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Recrutas para o Rei Jesus - C.H. Spurgeon
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Um Sermão pregado por Charles Haddon Spurgeon
No Tabernáculo Metropolitano, Newington, Londres

“Davi retirou-se dali e se refugiou na caverna de Adulão; quando ouviram isso seus irmãos e toda a casa de seu pai, desceram ali para ter com ele. Ajuntaram-se a ele todos os homens que se achavam em aperto, e todo homem endividado, e todos os amargurados de espírito, e ele foi feito chefe deles; e eram com ele uns quatrocentos homens” 1 Samuel 22;1,2

 Davi, nas cavernas de Adulão é um tipo de nosso Senhor Jesus Cristo, que foi desprezado e menosprezado entre os filhos dos homens. Cristo é o ungido de Deus, porém os homens não percebem essa unção. Ele é perseguido por seu grande inimigo, o mundo, assim como Davi foi perseguido pro Saul, e agora prefere morar na caverna de Adulão a assentar-se em seu trono. Quando Davi experimentava sua desonra foi o momento preciso em que seus verdadeiros amigos ficaram em torno dele. Da mesma maneira, nesta hora quando o nome de Cristo é coberto de muita desonra e censura, é o momento preciso que os verdadeiros seguidores do Salvador se recolham em torno a Seu estandarte e defendam Sua causa. Unindo-se a Davi depois de que fora coroado rei, teria sido uma ação irrelevante; os filhos de Belial poderiam fazê-lo; porém aliar-se com Davi quando se viu obrigado a ocultar-se de seus cruéis inimigos nos refúgios do monte, comprovava que aqueles homens eram verdadeiros amigos e leais súditos de Davi.

 Bem-aventurados aqueles a quem lhes é concedido alistar-se sob o estandarte de Cristo nesse presente momento; bem-aventurados aqueles que não têm vergonha de confessá-Lo diante dos filhos dos homens e nem de tomar valorosamente Sua Cruz, e bem-aventurados aqueles que sofrem as perdas e perseguições que a Sua providência lhe agrade ordenar que enfrentem. Posto que essa noite eu não me proponho a falar-lhes sobre Davi, senão sobre o mais grandioso Filho de Davi, permitam-me pronunciar algumas palavras iniciais, dirigidas a:

 1. QUEM JÁ SE ALISTOU NESSA TROPA BENDITA.

Entre aqueles membros da tropa de Davi, sobressaem os seus irmãos e os homens da casa de seu pai. Assim também, amados em Cristo, nós, os que temos sido chamados pela graça divina, somos considerados por Ele Seus irmãos e os homens da casa de Seu pai. Quando esteve aqui em baixo, olhando os discípulos ao seu redor, nosso bendito Senhor disse: “Aqui está minha mãe e meus irmãos. Porque todo aquele que faz a vontade de Deus, esse é meu irmão, e minha irmã, e minha mãe”. Tal a Sua condescendência, que não se envergonha de chamar-nos irmãos. Todos n quantos temos entregado nossos corações, todos quantos confiamos nele e lhe amamos, somos, real e verdadeiramente, Seus irmãos e os homens da casa de Seu Pai. Seu pai é nosso pai, Seu gozo é nosso gozo e Seu céu será nosso céu e breve.

Irmãos em Jesus Cristo, agora só lhes direi isso: ponhamos todo o empenho em confessar valorosamente nosso parentesco com Davi, nosso Senhor, e não nos envergonhemos nunca de defender a causa de Cristo. Há diferentes maneiras de fazer o papel de covardes; procuremos evitar todas elas. O ministro que tem suficiente valor quando prega diante da multidão, poderia sentir que seu lábio treme quando tem que falar a um indivíduo cara a cara. Oh, Deus, livra a Teus servos de essa forma de covardia! Também alguns entre vocês poderiam ser capazes de falar com uma ou duas pessoas, porém, talvez, se tivessem que se misturar com algum pequeno grupo promíscuo e tivessem que confessar sua lealdade a seu Senhor, permaneceriam calados e perderiam essa oportunidade por carecerem de valor. Deus livre também a Seus servos de essa outra forma de covardia. Em qualquer companhia, em qualquer ocasião e sob de qualquer circunstancias, sejam fiéis a seu Senhor. Não O neguem, antes o confessem abertamente diante dos filhos dos homens.

Quanto Ele merece ser reconhecido por nós, já que Ele se ocupou de nós e nos reconheceu quando éramos infinitamente indignos de que se fixar-se em nós! Oh, dez mil vergonhas deveriam cobrir nossos rostos ao pensar que, em qualquer momento, consideremos difícil reconhecer que ELE é nosso Deus e Senhor.

Orem pedindo força, meus irmãos; Eu estou certo de que isso nos faz falta. O valor parecia florescer naturalmente nos cristãos em tempos de perseguição; porém nesses dias brandos e sedosos de ressonante paz, vocês se misturam com a assim chamada sociedade que outorga tanta deferência à moda, e entram e saem de suas salas com tal presunção vã e conversam tão complacente com seus amigos, e são damas e cavalheiros tão bem educados em sua própria opinião, que frequentemente esquecem que são cristãos obrigados por honrar a guardar a fé e dar testemunho de Cristo.

Talvez seja mais fácil que os pobres confessem valorosamente o nome do Redentor, que as pessoas que desenvolvem em circunstância de maior prosperidade. Ai, ai! Se é que a boa fortuna põe em perigo sua fidelidade. Isto é perverso, na verdade. É lamentável ter que reprovar isto de um púlpito cristão. Deveria ser exatamente o contrário. Sua independência financeira não deveria escravizá-los. Deus livre àqueles que amam a Cristo, de qualquer coisa semelhante à timidez em conexão com o reino de Sua exaltada cabeça!

  Ao tempo que confessem valorosamente a Cristo, permitam-me exortá-los também a que se apartem do mundo e se unam a Cristo. Somos informados, quanto a Davi, que seus irmãos e os homens da casa de seu pai abandonaram o território de Saul e se foram à Adulão para estarem com os perseguidos. Façamos o mesmo.

  Ah, há uma conformidade demasiada com o mundo em torno de cada um de nós! Não vou tentar sinalar com o dedo a nenhum de meus irmãos, nem vou expor suas faltas, porém é necessário estar cego para não perceber que muitos cristãos fazem o mais que podem para serem tão mundanos como querem sê-lo, porém sendo consistentes com sua ideia de chegar ao céu ao final. Acaso não há muitas pessoas que em seu vestuário, no arranjo de suas casas e na condução de seus negócios, se conformam tão intimamente aos tempos e às modas, que se não foram conhecidos como cristãos por algumas outras evidências, jamais seriam classificados, por nenhum observador, como entre aqueles que estão ao lado do Senhor?

Não considero que seja possível que sejamos exageradamente desconformes com as máximas, os usos e as coisas vãs do presente século mal. Que significa este texto: “Saí de meio deles“? Acaso não bastava com isso? Não. “E apartai-vos“, não bastava com isso? Não: “e não toqueis no imundo”. A separação deve ser tão completa que tem que ocorrer um “Sair” e um “Cortar” de todo vínculo que mantenha alguma conexão com o mal, e devemos evitar a renovação de qualquer relação, incluindo a que for implicada pelo mais mínimo contato. Optem pela parte de Davi, vocês que amam a Davi. Renunciem a tudo por Davi, oh, vocês, homens cristãos! Se vocês amam a Jesus, devem saber que Ele vale dez mil mundos. Ele deve ser estimado mais que toda a pompa e alvoroço deste pobre mundo, ainda que seus encantos e seduções fossem multiplicados um milhão de vezes. Ele deve ser preferido infinitamente mais que a busca do sorriso dos grandes, ou do gozo do amor de seus amigos, ou da lisonja das boas opiniões de seus parentes. Portanto, lhes rogo que deixem tudo para seguir a Ele, e que abandonem todo o resto para agarrá-Lo, e somente a Ele.

Porém não estou me dirigindo, por acaso, à muitas pessoas que têm confessado a Cristo, que o confessam e que na verdade praticam mais ou menos cada dia de suas vidas uma abnegada desconformidade com o mundo? Oh, varões e irmãos, anelo que nosso sentido do dever se inflame até converter-se em um ardente entusiasmo! Não podemos fazer algo heróico ou enfrentarmos algo perigoso em sinal de nossa lealdade a Cristo? Meu coração se expande deveras por um forte desejo de ver neste lugar uma igreja que seja preeminente por sua consagração ao Capitão da nossa salvação. Acabo de orar pedindo isso. Se só déssemos algo de nossa vasta propriedade ou de nossa pouca ninharia, na medida em que todos nós devíamos dar, ou se só trabalhássemos para Cristo na medida em que Ele merece que o façamos, ou fizéssemos algo parecido a isso – se só vivêssemos para Cristo em qualquer medida em que a gratidão pudesse impulsionar-nos, que frente nós apresentaríamos e que poder exerceríamos!

Como uma grande igreja, como poderíamos influenciar esta grande cidade; que marca poderíamos deixar sobre nossa época! Porém, por que estou falando sobre toda a comunidade, quando eu mesmo, todavia, não tenho alcançado essa devoção pura? Ainda assim, Deus sabe que estou desejando seguir adiante. Pretendo esquecer o que há ficado para trás, entretanto meu esforço para avançar mais e seguir avançando.

 Irmãos, vocês recordam a história daqueles três valentes que, quando Davi suspirava por um gole de água do poço de Belém. Arriscaram suas vidas para consegui-lo. Acaso não há homens fortes aqui – homens de fé, homens de valor – que se atrevam a realizar proezas para meu Senhor? Ele clama pela conversão das almas; Nenhum de vocês se consagrará para essa obra? Acaso nenhum de vocês abrirá caminho através dos convencionalismos da sociedade em pós dos buscadores? Ele disse: “Dá-me de beber”, tal como lhe disse a mulher junto ao poço de Samaria, e Sua fé é saciada quando vê comprida a vontade de Seu pai. Acaso não há aqui homens fortes, valorosos e generosos que preguem a Cristo ai onde Ele nunca foi pregado antes? Houve outros homens entre os seguidores de Davi que realizaram façanhas como essas; um deles matou um leão em meio de um fosso, quando estava nevando, enquanto que de outro somos informados que matou a muitos filisteus e que o Senhor realizou uma grande vitória. E não poderíamos fazer algo que exceda e supere o serviço ordinário do Cristianismo Moderno? Me vergonha o cristianismo moderno. Seu ouro está virando opaco; seu ouro mais fino está mudando; sua glória tem partido.

Os primeiros cristãos estavam cheios de um entusiasmo que não poderiam tolerar a grande indiferença destes tempos. Eram tão devotos, tão intensos, tão apaixonados e tão cheios de um divino ardor pela extensão do reino do Redentor, que fizeram que sua influência fosse sentida onde quer que morassem, ou inclusive aonde estivessem em uma breve hospedagem. Que Deus nos envie agora algo desse sagrado zelo! Necessitamos mais do entusiasmo que ardia nos corações de Wesley e de Whitefield. Onde buscaremos agora o refulgente ardor e os incansáveis labores do Apóstolo Paulo? Onde estão agora os discípulos que imitam o zelo do bendito Senhor, cuja carne e cuja bebida era fazer a vontade daquele que o enviou? Que esse zelo seja dado a todos nós! Que Deus nos envie, que o envie agora, que nos envie aqui, que envie a mim, que envie a vocês, meus irmãos, e que Ele os enviem desde agora e ao longo de toda sua vida.

Não creio que precise dizer mais, a menos que seja para implorar-lhes que mantenham seu valor sabendo que estão envolvidos na causa de Cristo. Há uma grande luta que está acontecendo em nosso redor. A nação inteira se vê convulsionada de tempo em tempo por sérias perguntas nas quais estão grandemente envolvida a honra do Senhor Jesus Cristo. Que todos aqueles que O amam prossigam com resoluta integridade. Conveniência é a perversa palavra que descreve à moral elástica da época, porém, justiça é o principio eterno e sem desvios pelo o que o universo é governado. O reino de Cristo não é deste mundo. Deve a nós corresponder ajudar aos oprimidos, socorrer aos fracos e dá liberdade de consciência a todos os homens. Que Deus defenda o bem. Ele o defenderá. Se nossos nomes são suprimidos como malvados, se somos mal entendidos e mal interpretados, caluniados e difamados, que assim seja; não estamos surpresos nem nos sentimos desfalecidos. O bem deve ser mantido sempre, apesar da calúnia e do abuso. Porém, em nome de Deus, não sejamos medrosos nem covardes. Cumpramos sempre com nosso dever viril e legalmente. Mantenhamos nossa profissão alegremente. Estejamos de acordo com confiança e firmeza ao reino de nosso Senhor Jesus Cristo. A estrela de Davi está em ascensão e a casa de Saul se enfraquece mais e mais. Havendo-me dirigido assim aos soldados, passo agora, durante breves minutos a:


II. ATUAR COMO UM SAGERNTO RECRUTADOR

Além dos seus próprios parentes, havia outras pessoas que uniram a Davi. Agora, por que se uniram? Poderiam responder que por uma razão muito semelhante à que moveu muito de nós. Era porque tinham necessidade dele. Eles poderiam ter socorrido Davi porque seu caráter era muito bom e sua conduta muito reta. Poderiam ter o ajudado porque sua disposição era muito amável e benevolente. Eles poderiam ter se juntado sob seu estandarte porque era o ungido do Senhor. Eles ter unido sua sorte com Davi porque havia uma profecia e uma promessa de seu triunfo e de seu reino sobre a nação. Porém eles foram, realmente, influenciados por outros motivos. Vieram a Davi por três razões: Porque estavam afligidos, porque estavam endividados e porque se achavam em amargura de espírito. Eles buscaram refugio e socorro devido a um espantoso desânimo.

 Agora, talvez, haveria sido bom que eu lhes tivesse falado sobre o doce caráter do Senhor Jesus, porém, ainda que fizesse isso, vocês não viriam a Ele. Teria sido bom que lhes comentasse sobre as proezas do meu Senhor, e como venceu a Golias, e matou os inimigos que nos tiranizavam. Teria sido bom que lhes dissesse que Ele é o Salvador designado por Deus, que está destinado a reinar como Rei, e que quem lhe confessa agora será exaltado com Ele quando venha em Seu reino. Atrativo como poderia ser para algumas mentes, a atração principal é sempre que Ele é idôneo para vocês em suas presentes necessidades, nesses dilemas que agora pesam terrivelmente sobre suas almas. Então, me proponho dirigir-me aos três tipos de pessoas que são mais propensas a vir a Jesus, esperando que se aproveitem dessa hora propícia, e que se alistem sob Seu estandarte imediatamente, sem atraso nem dúvida.

  O primeiro tipo de pessoas que vieram a Davi foram o dos afligidos. Essas pessoas eram de “escassos recursos” como dizemos. Haviam gastado suas riquezas. Estavam em bancarrota. Tanto seus recursos como suas esperanças haviam se esgotado; portanto, vieram a Davi. Pareciam dizer: “Nosso caso é tão grave que não poderia ser pior; é melhor irmos à Davi”. O caso deles era como o de vocês, muito bem descrito em nosso hino:

“Poderia perecer se vou

 Porém estou resolvido a provar,

 Pois se permaneço longe, eu sei

 Que hei de morrer para sempre”

Eu sei que se encontram aqui algumas pessoas aflitas. Venho para recrutá-las para o andrajoso regimento do meu Senhor. É só assim que a esperança se dissipará, e só assim reviverá a esperança, pois sendo recrutados por Ele, podem recuperar o valor, embora pelejam Suas batalhas e recebam Sua benção.

 Vocês estão aflitos porque sentem que não têm nenhum mérito próprio. Esse sentimento é muito justo, pois não tem nenhum; nunca tiveram mérito algum e nunca terão nenhum. Em um tempo pensaram que eram tão bons com os demais, ou talvez pensaram mesmo ser melhores. Esse pensamento vão desapareceu agora. Suas boas obras, seus méritos, seus melhores empenhos, suas seletas orações, tudo isso se dissolve e já não se gloriam em nada. Venham a Cristo, então. Ele tem méritos para quem não tem nenhum. Sua causa é boa, ainda que a de vocês seja má. Vocês são o tipo exato de gente que Ele veio resgatar, a gente pela qual Ele morreu. Ele veio, não a chamar os justos, senão aos pecadores ao arrependimento. Na medida em que sejam evidentemente pecadores, venham; venham ao Salvador dos pecadores; coloquem sua confiança Nele, e vivam.

 Outros estão aflitos porque sentem que não possuem nenhum poder. Vocês dizem que não podem crer, que não podem se arrepender, de fato, dizem que não podem fazer nada que quiseram fazer. Entre mais o intentam, mais descobrem que são desprovidos de poder. Gostariam de orar, porém não pode fazê-lo; se sentem tão mortos, tão frios. Se tentam se mover, tudo parece acabar em uma decepção.

Bem, meus queridos ouvintes, Jesus Cristo morreu por aqueles que não tiveram nenhuma força, pois assim está escrito: “Porque Cristo, quando ainda éramos débeis, há seu tempo morreu pelos ímpios“. Oh, vocês, que não têm nenhum poder, tenham animo, porque Cristo é o poder de Deus! Há suficiente capacidade Nele para compensar toda a impotência de vocês. Venham, e se apóiem com toda sua atenuada debilidade sobre Seu irresistível poder e assim terão uma ministração para fornecer completamente tudo o que suas almas necessitam.

 Porém eu sei que há algumas pessoas presentes que estão afligidas porque, além de não terem nenhum mérito e nenhum poder, por não terem nenhuma sensibilidade. “Eu não sinto minha necessidade como deveria senti-la“. Disse outro. Oh, amado, Jesus Cristo veio para ressuscitar os mortos! Ele veio para dar sensibilidade a quem são inveterados e negligentes, e veio para converter os corações de pedra em corações de carne. Eu creio que aquelas pessoas que pensam que não sentem suas necessidades, são aquelas que realmente sentem mais sua necessidade. Não há um sentido de necessidade tão grande como quando um homem sente que não sente, e pensam que não percebe a profundidade de sua própria necessidade, pois então ele está evidentemente vivo quando a sua verdadeira condição. É possível que já existe dentro de vocês uma maior obra do Espírito Santo que em outras pessoas, cujo sentido de necessidade de amostra mais vividamente, ainda que se comprova ser menos duradouro. Não é depreciável essa profunda e terrível solicitação que os fazem temer porque não sentem, e que os fazem gemer porque não podem se afligir, pois, frequentemente, é uma experiência associada com as operações da graça do Espírito de Deus.

Se for assim em seu caso ou não, não dêem lugar ao desencorajamento, antes bem, creiam que Cristo pode salvá-los, pois Ele é capaz de fazê-lo e está disposto a fazê-lo. Se não podem vir com um coração quebrantado, venham por um coração quebrantado. Se não podem vir a Ele arrependidos, venha a Ele para receber o arrependimento, pois Ele é exaltado no alto para dar o arrependimento, assim como a remissão de pecados. Ele não exige nenhuma preparação da parte de vocês. Ele mesmo prepara toda a preparação requerida, que é a obra de seu Espírito em suas almas. Venham, então, vocês, que estão afligidos e desconfiados, vocês, que não têm nenhuma coisa boa que lhes recomende como criaturas, nem nenhum desejo bom que os façam menos pecadores; venham vocês, que são tão conscientemente maus que não se poderiam encontrar uma boa apologia para vocês, inclusive nem em sua própria estima, ainda se fossem torturados uma e outra vez. Venham a Jesus, tal como estão, todos os perdidos, arruinados, fracassados e golpeados pela pobreza; venham e confiem em meu Senhor, o Filho de Davi. A maneira de ser alistado no serviço de sua majestade, vocês o sabem, é “tomar o Xelim”[1]. A maneira de alistar-se no serviço de Cristo é simplesmente confiar nele. Não necessitas trazer nada nem pegar nada, senão simplesmente confiar Nele, e você se converterá em um soldado da Cruz.

As seguintes pessoas que vieram a Davi mencionadas no texto eram todas aquelas que estavam endividadas. Sinto-me constrangido a perdi-lhes aos que estão endividados que venham a Jesus. O homem que está muito endividado, diz: “tenho que pagar com minha vida; pequei, e Deus tem dito que o pecador tem que morrer. Entretanto, não posso permitir-me perder a vida. Como poderia atrever-me a morrer? Não tenho nenhuma esperança, nenhuma confiança com a qual atravessar as portas de ferro da morte; e logo, depois da morte, está o terror do juízo para minha alma, posto que tenho quebrantado a lei de Deus; e a lei me condena e exige meu exílio de Sua presença e minha destruição final. Que farei? Não posso pagar a dívida, e é terrível para mim o pensamento de ser jogado em uma prisão para sempre. Como, como, oh, digam-me como posso escapar?!

Ah bem! Eu estaria feliz, na verdade, se houvesse algumas pessoas aqui que reconhecessem, desta maneira, suas dívidas e sua incapacidade de pagá-las. Feliz o pregador que tenha que dirigir-se a uma audiência desperta desta maneira. Felizes os ouvintes que se sente comovidos por tais ansiedades esperançosas! Bem-aventurado seria em verdade nosso trabalho se sempre tivéssemos diante de nós aqueles que conhecem a dúvida do pecado, que sente sua aflição e demérito, e teme sua irremediável condenação. Aceitem o conselho, então; qualquer que seja sua dívida, seja grande ou pequena, venham e confiem em Jesus, e serão aliviados de sua responsabilidade. Venham e confiem Nele, que sofreu no lugar do pecador, e que foi castigado pelos ímpios, levando suas iniquidade em Seu próprio corpo no madeiro. Uma olhada para Ele, um olhar de fé, lhes revelara a transferência de toda dívida e de todo pecado de vocês para Ele. Vocês verão como os lança no Mar Vermelho de Seu sangue expiador, onde, ainda que fossem buscados, não serão encontrados nunca mais. Sinto-me constrangido a recrutar-te, pobre devedor, e vou tira-te da prisão do devedor para conduzir-lhe à mesa de meu Senhor. Os devedores em bancarrota constituem bons soldados para o rei; venham, então, sem maiores problemas, e alistem-se no exercito do Rei.

 Outra categoria de homens que vieram a Davi foi a daqueles que se acharam em amargura do Espírito. Existem essas pessoas, e não temos que ir longe para encontrá-las. Por lá está alguém a quem gostaria de falar agora: Há muito pouco tempo tu eras um jovem feliz. Podias manter todo o tipo de orgias, e tinhas pouca cautela contra o pecado, pois desfrutavas todos os teus pecados. Agora você não pode fazer isso. Não entendes a razão dele, porém o agudo fio de seu apetite parecia haver-se enfraquecido e seu gosto pela dissipação tem se dissipado. Aqueles companheiros que uma vez foram personagens especialmente joviais, hão cessado de alegrar-te com sua prática; agora já não desfruta da sua conversação incoerente, pois lhe parece muito  insípida, e rançoso e néscia. Já não pode riste de suas brincadeiras obscenas, nem beber a grandes goles da taça borbulhante, como costumava fazer antes. Tem estado atrás do cenário deste pobre mundo, e sentido lástima das pálidas bochechas que estão pintadas com o matriz de uma florescente juventude. Tem ouvido os pesados suspiros de quem lançam as joviais gargalhadas, e sido testemunha de tanto desfazer dissoluto que está cheio de um triste desgosto. Você tem visto o suficiente passa saber como haverá de acabar. Não é uma surpresa que esteja descontente. Você é homem que necessito, seu ouvido é o que quero interessar, seu coração é o que desejo alcançar. É algo bem-aventurado quando um homem se torna descontente com esse mundo vão, pois então, talvez, busque outro mundo, uma esfera mais brilhante e melhor. Quando está enfadado de si mesmo de seus néscios companheiros, então, tal vez, faça amizade com o exilado, porém ungido homem de Belém, e encontre Nele um amigo, um conselheiro que será seu ajudador que lhe fale amavelmente, que lhe aconselhe sabiamente e que guie-lhe triunfantemente, até chamá-lo a participa no reino de Sua glória.

Vocês estão descontentes de vocês mesmos. Suas próprias reflexões os repreendem amargamente. Quando se sentam para pensar um pouco – um hábito que, talvez, adotaram só recentemente – descobrem que as coisas estão fora de seu lugar. Não podem sentir-se satisfeitos. Estranhos esforços e múltiplas suspeitas os deixam perplexos, e não obtêm nenhuma paz. Por minha parte eu estou agradecido, mil vezes agradecido, porque vocês estão sendo conduzidos a estarem tão incomodados quando havia tantas causas para o desassossego. Agora há alguma esperança de que confiem seu futuro e seu destino ao Filho de Davi. Que alcancem os oferecimentos de Sua graça e que sejam salvos por Ele.

 Lembro-me de um velho marinheiro que, depois de haver sido um bêbado e um blasfemo e todo o que era mal, durante quase sessenta anos, ouviu um sermão evangélico que tocou seu coração, e quando passou à frente para fazer uma profissão de sua fé em Cristo, disse: “Tenho navegado durante sessenta anos para um empresário muito perverso, e debaixo de uma bandeira muito malvada, porém agora tenho levado ao convés uma nova carga, e me dirijo para um porto muito diferente, debaixo de um estandarte muito diferente” Confio que assim suceda rapidamente a alguns de vocês, a saber, que mudem sua carga, que mudem sua bandeira e mudem tudo.

 Depois de pregar um dia na Capela Wesleyana de Boulogne, faz algum tempo, uma pessoa me reconheceu, e comentava como havia encontrado a Cristo como resultado da leitura dos sermões e, naquele momento, um velho marinheiro aproximou-se e me disse: “Me reconhece? Meu nome foi uma vez ‘satanás’; eu o recordo bem de você. Agora, ‘satanás’ assistiu aqui um domingo pela manhã, e merecia justificadamente seu nome, pois era tão parecido com ‘Satanás’ como podia ser um homem.” Havia-se sentado alí, e depois do sermão, o Senhor tocou ao velho ‘Satanás’ e lhe deu outro nome. Aquele homem veio a Cristo porque estava descontente consigo mesmo, e então se entregou a Jesus, e foi salvo por Ele.

Acaso não há aqui nenhum velho marinheiro que faça isso agora? Não poderia ter algum marinheiro, algum soldado, algum forasteiro em algum lugar aqui, que diga essa noite: “Vou me aproximar do Rei, e vou pedir-lhe que me aceite, inclusive a mim?”. Se não lhe aceitasse, por favor, faça-nos saber, porém todavia não encontramos nunca um caso em que Jesus rejeita um pobre pecado que veio à Ele. Ele disse: “Ao que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora.” Se lhe deixasse fora, seria algo novo que ocorreria debaixo do céu. Porém Ele não pode fazê-lo. Ainda que você estivesse negro por ter manchado-se pelo pecado, porém, se você viesse à Ele, você seria conduzido ao peito do salvador, seria lavado na fonte repleta de sangre, seria lançado à uma nova corrida, e seria ajudado a servi-Lhe todos os seus dias.

Porém tenho que chegar a uma conclusão. Até aqui tenho me dirigido ao povo do Senhor; tenho estado insistindo para conseguir recrutas para o Rei Jesus, e agora quero:

III. Dizer aos recrutas algo SOBRE O SERVIÇO, e logo concluirei. Lembrem das últimas palavras do texto: “E foi feito chefe deles”. Quem quer, então, que venha a Cristo, tem que submeter-se às regras de Cristo. Quais são? Uma das primeiras regras é: “Você não deve ser absolutamente nada, e o Rei Jesus deve ser tudo” Você se submeteria a isso: que não tenha honra, que não assuma nenhum crédito, que nunca se apoiará em sua própria força ou sabedoria, senão que tomará Jesus para que seja feito por Deus sabedoria, justiça, santificação e redenção? Espero que não dê coices contra isso.

 Outra das regras de nosso Senhor em Seu reino é que: Se o ama, deves guardar Seus mandamentos. Depois de confiar Nele, tem de obedecê-lo. Um dos mandamentos é, que deve ser batizado. Não tropece nisso! Eu penso que se existe algo claro nas Escrituras, só posso falar por mim mesmo, pois não posso falar por mais ninguém, é que todo crente deve ser submergido em água como uma confissão de sua fé. Penso que é a mesma dúvida que a deidade de Cristo tenha sido declarada, como duvidar que o batismo do crente seja obrigatório, pois o primeiro me parece que é revelado tão claramente nas Escrituras, como o segundo. Rogo-lhe, irmão, que não desobedeça aos mandamentos do Senhor, antes bem, que recorde o Evangelho que pregamos: “o que crê é for batizado, será salvo“. Apegue-se aos dois pontos, e reivindiquem a promessa.

Em seguida virá a Mesa do Senhor, da qual, se vocês se unem a Cristo, têm o direito de participar. Não o esqueçam. Docemente lhes lembrará de tudo o que seu Salvador tem feito e sofrido por vocês. Não é nada mais que um lembrete; porém cuidem-se de não negligenciar um memorial tão bendito. Todos os preceitos e estatutos do nosso Senhor Jesus Cristo têm de ser obedecidos de coração. Ainda que Cristo abra um hospital para todos os enfermos, Ele não tem a intenção de que vocês sejam sempre uns desabilitados, senão que Seu propósito é sará-los, e depois disso, é ensinar-lhes como caminhar. Ele funda o Seu reino como Rômulo fundou Roma. Ele recebe a todos os vagabundos da vizinhança, porém então os converte em homens novos. Da mesma maneira, aqueles que são recolhidos entre os marginais, deverão ser convertidos em pessoas fiéis em Cristo Jesus.

Bêbado, tem que acabar com suas taças. Blasfemo, sua boca deve ser limpa; não deve expressar mais seus sujos juramentos. Vocês que têm se entregado aos prazeres carnais, devem ser expurgados de todas suas impurezas. Vocês, que têm sido frívolos e joviais, devem renunciar a essas coisas vãs e perseguir os interesses eternos, solenes e essenciais. Vocês, que antes tinham corações duros, precisam pedir ao Mestre que os faça brandos, e qualquer coisa que Ele lhes diga, têm que fazê-la.

 Agora, meu jovem recruta, que dizes disso? Vocês, que querem levar o nome de Cristo e chegar ao céu, estão dispostos a vir a Ele e se entregarem a Ele, abandonando a partir de agora todos seus pecados? Aquele que não renuncia a seus pecados comete um grave erro se pensar escapar da irar de Deus, ou se espera encontra graça a Seus olhos.

  Oh, você não quer renunciar a teus pecados? São víboras; unicamente envenenaram Sua alma; destruirão-lhe. Oh, homem, renuncie a Eles! Renuncie a eles, pois de que te serviria conservá-los, se perdesse sua própria alma? Vem a Jesus primeiro. Confia em Seu mérito; Apóie-se em Seu sangre precioso e logo, com Sua ajuda, renuncie a todo caminho mau, e busca obedecer-lhe, que têm lhe redimido com Seu sangue. Assim, a benção do Senhor estará contigo para sempre. Amém.

ORE PARA QUE O ESPIRITO SANTO USE ESSE SERMÃO PARA EDIFICAÇÃO DE MUITOS E SALVAÇÃO DE PECADORES.

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FONTE: Traduzido de http://www.spurgeon.com.mx/sermon3533.pdf
Todo direito de tradução protegido por lei internacional de domínio público
Sermão nº 3533— RECRUITS FOR THE KING,  do volume 62 do The Metropolitan Tabernacle Pulpit,

Tradução: Felipe Araujo
Revisão e diagramação: Armando Marcos Pinto
 Projeto Spurgeon – Proclamando a CRISTO crucificado.
www.projetospurgeon.com.br

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[1] Tomar o xelim: termo usado no século 18 e 19 que significava que um homem concordou em servir como um soldado ou marinheiro; Xelim era uma unidade financeira inglesa equivalente a centavos no sistema brasileiro (N.R)

23:43
A ignorância sobre Deus – J. I. Packer

Tenho a convicção de que a ignorância sobre Deus — ignorância tanto de seus recursos como da prática da comunhão com ele — tem relação direta com a fraqueza da igreja moderna. Duas tendências infelizes parecem ter produzido este estado de coisas.

A primeira tendência é que a mentalidade cristã adaptou-se ao espírito moderno, ou seja, o que gera grandes ideias humanas e deixa espaço apenas para pequenos pensamentos sobre Deus. A atitude atual em relação a Deus é deixá-lo à distância, quando não o nega completamente. A ironia disto é que os cristãos modernos, preocupados em manter as práticas religiosas em um mundo sem religião, têm, eles mesmos, permitido que Deus se torne distante.

Pessoas com uma visão mais clara das coisas, percebendo esta situação, são tentadas a se afastar da igreja, um tanto desgostosas, para buscar a Deus por si mesmas. Ninguém poderá culpá-las totalmente, pois os cristãos que buscam a Deus usando, por assim dizer, o lado errado do telescópio, reduzindo-o à proporção de um pigmeu, não podem esperar concluir seus dias senão como cristãos pigmeus. As mais esclarecidas querem naturalmente alguma coisa melhor. Além disso, pensamentos sobre a morte, a eternidade, o juízo, a grandeza da alma e as conseqüências duradouras das decisões temporais são “ultrapassados” para os modernistas. O triste é que a Igreja cristã, em lugar de levantar a voz para lembrar ao mundo o que está sendo esquecido, adquiriu o hábito de também menosprezar esses temas. Estas capitulações ao espírito moderno são realmente suicidas quando se referem à vida cristã.

A segunda tendência é que a mentalidade cristã vem sendo confundida pelo ceticismo moderno. Por mais de três séculos o fermento naturalista da perspectiva renascentista tem agido como um câncer no pensamento ocidental. Os arminianos e os deístas do século XVII, assim como os socinianos no século XVI, negavam, em oposição à teologia da Reforma,que o controle de Deus sobre o mundo fosse direto ou total. Desde então, a teologia, a filosofia e a ciência têm em grande parte se unido para sustentar essa negativa. Como conseqüência, a Bíblia está sob fogo cerrado, assim como muitos outros marcos do cristianismo histórico. Os fatos fundamentais da fé são questionados. Deus se encontrou com Israel no Sinai? Jesus foi mais que um homem muito espiritual? Os milagres dos Evangelhos realmente aconteceram? O Jesus dos Evangelhos não será, em grande parte, uma figura imaginária? — e assim por diante.

E isso não é tudo. O ceticismo a respeito da revelação divina e dos fundamentos cristãos deu margem ao questionamento mais amplo que abandona toda idéia da unicidade da verdade, e com isso qualquer esperança de unificar o conhecimento humano. Assim, é comumente aceito que minhas percepções religiosas não mantêm relação com meu conhecimento científico das coisas externas, porque Deus não está “lá fora” no mundo, mas apenas “aqui dentro” na psique. A incerteza e a confusão a respeito de Deus, características de nossos dias, são piores que qualquer ataque desde a tentativa da teosofia gnóstica de absorver o cristianismo no século II.

É comum dizer-se hoje em dia que a teologia está mais forte que nunca, e em termos de especificação acadêmica, ou na qualidade e quantidade de livros publicados, isto talvez seja verdade. No entanto, faz muito tempo que a teologia não se apresenta tão fraca e inábil na tarefa básica de manter a Igreja dentro das realidades do Evangelho. Há noventa anos Charles Haddon Spurgeon descreveu como “declínio” as vacilações observadas então entre os batistas a respeito das Escrituras, da expiação e do destino humano. Se ele pudesse avaliar o pensamento protestante a respeito de Deus nos tempos atuais, creio que falaria em “afundamento”!

“Ponham-se na encruzilhada e olhem; perguntem pelos caminhos antigos, perguntem pelo bom caminho. Sigam-no e acharão descanso” (Jr 6:16).


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Fonte: Prefácio do livro ”O Conhecimento de Deus” de J.I. Packer

14:10
John MacArthu
Alerta contra erros

Por que muitos evangélicos agem como se os falsos mestres na igreja nunca pudessem ser um problema sério nesta geração? Muitos parecem estar convencidos de que “rico sou, e estou enriquecido, e de nada tenho falta; e não sabes que és um desgraçado, e miserável, e pobre, e cego, e nu” (Apocalipse 3.17).
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Na verdade, a igreja hoje é possivelmente mais suscetível aos falsos mestres, aos sabotadores doutrinários, e ao terrorismo espiritual que qualquer outra geração na história da igreja. A ignorância bíblica dentro da igreja parece ser mais profunda e mais espalhada que em qualquer outra época desde a Reforma Protestante. Se você duvida, compare o sermão típico de hoje com um sermão aleatoriamente escolhido de qualquer grande pregador evangélico anterior a 1850. Também compare a literatura cristã de hoje com quase tudo publicado por editoras evangélicas há cem anos ou mais.
O ensino bíblico, mesmo nos melhores lugares hoje, tem sido deliberadamente facilitado, feito tão vago e raso quanto for possível, supersimplificado, adaptado ao mínimo denominador comum – e então formatado para criar apelo em pessoas com déficit de atenção.
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Os sermões são quase sempre breves, simplistas, cobertos de referências à cultura pop o quanto for possível, saturados com anedotas e ilustrações. (Piadas e histórias engraçadas retiradas de experiência pessoal têm vantagem em relação a referências e analogias retiradas da própria Escritura). Os tópicos típicos de sermão são grandemente ajustados para favorecer questões antropocêntricas (como relações pessoais, vida de sucesso, autoestima, listas de como fazer, e por aí vai) – até a exclusão de muitos dos temas doutrinários da Escritura que exaltam a Cristo. Em outras palavras, o que muitos pregadores contemporâneos fazem é virtualmente o oposto do que Paulo descreveu quando disse que nunca deixou de “anunciar todo o conselho de Deus” (Atos 20.27).

Não apenas isso, mas aqui está como Paulo explicou sua abordagem como ministro do Evangelho, mesmo entre os pagãos incrédulos da mais libertina cultura romana:
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E eu, irmãos, quando fui ter convosco, anunciando-vos o testemunho de Deus, não fui com sublimidade de palavras ou de sabedoria. Porque nada me propus saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado. E eu estive convosco em fraqueza, e em temor, e em grande tremor. A minha palavra, e a minha pregação, não consistiram em palavras persuasivas de sabedoria humana, mas em demonstração de Espírito e de poder; Para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria dos homens, mas no poder de Deus. (1 Coríntios 2.1-5)
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Note que Paulo deliberadamente se recusou a adaptar sua mensagem ou ajustar seu anúncio para se encaixar no padrão filosófico ou gostos culturais dos coríntios. Quando ele diz mais tarde na epístola, “e fiz-me como judeu para os judeus, para ganhar os judeus… Para os que estão sem lei, como se estivesse sem lei … Fiz-me como fraco para os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns” (1 Coríntios 9.20-22), ele estava descrevendo como se fez um servo de todos (v.19) e um companheiro daqueles a quem tentava alcançar. Em outras palavras, ele evitou se fazer uma pedra de tropeço. Ele não estava dizendo que adaptou a mensagem do Evangelho (que ele claramente disse que é uma pedra de tropeço – 1.23). Ele não adaptou os métodos para ser agradável aos gostos de uma cultura mundana.
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Paulo não pensava em satisfazer as preferências de uma geração em particular, ele não usou qualquer artifício para ganhar atenção. Qualquer que seja o antônimo que você possa pensar para a palavra showman, esse provavelmente seria uma bela descrição do estilo do ministério público de Paulo. Ele queria deixar claro a todos (incluindo aos próprios convertidos de Corinto) que vidas e corações são renovados por meio da Palavra de Deus, e nada mais. Desta forma, eles começariam a entender e apreciar o poder da mensagem do Evangelho.

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Traduzido por Josaías Jr
Fonte: [ iPródigo ]
Via: BEREIANOS

01:28
A Onipresença de Deus - 
Stephen Charnock (1628–1680)
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Nos dias do profeta Jeremias, os falsos profetas abundavam com promessas de paz e segurança. Eles falavam como se Deus nada soubesse a respeito dos pecados cometidos pela nação, especialmente Judá. Deus os desafia em seus erros ao perguntar no capítulo 23, verso 24: Esconder-se-ia alguém em esconderijos, de modo que eu não o veja? diz o SENHOR. Porventura não encho eu os céus e a terra? diz o SENHOR.

Deus defende o Seu conhecimento de tudo o que eles estavam fazendo baseado na Sua onipresença. Não é somente o Seu poder e a Sua autoridade que preenche todo o céu e toda a terra, mas a Sua própria essência. Ele está presente em todos os lugares, e não há nenhum lugar em que Deus não esteja.

Se Deus existe, Ele deve estar em algum lugar. De acordo com as Escrituras, Ele está em toda a parte. Como Deus não é limitado pelo tempo, assim também Ele não é limitado pelo espaço. Entretanto, o pensamento natural do homem muitas vezes limita a presença de Deus a um determinado lugar, tal como o templo dos Judeus, as montanhas, mas não nos vales. Porque os servos do rei da Síria lhe disseram: Seus deuses são deuses dos montes, por isso foram mais fortes do que nós; mas pelejemos com eles em campo raso, e por certo veremos, se não somos mais fortes do que eles! (I Reis 20: 23).

A fim de corrigir nosso pensamento, vamos considerar algumas proposições básicas a respeito da onipresença de Deus.

I. PROPOSIÇÕES GERAIS.

Proposição 1. Precisamos entender o que este atributo não é. Deus não é limitado pelo espaço como nós somos. Sua natureza não conhece limites. Quando nos é dito que Ele está presente em determinado lugar, não é porque esteja ausente de outro. Assim como não existe nenhum lugar sem a presença de Deus, assim também lugar algum pode contê-lo.

Proposição 2. Há uma onipresença influente de Deus. Simplesmente pela virtude de ser o Criador, Deus está em todo lugar. Nada poderia continuar a existir sem o Seu sustento providencial. A continuidade de qualquer coisa implica em Sua presença junto a ela.

É claro que Ele está presente de outras maneiras mais específicas. Deus está presente em cada criatura enquanto esta cumpre o seu propósito com a capacidade conferida por Ele. Deus está perto das criaturas racionais, dotadas de uma alma. Ele compartilha de Sua graciosa presença com os Seus remidos. Ele se faz presente em Suas igrejas. Ele está presente até mesmo no inferno, castigando os perdidos. De muitas maneiras pode-se dizer que Deus enche os céus e a terra.

Proposição 3. Há uma onipresença essencial de Deus. Já que Ele dá a toda criação o seu lugar próprio, então Ele está em cada um desses lugares, pois não poderia dar aquilo que Ele não tem.

Como o tempo é apenas um breve momento na eternidade de Deus, assim os lugares não passam de um ponto para a Sua essência. Ele é tanto mais amplo que o tempo quanto mais vasto que o espaço. Muitas pessoas tem uma idéia a respeito da presença de Deus que faz com que Ele não passe de uma estátua viva, movendo-se de um lugar para o outro. Mas o salmista corrige o nosso pensamento ao perguntar: Para onde me irei do teu espírito, ou para onde fugirei da tua face? Se subir ao céu, lá tu estás; se fizer no inferno a minha cama, eis que tu ali estás também. Se tomar as asas da alva, se habitar nas extremidades do mar; Até ali a tua mão me guiará e a tua destra me susterá (Salmo 139: 7-10).

Se Deus está em todo lugar, concluímos então que Ele está com todas as criaturas que habitam nesses lugares. Para que buscassem ao Senhor, se porventura, tateando, o pudessem achar; ainda que não está longe de cada um de nós; Porque nele vivemos, e nos movemos, e existimos; como também alguns dos vossos poetas disseram: Pois somos também sua geração (Atos 17: 27-28). Em certo sentido, a essência Divina está presente com todas as criaturas no céu, na terra, e no inferno. De fato, esta presença não é a sua graciosa e salvadora presença, a qual é limitada de acordo com a Sua vontade. Num sentido mais amplo, poderíamos dizer que o mundo está mais nEle do que Ele no mundo. O Criador contém o mundo, mas o mundo não contém o Criador.

Nós deveríamos entender que a onipresença de Deus não quer dizer que Ele se misture com a criação, mudando assim a Sua essência. Ele também não se divide, ficando uma parte no céu e outra na terra. A simplicidade da Sua natureza não permite qualquer divisão. Do mesmo modo, Ele também não se multiplica a si mesmo a fim de estar presente em todos os lugares, pois um ser infinito não pode ser ampliado. Nem a Sua essência se espalha como uma camada fina, assim como o ouro batido, a fim de cobrir todos os lugares. Antes, Ele está totalmente presente, tanto num lugar quanto no outro.

Proposição 4. Deus está presente além do mundo. O universo em si não limita a Sua onipresença, pois Ele não está confinado à Sua criação. Assim como Ele é mais amplo do que o tempo, assim também Ele é mais amplo do que o espaço. Em I Reis 8: 27, Salomão orou assim: Mas, na verdade, habitaria Deus na terra? Eis que os céus, e até o céu dos céus, não te poderiam conter, quanto menos esta casa que eu tenho edificado. Deus não pode ser restrito a um único lugar depois da criação, mais do que era antes da criação.

Proposição 5. A onipresença é uma qualidade exclusiva de Deus e incomunicável a qualquer outra coisa criada. De outro modo, uma criatura onipresente se igualaria a Deus, o que neste caso não só é impossível, quanto contrário às escrituras. Nem mesmo a natureza humana do Deus-homem, o Senhor Jesus Cristo, é onipresente.

II. PROVAS DA ONIPRESENÇA DE DEUS.

Primeira, a infinitude de Deus prova a Sua onipresença. Ele não tem limites e nem partes, portanto, está presente em todos os lugares. Todas as perfeições de Deus são infinitas: Grande é o SENHOR, e muito digno de louvor, e a sua grandeza inescrutável (Salmo 145: 3). Ele não poderia ser infinito em todos os aspectos se não fosse onipresente, pois isso corromperia todas as outras perfeições. Poderíamos então falar da limitação do Seu poder e sabedoria, assim como da limitação de Sua presença.

Segunda, a operação contínua de Deus neste mundo prova a Sua onipresença. Ele providencialmente preserva a Sua criação. Se Ele se recolhesse, todas as coisas deixariam de viver, mover, e existir. Até as causas secundárias, através das quais Ele normalmente opera, dependem dEle.

Terceira, a suprema perfeição de Deus prova a Sua onipresença. Da mesma maneira que aquilo que tem vida é mais perfeito do aquilo que não tem, assim também aquilo que está presente em todos os lugares é mais perfeito do que aquilo que está limitado somente a um lugar. Onipresença é a perfeição da localização. Não há poder acima de Deus que o restrinja a um determinado lugar. Nem Ele pode restringir a si mesmo a qualquer lugar, pois isso equivaleria a negar a si mesmo as suas próprias perfeições.

A humanidade foi criada na imagem e semelhança de Deus. Quando vemos qualquer excelência no homem, isso é apenas uma prova da perfeição que é inerente a Deus. O salmista (Salmo 94: 9) pergunta: Aquele que fez o ouvido não ouvirá? E o que formou o olho, não verá?

Sendo assim, na medida em que é uma excelência para o homem ocupar um determinado lugar, é de suprema perfeição para Deus ocupar todos os lugares.

Quarta, a imutabilidade de Deus prova a Sua onipresença. Se Ele se mudasse de um lugar para o outro, Sua localização também mudaria. Mas Deus não pode mudar, como já consideramos anteriormente.

Quinta, a onipotência de Deus prova a Sua onipresença. Se Deus desejasse, poderia criar milhões e milhões de mundos. Ele tem poder para isso. E o Seu poder não é maior do que a Sua essência. Assim como não conseguimos conceber os limites do Seu poder, assim também não conseguimos conceber os limites de Sua presença. Na medida em que Deus criou todos os lugares, Ele também preenche a todos eles. Não há lugar criado por Deus que Ele agora se encontre fora dele.

III. OBJEÇÕES RESPONDIDAS.

Essa doutrina não é enfraquecida pelas declarações das Escrituras de que Deus habita nos céus e no templo? Nenhuma dessas passagens diz que Ele habita somente nestes lugares. O céu é a corte da Sua majestosa presença, e não a prisão de Sua essência. Ali Ele reina sem qualquer oposição ao Seu governo. Ali Ele faz as maiores revelações de si mesmo para a criação racional. É dali que Suas bênçãos descem à terra. Ele habita no céu em relação à expressão da Sua glória; Ele habita no inferno em relação à expressão da Sua justiça; Ele habita na terra para demonstração da Sua sabedoria, poder, e paciência; Ele habita com o povo como um monumento da Sua graça; Ele habita em tudo em relação à Sua substância.

O Velho Testamento vai mais longe quando fala a respeito de Deus habitando no templo e na arca da aliança. Mas Ele não poderia habitar na terra e no céu ao mesmo tempo se não fosse onipresente. Em cada exemplo, era a mesma essência, embora em diferentes manifestações.

Esta doutrina não fica desacreditada por Deus estar presente com as Suas criaturas mais inferiores?

Uma vez que a Sua dignidade não foi diminuída ao criá-los, esta também não será diminuída por Sua presença neles. De outro modo, Ele poderia nunca tê-los criado. Tudo o que Ele fez foi muito bom (Gênesis 1: 31). Se Deus porventura criasse algo de que mais tarde se envergonhasse, Ele diminuiria o Seu próprio caráter, e contestaria a Sua própria sabedoria.

Se Deus está em todas as coisas, então todas são Deus? Não, a doutrina não ensina que Deus está em todos os lugares através da conjunção, composição, ou mistura. Assim como o sol brilha nos objetos, mas não se torna um com eles, assim Deus não se mistura com aquilo que Ele toca. Se todas as coisas fossem Deus, então Ele perderia a Sua distinção de caráter, e nada, exceto Deus, existiria. Ele não poderia habitar em nada, pois tão logo Ele criasse alguma coisa, esta se tornaria Deus. Entretanto, o infinito e o finito não podem ser assim juntados. Até na encarnação da Segunda Pessoa da divindade, a natureza humana e a divina permaneceram distintas. Assim como o peixe se move na água, mas não é água, e nós vivemos e nos movemos no ar, mas não somos ar, assim também Deus está em todo lugar, mas permanece distinto de todos eles.

Se Deus está em todo lugar, podemos adorar a qualquer coisa criada por Ele e não sermos culpados de idolatria?

Este argumento tem sido usado para justificar a idolatria, e aqueles que argumentam contra isso, o fazem porque negam totalmente a onipresença de Deus. Mas a resposta correta é a mesma que demos acima, ou seja, a natureza dos objetos criados permanece distinta da natureza do Criador que está presente em todas elas. Admitir a idolatria com base nisso, é como honrar ao servo que escolta o príncipe ao invés do próprio príncipe. Não passa de traição.

Deus não se torna impuro por estar presente em criaturas impuras? Se isso fosse verdade, então o Seu poder ficaria contaminado por ter criado a todos eles, pois tudo é dEle, a despeito do seu estado de criado ou de caídos. A impureza não pode atingir a Deus. O espírito do homem fica contaminado pelas doenças do corpo no qual ele habita? O brilho dos raios do sol pode ser contaminado pelo lixo? Repetimos, não há mistura alguma entre a natureza de Deus e a natureza das coisas criadas onde Ele habita.

O que podemos aprender deste atributo?

I. INFORMAÇÃO.

Cristo tem uma natureza divina. Ele é mais do que um mero homem. Ele disse a Nicodemos: Ora, ninguém subiu ao céu, senão o que desceu do céu, o Filho do homem, que está no céu (João 3: 13). Note que Ele fala no tempo presente. Enquanto estava aqui na terra falando com Nicodemos, e possuindo uma natureza humana, estava ausente do céu, no que diz respeito a Sua natureza divina. João 1: 10 diz: Estava no mundo, e o mundo foi feito por ele.

Ele estava no mundo como Deus antes de estar como homem. Além disso, Ele prometeu que estaria presente com o seu povo todos os dias, até a consumação dos séculos (Mateus 28: 20). Isso só é possível por causa da Sua onipresença, portanto, Ele é Deus.

Este atributo concorda com o modo de existência espiritual de Deus. Se o Deus onipresente tivesse um corpo físico, não haveria lugar para ninguém mais. Mas sendo Espírito, Deus penetra e age em tudo.

Este atributo prova a providência divina. Se Deus está em todo lugar, então Ele está envolvido e interessado em tudo o que acontece. É inconcebível que Sua presença não tenha propósitos determinados.

Este atributo prova a onisciência de Deus. Porque Ele é um ser inteligente, e está presente em todo lugar, Ele necessariamente tem que saber de tudo. Considere mais uma vez Jeremias 23: 24: Esconder-se-ia alguém em esconderijos, de modo que eu não o veja? diz o SENHOR. Porventura não encho eu os céus e a terra? diz o SENHOR. A paciência de Deus com o pecador não é devido a qualquer tipo de ignorância de Sua parte quanto ao pecado deste. Ele vê todo pecado bem de perto, e não tem como evitar isso.

Este atributo defende a incompreensibilidade de Deus. Nada é mais presente do que Deus, e nada é mais oculto. Ele nos entende, mas nós não o compreendemos. Ele é conhecido pela fé, desfrutado pelo amor, mas incompreendido pela mente. Somente Ele conhece totalmente a si mesmo.

Deus é grande e maravilhoso, mas nós somos nada. Há uma imensa desproporção entre Deus e a criação. Nós somos limitados, finitos, impuros, fracos, tolos, e pequenos. Que coisa pequena, pequeníssima, somos nós para Deus! Se os anjos escondem seus rostos diante dEle, não deveríamos nós, vermes rastejantes, nos humilhar perante Ele? Quando alguém olha de relance o oceano, é tomado pela sua imensidão. Da mesma forma, nós deveríamos ficar extasiados de admiração ao meditarmos na imensidão de Deus.

Este atributo é muitas vezes esquecido ou desprezado. Aqui vemos mais uma vez o ateísmo. Falando de modo prático, as pessoas vivem como se Deus não estivesse presente em todos os lugares. Quão rapidamente Adão perdeu de vista a onipresença de Deus, tentando escapar da vista de Deus entre as árvores do jardim! Além disso, quantos homens bons se esquecem de Deus quando passam a temer alguma criatura, enquanto a Palavra de Deus nos diz: Não temas, pois, porque estou contigo (Isaías 43: 5); E assim com confiança ousemos dizer: O SENHOR é o meu ajudador, e não temerei O que me possa fazer o homem (Hebreus 13: 6).

Quantos hoje em dia desprezam este atributo ao fazerem, na presença de Deus, aquilo que temem, ou se envergonhariam de fazer diante dos olhos humanos! Isso simplesmente revela um temor maior aos homens do que a Deus, que se faz presente em todas as ocasiões. Isso é um desprezo a Deus, uma grande impiedade. Isso é como uma esposa que comete publicamente adultério contra o seu marido. Mas fizestes o que era mau aos meus olhos (Isaías 65: 12). Davi pecou secretamente, mas abertamente clamou a Deus; Livra-me dos crimes de sangue, ó Deus, Deus da minha salvação, e a minha língua louvará altamente a tua justiça (Salmo 51: 4). Esta consideração deveria tocar profundamente os nossos corações em virtude de todos os nossos pecados.

Este atributo deveria provocar terror nos corações do perdido. Não há nada oculto para Deus. Nenhuma obra pode ser oculta, nem mesmo os desejos envolvidos nessas obras. Os olhos do SENHOR estão em todo lugar, contemplando os maus e os bons (Provérbios 15: 3).

II. Conforto.

Esta verdade serve de muito conforto para o homem justo e de terror para o homem ímpio.

Em tempos de tentação severa, Deus não nos abandona. Quando satanás atira os seus dardos inflamados, Deus se faz presente conosco, assim como com o arqueiro! Deus está mais perto de nós do que dos seus inimigos. Para prevalecer contra nós, nossos inimigos precisariam tirar Deus de nossas vidas. Em outras palavras, eles teriam que fazer com que Ele deixasse de ser Deus, e isso nunca poderia ocorrer. No final, eles serão envergonhados, Ali se acharam em grande pavor, porque Deus está na geração dos justos (Salmo 14: 5).

Em tempos de aflição severa, Deus está presente. Quando passares pelas águas estarei contigo, e quando pelos rios, eles não te submergirão; quando passares pelo fogo, não te queimarás, nem a chama arderá em ti (Isaías 43: 2). BEM-AVENTURADO o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios, nem se detém no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos escarnecedores (Salmo 46: 1). Considere o testemunho de Paulo, o apóstolo perseguido: Ninguém me assistiu na minha primeira defesa, antes todos me desampararam. Que isto lhes não seja imputado. Mas o Senhor assistiu-me e fortaleceu-me, para que por mim fosse cumprida a pregação, e todos os gentios a ouvissem; e fiquei livre da boca do leão (II Timóteo 4: 16-17).

Em todo o nosso serviço de adoração, Deus está perto, não somente em essência, mas também de uma maneira especial e graciosa. Não importa se nos reunimos em um palácio ou em uma caverna, pois Deus está lá. Quando nos prostramos em nosso aposento, Ele também está lá.

Em qualquer tarefa difícil ou chamado, a presença de Deus nos conforta. Moisés foi enviado em uma missão muito difícil, mas Deus prometeu: Vai, pois, agora, e eu serei com a tua boca e te ensinarei o que hás de falar (Êxodo 4: 12). A assistência de Deus encoraja Seus servos a trabalhar sob condições adversas.

Esta presença divina significa que os recursos de todas as perfeições de Deus estarão conosco em todos os tempos, pois Ele é simples e único. Em todos os lugares nós temos a Sua sabedoria para nos guiar, Seu poder para nos sustentar, Sua misericórdia para se compadecer de nós, Sua bondade para nos confortar. Isso deveria alegrar grandemente os nossos corações.

III. EXORTAÇÃO.

Vamos meditar muito nesta verdade. Este atributo faz que todos os outros atributos sejam aprazíveis a nossa alma. Como a graça, a sabedoria, e o poder de Deus, podem ser bons à distância para nós? Devemos fazer como Davi: Tenho posto o SENHOR continuamente diante de mim (Salmo 16: 8). Se não fizermos, a nossa própria vida espiritual será muito fraca. A passagem conclui: por isso que ele está à minha mão direita, nunca vacilarei. Praticar esta verdade faz com que tenhamos um profundo temor de Deus em nossos corações.

Isso será um escudo contra as tentações. Apenas um olhar para Cristo trouxe Pedro à realidade. Que homem seria tão estúpido de roubar uma casa enquanto um juiz o estivesse observando?

Isso nos impulsionaria a uma santa conduta. Jacó mudou sua maneira de enxergar: Na verdade o SENHOR está neste lugar; e eu não o sabia... Quão terrível é este lugar! (Gênesis 28: 16-17)

Isso diminuiria as distrações enquanto adoramos a Deus. Quando o professor está presente, os estudantes ocupam-se de seus livros. Quando o patrão está vigiando, os empregados não ficam ociosos.

Vamos buscar diligentemente o sentido da presença especial de Deus. Não devemos nos contentar com a mesma idéia da presença de Deus que os brutos e demônios têm. Precisamos de Sua graciosa presença para que tenhamos a verdadeira alegria em nós. Isso nos capacitará a desfrutar das coisas celestiais aqui na terra.


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Autor: Stephen Charnock 
Compilado para o seculo 21: Daniel A. Chamberlin
Tradução: Eduardo Cadete 2011 
Fonte: Palavra Prudente

14:31
Arthur W. Pink
“Ninguém pode vir a mim” (João 6:44).

O homem natural é incapaz de "vir a Cristo". Citemos João 6:44, " Ninguém pode vir a mim se o Pai que me enviou não o trouxer." A razão pela qual "duro é esse discurso", até mesmo para milhares que professam ser cristãos, é que eles fracassam completamente em compreender o terrível estrago que a queda provocou; e, o que é pior, eles mesmos não se dão conta da "chaga" que existe nos seus próprios corações (1 Rs. 8:38). Certamente se o Espírito já os tivesse despertado do sono da morte espiritual, e lhes dado ver alguma coisa do pavoroso estado em que estão por natureza, e feito sentir que suas "mentes carnais" são “inimizade contra Deus” (Rm. 8:7), então eles não mais discordariam dessa solene palavra de Cristo. Mas aquele que está espiritualmente morto não pode ver nem sentir espiritualmente.

Onde reside a total incapacidade do homem natural? Ela não está na falta das faculdades necessárias. Isso tem de ser bastante enfatizado, do contrário o homem caído deixaria de ser uma criatura responsável. Mesmo que os efeitos da queda tenham sido terríveis, eles não privaram o homem de nenhuma das faculdades que Deus originalmente lhe concedeu. É verdade que o pecado tirou do homem a capacidade de utilizar essas faculdades corretamente, ou seja, empregá-las para a glória do Criador. Entretanto, o homem caído possui ainda a mesma natureza, corpo, alma e espírito, que tinha antes da Queda. Nenhuma parte do ser do homem foi aniquilada, ainda que cada uma tenha sido contaminada e corrompida pelo pecado. De fato, o homem morreu espiritualmente, mas a morte não é a extinção do ser (aniquilação) — morte espiritual é a alienação de Deus (Ef. 4:18). Aquele que é espiritualmente morto está bem vivo e ativo no serviço de Satanás.

A incapacidade do homem caído (não regenerado) de vir a Cristo não reside em nenhum defeito físico ou mental. Ele tem o mesmo pé para levá-lo tanto a um local onde o Evangelho é pregado, como para caminhar até um bar. Ele possui os mesmos olhos que podem lhe servir para ler tanto as Escrituras Sagradas como os jornais. Ele tem os mesmos lábios e voz para clamar a Deus os quais usa agora em conversas fiadas e em canções ridículas. Assim, também, possui as mesmas faculdades mentais para ponderar sobre as coisas de Deus e sobre a eternidade, as quais ele utiliza tão diligentemente nos seus negócios. É por causa disso que o homem é "indesculpável". É o mau uso das faculdades que o Criador lhe concedeu que aumenta a sua culpa. Que cada servo de Deus veja que essas coisas pesam constantemente sobre os seus ouvintes não convertidos.


1) A incapacidade do homem está na sua natureza corrompida.
Nós temos de ir bem mais a fundo se quisermos encontrar a fonte da incapacidade do homem. Devido à queda de Adão, e por causa do nosso próprio pecado, a nossa natureza se tornou tão corrompida e depravada que é impossível para qualquer homem "vir a Cristo", amá-lO e serví-lO, estimá-lO mais que tudo neste mundo e submeter-se a Ele, até que o Espírito de Deus o regenere e implante nele uma nova natureza. A fonte amarga não pode jorrar água doce, nem a árvore má produzir bons frutos. Deixe-me tentar explicar isso melhor através de uma ilustração. É da natureza de um abutre alimentar-se de carniça; no entanto, ele tem os mesmos órgãos e membros que lhe permitiriam comer grãos, como fazem as galinhas, mas ele não possui nem a disposição nem o apetite para tal alimento. É da natureza da porca o chafurdar na lama; e apesar dela possuir pernas como a ovelha para levá-la à campina, lhe falta entretanto o desejo por pastos verdejantes. Assim acontece com o homem não-regenerado. Ele tem as mesmas faculdades físicas e mentais que o homem regenerado possui para empregar no serviço e nas coisas de Deus, mas não tem amor por elas.

"Adão... gerou um filho à sua semelhança, conforme a sua imagem" (Gn. 5:3). Que terrível contraste há aqui com o que lemos dois versículos antes: "... Deus criou o homem, à semelhança de Deus o fez". No intervalo entre esses dois versos, o homem caiu, e um pai caído pode gerar somente um filho caído, transmitindo-lhe a sua própria depravação. "Quem da imundícia poderá tirar coisa pura? (Jó 14:4). Por isso nós encontramos o salmista de Israel declarando, "Eu nasci na iniquidade, e em pecado me concebeu minha mãe" (Sl. 51:5). No entanto, apesar de por natureza Davi ser um monte de iniquidade e pecado (como também somos nós), mas tarde a graça fez dele o homem segundo o coração de Deus. Desde que idade essa corrupção da natureza aparece nas crianças? "Até a criança se dá a conhecer pelas suas obras" (Pv. 20:11). A corrupção do seu coração logo se manifesta: orgulho, vontade própria, vaidade, mentira, aversão ao que é bom, são frutos amargos que cedo brotam no novo, mas corrupto, ramo.

2) A incapacidade do homem está na completa escuridão em que se encontra o seu intelecto.
Essa importante faculdade da alma foi destituída da sua glória original, e coberta de confusão. Tanto a mente como a consciência estão corrompidas: "Não há quem entenda"(Rm. 3:11). O apóstolo solenemente lembra os santos, "Pois outrora éreis trevas" (Ef. 5:8), não somente estavam "em trevas", mas eram as própria "trevas". O pecado fechou as janelas da alma e a escuridão se estende por todo o lugar: ela é a região das trevas e da sombra da morte, onde a luz é como a escuridão. Lá reina o príncipe das trevas, onde não se pratica nada além das obras das trevas. Nós nascemos espiritualmente cegos, e não podemos ter essa visão restaurada sem um milagre da graça. Esse é o seu caso quem quer que você seja, se ainda não nasceu de novo" (Thomas Boston, 1680). "São filhos sábios para o mal, e não sabem fazer o bem" (Jr. 4:22).

"O pendor da carne é inimizade contra Deus, pois não está sujeito à lei de Deus, nem mesmo pode estar"(Rm. 8:7). Existe no homem não regenerado uma oposição e aversão pelas coisas espirituais. Deus revelou a Sua vontade aos pecadores no tocante ao caminho da salvação, contudo eles não trilharão esse caminho. Eles sabem que somente Cristo é capaz de salvá-los, no entanto eles recusam se separar das coisas que obstruem o seu caminho até a Ele. Eles ouvem que é o pecado que mata a alma, no entanto o afagam em seu peito. Eles não dão ouvidos às ameaças de Deus. Os homens acreditam que o fogo há de consumir-lhes, e estão em grande tormento para evitá-lo; contudo, mostram com suas ações que consideram as chamas eternas como se fossem um mero espantalho. O mandamento divino é "santo, justo e bom", mas o homem o odeia, e só o observa enquanto a sua respeitabilidade é promovida entre os homens.

3) A incapacidade do homem está na corrupção dos seus sentimentos.
“O homem, no estado em que se encontra, antes de receber a graça de Deus, ama tudo e qualquer coisa que não seja espiritual. Se você quiser uma prova disso, olhe ao seu redor. Não há necessidade de nenhum monumento à depravação dos sentimentos humanos. Olhe por toda parte. Não há uma rua, uma casa, e não somente isso, nenhum coração, que não possua uma triste evidência dessa terrível verdade. Por que no Dia do Senhor o homem não é encontrado congregando-se na casa de Deus? Por que não nos achamos mais freqüentemente lendo nossas Bíblias? O que acontece para a oração ser um dever quase que totalmente negligenciado? Por que Jesus Cristo é tão pouco amado? Por que até mesmo os seus seguidores professos são tão frios em seus sentimentos para com Ele? De onde procedem essas coisas? Seguramente, caros irmãos, nós não podemos creditá-las a outra fonte que não a corrupção e a perversão dos sentimentos. Nós amamos o que deveríamos odiar, e odiamos o que deveríamos amar. Não é outra coisa senão a natureza humana caída que nos faz amar esta vida mais do que a vida por vir. É um efeito da Queda o fato do homem amar o pecado mais que a justiça, e os caminhos do mundo mais que os caminhos de Deus”. (Sermão de C.H. Spurgeon em Jo. 6:44).

Os sentimentos do homem não regenerado são totalmente depravados e desordenados. "Enganoso é o coração, mais do que todas as coisas, e desesperadamente corrupto" (Jr. 17:9). O Senhor Jesus afirmou solenemente que os sentimentos do homem caído (não regenerado) são a fonte de toda abominação: "Porque de dentro do coração do homem, é que procedem os maus desígnios, a prostituição, os furtos, os homicídios, os adultérios, a avareza, a malícia, o dolo, a lascívia, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura" (Mc. 7:21,22). Os sentimentos do homem natural estão miseravelmente deformados, ele é um monstro espiritual. O seu coração se encontra onde deveriam estar os seus pés, seguro ao chão; seus calcanhares estão levantados contra os Céus, para onde deveria estar posto o seu coração (At. 9:5). Sua face está voltada para o inferno; por isso Deus o chama para converter-se. Ele se alegra com o que deveria entristecê-lo, e se entristece com o que deveria alegrá-lo; se gloria com a vergonha, e se envergonha da sua glória; abomina o que deveria desejar, e deseja o que deveria abominar (Pv. 2:13-15) (extraído do Boston’s Fourfold State).

4) Sua incapacidade está na total perversão da sua vontade.
"O homem pode ser salvo se ele quiser", diz o arminiano. Nós lhe respondemos, "Meu caro senhor, nós todos cremos nisso; mas essa é que é a dificuldade — se ele quiser." Nós afirmamos que nenhum homem deseja vir a Cristo por sua própria vontade; não, não somos nós que o dizemos, mas Cristo mesmo declara: "Contudo não quereis vir a mim para terdes vida" (Jo. 5:40); e enquanto esse "não quereis vir" estiver registrado nas Escrituras nós não podemos ser levados a crer em nenhuma doutrina do livre arbítrio. "É estranho como as pessoas, quando falam sobre livre arbítrio, falam de coisas das quais nada compreendem. Um diz "Ora, eu creio que o homem pode ser salvo ser ele quiser". Mas essa não é toda a questão. O problema é: é o homem naturalmente disposto a se submeter aos termos do Evangelho de Cristo? Afirmamos, com autoridade bíblica, que a vontade humana é tão desesperadamente dada ao engano, tão depravada, e tão inclinada para tudo que é mau, e tão avessa a tudo aquilo que é bom, que sem a poderosa, sobrenatural e irresistível influência do Espírito Santo, nenhum homem nunca será constrangido a buscar a Cristo." (C.H. Spurgeon).

"Há uma corda de três pontas contra o céu e a santidade, que não é fácil de ser rompida; um homem cego, uma vontade pervertida, e um sentimento desordenado. A mente, inchada pela vaidade, diz que o homem não deve se humilhar; a vontade, inimiga da vontade de Deus, diz: ele não quer; as emoções corrompidas levantando-se contra o Senhor, em defesa da vontade corrompida diz: ele não irá. Assim a pobre criatura permanece irredutível contra Deus, até o dia do Seu poder, quando é feito nova criatura" (Thomas Boston).

Pode ser que alguns leitores sejam inclinados a dizer: "ensinamentos como estes desencorajam pecadores e os levam ao desespero". Nossa resposta é: Primeiro, eles estão de acordo com a Palavra de Deus! Segundo, esperamos que Ele se agrade em usar essas verdades para levar alguns a desesperarem-se de qualquer ajuda que possam encontrar neles mesmos. Terceiro, esse ensino manifesta a absoluta necessidade da obra do Espírito Santo nessas criaturas depravadas e espiritualmente impotentes, se algum dia vierem salvificamente a Cristo. Então, até que isso seja claramente entendido, o Seu auxílio nunca será realmente buscado.

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FONTE: Monergismo

10:03 1
Agostinho de Hipona
A Vocação dos Eleitos - Agostinho de Hipona

   Procuremos entender a vocação própria dos eleitos, os quais não são eleitos porque creram, mas são eleitos para que cheguem a crer. O próprio Senhor revela a existência desta classe de vocação ao dizer: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi (Jo 15: 16). Pois, se fossem eleitos porque creram, tê-lo-iam escolhido antes ao crer nele e assim merecerem ser eleitos. Evita, porém, esta interpretação aquele que diz: Não fostes vós que me escolhestes.

   Não há dúvida que eles também o escolheram, quando nele acreditaram. Daí o ter ele dito: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi, não porque não o escolheram para ser escolhidos, mas para que o escolhessem, ele os escolheu. Isso porque a misericórdia se lhes antecipou (Sl 53:11) segundo a graça, não segundo uma dívida. Portanto, retirou-os do mundo quando ele vivia no mundo, mas já eram eleitos em si mesmos antes da criação do mundo.

   Esta é a imutável verdade da predestinação da graça. Pois, o que quis dizer o Apóstolo: Nele ele nos escolheu antes da fundação do mundo?(Ef 1:4). Com efeito, se de fato está escrito que Deus soube de antemão os que haveriam de crer, e não que os haveria de fazer que cressem, o Filho fala contra esta presciência ao dizer: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi. Isto daria a entender que Deus sabia de antemão que eles o escolheriam para merecerem ser escolhidos por ele.

   Conseqüentemente, foram escolhidos antes da criação do mundo mediante a predestinação na qual Deus sabia de antemão todas as suas futuras obras, mas são retirados do mundo com a vocação com que Deus cumpriu o que predestinou. Pois, o que predestinou, também os chamou com a vocação segundo seu desígnio. Chamou os que predestinou e não a outros; predestinou os que chamou, justificou e glorificou (Rm 8:30) e não a outros com a consecução daquele fim que não tem fim.

   Portanto, Deus escolheu os crentes, mas para que o sejam e não porque já o eram. Diz o apóstolo Tiago: Não escolheu Deus os pobres em bens deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu aos que o amam? (Tg 2:5). Portanto, ao escolher, fá-los ricos na fé, assim como herdeiros do Reino. Pois, com razão, se diz que Deus escolheu nos que crêem aquilo pelo qual os escolheu para neles realizá-lo.

   Pergunto: quem ouvir o Senhor, que diz: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi, terá atrevimento de dizer que os homens têm fé para ser escolhidos, quando a verdade é que são escolhidos para crer? A não ser que se ponham contra a sentença da Verdade e digam que escolheram antes a Cristo aqueles aos quais ele disse: Não fostes vós que me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi.


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Fonte: A GRAÇA II, Editora PAULUS.

20:07 2
A PREDESTINAÇÃO 
 (Cinco afirmações incontestáveis) 
Rev. John Stott

 “A predestinação para a vida é o eterno propósito de Deus, pelo qual (antes de lançados os fundamentos do mundo) tem constantemente decretado por seu conselho, a nós oculto, livrar da maldição e condenação os que elegeu em Cristo dentre o gênero humano, e conduzi-los por Cristo à salvação eterna, como vasos feitos para honra. Por isso os que se acham dotados de um tão excelente benefício de Deus, são chamados segundo o propósito de Deus, por seu Espírito operando em tempo devido; pela graça obedecem à vocação; são justificados gratuitamente; são feitos filhos de Deus por adoção; são criados conforme à imagem de seu Unigênito Filho Jesus Cristo; vivem religiosamente em boas obras, e, enfim, chegam, pela misericórdia de Deus, à felicidade eterna”. (XVII Artigo de Religião – Predestinação e Eleição). 

 “Sabemos que Deus age em todas as coisas para o bem daqueles que o amam, dos que foram chamados de acordo com o seu propósito. Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, também chamou, também justificou; aos que justificou também glorificou”. (Paulo aos Romanos.8:28-30). 

         Nestes dois versículos Paulo esclarece o que quis dizer no versículo 28 ao referir-se ao “propósito” de Deus, segundo o qual ele nos chamou e age para que tudo contribua para o nosso bem. Ele analisa o “bem” segundo os parâmetros de Deus, bem como o seu propósito de salvação, através de cinco estágios, desde que a idéia surgiu em sua mente até a consumação do seu plano na glória vindoura. Segundo o apóstolo, esses estágios são: presciência, predestinação, chamado, justificação e glorificação. 

Primeiro há uma referência a aqueles que Deus de antemão conheceu. Essa alusão a “conhecer de antemão”, isto é, saber de alguma coisa antes que ela aconteça, tem levado muitos comentaristas, tanto antigos como contemporâneos, a concluir que Deus prevê quem irá crer e que essa presciência seria a base para a predestinação. Mas isso não pode estar certo, pelo menos por duas razões. A primeira é que neste sentido Deus conhece todo mundo e todas as coisas de antemão, ao passo que Paulo está se referindo a um grupo específico. Segundo, se Deus predestina as pessoas porque elas haverão de crer, então a salvação depende de seus próprios méritos e não da misericórdia divina; Paulo, no entanto, coloca toda a sua ênfase na livre iniciativa da graça de Deus. 

Assim, outros comentaristas nos fazem lembrar que no hebraico o verbo “conhecer” expressa muito mais do que mera cognição intelectual; ele denota um relacionamento pessoal de cuidado e afeição. Portanto, se Deus “conhece” as pessoas, ele sabe o que passa com elas; e quando se diz que ele “conhecia” os filhos de Israel no deserto, isto significa que ele cuidava e se preocupava com eles. Na verdade Israel foi o único povo dentre todas as famílias da terra a quem Javé “conheceu”, ou seja, amou, escolheu e estabeleceu com ele uma aliança. O significado de “presciência” no Novo Testamento é similar. “Deus não rejeitou o seu povo [Israel], o qual de antemão conheceu”, isto é, a quem ele amou e escolheu (11:2). À luz deste uso bíblico John Murray escreve: “’Conhecer’... É usado em um sentido praticamente sinônimo de ‘amar’... Portanto, ‘aqueles que ele conheceu de antemão’... é virtualmente equivalente a ‘aqueles que ele amou de antemão”. Presciência é “amor peculiar e soberano”. Isto se encaixa com a grande declaração de Moisés: “Não vos teve o Senhor afeição, nem vos escolheu, porque fôsseis mais numerosos do que qualquer povo... mas porque o Senhor vos amava...”. A única fonte de eleição e predestinação divina é o amor divino. 

Segundo, aqueles que [Deus] de antemão conheceu, ou que amou de antemão, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos(29). O verbo predestinou é uma tradução de proorizõ que significa “decidiu de antemão” (BAGD), como se vê em Atos.4:28 (“Fizeram o que o teu poder e tua vontade haviam decidido de antemão que acontecesse”). É, pois, evidente que o processo de tornar-se um cristão implica uma decisão; antes de ser nossa, porém, tem de ser uma decisão de Deus. Com isso não estamos negando o fato de que nós “nos decidimos por Cristo”, e isso livremente; o que estamos afirmando é que, se o fizemos, é só porque, antes disso, ele já havia “decidido por nós”. Esta ênfase na decisão ou escolha soberana e graciosa de Deus é reforçada pelo vocabulário com o qual ela está associada. Por um lado, ela é atribuída ao “prazer” de Deus, a sua “vontade”, “plano” e “propósito”, e por outro lado, já existia “antes da criação do mundo” ou “antes do princípio das eras”. C. J. Vaughan resume esta questão nas seguintes palavras: 
Cada um que se salva no final só pode atribuir sua salvação, do primeiro ao último passo, ao favor e à ação de Deus. O mérito humano tem de ser excluído: e isto só pode acontecer voltando às origens do que foi feito e que se encontra muito além da obediência que evidencia a salvação, ou mesmo da fé a que ela é atribuída; ou seja, um ato de espontâneo favor da parte daquele Deus que antevê e pré-ordena desde a eternidade todas as suas obras. 

 Este ensino não pode se minimizado. Nem a Escritura nem a experiência nos autoriza faze-lo. Se apelarmos para a Escritura, veremos que no decorrer de todo o Antigo Testamento se reconhece ser Israel “a única nação na terra” a quem Deus decidiu “resgatar para ser seu povo”, escolhido para ser sua “propriedade peculiar”; e em todo o Novo Testamento se admite que os seres humanos são por natureza cegos, surdos e mortos, de forma que sua conversão é impossível, a menos que Deus lhes dê vista, audição e vida. 

 Nossa própria experiência confirma isso. O Dr. J. I. Packer, em sua excelente obra: O Evangelismo e a Soberania de Deus aponta que, mesmo que neguem isso, a verdade é que os cristãos crêem na soberania de Deus na salvação. “Dois fatos demonstram isso”, ele escreve. “Em primeiro lugar, o crente agradece a Deus pela sua conversão. Ora, por que o crente age assim? Porque sabe em seu coração que Deus foi inteiramente responsável por ela. O crente não se salvou a si mesmo; Deus o salvou. (…) Há um segundo modo pelo qual o crente reconhece que Deus é soberano na salvação. O crente ora pela conversão de outros... roga a Deus para que opere neles tudo quanto for necessário para a salvação deles”. Assim os nossos agradecimentos e a nossa intercessão provam que nós cremos na soberania divina. “Quando estamos de pé podemos apresentar argumentos sobre a questão; mas, postados de joelhos, todos concordamos implicitamente”. 

 Mesmo assim há mistérios que permanecem. E, como criaturas caídas e finitas que somos, não nos cabe o direito de exigir explicações ao nosso Criador, que é perfeito e infinito. Não obstante, ele lançou luz sobre o nosso problema de tal maneira a contradizer as principais objeções que são levantadas e a mostrar que a predestinação gera conseqüências bem diferentes do que se costuma supor. Vejamos cinco exemplos: 

         1.      Dizem que a predestinação gera arrogância, uma vez que (alega-se) os eleitos de Deus se gloriam de sua condição privilegiada. Mas o que acontece é justamente o contrário: a predestinação exclui a arrogância, pois afinal, não dá para entender como Deus pode se compadecer de pecadores indignos como eles! Humilhados diante da cruz, eles só querem gastar o resto de suas vidas “para o louvor da sua gloriosa graça” e passar a eternidade adorando o Cordeiro que foi morto. 

          2.      Dizem que a predestinação produz incerteza e que cria nas pessoas uma ansiedade neurótica quanto a serem ou não predestinadas e salvas. Mas não é bem assim. Quando se trata de incrédulos, eles nem se preocupam com a sua salvação – até que, e a não ser que, o Espírito Santo os convença do pecado, como um prelúdio para a sua conversão. Mas, se são crentes, mesmo que estejam passando por um período de dúvida, eles sabem que no final a sua única certeza consiste na eterna vontade predestinadora de Deus. Não há nada que proporcione mais segurança e conforto do que isso. Como escreveu Lutero ao comentar o versículo 28, a predestinação “é uma coisa maravilhosamente doce para quem tem o Espírito”. 

           3.      Dizem que a predestinação leva à apatia. Afinal, se a salvação depende inteiramente de Deus e não de nós, argumentam, então toda responsabilidade humana diante de Deus perde a razão de ser. Uma vez mais, isso não é verdade. A Escritura, ao enfatizar a soberania de Deus, deixa muito claro que isso não diminui em nada a nossa responsabilidade. Pelo contrário, as duas estão lado a lado em uma antinomia, que é uma aparente contradição entre duas verdades. Diferentemente de um paradoxo, uma antinomia “não é deliberadamente produzida; ela nos é imposta pelos próprios fatos... Nós não a inventamos e não conseguimos explicá-la. Não há como nos livrar dela, a não ser que falsifiquemos os próprios fatos que nos levaram a ela”. Um bom exemplo se encontra no ensino de Jesus quando declarou que “ninguém pode vir a mim, se o Pai... não o atrair” e que “vocês não querem vir a mim para terem vida”. Por que as pessoas não vão a Jesus? Será porque não podem? Ou é porque não querem? A única resposta compatível com o próprio ensino de Jesus é: “Pelas duas razões, embora não consigamos conciliá-las”. 

         4.      Dizem que a predestinação produz complacência e gera antinomianos. Afinal, se Deus nos predestinou para a salvação eterna, por que não podemos viver como nos agrada, sem restrições morais, e desafiar a lei divina? Paulo já respondeu esta questão no capítulo 6. Aqueles que Deus escolheu e chamou, ele os uniu com Cristo em sua morte e ressurreição. E agora, mortos para o pecado, eles renasceram para viver para Deus. Paulo escreve também em outro lugar que “Deus nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em sua presença”. Ou melhor, ele nos predestinou para sermos conformes à imagem de seu Filho (29).

            5.      Dizem que a predestinação deixa as pessoas bitoladas, pois os eleitos de Deus passam a viver voltados apenas para si mesmos. Mas o que acontece é o contrário. Deus chamou um único homem, Abraão, e sua família apenas, não para que somente eles fossem abençoados, mas para que através deles todas as famílias da terra pudessem ser abençoadas. Semelhantemente, a razão pela qual Deus escolheu seu Servo, a figura simbólica de Isaías que vemos cumprida parcialmente em Israel, mas especialmente em Cristo e em seu povo, não foi apenas para glorificar Israel, mas para trazer luz e justiça às nações. Na verdade estas promessas serviram de grande estímulo para Paulo (como deveriam ser também para nós) quando ele, num ato de grande ousadia, decidiu ampliar sua visão evangelística para alcançar os gentios. Assim, Deus fez de nós seu “povo exclusivo”, não para nos tornarmos seus favoritos, mas para que fôssemos suas testemunhas, “para anunciar as grandezas daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz”.    

Portanto, a doutrina da predestinação divina promove humildade, não arrogância; segurança e não apreensão; responsabilidade e não apatia; santidade e não complacência; e missão, não privilégio. Isso não significa que não existam problemas, mas é uma indicação de que estes são mais intelectuais do que pastorais. 

 E o ponto que Paulo quer enfatizar no versículo 29 é, com toda certeza, pastoral. Tem a ver com dois propósitos práticos da predestinação de Deus. O primeiro é que nós devemos ser conformes [viver de conformidade com] à imagem de seu Filho. Ou, dito da forma mais simples possível, o eterno propósito de Deus para seu povo é que nos tornemos como Jesus. O processo de transformação começa aqui e agora, em nosso caráter e conduta, por meio da obra do Espírito Santo, mas só será completado e aperfeiçoado quando Cristo vier e nós o virmos, e quando nossos corpos se tornarem como o corpo de sua glória. O segundo propósito da predestinação de Deus é que, como resultado de nos tornarmos conformes à imagem de Cristo, ele passe a ser o primogênito entre muitos irmãos, desfrutando da comunhão da família como também da prerrogativa de ser o primogênito. 

 Vamos agora à terceira afirmação de Paulo: E aos que predestinou, também chamou (30a). O chamado de Deus é a aplicação histórica da sua predestinação eterna. Seu chamado chega às pessoas por meio do evangelho; quando esse evangelho é anunciado a elas com poder e elas lhe respondem com a obediência da fé, aí é que se sabe que Deus as escolheu. Assim a evangelização (o anúncio do evangelho), longe de se tornar supérflua em virtude da predestinação de Deus, é indispensável, pois é exatamente ela o meio proporcionado por Deus para que o seu chamado chegue às pessoas e desperte a sua fé. Fica, pois, evidente que aqui, quando Paulo fala do “chamado de Deus”, não se trata daqueles apelos generalizados do evangelho, mas sim da convocação divina que levanta os espiritualmente morto e lhes dá vida. Geralmente se chama isso de chamado “efetivo” de Deus. Aqueles a quem Deus dirige esse chamado (30) são os mesmos que “foram chamados de acordo com o seu propósito” (28). 

 Em quarto lugar, aos que chamou, também justificou (30b). O chamado efetivo de Deus capacita aqueles que o ouvem a crer; e aqueles que crêem são justificados pela fé. Como a justificação pela fé é um assunto dominante nos capítulos anteriores desta carta de Paulo, não há necessidade de se repetir o que já foi dito, a não ser talvez enfatizar que a justificação é muito mais do que simples perdão ou absolvição, ou mesmo aceitação; é uma declaração de que nós, pecadores, agora somos justos aos olhos de Deus, pois ele nos conferiu o status de justos, que na verdade trata-se da justiça do próprio Cristo. É “em Cristo”, em virtude da nossa união com ele, que nós fomos justificados. Ele se fez pecado com o nosso pecado, para que nós pudéssemos nos tornar justos com a sua justiça. 

 Quinto, aos que justificou, também glorificou (30c). Já por diversas vezes Paulo usou o substantivo “glória”. Trata-se essencialmente da glória de Deus, a manifestação do seu esplendor, a glória da qual todos os pecadores estão destituídos (3:23), mas que se regozijam na esperança de recobrar (5:2). Paulo promete também que se participarmos dos sofrimentos de Cristo iremos participar também da sua glória (8:17), e que a própria criação irá um dia experimentar a liberdade da glória dos filhos de Deus (8:21). Agora ele usa o verbo: aos que justificou, também glorificou. Nosso destino é receber corpos novos em um mundo novo, e ambos serão transfigurados com a glória de Deus. 

 Muitos estudiosos percebem que o processo da santificação, que ocorre entre a justificação e a glorificação, foi omitido no versículo 30. No entanto, ele está implícito ali, tanto na alusão a sermos conformados à imagem de Cristo, como na preliminar necessária para nossa glorificação. Pois “santificação é glória iniciada; glória é santificação consumada”. Além disso, tão certo é esse estágio final que, embora ainda se encontre no futuro, Paulo o coloca no mesmo tempo aoristo, como se fosse um fato passado, tal como tem usado para os outros quatro estágios que já são passado. É o assim chamado “passado profético”. James Denney escreve que “o tempo da última palavra é impressionante. É a mais ousada antecipação de fé que o próprio Novo Testamento contém”. 

 Vimos aqui, portanto, as cinco afirmações incontestáveis apresentadas por Paulo. Deus é retratado como alguém que se move irresistivelmente de um estágio ao outro; de uma presciência e predestinação eternas, através de um chamado e uma justificação históricos, para a glorificação final de seu povo em uma eternidade futura. Faz-nos lembrar uma cadeia composta de cinco elos inquebráveis.   

           
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 Stott, John, Romanos, 
ABU Editora, São Paulo, 2000, pp.300-306.

Reforma Radical

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