Cristo, nosso Redentor e nosso Modelo - João Calvino

21:31

Acresce que, para nos despertar mais vivamente, a Escritura nos demonstra que, assim como Deus em Cristo nos reconciliou consigo, assim também ele o constituiu em exemplo e padrão ao qual devemos amoldar-nos. Que aqueles que consideram que somente os filósofos tratam devidamente da doutrina moral me mostrem em seus livros um método que seja tão bom como o que eu acabo de citar. Quando eles querem exortar-nos quanto podem à virtude, outra coisa não nos passam senão que vivamos como convém à natureza. Já a Escritura nos leva a uma fonte melhor de exortação, quando não somente nos ordena que reportemos toda a nossa vida a Deus, seu autor, mas, depois de nos ter advertido de que nos degeneramos em relação à verdadeira origem da nossa criação, acrescenta que Cristo, reconciliando-nos com Deus, seu Pai, nos é dado como um exemplo de inocência e cuja imagem deve ser representada em nosso viver. Que se poderia dizer com maior veemência e com maior eficácia? Que outra coisa mais se poderia desejar? Porque, se Deus nos adora como seus filhos, com a condição de que a imagem de Cristo se veja em nossa vida, se abandonarmos a justiça e a santidade, não somente estaremos abandonando o nosso Criador com a mais negligente deslealdade, mas também estaremos renunciando a ele como Salvador.



Por conseguinte, a Escritura toma tampo e espaço para nos exortar quanto a todos os benefícios que nos vêm de Deus e a todas as partes da nossa salvação, como quando diz: Visto que Deus nos é dado como Pai, mereceremos ser repreendidos por nossa grande ingratidão, se não nos comportarmos com seus filhos. Visto que Cristo nos purificou e nos lavou com o seu sangue, e nos comunicou está purificação pelo Batismo, é mister que não nos maculemos com nova impureza. Visto que ele nos uniu a si e nos enxertou em seu corpo, devemos zelosamente cuidar que não nos contaminemos de modo algum, já que somos seus membros. Visto que ele, que é a nossa Cabeça, subiu ao céu, é de toda conveniência que nos desfaçamos de todo apego às coisas terrenas, para aspirarmos de todo coração à vida celestial. Visto que o Espírito Santo nos consagrou para sermos templos ou santuários de Deus, é necessário que façamos tudo o que pudermos para que a glória de Deus seja exaltada em nós, e, por outro lado, para que não nos deixemos manchar por nenhuma forma de contaminação do pecado. Visto que a nossa alma e o nosso corpo foram destinados à imortalidade do reino de Deus e à incorruptível coroa da sua glória, é necessário que nos esforcemos para conservar alma e corpo puros e imaculados, até o dia Senhor.


Aí estão fundamentos verdadeiramente bons e próprios para que sobre eles edifiquemos a nossa vida. Não se vai encontrar nada parecido em todos os filósofos, porque eles nunca vão além dos limites da dignidade meramente natural do homem, quando procuram mostrar qual é o seu dever.




Autor: João Calvino
Fonte: As Institutas da Religião Cristã, edição especial, ed. Cultura Cristã