Nascer de Novo - J. C. Ryle

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J. C. Ryle
Alguns adoram a Deus de forma pífia, outros O fazem em espírito e em verdade. Alguns dão seu coração a Deus, outros o dão ao mundo. Alguns acreditam na Bíblia e vivem conforme suas ordenanças, outros, não. Alguns pecam e condoem-se por isso, outros, não. Alguns amam o Cristo, confiam nEle e servem-nO, outros, não. Resumindo, como pregam as Escrituras, alguns andam pelo caminho estreito, outros, pelo largo; alguns são os bons peixes da rede do Evangelho, outros, os ruins; alguns são o trigo no campo de Cristo, outros, o joio.

Acredito que homem algum, estando ele com os olhos bem abertos, deixará de enxergar isso, tanto na Bíblia quanto no mundo que o rodeia.  Seja lá o que ele pense sobre o assunto que escrevo, ele não pode simplesmente negar que existe uma diferença.

Agora, qual é a explicação dessa diferença? Respondo sem hesitar: regeneração ou nascer de novo. Respondo que verdadeiros cristãos são como são porque foram regenerados, e cristãos formais são como são porque não são regenerados.  O coração do cristão foi verdadeiramente mudado.  Já o coração do cristão apenas no nome, não sofreu alterações. A mudança no coração faz toda a diferença.

Tal mudança no coração é continuamente relatada na Bíblia, sob vários emblemas e figuras.

Ezequiel identifica-a por "tirarei da sua carne o coração de pedra e lhes darei coração de carne” e "dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo." (Ezequiel 11:19; 36:26.).

O apóstolo João algumas vezes a chama por “nascido de Deus”, outras vezes por “nascido de novo" e, ainda, por "nascido pelo Espírito" (Jo 1:13, 3:3,6.).

O apóstolo Pedro, em Atos, chama de “arrependei-vos e convertei-vos.” (At 3:19.).

A epístola aos Romanos fala sobre ela como sendo “ressurretos dentre os mortos." (Rm 6: 13.).

A segunda epístola aos Coríntios chama de “nova criatura:  as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas.” (2 Co 5: 17.).

A epístola dos Efésios fala sobre ela como a ressurreição juntamente com Cristo:  “Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados” (Ef 2: 1); como “despojeis do velho homem, que se corrompe, e vos renoveis no espírito do vosso entendimento, e vos revistais do novo homem, criado segundo Deus, em justiça e retidão procedentes da verdade” (Ef. 4: 22, 24.).

A epístola dos Colossenses chama por “uma vez que vos despistes do velho homem com os seus feitos; e vos revestistes do novo homem que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou” (Cl 3: 9, 10.).

A epístola de Tito chama de “o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo.” (Tt 3: 5.).

A primeira epístola de Pedro fala sobre isso como “daquele que vos chamou das trevas para sua maravilhosa luz.” (I Pe 2: 9.).

E a segunda epístola, como “coparticipantes da natureza divina” (II Pe 1: 4.).

A primeira epístola de João chama por “passamos da morte para a vida.” (I Jo 3: 14.).

Todas essas expressões, no final, significam a mesma coisa. Elas todas são a mesma verdade, apenas vistas de lados diferentes. E todas têm o mesmo e único significado. Elas descrevem a mudança radical do coração e da natureza humana – uma perfeita mudança e transformação do interior humano - uma participação na ressurreta vida de Cristo; ou, tomando emprestadas as palavras do Catecismo da Igreja da Inglaterra, "Uma morte para o pecado e um novo nascimento para a retidão."

Essa mudança no coração do verdadeiro cristão é perfeita e completa, tão completa que nenhuma outra palavra se encaixaria tão perfeitamente do que "regeneração” ou “novo nascimento”. Sem dúvida alguma não é nenhuma alteração corporal, externa, mas, indubitavelmente, uma alteração por completo no interior humano. Ela não adiciona nenhuma outra faculdade mental ao homem, mas certamente dá uma nova disposição e inclinação às capacidades que ele já possui. Seu querer é tão novo, seu gosto é novo, suas opiniões são novas, sua forma de ver o pecado, o mundo, a Bíblia, o Cristo é tão nova, que ele se torna um novo homem em todas as suas intenções e propósitos. Tal mudança faz surgir um novo ser. Pode muito bem ser chamado de “nascido de novo”.

Essa mudança não é sempre dada aos cristãos ao mesmo tempo em que se convertem. Alguns nascem de novo ainda crianças e parecem, assim como Jeremias e João Batista, preenchidos com o Espírito Santo já desde o ventre de suas mães. Alguns nascem de novo numa idade mais avançada. A maior parte dos Cristãos provavelmente nasce de novo depois que crescem. Já a vasta multidão de pessoas, e isso é de recear, chega à cova sem nem mesmo ter nascido de novo.

Essa mudança no coração nem sempre começa da mesma forma naqueles que passam pelo novo nascimento depois que crescem. Com alguns, como o apóstolo Paulo e o carcereiro em Filipo, foi uma mudança súbita e violenta, ocorrida com grande aflição de espírito.

Com outros, como Lídia e Tiatira, foi mais suave e gradual: seus invernos tonaram-se primavera de forma quase imperceptível por elas. Com alguns a mudança é trazida pelo Espírito trabalhando através de aflições e visitas providenciais. Com outros, e provavelmente aqui se encontra o grande número de verdadeiros cristãos, a Palavra de Deus, pregada ou escrita, é o meio pelo qual são influenciados.

Essa mudança só pode ser conhecida e discernida pelos seus frutos. Seus começos são algo escondido e secreto. Não podemos vê-los. Nosso Senhor Jesus Cristo nos diz da forma mais clara: “O vento sopra onde quer, ouves a sua voz, mas não sabes donde vem, nem para onde vai; assim é todo o que é nascido do Espírito” (João 3: 8.) Saberíamos se estivéssemos regenerados? Devemos tentar responder à questão examinando o que sabemos sobre os efeitos da regeneração. Esses efeitos são sempre os mesmos. Os caminhos pelos quais verdadeiros cristãos são levados, passando por grandes mudanças, certamente são vários. Mas o estado do coração e da alma para o qual eles são levados é sempre o mesmo. Pergunte-os o que eles acham sobre o pecado, Cristo, santidade, o mundo, a Bíblia e a oração e você os verá como uma única mente.

Essa mudança nenhum homem pode dar a si mesmo ou a outro. Isso seria tão razoável quanto esperar que os mortos se levantassem ou pedir para que um artista desse vida a uma estátua de mármore. Os filhos de Deus "não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus.” (Jo 1:13). Algumas vezes a mudança é designada por Deus, o Pai: “Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua muita misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança." (I Pe 1:3). Algumas vezes atribuída a Deus, o Filho: “O Filho vivifica aqueles que (Ele) quer.” (Jo 5: 21.) “Se sabeis que ele é justo, reconhecei também que todo aquele que pratica a justiça é nascido dEle.” (I Jo 2: 29.) Algumas vezes é atribuída ao Espírito Santo, e Ele é, verdadeiramente, o grande agente pelo qual ela é sempre efetuada: “O que é nascido do Espírito, é espírito.” (Jo : 6.) Mas o homem não tem poder algum para trabalhar na mudança. Algumas vezes ela está longe, muito longe de seu alcance. “A condição do homem depois da queda de Adão,” diz o décimo artigo da Igreja da Inglaterra, "é tamanha que ele não pode mudar-se a si mesmo pela sua própria força e trabalho, mas pela fé e clamando por Deus”.

Nenhum ministro na terra pode dar graça a alguém de sua congregação pelo seu próprio juízo. Ele pode pregar tão verdadeiramente e fielmente quanto Paulo e Apolo, mas de Deus “veio o crescimento" (I Co 3: 6.) Ele pode batizar com água no nome da Trindade, mas a não ser que o Santo Espírito acompanhe e abençoe a ordenação, não haverá morte para o pecado, tampouco nascimento para a retidão. Apenas Jesus, a Cabeça da Igreja, pode batizar com o Espírito Santo. Abençoados e felizes são aqueles que têm tanto o batismo interno quanto o externo.
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Fonte: Extraído do livro/ebook (A REGENERAÇÃO), por J. C. Ryle.