários, mensageiros do evangelho enviados para uma igreja em particular com uma missão específica.
O uso mais freqüente do termo “apóstolo” no Novo Testamento é no seu sentido restrito, aplicado aos doze apóstolos de Jesus. A este grupo reduzido se somou o apóstolo Paulo, provavelmente Tiago e talvez mais alguns. Não eram apóstolos da igreja, mas sim apóstolos de Cristo, mensageiros que Ele havia elegido e chamado.
Paulo, igualmente aos doze, recebeu este chamado de Jesus Cristo de forma direta e pessoal. Como eles, também era testemunho da ressurreição. É certo que não havia conhecido Jesus Cristo em sua existência terrena; tão pouco teve o enorme privilégio de passar esses três anos formativos com os discípulos de Jesus. No entanto, o Cristo ressuscitado lhe apareceu pessoalmente; sem essa experiência da ressurreição de Cristo, Paulo não poderia ter sido um apóstolo.
Paulo se refere aos seus antecedentes como apóstolo no capítulo 9 da mesma carta aos Corintios, e reitera o mesmo conceito no capítulo 15, ao enumerar as aparições de Jesus depois da ressurreição. Em 15:8, disse: “Por último, como a um abortivo, apareceu a mim”. Ainda que se trata de uma aparição peculiar de Cristo, posteriormente a sua ascensão, Paulo reclama a validez desta circunstância para respaldar seu nome na lista dos apóstolos.
Podemos dizer com toda firmeza que na atualidade não há na igreja apóstolos de Jesus Cristo, porque ninguém teve uma aparição do Cristo ressuscitado. Existem líderes, bispos, evangelistas, pioneiros, missionários e plantadores de igrejas aos quais podemos nos referir como ministros apostólicos. É válido dar-lhes o qualificativo “apóstolo” (adjetivo), porem não lhes corresponde o título de “apóstolo” (substantivo). Há uma diferença fundamental entre aqueles primeiros apóstolos e qualquer mensageiro do evangelho que os tem sucedido.
A igreja primitiva compreendeu muito bem esta diferença. Quando morreu o último apóstolo, a igreja sabia que se iniciava uma etapa nova, a era pos-apostólica. Uma das melhores evidencias disto é o testemunho do bispo Ignácio da Síria, a quem os eruditos localizam ao redor de 110 DC, quando já tinham morrido os apóstolos. Ignácio foi condenado a morte por ser cristão e ia a caminho de Roma, fazia seu martírio. Durante a travessia, escreveu uma série de cartas às igrejas, algumas das quais chegaram ate nós. Nelas Ignácio repete com freqüência este conceito: “Não lhes dou ordem ou mandamento como fizeram Pedro e Paulo, porque eu não sou apóstolo para condenar os homens”. Ainda que era bispo, Ignácio enfatizava que não era apóstolo nem tinha a mesma autoridade que eles. É de se esperar que nós entendamos este conceito com a mesma claridade.
Se houvesse hoje pessoas com a mesma autoridade que aqueles primeiros apóstolos, deveríamos agregar seus ensinamentos ao novo Testamento e toda a igreja estaria comprometida a os aceitar e obedecer. Porem ninguém tem a autoridade comparável à dos doze e Paulo. Devemos distinguir entre os apóstolos da igreja, dos quais existem muitos ao redor do mundo hoje, e aqueles apóstolos de Cristo.
A igreja pertence ao mesmo tempo ao céu e a terra
Paulo escreve “à igreja de Deus que está em Corinto”. Quando escreve aos tessalonicenses saúda “à igreja dos tessalonicenses em Deus”. Ambas descrições são verdadeiras. A igreja vive tanto “em Deus” com “no mundo”, ainda que tenha se tornado muito difícil manter o equilíbrio. Houve uma época em que a igreja se apartou totalmente do mundo. Com a pretensão de estar só em Deus, se isolou em um ambiente nostálgico. Em outras ocasiões, os cristãos cometem o erro oposto e se comprometem a tal ponto com o secular que perdem a identidade única que teen de estar ou pertencer a Deus.
A igreja não foi chamada nem para se excluir nem para se assemelhar totalmente com o mundo. Não temos liberdade para nos retirarmos do mundo, nem tão pouco para nos confundirmos com ele. Nas palavras de Jesus, devemos estar no mundo porem não sermos parte do mundo. Precisamos lembrar continuamente que a igreja pertence a dois âmbitos: ao céu e a terra.
A igreja é santa e está em processo de santificação
A igreja tem dois estados em relação com a santidade; um é atual e o outro potencial. Por um lado, os cristãos já são santos, no sentido de ter sido separado para Deus. Por outro lado, são chamados para ser santos, a desenvolver uma vida de santidade.
Neste sentido, a igreja se parece muito ao antigo povo de Israel. No Antigo Testamento, uma e outra vez se nomeia Israel como nação santa. Era a nação escolhida por Deus. No entanto, não era uma nação de pessoas santas senão mais bem ao contrário. Por isso, Deus constantemente os instava a voltar-se a Ele e a serem santos. A igreja hoje tem a mesma ambigüidade: já é santa e, ao mesmo tempo, Deus a chama para ser santa.
A igreja invoca a Deus e é chamada por Ele
Há uma reciprocidade nestes chamados, que poderíamos denominar de “objetivo” e “subjetivo”. Primeiro Deus nos chama para ser santos e logo nos chama a Ele para que nos faça santos. Somente quando invocamos a Deus para que Ele realmente seja Deus em nós, temos esperança de chegar a ser o que realmente devemos ser.
Podemos dizer da igreja o que John Newton dizia de si mesmo. Havia sido traficante de escravos e logo que se converteu chegou a ser pastor e escritor de hinos, um dos quais é o tão conhecido “Maravilhosa graça”. Newton dizia: “Não sou o que devo ser, não sou o que quero ser, não sou o que um dia espero ser; mas graças a Deus não sou o que fui antes, e é pela graça de Deus que sou o que sou”. Essa é a realidade do “já” mas “ainda não” na vida individual do cristão, e é a verdade da igreja também.
A igreja é o povo santo de Deus, foi comprada pelo sangue precioso de Cristo e santificada pelo Espírito Santo. No entanto, Cristo ainda não apresentou diante do trono sua noiva sem manchas nem rugas. Há uma tensão inevitável entre a realidade essencial e a realidade atual, entre o humano e o divino, entre o “já” e o “ainda não”. Para manter o equilíbrio é fundamental recordar que vivemos entre dois momentos chaves na história: entre a primeira e a segunda vinda de Cristo. A história da igreja transcorre entre o que Cristo fez quando veio e o que fará quando vier outra vez, entre o “já” do Reino inaugurado e o “ainda não” do Reino consumado.
Esta tensão entre a igreja real e ideal se vive muito especialmente em relação com a unidade da igreja. Em um sentido, há só uma igreja, a igreja de Deus, Sua igreja universal. No entanto, a igreja cristã ainda não é uma, e mais bem se encontra dividida. Essa é a realidade, e devemos aprender a viver nela, ao mesmo tempo em que aceitamos a unidade essencial da igreja de Cristo.
Ação de graças: A identidade da igreja
Sempre dou graças a Deus por vós, pela graça de Deus que vos foi dada em Cristo Jesus; porque em tudo fostes enriquecidos nele, em toda palavra e em todo o conhecimento, assim como o testemunho de Cristo foi confirmado entre vós; de maneira que nenhum dom vos falta, enquanto aguardais a manifestação de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual também vos confirmará até o fim, para serdes irrepreensíveis no dia de nosso Senhor Jesus Cristo. Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados para a comunhão de seu Filho Jesus Cristo nosso Senhor. (I Corintios 1:4-9) Antes de admoestar ou criticar a igreja por sua desunião, sua imoralidade, seus litígios, sua má conduta na Ceia do Senhor... Paulo da graças por eles, com toda sinceridade, porque sabe que Deus está operando neles.
É sempre melhor ressaltar o positivo antes do negativo, e dar graças pelo bom antes de começar a corrigir ou criticar. Paulo da graças tanto pelo que a igreja já é como pelo que um dia chegará a ser; dá graças as Deus pela graça presente e também pela glória futura da igreja. O apóstolo harmoniza a ambigüidade da igreja porque sua perspectiva combina passado, presente e futuro dos crentes.
O passado se expressa na graça que foi dada aos corintios em Cristo Jesus. Por Ele foram enriquecidos em toda palavra e conhecimento, tanto para a salvação como para o serviço. O “conhecimento” (gnosis) é neste caso o conhecimento recebido pela iluminação divina. Em outras palavras, os corintios crentes tinham sido capacitados para conhecer a Deus por meio de Cristo. Também foram enriquecidos em toda “palavra” (logos), termo que alude a comunicação dessa revelação.
O presente se reflexa no versículo sete, quando o apóstolo declara que aos crentes não lhes falta nenhum carisma ou dom. Posto que foram enriquecidos em tudo, agora não lhes falta nada. Isto não quer dizer que todos os cristãos têm os dons; mais adiante, no capítulo 12, o apóstolo explica que o Espírito Santo é quem distribui os dons a cada crente na congregação. Cada igreja local pode ter a certeza de que tem recebido tudo o que precisa.
Finalmente Paulo se move até o futuro. Essa igreja que foi enriquecida e à qual não falta nada está, no entanto, esperando ansiosamente a vinda de Cristo. Ainda que a igreja em Corinto havia sido enriquecida em tudo, estava muito longe de ser perfeita, como qualquer leitor da carta poderia se dar conta. Por isso Paulo vê o futuro, quando Cristo a confirmará definitivamente e a apresentará irrepreensível ante Deus.
Não há contradição entre esses três aspectos da identidade da igreja. Foi enriquecida no passado, não lhe falta no presente nenhum dom espiritual, e no entanto espera sua perfeição final. Paulo conclui no versículo nove com uma declaração maravilhosa: Fiel é Deus, pelo qual fostes chamados para a comunhão de seu Filho Jesus Cristo nosso Senhor. (I Corintios 1:9)
Deus nos chamou (passado aoristo no grego) para ter comunhão com Seu Filho Jesus Cristo. Nossa experiência presente como cristão é que, dia a dia, podemos viver em comunhão com Jesus Cristo. Deus é fiel e por Sua fidelidade podemos ter confiança no futuro. Ele manterá suas promessas. A identidade da igreja se encontra nessa tensão entre o passado, o presente e o futuro. Mantenhamos essa perspectiva, e demos graças a Deus porque o que somos, e o que seremos, o devemos a Sua graça e fidelidade.
A apelação de Paulo: Unidade da igreja
Rogo-vos, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que sejais concordes no falar, e que não haja dissensões entre vós; antes sejais unidos no mesmo pensamento e no mesmo parecer. Pois a respeito de vós, irmãos meus, fui informado pelos da família de Cloé que há contendas entre vós. Quero dizer com isto, que cada um de vós diz: Eu sou de Paulo; ou, Eu de Apolo; ou Eu sou de Cefas; ou, Eu de Cristo. Será que Cristo está dividido? Foi Paulo crucificado por amor de vós? Ou fostes vós batizados em nome de Paulo? Dou graças a Deus que a nenhum de vós batizei, senão a Crispo e a Gaio; para que ninguém diga que fostes batizados em meu nome. É verdade, batizei também a família de Estéfanas, além destes, não sei se batizei algum outro. Porque Cristo não me enviou para batizar, mas para pregar o evangelho; não em sabedoria de palavras, para não se tornar vã a cruz de Cristo. (I Corintios 1:10-17)
Depois da ação de graças, Paulo faz aos corintios uma apelação comovedora. Depois de agradecer a Deus pelo enriquecimento dos corintios em Cristo, lhes faz um chamado urgente, por causa da dolorosa divisão que há entre eles. Acaba de lhes escrever sobre sua comunhão e agora tem que os exortar pela sua falta de comunhão. Contudo, Paulo segue se dirigindo a eles como irmãos e irmãs. Quiçá o faz de propósito, para os lembrar que pertencem à família de Deus e que com seu comportamento, em alguma medida estão contradizendo sua identidade.
Paulo apela em nome de Cristo
No versículo dez, a palavra em grego significa literalmente que Paulo apela a eles através do nome de Jesus Cristo. Paulo não estava só declarando sua autoridade apostólica ou falando em nome de Jesus Cristo. Os exortava no único nome que todos os cristãos invocam e no qual todos foram batizados. Essa era a base para sua apelação.
Paulo apela à unidade
Em um só versículo, existem várias expressões que reforçam a apelação do apóstolo à unidade. O último verbo que usa é muito interessante. Em grego é o verbo catarizo, que fazia alusão a remendar ossos quebrados ou rede de pescar. É um verbo que denota a ação de reparar algo quebrado. No caso dos corintios, é a comunhão que tinha sido quebrada e Paulo sabe que eles a irão reparar.
Paulo apela diante da desunião
Tinham falado a Paulo sobre as discussões e divisões que havia entre os corintios. Este é o único dado que Paulo tem a respeito da situação. O versículo doze explica em que consiste o problema. No grego, a expressão que se traduz “sou de“ indica uma aliança ou pertencer a alguém. Os membros da igreja estavam declarando sua aliança ou lealdade a diferentes apóstolos. Parece ainda que uma destas facções reclamava uma união particular e exclusiva com Cristo. Alguns comentaristas têm interpretado que esta única frase, “eu pertenço a Cristo”, é um recurso retórico de Paulo para causar impacto. Mas as quatro expressões são idênticas em sua estrutura gramatical e mais bem parece indicar que este quarto grupo reclamava uma união especial com Cristo, talvez porque eram os que O haviam visto ou ouvido pessoalmente. Sugere-se que entre estes grupos havia distintas teologias em competição. Na realidade, no texto não há nenhuma evidência deles. A divisão parece dever-se mais bem a personalidades em conflito do que a princípios ou correntes doutrinárias diferentes. Paulo se sente profundamente afetado por esse conflito e insiste com os corintios que ele é irmão deles assim como eles o são dele. Ele não é um mestre nem eles o pertencem e, portanto, eles não têm nenhum direito de fazer estas alianças que os dividem entre si. Ao final do capítulo 3 da mesma carta, Paulo afirma que se alguém pertence a alguém na igreja cristã, são os líderes quem pertencem a igreja, e não esta aos líderes.
Paulo apela ao essencial
Há um matiz de urgência na apelação de Paulo, e com razão. A atitude partidarista ou separatista dos corintios tem implicações muito sérias. Esses desacordos, disse Paulo, são teologicamente ofensivos porque contradizem os fundamentos do evangelho em três sentidos: contradizem a pessoa de Cristo, a cruz de Cristo e o significado do batismo em Cristo. Em outras palavras, Cristo era quem ficava ofendido e negado por todos os grupos. Paulo mostra que essa conduta é inaceitável por meio de três perguntas retóricas, cada uma das quais se responde negativamente. Acaso está Cristo dividido? É sua primeira pergunta. Acaso há mais de um Cristo? Acaso fracionaram Cristo? Logicamente que não. Seria uma idéia ridícula. Existe um só Cristo, indivisível. A segunda pergunta retórica do apóstolo é: Foi Paulo crucificado por vocês? Em outras palavras, acaso vocês estão confiando em Paulo e sua crucificação para ser salvos? Aqueles que declaram pertencerem a Paulo estão supondo que ele é quem os redimiu. Só a idéia era absurda. Cristo, não Paulo, é quem foi crucificado por eles. E em terceiro lugar, acaso foram batizados no nome de Paulo? Há alguma razão para ter uma aliança especial com algum ser humano por causa do batismo?
Com esta argumentação, Paulo enuncia três verdades essenciais do evangelho. A primeira é que Cristo é um só e indivisível: há só um Cristo, há só uma cabeça do corpo de Cristo. A segunda verdade é que Cristo foi crucificado por nós e como conseqüência pertencemos só a Ele. A terceira afirmação tem relação com o batismo cristão. O batismo é testemunho de nossa aliança com Cristo e de nossa exclusiva lealdade a Ele. Paulo desenvolve o conceito do batismo com toda claridade em Romanos 6. Fomos batizados na morte e ressurreição de Cristo; a fé é “interna” e o batismo é a demonstração “externa” de que estamos unidos a Cristo em Sua morte e ressurreição. Em outras palavras, Sua morte é nossa morte e Sua ressurreição é nossa. Todos nós somos batizados em Cristo e só nEle. Paulo sustenta que, com sua atitude sectária, os corintios negavam as verdades essenciais do evangelho porque davam a líderes humanos a posição que só Cristo tem. Sacrificavam o nome de Cristo, em cuja morte e ressurreição haviam sido batizados, em troca pelo nome de um ser humano que só os havia batizado fisicamente. O apóstolo se mostra agradecido de não haver batizado a nenhum deles, salvo a Crispo, a Gaio, e a família de Estéfanas. Ninguém mais poderia dizer que havia sido batizado em seu nome.
O que Paulo enfatiza é que não tem importância alguma quem é o que batiza. O que realmente importa é em quem somos batizados: em Cristo mesmo. Obviamente, Paulo não diminui a importância do batismo. Sabe que foi instituído por Jesus e que é parte integral da Grande Comissão. Como se depreende de Romanos 6, o apóstolo tinha uma percepção profunda do batismo. Quanto a sua tarefa, Paulo se define como evangelista. É um pioneiro, chamado por Deus para levar a mensagem aos lugares onde ainda não havia sido pregado. Paulo afirma que sua pregação não foi com palavras de sabedoria humana “para não fazer vã a cruz de Cristo”. Descobrimos aqui uma dobre renuncia por parte do apóstolo. Renunciou à sabedoria do mundo para pregar a “loucura” da cruz. Ademais Paulo renunciou à retórica e confiou só no poder do Espírito Santo.
O que fazer com as diferenças?
Há uma tensão iniludível entre o que a igreja é e o que deve ser, entre o que a igreja já é e o que chegará a ser. Vivemos esta tensão em nossas congregações, tal como ocorria na igreja em Corinto. A situação é especialmente evidente na desunião entre cristãos. Sem duvida há uma só igreja de Cristo, mas não mostramos e nem desfrutamos dessa unidade. A igreja é um povo santo de Deus, comprada pelo precioso sangue de Cristo e santificada pelo Espírito Santo. No entanto, a realidade ambígua da igreja é um desafio para que busquemos santidade e procuremos unidade em torno da essência do evangelho da cruz de Cristo. Quando há diferenças sobre temas teológicos sérios, o Novo Testamento não só permite como ordena a separação da igreja. Em sua carta, o apóstolo João expõe com claridade as doutrinas que não devem ser toleradas dentro da igreja: aquelas que negam a humanidade de Jesus Cristo ou negam ao evangelho da graça gratuita por meio da cruz. Quem as sustenta merecem uma maldição ou juízo de Deus. Com a mesma severidade se expressa Paulo na carta aos Gálatas. As falsas doutrinas sobre a pessoa e a obra de Jesus Cristo de nenhuma maneira podem ser aceitas. Sobre estes assuntos deve aplicar-se a disciplina na igreja, até a excomunhão, porque são verdades centrais do evangelho. Em compensação, o que devemos fazer sobre os assuntos que são secundários, mas causam divisão? Há muitos temas que nos dividem. Ainda que todos creiamos no Pai, no Filho e no Espírito Santo, entramos em pleitos por muitos temas: a quantidade de água que se necessita para batizar alguém, a interpretação das profecias, porque cremos que certas profecias foram ou irão ser cumpridas. Até nos dividimos por questões culturais em relação a liturgia. Todos cremos nos dons, cremos que a igreja é o corpo carismático de Cristo e cremos nos ministérios de todos os crentes. No entanto, discutimos sobre quais são os dons mais importantes e como são recebidos.
Há inumeráveis polemicas sobre assuntos secundários. Como diferenciamos o primário do secundário, o central e o marginal? Sugiro uma norma que pode ajudar quando queremos dialogar entre cristãos bíblicos, isto é, entre cristãos que consideram a Bíblia como máxima autoridade. Se estivermos igualmente dispostos a submeter-nos à autoridade das Escrituras e chegarmos a decisões diferentes sobre um tema, então devemos concluir que esse é um assunto secundário. Se as escrituras não são claras para nos levar a uma conclusão única, significa que esse assunto não é central ao evangelho e que sobre esse tema devemos aceitar e respeitar nossas diferenças. Estes são temas aos quais chamamos de adiáfora, isto é, assuntos que não são essenciais senão marginais. Um breve epigrama que vem do século XVII, e que se adjudica a Ruperto Meldinius, é de muita ajuda neste terreno. Traduzido do latim, expressa:
No essencial, unidade.
No que não é essencial, liberdade.
Em todas as coisas, caridade.
Não tem dúvida de que a igreja pode ser uma comunidade mais harmoniosa e uma esfera mais feliz se nos esforçarmos por viver com este critério. Não deveríamos brigar por assuntos doutrinais secundários. Muito menos brigar por zelos, por ambição ou por questões de personalidade, como ocorreu na igreja em Corinto e ocorre hoje em muitos lugares. Pergunto-me que aconteceria com as divisões eclesiásticas se pudéssemos pensar sobre isto de maneira honesta. Muitas das nossas divisões respondem mais a diferenças culturais que teológicas. Outras, mais a temperamentos que a princípios doutrinários. E muitas são causadas por ambições pessoais mais do que por ambição em Cristo. Examinemos nossas motivações. Tenhamos cuidado, ao pregar e batizar, de não estimular às pessoas a se sentirem mais leal a nós do que ao Senhor. Isto era o que havia horrorizado Paulo. Substituir o nome de Cristo pelo nosso próprio nome é contradizer o evangelho. O apóstolo culmina o capítulo 1 com um chamado à humildade. Pede que ninguém se jacte em outros seres humanos e muito menos em si mesmo: “O que se gloria, glorie-se no Senhor” (1:31). Esse é o essencial. Que nosso anelo seja estar cada vez mais centrados em Jesus Cristo, tanto em
nossa doutrina como em nossa vida.
___________________________________________
FONTE: Livro, "SINAIS DE UMA IGREJA VIVA" - JOHN STOTT
Postar um comentário