18:28
Um sermão pregado pelo reformador 
João Calvino

Se de fato é justo diante de Deus que dê em paga tribulação aos que vos atribulam, e a vós, que sois tribulados, descanso conosco, quando se manifestar o Senhor Jesus desde o céu com os anjos do seu poder, como labareda de fogo, tomando vingança dos que não conhecem a Deus e dos que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo; os quais, por castigo, padecerão eterna perdição, ante a face do Senhor e a glória do seu poder, quando vier para ser glorificado nos seus santos, e para se fazer admirável naquele dia em todos os que crêem (porquanto o nosso testemunho foi crido entre vós). (2 Tessalonicenses 1:6-10)

Nosso Senhor surgirá do céu. Esse é um dos principais artigos da nossa fé. Sua vinda é certa. Portanto, devemos esperar essa vinda enquanto esperamos nossa redenção e salvação. Não devemos duvidar disso. Porque duvidar seria rejeitar tudo aquilo que nosso Senhor Jesus fez e sofreu. Por que Ele veio a este mundo? Por que se vestiu de carne humana? Por que foi exposto à morte? Por que foi levantado da morte e levado ao Céu? A vinda de nosso Senhor selará e ratificará tudo o que Ele fez e sofreu pela nossa salvação. E isso deveria ser suficiente para resistir a todas as tentações deste mundo.

Mas, devido à nossa fragilidade, o Apóstolo Paulo utiliza outro argumento para nos confirmar essa esperança, à qual nos exorta por meio de sua epístola aos tessalonicenses. Deus não permitirá que aqueles que rejeitam o evangelho O desprezem, sem levar em consideração Sua majestade celestial. Ele não está
disposto a permitir que Suas criaturas se levantem contra Ele. Por isso deveríamos estar plenamente firmados na esperança da nossa salvação, já que Deus está interessado pessoalmente nela.

Ainda que Deus nos assegure amplamente seu interesse em nossa salvação, nossa natureza está de tal modo cheia de desconfiança que muitas vezes duvidamos. Mas quando somos confrontados com o ensino de que Deus manterá Seu direito e não permitirá que Sua majestade seja pisoteada pelos homens, isso deveria dar-nos segurança. Deus nos concede essa graça de unir Sua glória com a nossa salvação, de modo que existe uma união inseparável entre ambas. Posto que Deus não pode deixar de defender Sua majestade contra o orgulho e a rebelião dos homens, não será infalivelmente certo que nosso Senhor Jesus voltará para dar-nos libertação e repouso? Portanto, percebemos que Jesus Cristo não pode enfatizar a glória de Seu Pai se não declarar-se a Si mesmo como nosso Redentor. Essas coisas não podem ser separadas. Vemos o infinito amor de Deus para com seus fiéis de tal modo que, assim como Ele não pode esquecer Sua própria glória, também não pode esquecer nossa salvação. Se Ele emprega Seu poder para vingar-Se daqueles que resistem a Ele, castigará tanto mais aqueles que têm afligido injustamente os que Lhe pertencem. Isso é o que o Apóstolo Paulo quer dizer quando afirma nessa passagem que Jesus Cristo virá inclusive para vingar-Se daqueles que não têm conhecido a Deus nem obedecido o Seu Evangelho. É como se dissesse: “Aqui estão os seus inimigos e perseguidores. Você ainda duvida que Deus considera suas aflições e tem piedade de você? Pensa que Deus não leva em consideração a Sua própria glória e que não está disposto a defendê-la? Mesmo que os adversários o ataquem porque você segue o Evangelho, Deus, ao defender a Sua própria causa, será o seu Defensor.”

No entanto, Paulo nos dá aqui outras exortações muito úteis. Porque quando fala da vingança preparada contra nossos inimigos, diz: “Jesus Cristo virá, com os seus anjos poderosos, em meio a chamas flamejantes”. E com que propósito? Para confirmar que os inimigos do Evangelho receberão seu castigo diante de Deus. É como se dissesse que jamais poderemos compreender o tormento dos ímpios, assim como também não compreendemos a glória de Deus, porque quando falamos da glória de  Deus, sabemos que é infinita. Não podemos medi-la, mas somos surpreendidos por ela. Assim será o horrível castigo preparado para os descrentes, quando Deus liberar Seu poder contra eles. Porque assim como é inestimável a Sua majestade, também a Sua tempestade é incompreensível para nós.

Além disso, quando Paulo fala dos infiéis e dos inimigos de Deus, diz: “os que não conhecem a Deus” e não
obedecem ao Evangelho, pois permanecem rebeldes. Esse modo de falar assinala uma doutrina mui útil. Porque se alguém pergunta aos homens se querem fazer guerra contra Deus, mesmo que sejam muito perversos, responderão que não. No entanto, fazem exatamente o contrário do que professam, posto que não estão dispostos a obedecer ao Evangelho. Como é possível? Está escrito que não podemos obedecer a Deus, exceto pela fé. Assim consta na epístola aos Romanos e no livro de Atos dos Apóstolos. Posto que a fé consiste em obediência autêntica, obediência como Deus demanda e aprova, deduzimos que todos os que não querem crer no Evangelho são rebeldes contra Ele. Se eles protestam afirmando não ter a intenção de rebelar-se contra Deus, os fatos falam mais alto do que suas palavras. Assim aprendemos que não podemos servir a Deus se, em primeiro lugar, não crermos no Evangelho, aceitando tudo aquilo que ele contém para nos humilhar. Em resumo, a fé é o principal serviço que Deus espera dos homens. Não obstante, devemos perceber que a fé não é simplesmente um mero assentimento da mente, mas também um profundo assentimento do coração e dos sentimentos. Porque não devemos aceitar somente com a boca e com a imaginação aquilo que o Evangelho nos ensina, mas tal ensino deve ser impresso no coração, para que saibamos que não devemos levantar oposição contra o nosso Deus. Ao contrário, devemos seguir a doutrina oferecida pelo Evangelho com autêntico desejo. A fé, portanto, provém do coração, e não consiste
simplesmente em conhecimento. Porque se estivéssemos meramente convencidos de que o Evangelho é uma
doutrina razoável, ainda que realmente não nos agradasse, e mesmo nos enojasse, por acaso isso seria obediência? Certamente que não! 

Aprendamos, portanto, a fim de obedecer a Deus, a não somente considerar boa e santa a doutrina do Evangelho, mas também a amá-la, a unir a reverência com o amor, tal como Davi diz sobre a Lei, que a considera mais doce do que o mel e mais valiosa do que o ouro e a prata. Devemos ter como preciosa a doutrina do Evangelho, têla em grande estima, mais do que todas as coisas que possam parecer-nos doces e dignas de amor. Quando assim procedermos, Deus aprovará nossa obediência. Esse é o serviço peculiar que Ele espera de nós. Do contrário, será em vão que façamos isto ou aquilo; tudo o que fizermos será uma abominação para Deus, enquanto não crermos no Evangelho.

Nisto vemos quão miserável é a condição dos papistas. Eles mesmos se atormentam cada vez mais em suas
assim chamadas “devoções”. Creem estar seguros em Deus. Quando vociferam suas ladainhas, quando recitam o Pai Nosso, quando assistem muitas missas e se esforçam em suas peregrinações e romarias, quando oferecem dinheiro para suas abominações, adquirindo com dinheiro os seus ídolos, quando fazem tudo isso, creem que Deus deve conceder-lhes bens equivalentes a seus méritos. E por quê? Porque lhes falta o princípio básico da fé. Porque mesmo que aquelas coisas não fossem más nem contra Deus nem contra os homens, no tornam-se frívolas diante de Deus quando da parte dos homens são oferecidas sem a verdadeira fé. Vemos, então, que ainda que os papistas trabalhem diligentemente para servir a Deus, somente aumentam sua própria condenação, atraindo ainda mais a ira de Deus sobre as suas cabeças. Tanto é assim que nesta passagem da Escritura são chamados de rebeldes contra Deus, posto que não querem sujeitar-se à doutrina do Evangelho. Para se sentirem seguros dizem: “Nossa intenção é servir a Deus, e por isso fazemos isto ou aquilo”. Muito bem. Mas Deus tem demonstrado que o único bem que você tem está na pura graça e misericórdia d’Ele, e que somente em Jesus Cristo devemos buscar a nossa salvação. Ele declara que enviou Seu Filho para que você possa experimentar o resultado de Seu sofrimento, que no nome de Cristo e por meio d’Ele serão recebidas e canceladas todas as suas dívidas, que você não deve procurar nenhum outro advogado a fim de encontrar acesso à Sua majestade, que você deve pedir ser renovado por Seu Espírito Santo. Vocês, papistas, o que estão fazendo? Não há senão orgulho e presunção em vocês. Tal como um touro, atacam todas as promessas de Deus e pretendem obter por seus próprios meios aquilo que Deus somente concede em Cristo. Vocês depositam sua confiança em obras e méritos. Procuram padroeiros e intercessores segundo lhes pareça bem. Deixam Jesus Cristo de lado. Não há verdadeira fé em vocês. E o que é pior, vocês são inimigos de Deus, travam guerra contra Ele, em vez de servir-Lhe e honrar-Lhe, como vocês pensam que fazem.

De modo que certamente devemos glorificar o nosso Deus, pois nos resgatou de semelhantes profundezas e
nos demonstrou qual é verdadeiramente o serviço que Lhe agrada, ou seja, Ele nos une ao ensino do Evangelho e às suas promessas. Além disso, se percebemos que os homens são humilhados diante de Deus, sabemos que essa é a autêntica preparação para levá-los ao serviço de Deus, inclusive à obediência plena e perfeita que Deus aprova. Toda incredulidade é rebelião contra Deus, posto que não há obediência verdadeira, a menos que comece pela fé. Paulo diz que aqueles que não obedecem ao Evangelho de modo nenhum conhecem a Deus. Portanto a ignorância não é desculpa para os homens, ainda que confiem nela como um escudo. Parece-lhes suficiente não estarem convencidos de seus próprios pecados. Afirmam que Deus tem obrigação de perdoar-lhes tudo. Será mesmo? O Apóstolo Paulo diz especificamente que Jesus
Cristo virá para destruir aqueles que não conhecem a Deus. Devemos entender que estamos perdidos e aturdidos a menos que conheçamos Aquele que nos criou e nos redimiu. Deus nos deu espírito e inteligência para que possamos conhecê-Lo e adorá-Lo, e para que possamos render-Lhe a honra que pertence somente a Ele. Os homens desejam ser honrados e estimados, sem importar-se com seu Criador. Isso é correto, por acaso? Por acaso não é contrário à natureza?

No entanto, percebam que a ignorância dos ímpios não procede de sua simplicidade, mas sim da malícia, orgulho e hipocrisia, que os levam a não ter direção nem sentido na vida. De que modo? Porque se pudéssemos conhecer a Deus, certamente viríamos nos humilhar diante d’Ele. Porque para os homens é impossível pensar no que Deus é realmente, sem serem tocados pelo temor, de modo a inclinar-se perante Ele. Então, quando somos rebeldes contra Ele, isso é sinal de que nunca O conhecemos. Porque o conhecimento de Deus é algo vivo, sendo impossível conhecê-Lo e ser obstinado e rebelde como os ímpios.

Se alegam ignorância, isso é certo. Mas também são malfeitores e hipócritas. Pois não temos, todos, coisas
suficientes para nos tornar indesculpáveis? Mesmo que somente existisse a semente que por natureza Deus
colocou em nós, de modo que contemplando a terra e o céu deveríamos pensar que existe um Criador do qual tudo procede, não obstante Deus se revela a nós como por um espelho, mostrando a Sua majestade e glória. Até os mais perversos, vendo-se em desgraça, buscam refúgio em Deus, sem refletir sobre isso. Porque Deus os move a isso para deixá-los sem desculpa, de modo que os ímpios não são tão ignorantes a ponto de não haver hipocrisia neles. Eles querem usar a ignorância como desculpa, mas fecham seus olhos conscientemente. Nisso também há orgulho e malícia. Porque se quiséssemos honrar a Deus como Ele deve ser honrado, teríamos uma grande ansiedade para descobrir sobre Ele e sobre a Sua vontade. Então, se os homens são tão covardes e frios, é porque desprezam a Deus. Ou seja, tudo o que querem é ser deixados nas trevas. Como isso é possível? Porque se nos aproximamos de Deus e Ele nos adverte por causa das nossas faltas, deveríamos aprender a nos arrepender de nossos pecados e corrigi-los. Mas nos conformamos em dormir com nossos farrapos imundos. Assim é como os homens evitam os penetrantes olhos de Deus.

Percebam então que não é sem causa que os homens são castigados apesar de sua ignorância. Porque não poderão alegar que foi simples ignorância, mas também hipocrisia, orgulho e malícia. É por isso que o Apóstolo Paulo afirma que aqueles que pecaram sem Lei (isto é, aqueles que não tiveram o conhecimento da Palavra de Deus) também se perderão, e acrescenta que Deus gravou a Sua lei no coração de todos. Ainda que não tenhamos as Escrituras nem a pregação, ainda assim temos a nossa consciência que deveria nos servir como lei, e isso será suficiente para condenar os homens no dia final. Poderemos ter muitos subterfúgios para com os homens e pensarmos que devemos ser eximidos, mas nossa prestação de contas será muito deficiente diante do Juiz celestial. Lá veremos que todas as desculpas serão inúteis. Atentemos para essa passagem que afirma que nosso Senhor virá para executar Sua vingança sobre todos aqueles que não conheceram a Deus nem obedeceram ao Evangelho, isto é, os ímpios. Desse modo vemos que a fé é a única porta para a salvação e para a vida, posto que Jesus Cristo virá para a ruína daqueles que não creram. Além disso devemos notar que, até que Deus não ilumine os homens, estes permanecem cegos e
ignorantes. Por quê? Porque podemos conhecer as coisas do céu e da terra, mas até que conheçamos a Deus, que importância isso tem? E não iremos conhecê-Lo até que Ele nos ilumine por meio do Espírito Santo. Vemos então que não seremos justificados pela nossa ignorância, de modo que ninguém engane a si mesmo. Por outro lado, saibamos também que quando tenhamos conhecido verdadeiramente a Deus, é razoável que nos sujeitemos a Ele, e que Ele nos governe, e que Sua vontade guie nossos pensamentos e sentimentos, e que nossa fé no Evangelho seja tal que possamos confessar, como Davi, que essa doutrina nos é mais doce do que o mel e mais preciosa do que o ouro e a prata.

Além disso, aqui vemos que Deus deseja nos dar segurança quanto à nossa salvação. Porque se Jesus Cristo virá para vingar-Se de todos aqueles que não creram no Evangelho, podemos e devemos deduzir que o mundo será julgado unicamente segundo o Evangelho. Nosso texto nos diz que quando em autêntica fé tenhamos recebido as promessas de Deus, não devemos duvidar de Sua bondade nem de Seu amor por nós, nem duvidar de que Jesus Cristo fará aquilo que tem oferecido para nossa redenção. Então todos aqueles que creem no Evangelho podem confiar plenamente na verdade de que Jesus Cristo virá como nosso Redentor. Deus nos dá essa certeza.

Quanto ao que o Apóstolo diz aqui sobre o poder e a glória de Jesus Cristo, é para indicar que a Sua vinda será terrível para os descrentes e rebeldes. Por acaso é pouca coisa dizer que Jesus Cristo virá acompanhado por anjos, em chamas flamejantes, que virá com uma majestade incompreensível, descendo com relâmpagos sobre todos os Seus inimigos? De modo que vimos que Paulo quis admoestar os descrentes, como se houvesse algum remédio para eles, a fim de que deixem de ser incorrigíveis. No entanto, quando vemos que todos os que são atraídos por Satanás e endurecidos pelo pecado nada fazem senão zombar de todas as advertências de Deus, tiramos daí uma lição. Quando ouvimos que Jesus Cristo voltará de modo tão terrível, permaneçamos de tal modo em temor e em domínio próprio, que quando Satanás venha nos atacar ou tentar nos seduzir para que deixemos de obedecer ao Evangelho, possamos dizer a nós mesmos: “Aonde estamos indo? À perdição! Por acaso estamos desafiando Aquele que possui toda a majestade, domínio e glória para lançar no abismo todos os que se Lhe opõem?”. Se pensássemos sempre assim, certamente seríamos contidos de tal modo que todos os desejos de nossa carne e todas as tentações do mundo nada poderiam fazer contra nós.

No entanto, o Apóstolo Paulo também quis comparar a primeira vinda do Senhor Jesus com a segunda. Por que os perversos e os que desprezam o Evangelho se levantam de maneira tão ousada, enfurecidos e descontrolados? É porque ouvem que Cristo, estando neste mundo, assumiu a forma de servo, despojando-Se a Si mesmo, como diz Paulo, a ponto de chegar àquela morte de cruz, tão vergonhosa e cheia de desgraça. Mesmo que os inimigos de Deus não conheçam Jesus Cristo senão somente nessa debilidade, eles a utilizam como oportunidade para blasfemar contra Ele com fúria pertinaz. Eles não consideram que assim como Ele sofreu segundo a debilidade da carne, assim também foi exaltado segundo o poder do Espírito. Revelou-se então numa glória sob a qual todos nós, grandes e pequenos, deveríamos estremecer. Mas, novamente, tolos descrentes que não conhecem o poder da ressurreição de nosso Senhor Jesus Cristo, ouçam o que o Apóstolo diz aqui, ou seja, que Ele não virá para ser desprezado!

No passado Ele veio para ser obediente em nosso lugar, conforme era necessário para pagar pelos nossos pecados. Mas agora virá como Juiz! Ele foi julgado e condenado para nos livrar do trono do juízo de Deus, e para que pudéssemos ser absolvidos de todos os nossos pecados. Mas Ele não voltará em semelhante condição humilde. Ele virá com os anjos da Sua glória! Isso é o que o Apóstolo Paulo quis dizer afirmando que a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo será terrível.

Além disso, notemos que ele acrescenta: virá “para ser glorificado em seus santos e admirado em todos os que creram”. Não é sem motivo que Paulo acrescenta essa afirmação, pois quem somos nós para resistir à presença do Filho de Deus quando vier em chamas flamejantes e no esplendor da Sua glória?! Quando Ele vier com poder além do entendimento humano, ai! Não nos derreteremos em Sua presença, como a neve se derrete ao sol? Por acaso não seremos reduzidos a nada? A mera menção da divina glória de Jesus Cristo deveria ser suficiente para mergulharmos nas profundezas. Mas o Apóstolo nos diz que, se somos do número dos fiéis, e se hoje cremos no Evangelho, não deveremos temer quando Jesus Cristo apareça, nem entrar em pânico diante da majestade que então resplandecerá n’Ele. Como isso é possível?

Porque Ele virá (diz o Apóstolo) “para ser glorificado em seus santos e admirado em todos os que creram”. É como se dissesse que aquilo que mencionou acima, sobre chamas flamejantes, o que disse sobre punição e temor, não foi para desanimar os crentes. Pois Ele virá para a redenção dos que creem. O ensino de que nosso Senhor unirá essas duas coisas é encontrado em toda a Escritura. Ele virá para vingar-Se de Seus inimigos, e Ele virá para libertar os que creem. Virá para ser Salvador daqueles que Lhe têm honrado e servido, e virá para derrubar e arruinar aqueles que se endureceram contra Ele e contra a Sua Palavra. Então devemos ter em mente que essa terrível descrição aqui apresentada não tem o objetivo de nos atemorizar, mas sim de nos alegrar por tamanho amor e graça de Deus sobre nós. Certamente nosso Senhor virá com terrível poder. Mas será terrível para os inimigos do Evangelho: “É justo da parte de Deus retribuir com tribulação aos que lhes causam tribulação, e dar alívio a vocês, que estão sendo atribulados, e a nós também”. Ele lançará todos os Seus inimigos no abismo, e vingará as feridas, insultos e aflições que suportamos.

Será que somos dignos de que o Filho de Deus resplandeça desse modo Sua majestade? Certamente não
o somos, mas Ele deseja fazê-lo porque nos ama. Devemos ser consolados quando o Apóstolo fala da vinda do Senhor com semelhante terror e com uma majestade tão terrível. Porque assim declara eficazmente
o infinito amor que Ele tem e demonstra por nós, posto que coloca Seu poder e majestade para vingar todas as tribulações que temos suportado. Mas não poderíamos nos alegrar nisso antes de observar o que o Apóstolo Paulo diz aqui, isto é, que nosso Senhor Jesus Cristo não somente virá para vingar-Se de Seus inimigos e daqueles que se revoltam contra o Evangelho, mas também para ser glorificado e admirado em Seus santos e naqueles que têm crido. Quando Paulo acrescenta isso é como se estivesse dizendo: “Ele virá para nos tornar participantes da Sua glória”. Em suma, Paulo diz que nosso Senhor não virá para guardar Sua glória somente para Si mesmo, mas para derramá-la sobre todos os que creem. Por isso diz aos colossenses: “Quando Cristo, que é a sua vida, for manifestado, então vocês também serão manifestados com ele em glória” (Cl 3.4). Então, Ele não virá para obter algo somente para Si mesmo, do qual seremos privados, mas sim para que a Sua glória nos seja comunicada, não para reduzir ou eclipsar a Sua própria, mas para nos transformar, como Paulo ensina aos filipenses: “Pelo poder que o capacita a colocar todas as coisas debaixo do seu domínio, ele transformará os nossos corpos humilhados, tornando-os semelhantes ao seu corpo glorioso” (Fp 3.21). Em vez da fraqueza e debilidade que nos caracteriza agora, seremos adaptados à vida celestial de nosso Senhor Jesus Cristo.

De modo que Paulo, ao falar desse modo, prestou atenção especial à condição dos crentes, nesta vida. Porque somos homens marcados; apontam-nos o dedo, fazem gracejos a nosso respeito, vemos que os malfeitores zombam dos filhos de Deus. Somos desprezíveis neste mundo, como um lembrete de que não devemos buscar a nossa própria glória. Certamente Deus poderia fazer com que fôssemos tidos em alta estima por todos, se Ele quisesse. Mas Ele prefere que suportemos essas infâmias para que levantemos nossos olhos e busquemos nosso triunfo lá no alto. Além disso, seria adequado que fôssemos aplaudidos e glorificados neste mundo, enquanto o próprio Deus é desonrado? Os perversos zombam abertamente de Deus, e se lhes fosse possível, até mesmo cuspiriam na própria face do Criador! Se quiséssemos ser honrados por eles, não deveríamos ser chamados de covardes? Portanto, mesmo que agora os fiéis sejam desprezados, oprimidos, despojados de seus bens e de suas casas, pisoteados e maltratados, o Apóstolo nos lembra que no dia final seremos admirados juntamente com o Filho de Deus. Aqui Paulo mostra especialmente quem deve ter a esperança de compartilhar a glória de Deus, ao descrever o caráter daqueles que creem, chamando-os de “santos”. Porque demonstra que

1) Os que se entregam à corrupção deste mundo não devem esperar receber parte alguma dessa porção ou
herança, nem esperar ter nada em comum com o Filho de Deus. No entanto, ao acrescentar “em todos os que creram”, mostra que;

2) A fé é a genuína fonte e origem da santidade. E, em terceiro lugar, mostra;

3) Que se temos uma fé pura e reta seremos mais e mais santificados. Devemos enfatizar essas três verdades.

A primeira nos adverte que se vamos nos contaminar e chafurdar em nossa poluição e imundície, não devemos esperar que a vinda do Filho de Deus seja proveitosa para nós, como diz o Profeta: “Ai de vocês que anseiam pelo dia do Senhor! O que pensam vocês do dia do Senhor? Será dia de trevas, não de luz. O dia do Senhor será de trevas e não de luz. Uma escuridão total, sem um raio de claridade” (Amós 5.18,20). Posto que naquele tempo havia muitos que justificavam seus pecados apelando para o nome do Senhor, o Profeta os advertiu que isso lhes custaria muito caro. Da mesma forma, vemos que atualmente as pessoas mais perversas professam ter fé. Mas são pessoas corrompidas e cheias de impiedade que têm tanta religião quanto os cães e os porcos. Finalmente, quando são examinados em suas vidas, percebe-se que estão cheios de impiedade, não são mais leais do que as raposas, estão cheios de crueldade e amargura contra seus semelhantes; são cheios de toda indecência e ultraje; todo aquele que lhes ofereça mais ganhará seus votos; abrem um negócio para fraudar e enganar; de modo que vendem não somente a sua fé, mas também a sua honra aos homens; entregam-se a toda espécie de mal. Em resumo, são abertamente vis, ainda que jamais deixem de orgulhar-se de pertencer à igreja de Deus; afirmando que Deus os ajudará. Creem que na vinda do Senhor obterão algum lucro? De jeito nenhum! Ao contrário, será para os tais um dia de assombro, terrível e aterrador. Neste texto do Apóstolo Paulo aprendemos que se queremos que a vinda do nosso Senhor Jesus nos seja benéfica, e que Ele apareça como nosso Redentor para a nossa salvação, devemos dedicar-nos à santidade e nos separar das contaminações deste mundo e da carne.

Mas para triunfar nisto devemos perceber que devemos começar pela fé. Com efeito, a fé é a fonte de toda santidade, como está escrito em Atos 15, onde o Apóstolo Pedro afirma que pela fé Deus purifica o coração dos homens [cf. Atos 15.9]. Isso é dito para esclarecer que, ainda que aparentem beleza interior, os corações humanos sempre estão contaminados e enfermos diante de Deus, até que Ele os purifique por meio da fé.

Portanto, se temos uma fé autêntica, seremos mais e mais santificados. Isto é, somos renovados unicamente para o serviço a Deus, e somos dedicados unicamente para honrar a Deus. Assim que pela fé agradamos a Jesus Cristo, Ele vem habitar em nós, assim como diz a Escritura. O Apóstolo Paulo diz que pela fé Cristo habita nos corações dos crentes. E eu pergunto: por acaso não seria incompatível Cristo habitar em nós, enquanto ainda permanecemos em vilezas e coisas imundas? Por acaso alguém pensa que Ele quer viver num chiqueiro? Então é preciso que nos consagremos a Ele.

Além disso Ele não pode estar conosco a não ser pelo Espírito Santo. E não é por acaso o Espírito de santidade, justiça e retidão? Então, não seria uma mistura estranha se os homens professassem fé em Jesus ao mesmo tempo em que vivessem de modo dissoluto e perverso, contaminados por todas as corrupções do mundo? Seria a mesma coisa que dizer: “Aceito o sol, mas não seu brilho”. Ora, é mais fácil que o sol venha sem seu brilho do que Jesus Cristo sem a Sua justiça. Portanto, não tomemos esse manto de hipocrisia dizendo que temos fé no Evangelho, a menos que nossa vida corresponda à fé que professamos, demonstrando que de fato recebemos Jesus Cristo, e que pela graça do Espírito Santo nos dedica e santifica para obedecer a Deus Pai.

De modo que não devemos nos apoiar em falsidades para usurpar essa afirmação de fé, posto que é algo tão sagrado. Cuidemos então de não profaná-la. Mas se cremos no Filho de Deus, mostremos pelo resultado em nossas vidas que de fato cremos n’Ele. Também é certo que Ele nos fará experimentar o Seu poder. Nos dará graça para esperar com paciência a Sua vinda. Ainda que neste mundo venhamos a sofrer muito pelo Seu nome, no final seremos revestidos com Sua glória e Sua retidão. Ele nos deu Sua promessa, bem como a força que Ele nos fará sentir sempre para que não duvidemos.

Prostremos-nos em humilde reverência diante do nosso Deus!



ORE PARA QUE O ESPIRITO SANTO USE ESSE SERMÃO PARA TRAZER UM CONHECIMENTO SALFÍVICO DE JESUS CRISTO E PARA EDIFICAÇÃO DA IGREJA

FONTE: http://alegremse.blogspot.com.br/2011/07/sobre-segunda-vinda-decristo.html

Traduzido de Biblioteca de la Iglesia Reformada, em
http://www.iglesiareformada.com/Calvino_Advenimiento.html

Tradução: Fábio Vaz (Parceria “Calvinismo Hoje” acessem em http://alegrem-se.blogspot.com.br/ )
Capa: Victor Silva
Projeto Castelo Forte – Divulgando o Evangelho do SENHOR.

www.projetocasteloforte.com.br

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23:20
O Caminho Perfeito do Pai
Rev. Herman Hoeksema 

Tradução: Felipe Sabino de Araújo Neto / felipe@monergismo.com

Isaías 55:8-9: "Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos, os meus caminhos, diz o SENHOR, porque, assim como os céus são mais altos do que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os meus pensamentos, mais altos do que os vossos pensamentos."

Quão pouco entendemos da obra poderosa de Deus, especialmente a que diz respeito aos nossos sofrimentos, doenças e tristezas! Todavia, nosso Deus está fazendo uma obra perfeita. Não há nenhum defeito, nenhuma falha no que ele faz. E a perfeição da sua obra será revelada no dia de Cristo, quando nossa salvação será plenamente consumada e o tabernáculo de Deus estará com os homens.

Em sua obra perfeita, nossas tribulações, dores, tristezas e aflições também ocupam seu lugar apropriado. Elas realizam algo. Elas servem ao seu sábio propósito e são necessárias para nos colocar em nosso devido lugar, rumo à glória eterna. Se pudéssemos somente ver quão indispensáveis elas são, nunca murmuraríamos ou nos descontentaríamos com nossa sorte. Mas não podemos ver. Sua obra é muito grande, muito alta, muito profunda para entendermos. Não podemos entender detalhadamente a razão do nosso caminho e sorte particular. Se perguntássemos: "Por quê?" Ele apenas responderia: "Minha graça é suficiente para ti!"

Ele diria para crermos em sua Palavra, sabermos que ele faz todas as coisas muito bem, e simplesmente nos entregarmos e seguir por onde quer que ele nos leve. Isto é confiança!

Para conforto adicional, leia:

Deuteronômio 32:4: "Eis a Rocha! Suas obras são perfeitas, porque todos os seus caminhos são juízo; Deus é fidelidade, e não há nele injustiça; é justo e reto".

Jó 23:10: "Mas ele sabe o meu caminho; se ele me provasse, sairia eu como o ouro."

1Nota do tradutor: Esta e outras meditações apareceram nos boletins da Primeira Igreja Protestante Reformada de Grand Rapids, Michigan, durante os anos de 1941-1946 (ou seja, durante a Segunda Guerra Mundial). Elas foram preparadas pelo Pastor da igreja, o falecido Rev. Herman Hoeksema, (1886-1965).


Fonte (original): "The Father's Perfect Way," a chapter from "Good News for the Afflicted"

19:52
Arthur W. Pink
“E perto da hora nona exclamou Jesus em alta voz, dizendo: Eli, Eli, lama sabactani; isto é, 
Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” 
Mateus 27.46 

“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”

ESSAS SÃO PALAVRAS DE CHOCANTE IMPORTÂNCIA. A crucificação do Senhor da glória foi o mais extraordinário evento que já aconteceu na terra, e esse brado do padecente foi a mais extraordinária expressão daquela aterradora cena. Que um inocente fosse condenado, que o sem culpa fosse perseguido, que um benfeitor fosse cruelmente sentenciado à morte, não era nenhum acontecimento novo na história. Do assassínio do justo Abel àquele de Zacarias houve uma longa lista de martírios. Mas aquele que pendurado estava na cruz do centro não era nenhum homem comum, era o Filho do Homem, aquele no qual todas as excelências se encontravam — o Perfeito. Seu caráter era como sua túnica, “tecida toda de alto a baixo, [e] não tinha costura”.

No caso dos outros maltratados havia deméritos e manchas que poderiam proporcionar aos seus assassinos algo com que culpá-los. Mas desse o juiz falou: “Não acho nele crime algum”. 
E mais. Esse Sofredor não era apenas um homem perfeito, mas o Filho de Deus. Todavia, não era estranho que o homem quisesse destruir Deus. “Disse o néscio no seu coração: Não há Deus” (Sl 14.1), tal é o seu desejo. Mas é estranho que aquele que era Deus manifestado na carne devesse permitir a si mesmo ser assim tratado por seus inimigos. É extremamente estranho que o Pai que se deleitava nele, cuja própria voz declarara dos céus abertos, “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo”, devesse entregá-lo a uma morte tão vexaminosa. 

“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” 
Essas são palavras de estarrecedora miséria. A própria palavra “desamparaste” é uma das mais trágicas em todas as línguas humanas. O escritor jamais se esquecerá da sensação que teve ao passar uma vez por uma cidade deserta, sem habitante algum — uma cidade desamparada. Que calamidades são conjuradas por tal palavra — um homem desamparado de seus amigos, uma esposa desamparada de seu marido, uma criança desamparada por seus pais! Mas uma criatura desamparada por seu Criador, um homem desamparado de Deus — Ó, isso é o mais horrendo de tudo. Esse é o mal dos males. Isso é a calamidade climatérica. Verdade, os homens caídos, em sua condição não renovada, não o acham. Mas aquele que, pelo menos em certa medida, aprendeu que Deus é a essência de toda perfeição, a fonte e a meta de toda excelência, cujo clamor é “Como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus!” (Sl 42.1), prontamente endossará o que acaba de ser dito.

O clamor dos santos em todas as eras tem sido, “Não nos desampare, ó Deus”.  Pois o Senhor esconder sua face de nós por um momento que seja é insuportável. Se isso é verdade quanto aos pecadores regenerados, quão infinitamente mais o é quanto ao Filho amado do Pai!

Aquele que estava pendurado no madeiro maldito tinha sido desde toda eternidade o objeto do amor do Pai. Empregando a linguagem de Provérbios 8, o Salvador padecente era aquele que “estava com ele e era seu aluno”, que estava “cada dia as suas delícias”.

Seu próprio gozo fora contemplar a face do Pai. A presença do Pai fora seu lar, o seio do Pai o lugar de sua habitação, a glória do Pai ele compartilhara antes que houvesse o mundo. Durante os trinta e três anos que o Filho estivera na terra ele desfrutara de comunhão ininterrupta com o Pai. Nunca um pensamento que estivesse fora da harmonia com a mente do Pai, nunca uma volição que não fosse originária da vontade do Pai, nunca um momento que fosse passado fora de sua presença consciente. O que então deve ter significado estar por ora “desamparado” por Deus! Ah, o ocultamento da face divina dele foi o mais amargo ingrediente daquele copo que o Pai tinha dado ao Redentor para beber:

“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” 
Essas são palavras de inigualável sentimento. Elas marcam o clímax de seus sofrimentos. Os soldados haviam cruelmente zombado dele: enfeitaram-no com a coroa de espinhos, tinham-no açoitado e esbofeteado, tinham até chegado a ponto de cuspir nele e arrancar seus cabelos. Despojaram-no de seus vestidos e o expuseram a uma vergonha explícita. Todavia, sofreu tudo isso em silêncio. Perfuraram suas mãos e seus pés, porém suportou a cruz, a despeito da ignomínia. A multidão vulgar escarnecia dele, e os ladrões com ele crucificados lhe lançavam em rosto os mesmos insultos; todavia, não abriu sua boca. Em resposta a tudo que sofria das mãos dos homens, nenhum clamor escapou de seus lábios. Mas agora, quando a ira concentrada do céu desce sobre si, ele exclama: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” Seguramente, esse era um clamor que deveria enternecer o mais duro coração! 

“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” 
Essas são palavras do mais profundo mistério. Outrora o Senhor Jeová não abandonava seu povo.
Repetidamente ele foi seu refúgio na tribulação. Quando Israel esteve em cruel servidão clamou a Deus, e ele o ouviu. Quando ficou impotente diante do Mar Vermelho, ele veio em seu auxílio e o livrou de seus inimigos. Quando os três hebreus foram lançados dentro da fornalha de fogo, o Senhor esteve com eles. Mas daqui, da cruz, sobe um clamor mais dorido e agonizante do que jamais subira da terra do Egito, entretanto, não ouve resposta alguma! Eis aí uma situação de longe mais alarmante do 
que a crise do Mar Vermelho: inimigos mais implacáveis cercaram esse, e no entanto não houve livramento algum! Eis aí um fogo que ardia infinitamente mais do que o da fornalha de Nabucodonosor, mas sem ninguém ao seu lado para confortar! Ele é abandonado por Deus!

Não obstante, esse clamor do Salvador padecente é profundamente misterioso. De início clamou, “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”, e isso podemos compreender, pois está em boa conformidade com seu coração compassivo. Outra vez abrira ele sua boca, para dizer ao ladrão penitente, “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso”, e isso também podemos entender bem, pois está totalmente de acordo com sua graça para com os pecadores. Uma vez mais seus lábios se moveram — para sua mãe, “Mulher, eis aí o teu filho”; para o amado João, “Eis aí tua mãe” — e isso também podemos apreciar. Porém, na próxima vez em que ele abre sua boca, um brado nos faz ficar sobressaltados e desconcertados. Outrora disse Davi, “Nunca vi desamparado o justo”,   mas aqui vemos o Justo desamparado. 

“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” 
Essas são palavras da mais profunda solenidade. Esse foi um clamor que fez a própria terra estremecer, e que reverberou por todo o universo. Ah, que mente é suficiente para contemplar essa maravilha das maravilhas! Que mente é capaz de analisar o sentido desse estupendo clamor que rasgou as trevas medonhas! “Por que me desamparaste?” são palavras que nos conduzem para dentro do Santo dos Santos. Aqui, se é que não o é assim também em todo lugar, é supremamente conveniente que removamos os sapatos da curiosidade carnal. As especulações são profanas; podemos apenas nos maravilhar e adorar.

Mas, embora tais palavras sejam de importância chocante, de assustadora miséria, do mais profundo mistério, de singular sentimento, e de profunda solenidade, entretanto, não somos deixados em ignorância quanto ao significado. Verdade, tal clamor foi profundamente misterioso, todavia, é capaz da mais abençoada solução. As Escrituras Sagradas não deixam margem para dúvidas de que tais palavras de inigualável tristeza foram tanto a mais completa manifestação do amor divino e da mostra mais inspiradora de terror da inflexível justiça divina. Possa todo pensamento ser agora trazido cativo a Cristo e nossos corações ficarem devidamente graves enquanto analisamos mais de perto esse quarto pronunciamento do Salvador agonizante. 

“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” 
1. Aqui vemos a enormidade do pecado e o caráter de seu salário. 
O Senhor Jesus foi crucificado ao meio-dia, e na luz do Calvário tudo foi revelado em seu verdadeiro caráter. Ali, a própria natureza das coisas foi plena e finalmente exibida. A depravação do coração humano — seu ódio por Deus, sua ingratidão abjeta, seu amor às trevas no lugar da luz, sua preferência por um assassino no lugar do Príncipe da vida — foi horrivelmente mostrada. O terrível caráter do diabo — sua hostilidade contra Deus, sua insaciável inimizade contra Cristo, seu poder de pôr no coração do homem a traição ao Salvador — foi plenamente exposta. Assim, também, as perfeições da natureza divina — a inefável santidade de Deus, sua justiça inflexível, sua ira terrível, sua graça sem par — foi de todo conhecida. E ali também foi que o pecado — sua vileza, sua torpeza, sua não sujeição a leis — foi claramente exibido. Aqui nós vemos a horrenda extensão a que o pecado chegará. Em sua primeira manifestação ele tomou a forma de suicídio, pois Adão destruiu sua própria vida espiritual; em seguida o vemos em forma de fratricídio — Caim matando seu próprio irmão; mas na cruz o clímax é atingido, com o deicídio — o homem crucificando o Filho de Deus.

Porém, não apenas vemos a hediondez do pecado na cruz, mas ali também descobrimos o caráter de seu horrível pecado. “O salário do pecado é a morte” (Rm 6.23). A morte é a herança do pecado. “Por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram” (Rm 5.12). Não houvesse pecado nenhum, não haveria morte alguma. Mas o que é “morte”? É aquele pavoroso silêncio que reina supremo após se dar o último fôlego e o corpo ficar sem movimentos? É aquela cadavérica palidez que vem sobre a face quando o sangue cessa de circular e os olhos ficam sem expressão? Sim, é isso, mas muito mais. Algo de longe mais patético e trágico do que a dissolução física está contido no termo.

O salário do pecado é a morte espiritual. O pecado separa de Deus, que é a fonte de toda vida. Isso foi manifestado no Éden. Antes da Queda, Adão desfrutava de bendita companhia com seu Criador, mas na própria véspera daquele dia que marcou a entrada do pecado em nosso mundo, enquanto o Senhor Deus entrava no Jardim e sua voz era ouvida por nossos primeiros pais, o par culpado escondeu-se entre as árvores do lugar.

Não mais poderiam eles gozar de comunhão com ele que é sempre Luz, antes, ficaram alienados dele. Assim, também, se deu com Caim: quando interrogado pelo Senhor ele disse: “Da tua face me esconderei” (Gn 4.14). O pecado exclui da presença de Deus.

Essa foi a grande lição ensinada a Israel. O trono de Jeová estava no meio deles, todavia não era mais acessível. Ele habitava entre os querubins no santo dos santos e a esse ninguém poderia chegar, com exceção do sumo sacerdote, e ele, apenas um dia por ano, levando sangue consigo. O véu pendurado tanto no tabernáculo quanto no templo, vedando o acesso ao trono divino, testemunhava o solene fato de que o pecado separa dele.

O salário do pecado é a morte, não somente física, mas espiritual; não meramente natural mas, essencialmente, morte penal. O que é morte física? É a separação da alma e do espírito do corpo. Assim, a morte penal é a separação da alma e do espírito de Deus. A palavra da verdade fala daquela que vive em prazer como “embora viva, está morta” (1Tm 5.6, ARA). Repare, ainda, como a maravilhosa parábola do filho pródigo ilustra a força do termo “morte”. Após o retorno do pródigo o pai disse: “Este meu filho estava morto, e reviveu, tinha-se perdido, e foi achado” (Lc 15.24). Enquanto ele estava na “terra longínqua”, não havia cessado de existir; não, ele não estava morto fisicamente, mas espiritualmente — estava alienado e separado de seu pai!

Agora, na cruz, o Senhor Jesus estava recebendo o salário que era devido por seu povo. Ele não tinha pecado algum que fosse seu, pois era o Santo de Deus. Mas estava levando nossos pecados em seu próprio corpo no madeiro (1Pd 2.24). Ele tinha tomado o nosso lugar e estava padecendo o Justo pelo injusto. Ele estava carregando o castigo que nos traz a paz  ; e o salário de nossos pecados, o sofrimento e castigo que era devido a nós, era “morte”. Não meramente física, mas penal; e, como dissemos, isso significava separação de Deus, e daí o Salvador ter clamado: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”

Assim, também, será com aquele que for impenitente até o fim. O pavoroso destino que aguarda o perdido é, dessa forma, exposto: “os quais sofrerão, como castigo, a perdição eterna, banidos da face do senhor e da glória do seu poder” (2Ts 1.9, ARA). Separação eterna daquele que é a fonte de todo bem e a origem de toda bênção. Ao ímpio, Cristo dirá: “Apartai-vos de mim, malditos”   — banimento de sua presença, um eterno exílio de Deus, é o que espera o condenado eternamente. Essa é a razão por que o Lago de Fogo — a eterna morada daqueles cujos nomes não estão escritos no livro da vida — é designada “A Segunda Morte” (Ap 20.14). Não que haverá extinção do ser, mas separação eterna do Senhor da Vida, uma separação a qual Cristo sofreu por três horas enquanto estava pendurado no lugar do pecador. Na cruz, então, Cristo recebeu o salário do pecado.

“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”

2. Aqui vemos a absoluta santidade e a inflexível justiça de Deus. 
A tragédia do Calvário deve ser vista de pelo menos quatro pontos de vista. Na cruz o homem fez uma obra: ele mostrou sua depravação ao pegar o Perfeito e com “mãos iníquas”   pregando-o no madeiro. Na cruz Satanás fez uma obra: ele manifestou sua insaciável inimizade contra a semente da mulher ferindo o calcanhar dele.  Na cruz o Senhor Jesus fez uma obra: morreu o Justo pelos injustos   para pudesse nos trazer a Deus. Na cruz Deus fez uma obra: ele exibiu sua santidade e satisfez sua justiça derramando sua ira sobre aquele que foi feito pecado por nós.

Que pena humana é capaz ou apropriada para escrever acerca da imaculada santidade divina! Tão santo é Deus que o mortal não pode vê-lo em seu ser essencial, e viver. Tão santo é Deus que os próprios céus não são puros aos seus olhos.  Tão santo é Deus que até os serafins cobriam suas faces com véus diante dele.  Tão santo é Deus que, quando Abraão ficou de pé perante ele, clamou, “Sou pó e cinza” (Gn 18.27). Tão santo é Deus que, quando Jó entrou em sua presença, disse: “Por isso me abomino” (Jó 42.6). Tão santo é Deus que, quando Isaías teve uma visão de sua glória, exclamou: “Ai de mim, que vou perecendo porque... os meus olhos viram o rei, o Senhor dos Exércitos” (Is 6.5). Tão santo é Deus que, quando Daniel o contemplou numa manifestação teofânica, declarou: “Não ficou força em mim; desfigurou-se a feição do meu rosto” (Dn 10.8). Tão santo é Deus que nos é dito: “Tu és tão puro de olhos que não podes ver o mal, e que não podes contemplar a perversidade” (Hc 1.13). E foi porque o Salvador estava levando nossos pecados que o trinamente santo Deus não o contemplou, virou sua face dele, abandonou-o. O Senhor fez que se encontrasse em Jesus as iniqüidades de nós todos: e nossos pecados estando sobre ele como nosso substituto, a ira divina contra as nossas ofensas devesse passar sobre nossa oferta de pecado. 

“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” Essa era uma questão que nenhum daqueles ao redor da cruz podia ter respondido; era uma questão que, ao mesmo tempo, nenhum dos apóstolos podia ter respondido; sim, era uma questão que havia confundido os anjos no céu, deixando-os sem resposta. Mas o Senhor Jesus havia respondido sua própria questão, e sua resposta é achada no Salmo 22. Esse salmo fornecia a mais maravilhosa predição profética de seus sofrimentos. Ele abre com as próprias palavras da quarta elocução de nosso Salvador sobre a cruz, e é seguido por mais soluços de agonia no mesmo tom até que, no versículo 3, achamo-lo dizendo — “Tu és Santo”. Ele se queixa, não da injustiça, antes reconhece a retidão de Deus — tu és santo e justo em cobrar de minhas mãos toda a dívida para a qual me fiz fiador; tenho de responder pela totalidade dos pecados de todo meu povo e, por conseguinte, ó Deus, és parte legítima em me golpear com tua espada desperta. Tu és santo; tu és puro quando julgas.

Na cruz, então, como em nenhum outro lugar, vemos a infinita malignidade do pecado e da justiça divina na punição desse. Não foi o mundo antigo coberto pelas águas? Não foram Sodoma e Gomorra destruídas por uma tempestade de fogo e enxofre? Não foram as pragas enviadas sobre o Egito e Faraó e seus exércitos afogados no Mar Vermelho? Nesses casos, o demérito do pecado e o ódio de Deus por ele puderam ser vistos; mas muito mais o é aqui, em que Cristo é desamparado por ele. Vá ao Gólgota e veja o Homem que é Companheiro de Jeová bebendo do copo da indignação do Pai, castigado pela espada da justiça divina, ferido pelo próprio Senhor, sofrendo até a morte, pois Deus “não poupou seu próprio Filho”   quando o pendurou no lugar do pecador.

Eis como a própria natureza antecipara a terrível tragédia — o próprio contorno do chão se assemelha a um crânio. Eis a terra tremendo sob a poderosa carga da ira despejada. Eis os céus e o sol fugirem de uma tal cena, e a terra ser coberta de trevas. Aqui podemos ver a pavorosa cólera de um Deus que vinga o pecado. Nem todos os relâmpagos do julgamento divino que foram liberados nos tempos do Antigo Testamento, nem todas as taças da ira que serão despejadas sobre uma Cristandade apóstata durante os tempos sem paralelos da Grande Tribulação,  nem todo choro e lamento e ranger de dentes dos condenados para sempre no Lago de Fogo jamais deram ou mesmo darão uma tal demonstração da inflexível justiça de Deus e de sua inefável santidade, de seu infinito ódio ao pecado, como o fez a ira divina que ardeu contra seu próprio Filho na cruz. Porque estava sofrendo o horripilante julgamento do pecado, foi desamparado por Deus. Aquele que era o Santo, cuja própria repulsa ao pecado era infinita, que era a pureza encarnada (1Jo 3.3), [Deus] “o fez pecado por nós” (2Co 5.21); portanto, ele se curvou mesmo perante a tempestade de ira, na qual foi mostrado o desprazer divino contra os incontáveis pecados de uma grande multidão que homem algum pode numerar. Essa, então, é a verdadeira explicação do Calvário. O santo caráter de Deus não podia fazer nada senão julgar o pecado, mesmo que fosse achado no próprio Cristo. Na cruz, pois, a justiça divina foi satisfeita e sua santidade reivindicada. 

“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” 

3. Vemos aqui a explicação do Getsêmane. 
À medida que nosso bendito Senhor se aproximava da cruz o horizonte para ele se escurecia mais e mais. Desde a mais tenra infância ele havia sofrido por causa do homem; desde o princípio de seu ministério público ele havia sofrido por causa de Satanás; porém, na cruz ele devia sofrer na mão de Deus. O próprio Jeová devia ferir o Salvador, e era isso que obscurecia tudo o mais. No Getsêmane ele adentrou na escuridão das três horas de trevas na cruz. Eis o porquê de ele deixar os três discípulos nas imediações do jardim, pois ele devia pisar o lagar sozinho. “A minha alma está profundamente triste”  , ele clamou. Isso não era recuar, horrorizado, antecipando uma morte cruel. Não era o pensamento da traição por seu próprio amigo com quem estava familiarizado, nem da deserção por seus estimados discípulos na hora da crise, nem da expectativa das zombarias e ultrajes, dos açoites e dos pregos, que oprimia sua alma. Não, toda essa angústia da mais severa ao seu espírito sensível, nada era se comparada com a que ele teve de suportar como Portador do Pecado.

“Então chegou Jesus com eles a um lugar chamado Getsêmane, e disse aos seus discípulos: Assentai-vos aqui, enquanto vou além orar. E levando consigo Pedro e os dois filhos de Zebedeu, começou a entristecer-se e a angustiar-se muito. Então lhes disse: A minha alma está cheia de tristeza até à morte; ficai aqui, e velai comigo. E, indo um pouco mais para diante, prostrou-se sobre o seu rosto, orando e dizendo: Meu Pai, se é possível, passe de mim este cálice; todavia, não seja como eu quero, mas como tu queres.” (Mt 26.36-39).

Aqui ele observa as negras nuvens surgindo, vê a terrível tempestade chegando, ele premeditava o inexprimível horror daquelas três horas de trevas e tudo o que elas continham. “A minha alma está profundamente triste”, ele clama. O grego é mais enfático. Ele estava cercado de tristeza. Ele estava completamente imerso na ira divina. Todas as faculdades e poderes de sua alma estavam esmagados pela angústia.

S. Marcos emprega uma outra forma de expressão — “Ele começou a ficar extremamente atônito” (14.33, KJV). O original traz o significado de a maior extremidade do pavor, como a que faz com que alguém ficar de cabelo em pé e o corpo arrepiado. E, acrescenta Marcos, “e a ficar muito triste”, o que denota que havia um total abatimento de espírito; seu coração estava derretido como cera à vista do terrível cálice.

Mas o evangelista Lucas, dentre todos, é o que usa os termos mais fortes: “E, posto em agonia, orava mais intensamente. E o seu suor tornou-se em grandes gotas de sangue, que corriam até o chão” (Lc 22.44). A palavra grega para “agonia” aqui, quer dizer estar envolvido em um combate. Antes, ele combatera as oposições dos homens e as do diabo, mas agora ele encara o cálice que Deus lhe dá a beber. Era o que continha a ira não diluída do ódio divino para com o pecado. Isso explica o porquê dele dizer: “Se queres, passa de mim este cálice”. O “cálice” é o símbolo de comunhão, e não poderia haver comunhão alguma em sua ira, mas somente em seu amor  . Entretanto, ainda que isso significasse ser cortado daquela, ele adiciona: “Todavia, não se faça a minha vontade, mas a tua”. Todavia, tão grande foi sua agonia que “seu suor tornou-se em grandes gotas de sangue, que corriam até o chão”.

Pensamos que não pode haver a menor dúvida de que o Salvador verteu gotas de sangue de verdade. Seria diminuir aí o significado dizer que seu suor parecia sangue, mas não o era realmente. Parece-nos que a ênfase está posta na palavra “sangue”. Ele verteu sangue — exatamente como grandes gotas de água comumente. E vemos aqui a adequação do lugar escolhido para ser a cena desse terrível mas preliminar sofrimento. Getsêmane — ah, teu nome te denuncia! Tem o sentido de prensa de azeite. Era o lugar onde o sangue vital das olivas era extraído por pressão gota a gota! O lugar escolhido foi bem nomeado, pois. Era de fato um apropriado escabelo para a cruz, um escabelo de agonia inexprimível e sem paralelos. Na cruz, então, Cristo tomou todo o cálice que lhe foi apresentado no Getsêmane. 

“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” 

4. Aqui vemos a inabalável fidelidade a Deus do Salvador. 
O abandono do Redentor por Deus era um fato solene, e uma experiência que nada lhe deixava senão apoiar-se em sua fé. A posição de nosso Salvador na cruz foi absolutamente singular. Isso pode ser prontamente visto ao se contrastar suas próprias palavras faladas durante seu ministério público com aquelas proferidas na própria cruz.

Antes dizia ele: “Eu bem sei que sempre me ouves” (Jo 11.42); agora ele clama, “Deus meu, eu clamo de dia, e tu não me ouves” (Sl 22.2)! Antes dizia ele: “E aquele que me enviou está comigo; o Pai não me tem deixado só” (Jo 8.29); agora ele clama, “Deus meu, Deus meu, por que me DESAMPARASTE?” Ele não tinha absolutamente nada agora em que descansar senão o pacto e a promessa de seu Pai; e em seu clamor de angústia, sua fé se torna manifesta. Foi um brado de aflição, mas não de desconfiança.

Deus havia se retirado dele, mas note como sua alma ainda se apega a ele. Sua fé triunfou segurando-se em Deus mesmo em meio às trevas. “Deus meu”, diz, “Deus meu”, tu com quem está a infinita e perpétua força; tu que apoiaste até aqui minha humanidade e, conforme tua promessa, sustentaste teu servo — Ó, não fiques longe de mim agora. Deus meu, eu me apóio em ti. Quando todos os confortos visíveis e sensíveis haviam desaparecido, da invisível proteção e refúgio de sua fé o Salvador se vale.
No salmo de número vinte e dois a inabalável fidelidade do Salvador a Deus fica mais aparente. Nesse precioso texto fala-se das profundezas de seu coração. Ouça-o:
Em ti confiaram nossos pais; confiaram, e tu os livraste. A ti clamaram e escaparam; em ti confiaram, e não foram confundidos. Mas eu sou verme, e não homem, opróbrio dos homens e desprezado do povo. Todos os que me vêem zombam de mim, estendem os beiços e meneiam a cabeça, dizendo: Confiou no Senhor, que o livre; livre-o, pois nele tem prazer. Mas tu és o que me tiraste do ventre, o que me preservaste estando ainda aos seios de minha mãe. Sobre ti fui lançado desde a madre; tu és o meu Deus desde o ventre de minha mãe. (Sl 22.4-10).

O próprio ponto em que seus inimigos procuraram levantar contra ele foi a sua fé em Deus. Escarneceram dele por sua confiança em Jeová — se ele realmente confiava no Senhor, o Senhor livrá-lo-ia. Porém, o Salvador continuava confiando ainda que não houvesse livramento algum, confiava ainda que desamparado por um período! Foi lançado sobre Deus desde o ventre e ainda é lançado sobre ele na hora de sua morte. Ele prossegue: 
Não te alongues de mim, pois a angústia está perto, e não há quem ajude. Muitos touros me cercaram; fortes touros de Basã me rodearam. Abriram contra mim suas bocas, como um leão que despedaça e que ruge. Como água me derramei, e todos os meus ossos se desconjuntaram; o meu coração é como cera, derreteu-se no meio das minhas entranhas. A minha força se secou como um caco, e a língua se me pega ao paladar, e me puseste no pó da morte. Pois me rodearam cães; o ajuntamento dos malfeitores me cercou, transpassaram-se as minhas mãos e os pés. Poderia contar todos os meus ossos; eles vêem e me contemplam. Repartem entre si os meus vestidos, e lançam sortes sobre a minha túnica. Mas tu, Senhor, não te alongues de mim; força minha, apressa-te em socorrer-me. Livra a minha alma da espada, e a minha predileta da força do cão (Sl 22.11-20).

Jó tinha dito de Deus “Ainda que ele me mate, nele esperarei” e, embora a ira divina contra o pecado repousasse sobre Cristo, ele ainda confiava. Sim, sua fé fez mais do que confiar, ela triunfou — “Salva-me da boca do leão, sim, ouve-me, desde as pontas dos unicórnios” (Sl 22.21).

Ó, que exemplo o Salvador deixou para o seu povo! É relativamente fácil confiar em Deus quando brilha o sol, o teste chega quando tudo está em escuridão. Mas uma fé que não confia em Deus na adversidade tanto quanto na prosperidade não é a fé dos seus eleitos. Devemos ter fé por que vivermos — fé de verdade — se a tivermos para por ela morrer. O Salvador fora lançado sobre Deus desde a madre, fora lançado sobre Deus momento a momento durante todos aqueles trinta e três anos, o que não é de se maravilhar, então, que na hora da morte seja encontrado ainda lançado sobre Deus. Seus companheiros cristãos podem estar tristes contigo, podes não mais contemplar a luz da face divina. A Providência parece olhar com desdém para ti, entretanto, ainda dizes, Eli, Eli, Deus meu, Deus meu. 

“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” 

5. Aqui podemos ver a base da nossa salvação. 
Deus é santo e, por conseguinte, não aceita ver pecado. Ele é justo e, portanto, julga o pecado em qualquer lugar onde seja encontrado. Mas Deus também é amor: Ele se deleita na misericórdia e, em conseqüência, a infinita sabedoria ideou um meio pelo qual a justiça pudesse ser satisfeita e a misericórdia liberada para fluir aos culpados pecadores. Esse meio foi o da substituição, o justo padecendo pelo injusto. O próprio Filho de Deus foi o selecionado para ser o substituto, pois nenhum outro satisfaria. Através de Naum, a questão fora feita: “Quem pode manter-se diante do seu furor? e quem pode subsistir diante do ardor da sua ira?” (1.6, ARA). Essa questão recebeu sua resposta na adorável pessoa de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. Só ele podia “manter-se”. Somente um podia levar a maldição e ainda ressurgir como um vitorioso sobre ela. Somente um podia suportar toda a ira vingativa e, todavia, glorificar a lei e torná-la digna de honra. Somente um podia suportar que seu calcanhar fosse ferido por Satanás e contudo naquela ferida destruir a ele, que tinha o poder da morte. Deus sustentou um que era “poderoso” (Sl 89.19, ARA). Um que era ninguém menos que o Companheiro de Jeová, o resplendor da sua glória, a expressa imagem de sua pessoa.

Desse modo, vemos que o amor ilimitado, a justiça inflexível e o poder onipotente combinaram-se todos para tornar possível a salvação daqueles que creem.

Na cruz, todas as nossas iniquidades foram postas sobre Cristo e, portanto, o julgamento divino recaiu sobre ele. Não havia nenhum meio de transferência de pecado sem também transferir sua pena. Tanto o pecado quanto sua punição foram transferidos para o Senhor Jesus. Na cruz ele estava fazendo propiciação, e propiciação é apenas para com Deus. Era uma questão de ir de encontro aos reclames divinos de santidade; era uma questão de satisfazer as exigências de sua justiça. Não só foi o sangue de Cristo vertido por nós, mas também vertido para Deus: ele “se entregou a si mesmo por nós, em oferta e sacrifício a Deus, em cheiro suave” (Ef 5.2). Dessa forma, isso foi prefigurado na memorável noite da Páscoa no Egito: o sangue do cordeiro deve estar onde o olho de Deus o possa ver — “Vendo eu sangue, passarei por cima de vós”.

A morte de Cristo na cruz foi uma morte maldita: “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro” (Gl 3.13). A “maldição” é alienação de Deus. Isso fica evidente pelas palavras que Cristo ainda dirá àqueles que estarão à sua esquerda no dia de seu poder — “Apartai-vos de mim, malditos”, ele dirá (Mt 25.41). A maldição é desterro da presença e glória divinas.

Isso explica o sentido de vários tipos do Antigo Testamento. O boi que era morto anualmente no Dia da Expiação, após seu sangue ter sido espargido sobre e diante do propiciatório, era removido para um lugar “fora (exterior) do arraial” (Lv 16.27) e ali seu cadáver era queimado por inteiro. Era no centro do acampamento que Deus tinha sua residência, e a exclusão do acampamento significava banimento de sua presença. Assim também com o leproso. “Todos os dias em que a praga estiver nele, será imundo; imundo está, habitará só; a sua habitação será fora do arraial” (Lv 13.46) — isso porque aquele era o tipo encarnado do pecador. Aqui, ainda, está o antítipo da “serpente de bronze”. Por que Deus instruiu Moisés a colocar uma “serpente” sobre uma haste, e ordenou aos israelitas mordidos para olhar para ela?   Imagine uma serpente como tipo de Cristo, o Santo de Deus! Sim, mas ela representava-o como “[feito] maldição por nós”, pois a serpente era a lembrança da maldição. Na cruz, então, Cristo estava cumprindo esses símbolos do Antigo Testamento. Ele estava “fora do arraial” (compare Hebreus 13.12) — separado da presença de Deus. Ele era o “leproso” — feito pecado por nós. Ele era como a “serpente de bronze” — feito maldição por nós. Daí, também, o profundo significado da coroa de espinhos — o símbolo da maldição! Levantado, coroado de espinhos, para mostrar que estava levando a maldição em nosso lugar.

Aqui, também, está a significação das três horas de trevas que cobriram a terra como uma mortalha de morte. Era uma escuridão sobrenatural. Não era noite, pois o sol estava em seu zênite. Como bem o disse o Sr. Spurgeon, “Fez-se meia-noite ao meio-dia”. Não foi eclipse algum. Os astrônomos competentes nos dizem que ao tempo da crucificação a lua estava à sua maior distância do sol. Mas esse brado de Cristo dá o sentido das trevas, enquanto que essas nos dão o significado daquele amargo brado. Somente uma coisa pode explicar tal escuridão, visto que uma coisa apenas pode interpretar tal clamor — que Cristo havia tomado o lugar dos culpados e perdidos, que ele se pôs no lugar para levar os pecados, que ele estava sofrendo o julgamento devido por seu povo, que ele que não conheceu pecado “[Deus] o fez pecado” por nós. Aquele brado foi proferido para que a nós fosse concedido saber do que se passava ali. Era a manifestação da expiação, por assim dizer, pois três (três horas) é sempre o número de manifestação. Deus é luz e as “trevas” é o sinal natural de sua repulsa. O Redentor foi deixado sozinho com o pecado do pecador: tal era a explicação das três horas de escuridão. Assim como repousará sobre o condenado eternamente uma dupla miséria no lago de fogo, a saber, a dor do sentido e a dor da perda; do mesmo modo, Cristo, em correspondência, sofreu a ira de Deus derramada sobre si e também o afastamento de sua presença e comunhão.

Para o crente a cruz é interpretada em Gálatas 2.20: “Estou crucificado com Cristo”. Ele foi o meu substituto; Deus considera-me um com o Salvador. Sua morte foi a minha. Ele foi ferido por minhas transgressões e ferido por minhas iniquidades. O pecado não foi afastado, mas descartado. Como disse alguém: “Porque Deus julgou o pecado sobre o Filho, ele agora aceita o pecador crente no Filho”.

Nossa vida está escondida com Cristo em Deus (Cl 3.3). Eu estou encerrado em Cristo porque Cristo foi excluído de Deus.

Ele sofreu em nosso lugar, ele salvou seu povo assim; A maldição que caiu sobre sua cabeça, era por direito devida por nós. A tempestade que curvou sua bendita cabeça, é apaziguada para sempre agora E o descanso divino é meu no lugar, enquanto ele está coroado de glória.

Aqui então está a base da nossa salvação. Nossos pecados foram levados. As reivindicações divinas contra nós foram plenamente satisfeitas. Cristo foi desamparado por Deus por um tempo para que pudéssemos desfrutar da sua presença para sempre. “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” Que toda alma crente dê a resposta: ele adentrou as terríveis trevas para que eu pudesse andar na luz; ele bebeu o cálice de angústia para que eu pudesse beber o cálice de gozo; ele foi abandonado para que eu pudesse ser perdoado! 

“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” 

6. Aqui vemos a suprema evidência do amor de Cristo por nós. 
“Ninguém tem maior amor do que este: de dar alguém a sua vida pelos seus amigos” (Jo 15.13). Mas a grandeza do amor de Cristo pode ser estimada somente quando estamos aptos a mensurar o que estava envolvido nesse “dar” a sua vida. Como vimos,  significava muito mais do que a morte física, mesmo que essa fosse de indizível vergonha, e indescritível sofrimento. Significava que ele tinha de tomar o nosso lugar e ser feito “pecado” por nós, e o que isso envolvia só pode ser julgado à luz de sua pessoa.

Imagine uma mulher perfeitamente honrada e virtuosa forçada a suportar, por algum tempo, a associação com o que há de mais vil e impuro. Imagine-a encerrada num antro de iniquidade, rodeada pelos mais grosseiros dentre os homens e as mulheres, e sem nenhum meio de escape. Você pode avaliar sua repulsa às blasfêmias de suas bocas sujas, à farra de embriaguez, à obscenidade dos arredores? Você pode formar uma opinião do que uma mulher pura sofreria em sua alma em meio a tal impureza? Mas a ilustração é, de longe, falha, pois não há nenhuma mulher absolutamente pura. Honrada, virtuosa, moralmente pura, sim, porém, pura no sentido de ser sem pecado, espiritualmente pura, não. Mas Cristo era puro; absolutamente puro. Ele era o Santo. Ele tinha uma infinita aversão ao pecado. Ele o aborrecia. Sua alma santa se esquivava dele. Mas, na cruz, nossas iniquidades foram todas postas sobre ele, e o pecado — essa coisa vil — envolvia-se em torno dele como uma horrível serpente enrolada. E, contudo, ele de bom grado sofreu por nós! Por quê? Porque nos amou: “Como havia amado os seus, que estavam no mundo, amou-os até ao fim” (Jo 13.1).

Mas mais ainda: a grandeza do amor de Cristo por nós pode ser avaliada apenas quando somos capazes de medir a ira divina que foi derramada sobre ele. Era disso que sua alma se esquivava. O que isso significou para ele, o que custou a ele, pode se saber em parte por um minucioso exame dos salmos nos quais se nos permite ouvir algo de seus patéticos solilóquios e petições a Deus. Falando com antecipação, o próprio Senhor Jesus pelo Espírito clamou através de Davi: 

“Livra-me, ó Deus, pois as águas entraram até à minha alma. Atolei-me em profundo lamaçal, onde se não pode estar em pé; entrei na profundeza das águas, onde a corrente me leva. Estou cansado de clamar; secou-se-me a garganta; os meus olhos desfalecem esperando o meu Deus.
Tira-me do lamaçal, e não me deixes atolar; seja eu livre dos que me aborrecem, e das profundezas das águas. Não me leve a corrente das águas e não me sorva o abismo, nem o poço cerre a sua boca sobre mim.

E não escondas o teu rosto do teu servo, porque estou angustiado; ouve-me depressa. Aproxima-te da minha alma, e resgata-a; livra-me por causa dos meus inimigos. Bem conheces a minha afronta, e a minha vergonha, e a minha confusão; diante de ti estão todos os meus adversários. Afrontas me quebrantaram o coração, e estou fraquíssimo. Esperei por alguém que tivesse compaixão, mas não houve nenhum; e por consoladores, mas não os achei.” (Sl 69.1-3, 14, 15, 17-20) E outra vez: “Um abismo chama outro abismo, ao ruído das tuas catadupas; todas as tuas ondas e vagas têm passado sobre mim” (Sl 42.7). A aversão divina ao pecado sobreveio impetuosa e rebentou sobre o Portador do Pecado. Aguardando de modo expectante a terrível angústia da cruz, ele clamou através de Jeremias: “Não vos comove isto a todos vós que passais pelo caminho? Atendei, e vede, se há dor como a minha dor, que veio sobre mim, com que me entristeceu o Senhor, no dia do furor da sua ira” (Lm 1.12). Essas são algumas das passagens que nos sugerem e pelas quais podemos julgar o indizível horror com que o Santo contemplava aquelas três horas na cruz, horas nas quais estava condensado o equivalente a uma eternidade no inferno. O amado do Pai deve ter a luz da face de Deus ocultada dele; ele deve ser deixado sozinho nas trevas exteriores.

Aqui tinha amor incomparável e imensurável. “Se queres, passa de mim este cálice”, ele clamou. Mas não era possível que seu povo fosse salvo a menos que ele bebesse até a última gota daquele copo de desgraça e ira; e, porque não havia nenhum outro que podia bebê-lo, ele o fez. Bendito seja seu nome! Onde o pecado havia trazido o homem, o amor trouxe o Salvador.

“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” 

7. Aqui vemos a destruição da “esperança maior”.
Esse clamor do Salvador prenuncia a condição final de toda alma perdida — abandonada por Deus! A fidelidade nos obriga a alertar o leitor acerca dos falsos ensinos de hoje. É-nos dito que Deus ama a todos, e que ele é misericordioso demais para em algum tempo levar a cabo as ameaças de sua palavra.

Exatamente como a antiga serpente argumentou com Eva. Deus tinha dito: “No dia em que dela comeres, certamente morrerás”. A serpente disse: “Certamente não morrereis”. Mas qual palavra evidenciou ser verdadeira? Não a do diabo, pois ele é mentiroso desde o princípio  . A ameaça divina foi cumprida, e nossos primeiros pais morreram espiritualmente no dia em que desobedeceram à sua ordem. Isso se provará também num dia vindouro.

Deus é misericordioso; o fato dele ter provido um Salvador, leitor, demonstra-o. O fato de que ele convida você para receber a Cristo como seu Salvador evidencia sua misericórdia. O fato de que ele é tão longânime com você, que suporta a sua obstinada rebelião até agora, que prolongou o seu dia de graça até o presente momento, prova-o. Mas há um limite para a sua misericórdia. O dia da misericórdia em breve findará. A porta de esperança em breve será trancada. A morte pode rapidamente ceifar a ti, e após essa vem “o juízo”.  E no Dia do Juízo Deus vai tratar com justiça e não com misericórdia. Ele vingará a misericórdia da qual você desdenhou. Ele executará a sentença de condenação já passada sobre você: “Quem não crer será condenado” (Mc 16.16).

Não repetiremos novamente o que já dissemos em detalhes; basta por ora lembrar o leitor mais uma vez como esse brado de Cristo testemunha do ódio divino ao pecado. Porque é justo e santo, Deus deve julgar o pecado onde quer que ele seja encontrado. Se então ele não poupou o Senhor Jesus quando o pecado foi achado sobre ele, que esperança pode haver, leitor não salvo, de que ele poupará a ti quando estiveres diante dele no grande trono branco com pecado sobre ti? Se Deus derramou sua ira em Cristo enquanto pendurado como fiador de seu povo, fique certo de que ele, com a mais absoluta certeza, derrama-la-á sobre você, se morrer em seus pecados. A palavra da verdade é explícita: “Aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre ele permanece” (Jo 3.36). Deus “não poupou” seu próprio Filho quando tomou o lugar do pecador, e não poupará a quem rejeita o Salvador. Cristo ficou separado de Deus por três horas, e se você finalmente rejeitá-lo como seu Salvador, também o será, para sempre — “os quais sofrerão, como castigo, a perdição eterna, banidos da face do senhor” (2Ts 1.9, ARA). 

“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”
Eis aqui um Brado de Desolação — Leitor, possa você nunca ecoá-lo.
Eis aqui um Brado de Separação — Leitor, possa você jamais experimentá-lo.
Eis aqui um Brado de Expiação — Leitor, possa você apropriar-se de suas virtudes salvíficas.

________________________________
RETIRADO DO EBOOK "OS SETE BRADOS DO SALVADOR SOBRE A CRUZ."
ARTHUR W. PINK

Traduzido do original em inglês
The Seven Sayings of the Saviour on the Cross (1919)
Tradução: Vanderson Moura da Silva

Crédito: Monergismo.com

19:40 1
Os Deveres dos Pais 
J. C. Ryle

“Educa a criança no caminho em que deve andar; e até quando envelhecer não se desviará dele.”
Provérbios 22:6

Suponho que a maioria dos cristãos professos estão familiarizados com o texto mencionado.
O som dele provavelmente é familiar aos seus ouvidos, como uma velha canção. É provável que você já ouviu, leu, falou sobre ele, ou citou-o muitas vezes. Não é mesmo? No entanto, no final de tudo, quão pouco considerada é a essência deste texto! A doutrina contida nele parece ser pouco conhecida; muito raramente o dever que ele coloca diante de nós parece ser praticado. Leitor, não falo a verdade? Não se pode dizer que o assunto é novo. O mundo é velho, e temos a experiência de quase seis mil anos para nos ajudar. Vivemos dias em que há um poderoso entusiasmo para com a educação em cada canto. Ouvimos falar de novas escolas surgindo por todos os lados. Somos informados sobre novos sistemas e novos livros para os jovens, de todo tipo e descrição. E, ainda assim, com tudo isso, a grande maioria das crianças, claramente, não são educadas no caminho em que devem andar; assim, quando crescem até a estatura de um homem, elas não andam com Deus. Agora, como vamos explicar o estado dessas coisas? A pura verdade é que o mandamento do Senhor que está no nosso texto não é considerado e, portanto, a promessa do Senhor contida no mesmo texto não é cumprida. Leitor, estas coisas podem muito bem dar origem a grandes indagações do coração. Suporte agora uma palavra de exortação de um ministro sobre a correta educação das crianças. Acredite em mim, o assunto deve ir para casa na consciência e fazer com que cada um pergunte a si mesmo: “Estou fazendo o que posso nesta questão?” É um assunto que diz respeito a quase todos. Praticamente não há uma família em que ele não toque. Os pais, babás, professores, padrinhos, madrinhas, tios, tias, irmãos, irmãs – todos têm interesse nele. Poucos podem ser encontrados, penso eu, que não podem influenciar alguns dos pais na gestão da sua família, ou afetar a formação de alguma criança por sugestão ou conselho. Todos nós, eu suspeito, podemos fazer algo aqui, direta ou indiretamente, e eu desejo suscitar a todos para que tenham isso na memória.

É também um assunto, em que todos os envolvidos estão em grande perigo de estar aquém do seu dever. Este é, por excelência, um ponto em que os homens podem ver as falhas de seus vizinhos mais claramente do que as suas próprias. Eles, muitas vezes, criam seus filhos no mesmo caminho que eles denunciaram aos seus amigos como inseguro. Eles querem ver os ciscos nas famílias dos outros homens, mas passam por cima das traves da sua. Eles querem ser rápidos como águias para avistar, detectando erros no exterior, contudo são cegos como morcegos para os erros fatais que diariamente estão acontecendo em sua casa. Eles querem ser sábios sobre a casa do seu irmão, mas são tolos sobre a sua própria carne e sangue. Aqui, como em qualquer outro lugar, nós precisamos suspeitar do nosso próprio julgamento. Isso, também, você fará bem em ter na sua mente. Venha e deixe-me colocar diante de você algumas orientações sobre a correta educação. Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo o abençoe, e torne estas palavras propícias a todos. Não as rejeite porque elas são francas e simples, não as despreze por não conterem nada de novo. Esteja certo de que, se você quer educar as crianças para o céu, estas são orientações que não devem ser inconsequentemente postas de lado.

14:22
CHAMADO AOS NÃO CONVERTIDOS

Pronunciado na noite de Domingo, 8 de novembro de 1857, pelo Rev. C. H. Spurgeon
na Capela de New Park Street, Southwark (Inglaterra)

Todos aqueles que são das obras da lei estão debaixo da maldição; porque está escrito: maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las. (Gal. 3:10).

Meu querido ouvinte. Você está convertido ou não? De sua resposta a esta questão dependerá a forma pela qual me dirigirei a você neste dia.

Queira, eu lhe rogo, pela tua alma, esquecer por alguns momentos que você se encontra num lugar de culto, ouvindo um ministro do Evangelho, que prega a um auditório numeroso. Tente imaginar que você está sentado em sua casa, em sua sala, e que eu estou ao seu lado, sua mão na minha, conversando sozinho com você; porque é assim que eu desejo falar neste momento a cada um dos que me escutam. Eu repito então, meu querido auditório, a questão soberanamente importante e solene que já coloquei, e eu lhe conjuro a responder como na presença de Deus. Você está em Cristo ou fora dele? Você procurou um refúgio junto daquele que é a única esperança do pecador? Ou você ainda é um estrangeiro na república de Israel, longe de Deus e fora das promessas de seu santo Evangelho?

Vejamos, meu irmão, sem hesitação ou falsas desculpas; seja sincero e que sua consciência responda SIM ou NÃO à minha pergunta. Porque, de duas coisas, uma: ou você está sob o peso da cólera de Deus, ou está livre dessa ira. Não há outra alternativa. Sim, você é neste momento mesmo, herdeiro da maldição divina, ou herdeiro do reino da graça. Qual desses dois estados é o seu? Você é que tem de dizer. E que não haja "se" ou "talvez" em sua resposta, mas que ela seja clara, leal, categórica. Se você tem ainda dúvida a este respeito, eu lhe suplico, não dê repouso a sua alma até que a dúvida se dissipe. Sobretudo, não se apresse em interpretar a dúvida em proveito próprio; antes a considere como uma forte presunção contra você. É mais provável, creia, que você esteja no mau estado que no bom. Agora então, ó meu irmão, ponha sua alma na balança e se um dos pratos não pesa mais que o outro, mas os dois se mantêm perto do equilíbrio, de tal sorte que você seja obrigado a dizer "Eu não sei qual", lembre-se que é melhor você decidir a questão pelo pior, ainda que isso seja terrível, do que resolver esta questão pelo bem, correndo o risco de se deixar seduzir e continuar a viver sob uma segurança presunçosa, até que você finalmente reconheça sua fatal ilusão no abismo do inferno.

Pode você então, com uma mão posta na Palavra de Deus e outra em seu próprio coração, elevar neste instante seus olhos para o céu e dizer com uma humilde segurança: "Eu sei uma coisa, que estava cego e agora vejo; eu sei que passei da morte para a vida; eu sou o primeiro dos pecadores, mas Jesus morreu por mim e a menos que eu me engane da maneira mais terrível, eu sou desde agora um dos resgatados por Cristo, um monumento da graça de Deus?" Você pode, em boa consciência, me dar essa resposta? Se é assim, ó meu irmão, a paz de nosso Senhor seja contigo! Que a bênção do Altíssimo repouse sobre sua alma! Não tema; as palavras que vamos meditar não serão mais como raios para você. Leia o versículo 13 do capítulo que tirei meu texto, e aí você encontrará a confirmação gloriosa de suas esperanças – Cristo foi feito maldição por nós, porque está escrito: maldito o que for pendurado no madeiro.

Se então é verdade que você é um filho de Deus, convertido e regenerado, eu repito, você não tem nada a temer, porque Cristo se fez maldição em seu lugar.

Mas tenho a convicção de que a grande maioria desta assembléia não poderia me dar uma resposta semelhante; e você em particular, meu querido ouvinte (porque quero continuar a me dirigir pessoalmente a você), você não ousaria, não é verdade, falar assim, porque você é estranho à aliança da graça. Você não ousaria mentir a Deus e à sua consciência; por causa disso você diz com uma franqueza que lhe honra: "Eu sei que nunca fui regenerado; eu sou hoje o que tenho sido em todo o tempo". Portanto, é com você que eu quero falar, ó homem! E eu lhe conjuro, por Aquele que haverá de julgar os vivos e os mortos, por Aquele diante do qual eu e você deveremos logo comparecer; eu lhe conjuro a escutar com atenção o que tenho a lhe dizer da parte do Senhor, lhe lembrando que este apelo talvez seja o último que lhe será dado a ouvir! E eu te conjuro também, ó minha alma, a falar com fidelidade a estes homens mortais que te cercam, por medo que no último dia, o sangue de suas almas não seja encontrado em roupa, e que tu mesma não sejas reprovada!

Ó Senhor, leve-nos todos a um estado de reverência e introspecção. Queira nos dar, neste momento, ouvidos que ouçam, uma memória que retenha e uma consciência que seja tocada por teu Espírito, pelo amor de Jesus !

Nós dividiremos este discurso em três partes. Primeiro, NÓS JULGAREMOS O ACUSADO; em segundo lugar, NÓS PRONUNCIAREMOS SUA SENTENÇA; e finalmente, se ele se reconhecer culpado e se arrepender (somente nestas condições), NÓS LHE ANUNCIAREMOS A LIBERTAÇÃO.

Primeiro, façamos o JULGAMENTO DO ACUSADO.
Meu texto diz assim: maldito todo aquele que não permanece em todas as coisas escritas no livro da Lei para as praticar. Homem não convertido, eu lhe pergunto, você é culpado ou não culpado? Você tem perseverado em todas as coisas que estão escritas no livro da Lei? Na verdade, me parece quase impossível que você ouse sustentar sua inocência; mas quero supor, por um instante, que você tenha a triste coragem de fazê-lo. Quero supor que você diga ousadamente: "Sim, eu persevero em todos os mandamentos da Lei." É o que nós vamos examinar, meu caro ouvinte; e antes de tudo, permita-me lhe perguntar se você conhece esta lei que você diz cumprir.

Eu vou lhe dar um simples resumo que chamarei exterior, mas lembre-se que ela possui um sentido interior e espiritual infinitamente mais amplo que seu sentido literal. Escute então o primeiro mandamento da Lei:

NÃO TERÁS OUTRO DEUS DIANTE DE MIM.

O quê? Você jamais amou outra coisa além de seu Criador? Você sempre lhe deu o primeiro lugar em suas afeições? Você não tem feito um Deus de seu ventre, ou de seu comércio, ou de sua família, ou de sua própria pessoa? Oh! Você certamente não ousará negar que este primeiro mandamento lhe condena! E o segundo, você o tem obedecido melhor?

NÃO FARÁS PARA TI IMAGEM DE ESCULTURA, NEM ALGUMA SEMELHANÇA DO QUE HÁ EM CIMA NOS CÉUS, OU EM BAIXO NA TERRA, NEM NAS ÁGUAS DEBAIXO DA TERRA.

O quê! Você jamais se curvou diante da criatura?

Jamais colocou qualquer objeto terrestre no lugar de Deus? De minha parte, eu lhes declaro para minha vergonha, que tive ídolos em minha vida; e se sua consciência fala com sinceridade, estou certo que ela lhe dirá também: "Ó homem! Você tem sido um adorador de Mammon, um adorador de seus sentidos; você tem se prostrado diante de seu dinheiro e seu ouro; você tem se inclinado lhes dando honra e dignidade; você tem feito um Deus de sua intemperança, um Deus de suas cobiças, um Deus de sua impureza, um Deus de seus prazeres!

E o terceiro mandamento.

NÃO TOMARÁS O NOME DO SENHOR TEU DEUS EM VÃO.

Você ousaria sustentar que não o tem violado? Você jamais proferiu juramentos grosseiros, ou palavras blasfemas; não empregou ao menos irreverentemente o nome de Deus, em suas conversas comuns? Diga-me: você tem sempre santificado este nome, três vezes santo? Você nunca o pronunciou sem necessidade? Você nunca leu o livro de Deus distraidamente e com pressa? Você nunca escutou a pregação do Evangelho, sem respeito e recolhimento? Oh! Certamente, aqui também, você tem que se confessar culpado.

E quanto ao quarto mandamento, que trata da observação do sábado.

LEMBRA-TE DO DIA DE DESCANSO PARA O SANTIFICAR.

Há alguém bastante atrevido para dizer que nunca o transgrediu? Oh! Homem, ponha então sua mão na boca e reconheça que estes quatro mandamentos bastariam para lhe convencer do pecado e para despejar sobre você a justa cólera de Deus !

Mas continuemos nosso exame.

HONRA A TEU PAI E A TUA MÃE.

O quê! Você pretende não ser culpado neste ponto? Em sua juventude, você nunca os desobedeceu? Você nunca se rebelou contra o amor de sua mãe, nem desprezou a autoridade de seu pai? Folheie as páginas de seu passado. Veja se em sua infância, ou mesmo em sua idade madura, você sempre falou com seus pais como deveria fazer; veja se você sempre os tratou com a honra que eles têm direito e que Deus lhe ordenou lhes dar.

NÃO MATARÁS.

É possível, meu caro ouvinte, que você não tenha violado a letra deste mandamento; é possível que você não tenha tirado a vida a um de seus semelhantes; mas você nunca se deixou dominar pela cólera? Ora, a Palavra de Deus declara expressamente que aquele que se encoleriza contra seu irmão, é um assassino (I Jo 3:15). Julgue, depois disso, se você é ou não culpado.

NÃO COMETERÁS ADULTÉRIO.

Talvez você tenha cometido coisas abomináveis, e esteja mergulhado hoje mesmo, nas mais vergonhosas luxúrias; mas, admitindo que você tenha sempre vivido na castidade mais perfeita, você pode dizer, ó meu irmão, que você não tem nada a lhe reprovar neste mandamento, quando você se coloca na presença destas solenes palavras do Mestre: qualquer que olhe uma mulher para a cobiçar, já cometeu adultério com ela em seu coração (Mt 5:28). Nenhum pensamento lascivo atravessou seu espírito? Nenhum desejo impuro manchou sua imaginação? Oh! Certamente, se sua fronte não é dura como o bronze, se sua consciência não estiver inteiramente cauterizada, sua resposta a estas questões não deixaria dúvidas.

NÃO FURTARÁS.

Você jamais roubou alguém? Talvez, nesta manhã mesma, você tenha cometido um furto, e se encontra aqui, em meio ao povo, ainda com o produto do seu latrocínio; mas ainda que você seja de uma probidade exemplar, entretanto, não houve momentos em sua vida, em que você provou um secreto desejo de enganar seu próximo? Eu vou mais longe – você nunca cometeu, às escuras e em silêncio, algumas daquelas fraudes, que mesmo não sendo contrárias às leis de seu país, não deixam de ser infrações manifestas da santa Lei de Deus?
E quem de nós seria tão audacioso em afirmar que tem obedecido perfeitamente ao nono mandamento?

NÃO DIRÁS FALSO TESTEMUNHO CONTRA TEU PRÓXIMO

Nunca demos ocasião à calúnia? Nós não temos, freqüentemente, interpretado mal as intenções de nossos semelhantes?

E o último mandamento.

NÃO COBIÇARÁS.

Onde está o homem que não tenha pisado este mandamento com os pés? Quantas vezes não temos desejado mais do que Deus nos tem dado? Quantas vezes nossos corações carnais não têm suspirado pelos bens que o Senhor em sua sabedoria julgou melhor nos recusar? Ah! meus amigos; sustentar nossa inocência diante da Lei de Deus, não seria isso, lhes pergunto, um ato de verdadeira loucura? E não lhes parece que a simples leitura desta Lei santa deveria bastar para extrair de nós, cheios de humilhação e penitência, esta frase: “Nós somos culpados, Senhor, somos culpados em todos os pontos?”

Mas ouço alguém me dizer: “Não, não quero me reconhecer culpado. Certamente, não teria a pretensão de perseverar em todas as coisas que estão escritas no livro da Lei, mas ao menos, fiz o que pude. Isto é falso, ó homem! Você se engana e mente diante da face de Deus! Não, você não fez tudo que é possível para perseverar no bem. Em milhares situações de sua vida, você deveria ter agido melhor do que agiu. O quê! Este homem ousaria afirmar que fez o possível para agradar a Deus, quando o vejo assentado no banco dos escarnecedores, e insultar seu Criador até em seu santuário? O quê! Todos que estamos aqui, não teríamos podido, se tivéssemos querido, resistir àquela tentação, evitar aquela queda cuja lembrança nos condena? Se nós não fôssemos livres para escapar do mal, sem dúvida seríamos desculpados ao cair; mas quem de nós não é forçado a reconhecer que houve em sua vida momentos solenes, nos quais chamado a escolher entre o bem e o mal, resolutamente escolheu o mal e virou as costas ao bem, andando assim, sabendo e querendo, no caminho que conduz ao inferno?”

“Ah! Exclama um outro, é verdade que infrinjo a Lei de Deus, mas não sou pior do que aqueles que me cercam”. Pobre argumento é este, meu caro ouvinte, ou melhor, de fato nem pode ser chamado assim. Você não é, assim creio, pior que o resto dos homens, mas lhe rogo, em que isto lhe é vantagem ? Será uma coisa
menos terrível ser condenado em companhia, ainda que seja, de um único perdido? Quando, no último dia, Deus disser aos ímpios: Vão, malditos, para o fogo eterno! Você crê que esta terrível sentença lhe será mais doce, porque ela será dirigida aos milhares, tanto quanto a você?

Se o Senhor precipitasse uma nação inteira no inferno, cada indivíduo sentiria tão vivamente o peso desse castigo, como se fosse o único a carregá-lo. Deus não é como os juízes da terra: se os tribunais fossem entulhados de acusados, talvez fossem tentados a passar levemente por sobre mais de um processo; mas o
Altíssimo não agirá assim. Infinito em todas as suas faculdades, o grande número de criminosos não será obstáculo para Deus. Ele se mostrará tão justo e inflexível com você, como se não existisse outro pecador como você. Além disso, que você tem, eu rogo, com os pecados de outrem? Você não é responsável, porque cada um levará seu próprio peso. Deus lhe julgará segundo suas obras e não segundo as dos outros. As faltas da mulher de vida má, podem ser mais grosseiras que as suas, mas não se lhe pedirá conta de suas iniquidades. O crime do assassino pode revelar muito aos meus olhos sobre suas próprias transgressões, mas você não será condenado por ele. Fixe bem em seu espírito, ó homem, que a religião é um negócio entre Deus e você, por isso, lhe conjuro, olhe seu próprio coração e não o de seu próximo.

Mas ouço outro de meus ouvintes falando assim: “Quanto a mim, tenho me esforçado muito em guardar os mandamentos de Deus e, em certos períodos de minha vida, creio que tenho conseguido: isso não é suficiente para me pôr ao abrigo da maldição?” Para responder, meu irmão, permita-me outra vez ler a
sentença contida em meu texto: “Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las.” Ah! Você não se convence que o Senhor jamais confunde as cores agitadas de uma irresolução mórbida com a santidade e obediência? Não será uma observação passageira e
intermitente destes mandamentos que ele aceitará no dia do juízo; não, é preciso perseverar em fazer sua vontade. Se então, desde minha mais tenra infância, até a hora em que meus cabelos brancos descerem ao sepulcro, minha vida não for um incessante cumprimento da Lei de Deus, eu serei condenado! Se desde o instante em que minha inteligência recebe seus primeiros raios de luz, eu me torno um ser responsável, até o dia em que, como uma espiga madura, eu sou recolhido nos celeiros eternos, eu não observei em sua inteireza todas as ordenanças de meu Mestre, a salvação pelas obras é impossível para mim, e estarei infalivelmente perdido!

Então, não espere, ó homem, que uma obediência vacilante e sem conseqüência salvará sua alma. Você não perseverou em todas as coisas que estão escritas no livro da Lei. Por conseqüência, você está condenado.

Mas outro objeta – “se há vários pontos da Lei que transgredi, não quer dizer que eu seja menos virtuoso”. Eu concordo, meu irmão. Quero supor que de fato você tem sido um modelo de virtude; eu quero supor que você é puro de muitos vícios. Mas releia meu texto (e lembre-se que não é minha palavra, mas a palavra de Deus que você vai ler). “Maldito todo aquele que não perseverar em todas as coisas que estão escritas no livro da Lei.” Note que não está dito para perseverar em algumas coisas, mas em todas as coisas.

Ora, eu lhe pergunto, você tem praticado todas as virtudes? Você tem evitado todos os vícios? Você diz, talvez, para sua defesa: “Eu não sou um intemperante.” Que seja. Mas você não será menos condenado, se você tem sido um fornicário. “Eu jamais cometi impureza”, você grita. Que seja ainda. Mas se você tem profanado o sábado, você tem incorrido em maldição. Você me responde que também nisto você não pode ser reprovado? Eu replico que se você tem tomado o nome de Deus em vão, esta única transgressão basta para lhe condenar. Sobre um ponto ou outro, a Lei de Deus lhe atingirá indubitavelmente. Mas há mais – não somente afirmo (e estou certo que sua consciência confirma também) que você não tem perseverado em todas as coisas que estão escritas na Lei, mas ainda sustento que você não tem perseverado em guardar em sua inteireza um único dos mandamentos de Deus. O mandamento é de uma grande amplitude, disse o salmista (Sl 109:96), e nenhum homem sobre a terra conseguiu sondar sua profundidade. Não é apenas o ato exterior que nos deixa passíveis da condenação eterna, mas o pensamento, a imaginação, a concepção do pecado, bastam para fazer perder a alma. E lembrem-se, meus caros amigos, que esta doutrina, que pode, eu concordo, lhes parecer dura, não é minha – ela é de Deus.

Se vocês nunca tivessem transgredido a Lei divina, mas se seus corações têm concebido maus pensamentos ou nutrido maus desejos, vocês merecem o inferno. Se vocês tivessem vivido desde seu nascimento até hoje, em um lugar inacessível, longe de qualquer ser humano, e lhes tivesse sido impossível de fisicamente
cometer seja um ato impuro, seja um assassinato, ou uma injustiça, as imaginações de seus corações depravados, só elas bastariam para lhes banir para sempre da presença de Deus. Não! Não há uma alma nesta grande assembléia que possa esperar escapar da condenação da Lei! Todos, desde o primeiro até o último, devemos nos curvar diante de Deus, e gritar em uma única voz – “Nós somos culpados, Senhor, nós somos culpados!” Quando eu te contemplo, ó Lei, minha carne treme, meu espírito fica perdido!

Quando ouço roncar seu trovão, meu coração se derrete como cera dentro de mim! Como posso suportar tua presença? Como poderei aplacar tua justiça? Certamente, se no último dia eu tivesse de comparecer a teu tribunal, não saberia escapar da condenação, porque minha consciência será minha acusadora!

Mas creio que é supérfluo insistir muito neste ponto. Oh! Você que está fora de Cristo e sem Deus no mundo, não se convenceu ainda que você está sob o golpe da cólera divina? Para trás de nós, loucas ilusões! Caí, máscaras da mentira! Lancemos ao vento nossas vãs desculpas e reconheçamos que ao menos que nós sejamos cobertos pelo sangue e da justiça de Cristo, a maldição contida em meu texto, fecha a cada um de nós, individualmente, a porta dos céus e não nos deixa nada mais a esperar além das chamas da perdição.

II
O acusado é, então, julgado e reconhecido culpado. Agora SUA SENTENÇA TERÁ DE SER PRONUNCIADA. Em geral, os ministros de Deus amam pouco esta tarefa.

De minha parte, lhes confesso, preferiria pregar vinte sermões sobre o amor de Cristo, do que um único como este.

De resto, me é raro escolher assunto como este, visto que não me parece necessário tratá-lo freqüentemente; entretanto, se nunca o tratasse, se deixasse sempre as ameaças divinas relegadas a segundo plano, sinto que meu Mestre não poderia abençoar a pregação de seu Evangelho, porque Ele quer que a Lei e a graça sejam anunciadas na mesma medida e que cada uma conserve o lugar que lhe é próprio. Ouçam então, meus irmãos, enquanto que, com dor na alma eu pronunciarei a sentença levantada contra todos aqueles dentre vocês que não pertencem a Cristo – Pecador não convertido! Você é maldito! Maldito neste momento mesmo! Você é maldito não por causa de um auto-denominado mágico qualquer, cujo pretenso sortilégio só pode despertar medo aos ignorantes; não por algum monarca terrestre que poderia no máximo fazer perecer seu corpo e devastar seus bens; mas maldito pelo seu Criador ! Maldito pelo Monarca dos céus! Maldito! Oh! Que palavra é esta! Que coisa terrível é a maldição de qualquer parte que ela venha! E a maldição de um pai, como ela deve ser a mais terrível entre todas! Temos visto pais que, levados ao desespero pela conduta de um filho rebelde e depravado, têm levantado suas mãos aos céus, pronunciando sobre o filho a mais terrível das maldições. A Deus não agrada que eu aprove esse ato! Reconheço, ao contrário, que é tanto temerário quanto insensato. Mas, qualquer que seja a reprovação com que se possa considerar o ato em si, não resta menos verdadeiro que a maldição de um pai imprime sobre aquele que a mereceu, uma vergonhosa, indelével destruição. Oh! Eu sofro só em pensar o que minha alma provaria se tivesse sido amaldiçoada por aquele que me gerou! Certamente, meu céu estaria coberto por trevas; o sol não brilharia mais em minha vida. Mas ser maldito de Deus!...

Oh! Pecadores, as palavras me faltam para lhes falar o que é esta maldição!...

Mas eu lhes ouço me responder: “Se é verdade que nós temos incorrido na maldição divina, ao menos não sentiremos seus efeitos durante esta vida; isso é algo que espera um futuro ainda bem distante, por isso pouco nos inquieta.” Você se engana, ó alma, você se engana! Desde agora a cólera de Deus permanece sobre você. Você não conhece ainda, é verdade, a plenitude da maldição, mas por isso agora mesmo você não é menos maldito. Você ainda não está no inferno; o Senhor não lhe cerrou definitivamente as entranhas de suas misericórdias e não lhe rejeitou ainda para sempre; mas você está debaixo do golpe da Lei. Abra o Livro de Deuteronômio. Leia as ameaças dirigidas ao pecador, e veja se a maldição de Deus não é ali colocada como algo imediato, atual, presente. (Deut. 28:15-16). Está escrito que você será maldito na cidade, isto é, no lugar de sua habitação, de seu trabalho, de seus negócios; você será maldito nos campos, isto é, nos lugares onde você vai procurar o descanso, repouso, o prazer; seu cesto será maldito e também sua amassadeira; o fruto de seu ventre será maldito e o fruto de sua terra; as crias de suas vacas e as ovelhas de seu rebanho; será em sua entrada e em sua saída! Há homens sobre os quais a maldição divina parece pesar de uma maneira visível. Tudo o que eles fazem é amaldiçoado. Se eles adquirem riquezas, a maldição se agarra a elas; se eles constroem casas, a maldição cai sobre suas casas. Veja o avarento: ele é amaldiçoado em seus tesouros, porque sua alma está tão corroída pela ganância e cobiça, que ele não pode desfrutar de seus tesouros mesmos. Veja o intemperante: seu cesto e sua amassadeira são literalmente malditas, porque seu palácio, regado de bebidas embriagadoras, não pode mais usufruir de nenhum alimento. Ele é também maldito em sua entrada e saída, porque desde quando ele atravessa a soleira de sua própria casa, suas crianças correm para se esconder, tal o medo que ele lhes inspira. E será maldito um dia, no fruto do seu ventre, porque quando seus filhos avançarem na idade, eles seguirão certamente o exemplo de seu pai; eles se darão aos mesmos excessos de seu pai; eles jurarão como ele jurou; eles se aviltarão como ele se aviltou. Hoje, o infeliz procura talvez se convencer que pode, sem grande inconveniente, se embebedar e blasfemar quanto bom lhe pareça; mas que dor aguda atravessará sua consciência (se ainda lhe resta alguma consciência ...), quando vir seus filhos andarem sobre suas vergonhosas pegadas! Sim, repito, a maldição divina acompanha de uma maneira visível certos vícios; mas ainda que ela não seja sempre igualmente aparente, na realidade ela não pesa menos sobre qualquer que seja a transgressão da Lei. Você, então, pecador, que vive sem Deus, sem Cristo, estranho à graça de Jesus, saiba, você é maldito – maldito quando se assenta, maldito quando se levanta ! Maldito é o leito onde você deita; maldito o pão que você come; maldito o ar que você respira! Para você tudo está amaldiçoado. O que quer que você faça, ou aonde você vá, você é maldito!...

Oh! Pensamento terrível! Neste momento mesmo, eu não posso duvidar; eu tenho diante de mim um grande número de criaturas imortais que são malditas de Deus! Infelizmente! Por que é preciso que um homem fale assim a seus irmãos? Mas ainda que este dever seja penoso, como ministro de Cristo, eu tenho de cumpri-lo, sem o que eu seria infiel em relação às suas almas que perecem. Ah! Queira Deus que haja nesta assembléia alguma pobre alma que, cheia de pavor, grite: “É verdade então? Eu sou maldito? Maldito de Deus e de seus santos anjos, maldito sobre a terra e no céu - maldito ! maldito ! Sempre maldito !” Oh ! Eu estou convencido que se não quisermos levar a sério esta única palavra –Maldito – não precisará muito para dar o golpe de morte à nossa indiferença e torpor espirituais!

Mas, tenho mais que isto a lhe dizer, meu querido ouvinte. Se você é impenitente e incrédulo, devo lhe advertir que a maldição que hoje está sobre você, não pode em nada ser comparada com aquela que cairá sobre você depois. Você sabe que em poucos anos nós devemos morrer. Sim, jovem, logo você e eu envelheceremos; ou talvez bem antes de alcançarmos a velhice, nos estenderemos sobre nosso leito, para nunca mais nos levantarmos. Nós acordaremos de nosso último sono, e ouviremos murmurar ao nosso redor que nossa última hora vai soar. O médico consultará uma última vez nosso pulso, depois dirá à nossa família amargurada que não há mais esperança! E nós estaremos lá, deitados, imóveis e sem força. E nada
virá romper o silêncio lúgubre do quarto mortuário; apenas o barulho monótono do relógio ou o choro de nossa mulher e nossos filhos. E teremos que morrer!... Oh! Que hora solene será quando formos pegos pelo grande inimigo do gênero humano: a morte!

Já o gemido despedaça nosso peito; é muito se pudermos articular uma única palavra; nossos olhos se embaçam; a morte pôs seu dedo frio sobre o calor de nosso corpo e o atingiu para sempre; nossas mãos recusam levantar-se; estamos à beira do sepulcro! Momento decisivo, momento solene entre todos os momentos da vida, é aquele onde a alma entrevê seu destino; onde, como através das fendas de sua prisão de barro, ela descobre o mundo por vir! Oh! Que língua humana poderia exprimir o que passará no coração do não convertido, quando ele estiver diante do tribunal de Deus, e ouvir o estrondo dos raios de sua cólera eterna em suas orelhas e sentir que entre o inferno e ele, não há mais que um intervalo de um momento!

Quem poderia descrever o terror inexprimível que tomará os pecadores, quando se encontrarem na presença das realidades, sobre a existência das quais não tinham querido crer? Ah! Desprezadores que me escutem! Hoje vocês podem rir à vontade das coisas de Deus. Vocês podem, saindo deste recinto, zombar do que acabaram de ouvir, tornar ridículo o pregador e folgar às suas custas. Mas esperem até quando estiverem sobre o seu leito de morte e vocês não rirão mais, eu lhes garanto! Agora que a cortina está cerrada, que o futuro está escondido de seus olhos, lhes é fácil zombar do que virá; mas quando o Senhor levantar a cortina, e os horizontes eternos se desenrolarem diante de seus olhos, vocês não terão mais
coragem de rir. O rei Acabe, assentado em seu trono, rodeado de cortesãos, riu do profeta Miquéias; mas não consta que ele tenha rido do profeta, quando uma flecha inimiga, penetrando por uma emenda de sua couraça, o feriu mortalmente (I Re 22). Os contemporâneos de Noé riram do venerável ancião que lhes anunciava que o Eterno haveria de destruir o mundo por um dilúvio: sem nenhuma dúvida eles o tinham por um sonhador, visionário, um insensato. Mas em que lhes tornou o seu desdém e sarcasmos, ó céticos, quando Deus fez descer do céu imensas cataratas, quando as fontes do grande abismo foram abertas e o mundo foi inteiramente submerso? Então reconheceram, mas tarde demais, que Noé havia dito a verdade.
E vocês mesmos, pecadores que se encontram neste auditório, quando vocês estiverem no ponto de serem lançados na eternidade, não creio que rirão ainda de mim e da palavra que lhes anuncio. Antes dirão a si mesmos: “Eu me lembro daquela época, quando um dia entrei por curiosidade naquele lugar de culto; eu
ouvi um homem que falava de uma maneira forte e solene; naquele momento não gostei muito; entretanto não poderia negar o pensamento de que ele me dizia a verdade e que queria o meu bem. Oh! Como não escutei seus apelos! Como não aproveitei seus avisos! O que não daria para poder ouvi-lo de novo!”

Há pouco tempo um caso bem parecido veio ao meu conhecimento. Um homem que muitas vezes me havia coberto de zombarias e injúrias, tendo partido num domingo para uma viagem de passeio, voltou para sua casa apenas a tempo de morrer. Na manhã da segunda-feira, sentindo seu fim aproximar-se, o que você
pensa que ele fez? Mandou chamar com pressa o servo de Deus que lhes fala neste momento, aquele mesmo que ele havia insultado tantas vezes! Ele queria que ele lhe indicasse o caminho para o céu, que lhe falasse do Salvador. Eu fui apressadamente e com alegria. Mas infelizmente! Como é triste a tarefa de falar a
um profanador do sábado, a um contendor do Evangelho, a um homem que passou sua vida a serviço de Satanás e que chega na sua última hora ! E de fato, o infeliz morreu logo. Ele morreu sem a Bíblia em sua casa, sem oração pedindo a Deus por sua alma, a não ser aquela que eu pronunciava na cabeceira de seu leito... Oh! Meus caros amigos, creiam: é uma coisa terrível morrer sem Salvador! Certa vez, após ter
assistido os últimos momentos de um pobre pecador que tocava a salvação de uma forma pela qual eu teria pouca esperança, voltei para casa com a alma quebrada, o coração entristecido, pensando comigo mesmo : “Meu Deus! Que eu possa pregar as insondáveis riquezas de Cristo a cada hora, a cada instante do dia, a fim de que as almas possam olhar para Cristo antes de que lhes seja tarde demais!” Depois, eu pensei no pouco zelo, pouco amor, pouco fervor com o qual tantas vezes anunciei as misericórdias de meu Mestre, e chorei – sim, eu chorei amargamente, sentindo que não pressionei as almas como deveria fazer, ou seja, com insistência e lágrimas, para fugirem da cólera que há de vir.

A CÓLERA QUE HÁ DE VIR! A CÓLERA QUE HÁ DE VIR! Oh! meus queridos ouvintes, firmem bem em seus espíritos, eu lhes peço, que esta não é uma palavra vã. As coisas sobre as quais lhes falo não são nem sonho, nem fábulas de velhas.

São verdades, e vocês as conhecerão logo, cada um por sua própria conta. Sim, pecador, você que não tem perseverado em todas as coisas que estão escritas no livro da Lei, e que não procurou refúgio junto a Cristo, o dia se aproxima quando as coisas invisíveis se tornarão para você realidades vivas terríveis. E então, oh! então, o que você fará ? Após a morte, segue o julgamento.

Um dia Jesus, do trono de sua Glória, virá julgar os vivos e os mortos.

Tente imaginar aquele grande e glorioso dia do Senhor. O relógio do tempo soou sua última hora. As almas dos reprovados vão ouvir sua sentença definitiva. Seu corpo, ó pecador, é lançado fora do sepulcro; você desenrola a mortalha e olha ... Mas que barulho terrível é esse? Um barulho formidável que abala as colunas da terra e faz cambalear até o céu? É a trombeta do arcanjo, a trombeta do arcanjo que ressoa até às extremidades da terra, chamando todos os homens para o julgamento! Você ouve e treme. De repente uma voz se faz ouvir, voz que é saudada por uns com gritos de desespero, por outros com cantos de alegria. “Eis que ele virá, ele virá, e todo o olho o verá!” E o trono, branco como alabastro, aparece sobre uma nuvem do céu; e sobre o trono, assentado alguém envolto em majestade. É Ele! É o Homem que morreu no Calvário! Eu vejo suas mãos perfuradas, mas que mudança em sua aparência! Nada de coroa de espinhos. Ele compareceu ao tribunal de Pilatos. Agora o mundo inteiro comparece ao seu. Mas ouçam! A trombeta soou de novo. O Juiz abre o Livro. Faz-se silêncio em todo o céu!

A terra está totalmente em silêncio. “Reúnam meus eleitos dos quatro ventos, meus resgatados das extremidades do mundo.” Também os anjos obedecem. Como um relâmpago, suas asas separam a multidão. Aqui, estão os justos, reunidos à direita de seu Mestre; e você, pecador, você é deixado à esquerda. Você é deixado para suportar o ardor devorador da cólera eterna. As harpas celestes fazem ouvir doces melodias, mas elas não são doces para você. Os anjos repetem em coro: “Venham, vocês, benditos do Pai, e possuam por herança o reino que lhes foi preparado desde a criação do mundo”; mas esta inefável saudação não lhe diz respeito. E agora, sobre a face do Senhor se acumulam nuvens de indignação; relâmpago cobre seu rosto; raios jorram de seus olhos. Ele olha para você que o desprezou; você que brincou com sua graça, que riu de sua misericórdia, que profanou o dia de seu repouso, que zombou de sua cruz, que não quis que ele reinasse sobre sua alma! Ele olha para você, e com uma voz mais tremenda que dez mil trovões, ele grita: “Aparte-se de mim, maldito!” E depois ... Não! ... Eu não quero lhe seguir mais longe! Não quero falar nem do verme que nunca morre, nem do fogo que jamais se extingue; não quero descrever nem os sofrimentos do corpo, nem as torturas da alma. Que me baste lhes dizer, pecadores não convertidos, que o inferno é terrível, que a sorte dos reprovados é pavorosa... Oh! Então fujam, fujam da cólera por vir! Fujam dela sem demora; fujam dela já, pelo medo que sendo surpreendidos pela morte, vocês não se vejam transportados, de um golpe, para o meio dos horrores indizíveis da perdição eterna! Maldito todo aquele que não permanece em todas as coisas escritas no livro da Lei, para praticá-las.

III
Mas, Deus seja louvado, nós temos agora uma tarefa mais doce a cumprir. Nós viemos, no nome de nosso Mestre, ANUNCIAR A LIBERTAÇÃO a todo pecador que se arrepende.

Você me diz: “Pregador do Evangelho, você nos condenou a todos”. Isto é verdade, meus queridos ouvintes. Entretanto, não sou eu, mas Deus é quem condena. Eu posso dizer diante dos céus: eu lhes amo a todos, individualmente, como um irmão ama seus irmãos. Se lhes falo com severidade, é unicamente para o seu bem. Meu coração, minha alma, estão cheios de compaixão por vocês; e em minhas palavras, aquelas aparentemente mais duras, há na realidade mais amor que nos discursos agradáveis daqueles que lhes dizem Paz, Paz! Quando não há paz. Oh! Não creiam que tenho prazer em pregar como fiz hoje. Não, Deus me é testemunha! Eu prefiro mil vezes lhes alimentar de Jesus, de sua doce e gloriosa pessoa, de sua graça e de sua justiça perfeita; também, tenho em meu coração, antes de terminar, de lhes fazer ouvir palavras de paz. Então se aproxime meu irmão; dê-me sua mão e escute a mensagem da graça que lhe trago. Você se sente culpado, condenado, maldito? Você diz neste mesmo instante: “Oh, Deus! Eu reconheço que o senhor será justo em fazer cair sobre mim todo o peso de sua maldição?” Você compreende que longe de poder ser salvo por causa de suas obras, você está inteiramente perdido por causa de seus pecados? E você tem um ódio profundo pelo mal? Você se arrepende sinceramente? Se é assim, cara alma, deixe-me lhe dizer onde você encontrará a libertação. Homens irmãos! Saibam todos isto. Jesus Cristo, descendente de Davi, foi crucificado, morto e enterrado. Agora, ele está ressuscitado, e assentado à direita de Deus de onde intercede por nós. Ele veio ao mundo para salvar os pecadores pela sua morte. Vendo que os pobres filhos de Adão estavam sujeitos à maldição, ele mesmo se encarregou dessa maldição e assim lhes libertou. Se, então, Deus amaldiçoou Cristo no lugar deste ou daquele homem, é impossível que ele amaldiçoe esse homem de novo. “Mas Cristo foi amaldiçoado por mim?” – alguém me pergunta. A isto lhe respondo: Deus o Santo Espírito lhe fez ver seu pecado ? Ele lhe tem feito sentir toda a amargura? Ele lhe ensinou a dar este grito de humilhação: Oh, Deus! Tem misericórdia de mim que sou pecador? Se, na sinceridade de seu coração, você pode responder afirmativamente a estas questões, tenha bom ânimo, meu muito amado; Cristo foi feito maldição em seu lugar; e se Cristo foi feito maldito em seu lugar, você não está mais sujeito à maldição. “Mas eu queria ter certeza - talvez você insista; gostaria de não poder duvidar que Jesus foi realmente feito maldição por mim.” E por que você duvidaria, meu irmão? Você não vê Jesus expirando sobre a cruz? Não vê suas mãos e seus pés ensanguentados? Olhe para Ele, pobre pecador. Não olhe mais para si nem para suas iniquidades; olhe para Ele e seja salvo. Tudo o que ele exige de você, é que você olhe para Ele e por isso mesmo Ele lhe dará a sua segurança. Venha a Ele, confie e creia. Oh! Eu lhe suplico, aceite com simplicidade e fé esta declaração da Escritura: é uma coisa certa e digna de ser recebida com inteira confiança, que Jesus Cristo veio ao mundo para salvar o pecador.

O quê? Alguém ainda objeta. “Devo crer então, que Jesus morreu por mim, simplesmente porque eu me sinto pecador?” Justamente, meu irmão. “Mas no entanto, me parece que, se eu possuísse alguma justiça, se pudesse fazer belas orações ou boas obras, seria mais direito concluir que Cristo morreu por mim.” Você se engana, meu irmão, você se engana. A fé que então você teria, não seria mais a fé; isso seria justiça própria e nada mais. Uma alma crê em Jesus, quando o pecado lhe parecendo em todo seu negror, ela se lança simplesmente nos seus braços, e se dá a Ele para a purificar de todas as suas manchas. Então vá, pobre pecador, como você está, com sua indignidade e miséria; tome em suas mãos as promessas de Deus, e, ao entrar em sua casa, procure a solidão de seu quarto. Lá, ajoelhe-se junto ao seu leito, derrame sua alma diante de Deus. Diga a este Deus que é rico em compaixão e abundante em misericórdia: “Oh, Senhor! Eu sei que tudo o que acabo de ouvir é verdade. Sim, eu sou maldito e maldito justamente! Eu sou um pecador que merece a condenação eterna. E tu sabes, ó Senhor, estas confissões tomam agora em minha boca um sentido completamente diferente. Ao reconhecer que sou pecador, quero dizer que sou um verdadeiro pecador. Eu quero dizer que se tu me condenares, eu não teria nada a dizer, que se tu me separar para sempre de tua presença, eu teria apenas o que me é devido. Oh, meu Deus ! Teu sustento para comigo me maravilha e me confunde. Como tu pudeste sofrer por um ser tão vil como eu, que enlameou tanto tempo a terra ? Senhor, eu zombei de tua graça e desdenhei teu Evangelho. Eu desprezei as instruções de minha mãe e esqueci das orações de meu pai. Senhor, eu vivi longe de ti, violei teus sábados, profanei teu santo nome. Eu fiz tudo que é mal, tudo o que é desagradável aos teus olhos; e se tu me precipitasses no inferno, eu seria reduzido ao silêncio. Sim, meu Deus, eu sou um pecador. Um pecador perdido sem socorro, a menos que tu me salves; um pecador sem nenhuma esperança de salvação, a menos que tu me libertes ! Mas, graças te dou, ó Senhor, tu sabes que também eu sou um pecador arrependido, acusado em sua consciência, afligido por causa de suas transgressões. E assim, venho nesta noite te lembrar o que tu disseste em tua Palavra: Eu não lançarei fora, aquele que vier a mim; e mais : é uma coisa certa e digna de ser recebida com inteira confiança, que Jesus Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores. Senhor, eu venho a ti! Senhor, eu sou um pecador! Jesus veio então para me salvar; Senhor, eu creio! Eu me confio ao meu Senhor para a vida e para a morte! Eu não tenho esperança, a não ser nele e odeio até o pensamento que diz que eu possa encontrar salvação além de tua graça. Salve-me então, Senhor; e ainda que eu bem saiba que pela minha conduta futura, eu não poderia jamais conseguir apagar um único de meus pecados passados, quero entretanto te suplicar, ó meu Deus, que me dês um coração novo e um espírito reto, a fim de que a partir de hoje e para sempre, eu possa correr no caminho dos teus mandamentos; porque não tenho desejo maior, que ser santo como tu és santo e de andar diante de ti como teu filho. Tu sabes, ó Senhor, para ser amado por ti, eu renunciarei voluntariamente a tudo o que possuo, e ouso esperar que tu me ames, porque meu coração começa a sentir os abraços do teu amor. Eu sou culpado, mas nunca teria conhecido minha culpa se tu não a tivesses feito conhecê-la. Eu sou vil, mas jamais saberia que sou vil, se tu não me tivesses revelado. Oh! Certamente, meu Deus, tu não me destruirás, após ter começado em mim tua boa obra.

Diante de ti, eu me envergonho e permaneço confuso!

Mas, Senhor, tua bondade tira minha miséria;
Tu não tens, entre ela e tua cólera,
Posto o amor, a cruz e o sangue de Jesus?

Sim, ore assim, meu mui amado; ou, se você não puder orar tão longamente, diga estas simples palavras do fundo do coração: “Senhor Jesus, eu não sou nada! Sejas tu mesmo o meu tudo!”

Oh! Deus permita que haja nesta assembléia algumas almas que, neste mesmo instante, façam subir este grito em direção ao seu trono! E se assim for, saltem de alegria, ó céus! Cantem, ó serafins! Rejubilem-se, ó resgatados! Porque está aqui a obra do Eterno. Que toda a glória seja dada a seu nome! Amém.



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Tradução: Paulo Athayde

Monergismo.com.

Reforma Radical

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